sexta-feira, 8 de julho de 2016
Quatro motivos porque somos contra a compra e venda de filhotes de raça.
domingo, 24 de agosto de 2014
Pequeno guia com 12 dicas para os iniciantes na Internet
1 - Não aceite a amizade de estranhos. Tem gente que sai adicionando os outros "de bobo", outras que adicionam para passar vírus e dar golpes virtuais. E outras ainda que adicionam desconhecidos por motivos ainda mais escusos, criminosos mesmo. Simplesmente não aceite a amizade de ninguém que não seja previamente seu amigo na "vida real".
2 - Se você for menor de idade, não use uma foto de perfil (avatar) em que isso seja perceptível. Infelizmente, a internet está cheia de pedófilos e fotos que você acha normais e inocentes podem ser vistas de outra forma por esses tarados. Se você é menor, use como foto de perfil uma foto de um desenho, uma flor, uma paisagem, um personagem, de forma a que simplesmente pela foto o pedófilo não identifique que você é uma criança ou adolescente. Outra forma de evitar pedófilos é informar no seu perfil outro ano de nascimento, mais antigo, de forma a que os desconhecidos achem que você já é maior de idade.
3 - Se algo é segredo, você deve ser o primeiro a guardá-lo. Não conte a NINGUÉM. Se você mesmo "espalha" o seu segredo, como pode achar que os outros vão guardá-lo? Procure, você mesmo, não espalhar fofocas nem publicar nada que ofenda a terceiros. Você poderá ser acionado judicialmente e processado no "mundo real" pelas coisas que publica na Internet.
4 - Nunca, jamais, em nenhuma circunstância, faça fotos "sensuais" ou nu. Nem com seu namorado, noivo ou marido. Pode parecer que "não tem nada de mais", mas tem sim. As pessoas são muito neuróticas com sexo e nudez. Uma única foto sem roupas poderá transformar sua vida num inferno, te tornar alvo de chacota e destruir sua reputação... para sempre.
4 A - Pense: as pessoas cobram, muito caro, para posarem nuas... Por que você faria isso de graça... a menos que pretenda "divulgar seus serviços sexuais"? É justamente isso que as pessoas pensarão ao ver suas fotos nuas: que você é um profissional do sexo.
4 B - Pense nisso antes de tirar fotos com seu namorado ou marido na hora da "empolgação". Hoje vocês se amam de paixão, mas e quando esse relacionamento acabar? As pessoas são vingativas e aquele que você acha que é o "amor da sua vida" pode no futuro, por raiva, vazar na net suas fotos íntimas. Ele vai parecer um "garanhão conquistador", e você sairá dessa como uma "prostituta". Imagens que para você são de "amor", para os outros são pornografia.
4 C - Mesmo que você não seja vítima de um ex vingativo nem você mesma publicar as fotos "sensuais" que tira escondido de si mesmo, pense: e se você perder ou alguém roubar seu celular, tablet ou pen drive com essas fotos? E se um hacker invadir seu computador? Você acha que o ladrão terá algum escrúpulo em vender suas fotos para sites pornográficos ou de pedofilia? Com certeza, não. A única forma de se proteger disso é nunca, jamais, em nenhuma circunstância, tirar fotos sugestivas ou sem roupa. E até de biquíni.
5 - A internet é uma praça pública. Tudo o que você publicar será usado contra você, mesmo 50 anos depois. Tome muito cuidado com publicações polêmicas, brincadeiras "aparentemente inocentes" e "zoações" em geral. Se um dia, daqui a 30 anos, você for candidato a presidente, aquela sua foto entornando uma garrafa de vodka, ou com o "dedinho na boca" pode, e fará, você perder a credibilidade diante dos eleitores.
6 - Não faça postagens públicas, selecione "só para amigos". Proteja-se dos curiosos e dos haters (gente que te odeia). Seja cioso de sua intimidade, explore e se informe sobre as opções de configuração de privacidade com cuidado para que não "vazem" informações suas por aí sem o seu conhecimento.
7 - Se você for publicar algo e perceber que seus pais, ou seu chefe, não aprovariam, não publique. Nenhuma piada ou gracinha vale você "queimar seu filme" com aqueles que determinam o seu sustento.
