Muitos dos leitores talvez não saibam ao que me refiro pelo objeto “benjamin”. Só me dei conta disto com largos 25 anos. Num final de ano, naquele triste e calendáricamente obrigatório apenas na FEBEM dezembro, como se não houvesse nada mais a ensinar no final do ano, após as provas e contagem dos vistos, preparei-me para passar um filme para os alunos.
Qual? Apollo 13. Banal? Talvez. Tarimbado? Com certeza. Mas para os expectadores “menores”, inédito. Metade talvez nem reconheceu em Tom Hanks quase um clichê cinematográfico. Disse um destes:
- Não é o cara das raquetadas?
Referia-se a Dan Stulbach, que agredia sua esposa às raquetadas numa novela de Manoel Carlos. Qual nome? Impossível lembrar dada a pouca criatividade deste autor em batizar obras e protagonistas. Talvez tenha sido “Páginas da vida” ou “Viver a vida” ou “Por amor”. Seguramente ambientada no Leblon. (E que fique claro que a-do-ro Manoel Carlos, suas novelas e suas Helenas). Para a maioria das pessoas é Dan Stulbach que assemelha-se a Tom Hanks. Para quem nunca foi ao cinema, é Tom Hanks que assemelha-se a Dan Stulbach.
Eu, e creio que meu leitor, já fomos mais de uma centena de vezes ao cinema. Muitos de meus alunos nunca. Este é o tipo de dado do qual se desconfia e se considera exagerado ou impossível. A alguém de classe média. Mas é constrangedor quando auferido in loco. Pode descrer-me com certeza o leitor que nunca pisou numa instituição prisional, e por isso o relevo, por ver-me consciente que eu mesma veria-me desconfiada desta afirmação antes de trabalhar na FEBEM – Fundação CASA.
Portanto, a quem duvidar de que muitos de meus alunos nunca pisaram num cinema, pergunto: “Vc já trabalhou na FEBEM?”
À negativa seguramente coletiva, prossigo. Para ligar a TV e o DVD, eu precisaria de um benjamin. Como não o encontrasse, dirigi-me à agente educacional terceirizada da ONG:
- Me traz um benjamin?
Ela olhou-me com um olhar perdido que não compreendi. Virou-se para um lado, outro, e respondeu-me como a me pedir desculpas:
- Professora, não tem nenhum Benjamin aqui, nem interno nem funcionário...
Contraí as sobrancelhas e conti o riso. Dei-me conta de que “benjamin” talvez fosse uma gíria paulistana, uma vez que o nome não remetia imediatamente ao objeto num outro ambiente. Tive então uma grande lição acerca da polissemia dos termos. Para mim um benjamin sempre fora um benjamin. Para outrém, seria o nome de alguém. Principiei a descrever: queria um adaptador de tomada, com várias saídas, etcs.
Aliviada, respondeu-me:
- Ah!... A senhora quer um “T”.
- Isso, um “T”.
Para mim a letra “T” assim, no maiúsculo, lembra pulsões primitivas e vulgares. Para a senhora que ganhava menos que eu pra dar expediente de muito mais largas horas, não. Era um singelo adaptador de tomada.
A lembrança deste fato acorreu-me ao ver a proeminente barriga de Rosana Jatobá ao anunciar o clima no “Jornal Nacional”. Esta postagem e tudo que escreverei depois desta frase constranger-me-ão no futuro, disto estou apercebida, mas o redijo para eternizar dois impulsos arquetípicos instintivamente machistas que tive hoje.
Acerca de Rosana Jatobá, grávida dos gêmeos Lara e Benjamin. Não sei pq, mas enquanto ela anuncia chuvas e secas, eu não conseguia olhar para o mapa, mas apenas para sua gigantesca barriga. Preconceituoso e neurótico? Com certeza, mas há algo de estranho em ver uma grávida expondo-se publicamente. Não sei como, mas Rosana Jatobá muito bem vestida no Jornal Nacional constrange, em 2010, quase tanto quanto Leila Diniz chocava de biquíni, na década de 70. E eu não sei por quê. E é animador que a grandiloqüente Rede Globo tenha já hoje a audácia de expor, e até comentar nacionalmente, a gravidez abençoada da “moça do tempo”. É quebrando paradigmas que uma empresa se coloca àfrente das demais.
Outro paradigma quebrado pela Rede Globo assisti hoje pela manhã. Este foi um dia típico, ou atípico, dependendo da localização geográfica de quem fala. Para uma interiorana caipira paulista, típico. Para um morador de um morro carioca atípico.
Para o leitor que desconhecer a que me refiro, uma anedota:
Como vc pode ter certeza de que a segurança púbica brasileira não existe?
– Quando o programa da Ana Maria Braga vira plantão policial.
Disse exatamente isso pra minha avó, acrescido dum:
- Será que ela não tem o programa dela pra apresentar? Dar receitas, dicas de decoração, falar sobre Princess Kate?
Pois é, diante da guerra urbana carioca, as receitas da globalmente engessada Ana Maria Braga são postergáveis: urge alertar sobre os ataques narco-terroristas, o que em outros tempos recairia à Record. Urge acrescentar aos da Globo que emasculam e tolhem à joaquinense Ana Maria: ninguém assiste ao “Mais Você”. Os telespectadores assistem ao programa da Ana Maria Braga, qual seja seu nome ou canal. E quanto mais “Mais Você” e menos o “programa da Ana Maria Braga” ele se torna, mais audiência perde.
O que isso tem a ver com meu machismo psíquico insuspeito? A repórter no Globocop. Enquanto a pesarosa Ana Maria Braga comentava os recentes ataques, passou a voz ao Globocop. Estranhei que fosse uma e não um a repórter a bordo. E eu não sei por quê. A feminilidade da jornalista de certa forma parecia fora de lugar num helicóptero, narrando o incêndio de um ônibus, às 8 e meia da manhã. E, mais uma vez, parabéns à Globo por colocar, achauvinisticamente, uma e não um repórter no Globocop. É transcendendo preconceitos que uma empresa de comunicação dita, e não acompanha, trending topics.
É curiosamente estranho quando uma mulher pretensamente libertária apercebe-se de seu próprio machismo insuspeitamente arraigado. E de como o frêmito verbal de expor isso pode nascer de um simples objeto empoeirado.
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