8 - Pense se vale mesmo a pena atualizar seu "status de relacionamento" toda vez que trocar de namorado ou "ficante". Pense que no futuro quando você encontrar sua "cara metade" você pode até perdê-la se ela pesquisar e descobrir que você já teve 20 ou 30 outros parceiros. E também no que seu "grupo de amigos" vai pensar de você se você troca de parceiro engatando um novo relacionamento "sério" mês sim, mês não.
9 - Quando estiver namorando, não exagere nas "fotos românticas" e não publique fotos beijando. No futuro, se o relacionamento acabar, você vai odiar essas fotos, bem como seus futuros parceiros. Você poderá deletar as suas, mas e se houver várias dessa fotos, com dezenas de diferentes parceiros, nos perfis de outras pessoas? Nessas você não conseguirá "dar sumiço" e podem ser fruto de grande desconforto, dores de cabeça e crises de ciúme.
10 - Pense que um dia você terá filhos, netos e bisnetos. E talvez, se você não viver muito, eles só te conheçam a partir dos seus perfis nas redes sociais. Não publique coisas que poderiam envergonhar seus bisnetos daqui a 50 anos. Na internet tudo é eterno.
11 - Não perca o sono. É tentador "virar a madrugada". Não vale a pena. Não há nada que seja publicado depois da meia-noite que não possa esperar o dia seguinte para ser curtido, comentado e compartilhado. O sono é fundamental para nossa saúde e bem estar. Dormir poucas horas te fará se sentir mal e produzir pouco no dia seguinte. Durma pelo menos 8 horas por noite. E mais, se possível.
12 - Cadastre no seu perfil do Facebook todos os livros que ler e filmes que assistir. É uma forma legal de divulgar que você tem interesses culturais, de passar uma imagem positiva para todos. E, em nosso mundo, infelizmente, mais importante do que "ser" é "parecer" ou "divulgar". Cuide para que as informações que divulga sejam positivas, falem bem, e não mal, de você.
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quinta-feira, 10 de julho de 2014
Da Máfia chinesa
Em texto anterior, mencionei que minha segunda experiência profissional foi em uma firma de videokê comandada por chineses, e au passant que meu desligamento desta empresa não foi tão pacífico. Vamos aos detalhes.
Os japoneses, ao que me consta, criaram uma forma de entretenimento denominada "karaokê", termo que significaria "sem banda". Pelo mundo espalhou-se o hábito de, em bares e locais de entretenimento, haver uma máquina que, com o acionamento de moedas, tocava a trilha de uma música, possibilitando aos clientes o entretenimento de cantá-la.
Na passagem entre os 1990 e os anos 2000 o karaokê "evoluiu" para o videokê, com o avanço de que agora havia uma tela que mostrava a letra da música a ser cantada. Rapidamente começaram a pulular pelos bares as "jukebox de videokê". E justamente no fornecimento de "máquinas de videokê" a empresa King Star entrava no mercado.
Entrei em contato com ela através do meu então colega de cursinho, e para sempre grande amigo, Henrique "Figura". Ele morava no mesmo prédio do dono da empresa, e assim conseguiu o emprego. No curso pré-vestibular Figura verificou que meu domínio do português era muito bom, e me convidou, a princípio, para um trabalho freelance como revisora da grafia da letra das músicas. Me forneceu um equipamento e por alguns finais de semana gastei todas a minhas horas livres nisso, entregando o trabalho antes do prazo.
Meu trabalho causou boa impressão e me convidaram para um trabalho fixo na King Star. Adorei pois seria minha segunda experiência empregatícia, e o local de trabalho ficava a 300 metros da minha casa no Tatuapé. Sem registro em carteira, receberia, em 2001, 300 reais por mês, o que creio que fosse próximo ao salário mínimo da época.
O dono da empresa atendia pelo nome "brasileiro" de Fernando, meu xará. Era um taiwanês de 26 anos com esposa e filho pequeno, empreendedor arrojado que também empregava seus irmãos, que atendiam por Cris e Mário. Soube que antes de se dedicarem ao videokê trabalhavam com máquinas de caça-níquel, mas que haviam abandonado esse ramo por conta da proibição legal e subsequente fiscalização.
Figura rapidamente me ensinou seu métier, que era bem mais simples do que eu pensava. As máquinas, semelhantes a DVD players, vinham prontas da China. A nossa parte era desenvolver o software. Ou, mais precisamente, adicionar o máximo de músicas ao acervo do software do videokê. Baixávamos pela internet arquivos .mid com a melodia e também pesquisávamos a letra dessa canção. Nosso trabalho era simplesmente o de sincronizar letra e música, acertando compassos, timbres e tons.
Mesmo sem saber quase nada de música e sendo incapaz de tocar qualquer instrumento, era muito simples esse trabalho. E até o de multiplicar músicas, se gravadas por mais de um artista. Nosso trabalho frutificava, e as vendas iam bem até o ponto em que foi contratado um terceiro membro para nos ajudar. Após algumas entrevistas, selecionaram Roberto Mautone Jr., que frequentava minha sala do cursinho pré-vestibular.
Tudo ia muito bem... Até que... A China chamou.
Nosso chefe Fernando não nos explicou muito bem os pormenores, mas pelo que pude entender, o capital que havia usado para iniciar o negócio viera de Taiwan, de parceiros comerciais que, portanto, eram sócios no seu negocio na King Star. Aparentemente seu sócio em Taiwan estava passando por problemas, ou desconfiava de sua retidão na condução da empresa, e portanto enviaria "emissários" para um tipo de "auditoria"
Os chineses que vieram eram 2, um homem e uma mulher, esta aparentemente esposa do superior de Fernando, e aquele aparentemente seu "testa de ferro". Só falavam chinês e um pouco de inglês. Sendo nós contratados numa firma com 3 chineses e 3 subalternos brasileiros, ouvir chinês para nós era corriqueiro. Fernando, com seu sotaque pesado, veio me perguntar se eu "realmente falava inglês de verdade" e quando disse que sim, me pediu que fizesse um "meio de campo" com os visitantes, os levasse para passear no bairro, almoçar, etc, e assim fiz.
Foi numa dessas oportunidades que descobri que minha primeira tatuagem não era em japonês, mas em chinês. No dia de meu aniversário de 18 anos eu comparecera a um estúdio de tatuagem. Folheara o portfólio e selecionara duma folha onde se lia "Letras japonesas" o ideograma sob o qual estava escrito "verdade". Estava tranquila desse fato até que o "testa de ferro" do chinezão, ao vê-la, abriu um sorriso e disse: "nice, honesty!"
Eu disse "I beg your pardon, what did you say?" E ele disse "I just read your tattoo". Repliquei: "can you read it? Is it in chinese? I thought it was 'truth' in japanese". E ele disse meio que rindo da minha cara "well, it's chinese, and says 'honesty', wich also can be translated as 'truth'." Me senti meio tranquila e meio lograda. Pelo menos eu não havia tatuado "conteúdo 300 gramas" ou "sopa de cebola".
Após algumas semanas chegou da China, ou de Taiwan, pois para eles "era tudo a mesma coisa" o chefão cuja esposa eu estivera ciceroneando, mesmo com seu péssimo inglês. Aparentemente vinha para "tomar o negócio" do Fernando. Num sábado de janeiro de 2002, logo após eu fazer as provas da segunda fase da FUVEST o Fernando nos disse para ir ao trabalho "normalmente", mas para ficarmos alerta, pois algo de importante aconteceria. Eu, Figura e Beto permanecemos no andar de cima, em nossos computadores, enquanto "a chinesada" fez uma reunião no andar de baixo. No meio do expediente, ouvimos do andar de cima barulhos que pareciam de uma briga física entre eles.
Quando se aproximou a hora do fim de nosso expediente, Fernando subiu as escadas, foi à nossa sala, nos dispensou e me entregou, numa caixa, uma fita de vídeo VHS. Me pediu que a ocultasse em minha bolsa, a levasse para minha casa, e disse que mais tarde, ainda neste dia, a iria buscar. E que eu a guardasse enquanto isso como a minha vida. Ok. Enquanto íamos embora, o testa de ferro do chinesão chamou o Figura para uma conversa particular.
Beto me acompanhou no curto trajeto até minha casa e, lá chegando, não nos contivemos em colocar a fita no meu videocassete, rebobiná-la e assisti-la. Era uma gravação de uma câmera escondida colocada na luminária do teto da sala onde acontecera a reunião, no andar de baixo. A "chinesada" obviamente só falara em chinês, mas mesmo não compreendendo uma só palavra, assistimos tudo, vidrados.
A linguagem corporal não deixava dúvidas. Travavam nosso chefe Fernando, o chinesão seu superior e seu testa de ferro que reconhecera minha tatuagem uma discussão aguerrida, por conta de dinheiro ou da condução da empresa. Assistimos ao momento em que o "chinesão big boss" deu uma série de socos na mesa, e este fôra o barulho que nos alarmara, ouvido do andar de cima.
Ao fim da tarde nosso chefe Fernando veio bater à porta da minha casa, perguntando com ansiedade e insegurança de menino "onde estava a fita". A entreguei na mesma caixa, sem lhe informar que a assistira, e ele a abraçou como a uma joia preciosa.
Abriu um sorriso, me agradeceu pela discrição e disse:
"Essa fita vai salvar a minha vida".
Na semana seguinte recebi a notícia de havia sido aprovada no vestibular da USP para o curso vespertino de História e pedi meu desligamento da King Star. E soube que o "chinesão big boss" não era o "big boss" after all. Que havia, acima dele, lá na China, um "chefão" superior, e que essa fita da discussão em chinês lhe havia sido remetida por Fernando como uma forma de provar sua honestidade na condução do negócio, no intento de "queimar", lá na China, com o "verdadeiro chefão" aquele que socara a mesa da King Star.
Nesse meio tempo o Figura nos revelou o conteúdo de sua conversa com o chinês. Ele sofrera uma tentativa de suborno. O chinês lhe dissera que a King Star seria desfeita, e o convidou para "virar a casaca": abandonar o Fernando e passar a trabalhar diretamente para ele, o que lhe valeria um reajuste salarial de 50%. De 300 passaria a ganhar 450 reais. Só ele, eu e o Beto não. Não havia espaço para nós. Figura nos disse que por nenhum momento cogitou aceitar isso. Que conhecia o Fernando há anos e não colaboraria com essa "puxada de tapete". Que não aceitaria essa proposta, levando o know-how que aprendera com o Fernando, para seus agora "inimigos" e futuros concorrentes. Que não faria parte deste "golpe empresarial" que resultaria no fim do emprego meu e do Beto, seus "trutas". O Figura sempre foi muito "firmeza".
Depois disso, não mais soube que rumo levou essa contenda. Com o avanço da tecnologia, e o fim da moda, essas máquinas de videokê que vendíamos caíram no ostracismo. Não há mais quem as compre. Não sei que rumo tomaram Fernando e seus irmãos. Mas tenho certeza que estão enriquecendo, empreendendo, trabalhando diligentemente, como os chineses, ou taiwaneses, sabem fazer tão bem.
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sábado, 5 de abril de 2014
Como faz bem fazer o bem
Como faz bem fazer o bem. Como fazer o bem nos faz sentir bem.
Percebi isso hoje.
Sempre tive medo/receio de mendigos, pedintes e moradores de rua. O típico medo da classe mérdia de ser assaltado, explorado, feito de bobo.
Embora os "valores cristãos" nos recomendem praticar a caridade e ajudar ao próximo, essas "boas ações" costumam ser cerceadas por diversos motivos:
1 - Recomendam não dar dinheiro aos pedintes. Pois dar dinheiro não apenas os estimula a continuar na mendicância, como a sua doação pode ser usada para a compra de entorpecentes que prejudicarão ainda mais a saúde, física e mental, destas pessoas.
2 - Recomendam, ao invés de doar diretamente aos pedintes, fazer doações a instituições de caridade, que usarão esse dinheiro em assistência social. Porém, grande parte desta verba é revertida para o pagamento dos funcionários dessa assistência, como os operadores de telemarketing que nos ligam e motoboys que vêm buscar nossas doações. Além de que grande parte dessa população de rua se recusa a ser "institucionalizada" pelo Estado ou ONG's.
3 - Recomendam até não dar comida em pacotes fechados aos pedintes. Era meu costume comprar pacotes de bolacha e miojo extra para dar aos pedintes. Porém em diversas ocasiões fui informada que é comum pedintes coletarem esses mantimentos e os trocar por pedras de crack nas "biqueiras".
4 - Recomendam não "dar trela" para moradores de rua. Pois grande parte deles apresenta problemas psiquiátricos e a última coisa que alguém quer é um morador de rua que "encafifou" com você. E, se você lhe der atenção ou doações uma vez, pode ser que ele bata na sua porta a toda hora, no estilo "você dá a mão, quer logo o braço."
Então, embora em algumas ocasiões tenha dispensado moedas apenas para me livrar rapidamente de pedintes, minha práxis comum tem sido ignorá-los, por mais mortificada que isso me fizesse sentir.
De certa forma esse é um sentimento de culpa. Pela percepção do quanto somos abençoados por uma segurança financeira que se sustenta sobre a exploração e exclusão (ou inclusão perversa) dessas pessoas na sociedade.
Em São Paulo capital é tão grande o número de mendigos que eles chegam a fazer parte da paisagem, e tropeçamos neles sem pedir desculpas, considerando "um fato natural da vida" a existência de meninos de rua cheirando cola ao meio-dia na praça da Sé.
Em Rio Claro - SP não há "meninos de rua" e mendigos como em SP. Estamos relativamente bem servidos por entidades de Assistência social. Temos orfanato, "Casa das Crianças", "Casa da Aldeia" (com "mães sociais") e a Casa Transitória que abriga moradores de rua. Portanto é raro, em Rio Claro, ver um mendigo jogado na calçada. E é de se supor que ao encontrar algum, ele esteja na rua justamente por se recusar à institucionalização, a ser "fichado e rotulado".
Esses andarilhos não querem "se enquadrar" no esquema de vida burguesa. O que sempre leva aos membros da "classe média", como eu, a passar por essas pessoas com ar de superioridade e desprezo, ignorando-as. E, ao sermos abordados, frequentemente nos sentimos aviltados "como ele ousa me dirigir a palavra, esse bêbado, esse drogado? Ai, que medo!" E passamos por eles correndo, virando a cara.
No dia de hoje estacionei meu carro em frente a um supermercado e perto dele havia uma casa lotérica, onde aproveitei para ir pagar umas contas. Nesse trajeto, passei a meio metro de um morador de rua. Ao passar por ele, me dirigiu algumas palavras, à quais me recusei a ouvir, passei direto, balançando minha cabeça em negativa, enquanto reparava em sua excessiva magreza.
Prossegui meu caminho até a lotérica, pensando sobre ele, percebendo que seu jeito idiossincrático denotava que ele provavelmente era possuidor de transtornos mentais. E que estes poderiam ser o motivo de ele prosseguir na rua, recusando as possibilidades de Assistência Social que nossa cidade oferece.
Um bêbado, um louco, um drogado, um desajustado...
Pensando sobre isso na fila cogitei que direito tinha eu de julgá-lo. Netinha do vovô militar que sou, em tudo o que tive estímulo, ele teve desilusão. Em tudo o que tive oportunidades, ele teve barreiras. Em tudo o que tive conforto, ele teve dureza. Em tudo o que tive aconchego, ele teve violência.
Pequeno e magro, jogado na calçada, minha negativa em ajudá-lo começou a me incomodar. Era meu conforto que me incomodava. Era minha arrogância de superioridade que me incomodava. Era a percepção de que na verdade, pequenas circunstâncias da vida dos separavam, que me incomodava. Mas, sobretudo, que eu teria que passar de novo por ele, na volta a caminho do mercado, que me incomodava.
Resolvi que "daria uma chance às circunstâncias": se no trajeto de volta ele falasse comigo de forma que eu não me sentisse ameaçada, o ajudaria. Não com dinheiro. Isso seria pedir demais.
Na volta, mais uma vez ele falou comigo, baixo e timidamente, já antecipando ser ignorado por mais uma patricinha arrogante. Mas, para sua e minha surpresa, parei e o olhei, como a um ser humano, como talvez nem ele mais me sentisse e poucos (inclusive eu) o considerassem. Me dissera sussurrando:
- Me dá uma ajuda...
Parei e lhe disse com a maior simplicidade que pude:
- Você está com fome, sede? Estou indo no mercado, me fala do que você está precisando.
Ele abriu um sorriso amplo, mas com poucos dentes, e disse "Uma Coca". Talvez tenha pensado que se tivesse pedido uma aguardente, eu recusaria, mas eu não teria recusado. Teria-lhe sim comprado um litro de pinga, se pedisse. Na sua condição, é mais do que compreensível que queira se entorpecer. Mas só me pediu um refrigerante e isso me fez ter vontade de também lhe comprar algo de comer.
Fui ao mercado e peguei uma Coca de 600 ml pensando que depois que poderia usar a garrafa para guardar água. Fui à padaria do mercado e peguei uma bandeja de bauru de forno, quentinho, com guardanapos e sachês de maionese e mostarda. Passei pelo caixa e fui levar até ele.
- Comprei uma Coca e uma coisinha pra você comer também.
Ele abriu um sorriso um pouco mais largo, com um dente a mais e disse:
-Deus lhe abençôe!
Tenho certeza que isso me trouxe mais bem-estar do que a ele. Que este ato, quantitavamente, mais aliviou a minha própria culpa por me sentir abençoada e pouco solidária do que a fome objetiva dele. Ele se sentiu um ser humano, mas eu me senti um pouco mais "superior e boazinha".
Ao fazer essa "boa ação" que me fez sentir tão bem, me lembrei de todas as vezes nas quais, em circunstâncias similares, passei reto, ignorei, não ajudei quem previsava, e rapidamente essa intercorrência cotidiana foi esquecida. Como poderia tudo ter sido tão mais simples. E humano...
Graças a Deus, há vários anos tenho emprego fixo, segurança financeira e comprar um refri e um salgado de vez em quando para um pedinte não me custa nada nem faz rombo algum no meu orçamento, cada vez menos apertado. O que me impedia era o medo, tudo aquilo que, com certa sabedoria da experiência, nos recomendam para nossa salva-guarda.
Não escrevo isso para esfregar na cara de quem quer que seja que "sou boazinha" ou alardear "minha caridade", mas justamente para dizer que não costumo praticar caridade diretamente aos que dela necessitam, me abordam pelas ruas e pedem. E que hoje o resolvi fazer, pela primeira vez. E que, com isso, percebi que a oportunidade que esse mendigo me deu para lhe "fazer o bem" trouxe um benefício maior a mim do que a ele. Acho que, a partir de agora, rompida essa barreira, poderei fazer coisas simples como essa mais vezes. Com menos medo da próxima vez.
sábado, 6 de julho de 2013
Dos poodles brancos
domingo, 9 de junho de 2013
Dos melhores presentes que já dei a namorados
domingo, 2 de junho de 2013
A mansão de bonecas
sábado, 12 de janeiro de 2013
De como comecei a fumar
O tabagismo futuramente será considerado uma das mais sui generis excentricidades da espécie humana. Me aventurando na insidiosa senda da futurologia, creio q o futuro será dominado pela ditadura de tudo q é saudável e politicamente correto, e não haverá mais fumantes.
Fumar era um vício meso-americano, rapidamente trasladado ao Velho Mundo, como coisa "sofisticada", de gentis-homens. Já no século XIX, tb as mulheres "da alta sociedade" começaram a fumar, munidas de longas piteiras cheias de charme. Ao fumar publicamente, uma mulher apresentava uma declaração de liberdade, auto-determinação, expunha sua verve avant-garde.
Já no século XX, aparentemente "todos" os homens eram fumantes. Poetas, escritores, nobres, jornalistas, artistas, políticos. Fumar era "chic", marca dos boêmios e bon-vivants. Não havia "área de fumantes" pois podia-se fumar em todos os lugares: corredores, elevadores, salas de reunião, aviões, restaurantes, hospitais (célebre é a imagem do pai, ao nascimento do filho, distribuir charutos a todos os amigos; e da mesma forma q é "falta de educação" ser servido numa taça e não beber, era receber um charuto e não fumá-lo).
Nas fotos de grandes eventos históricos, era freqüente vermos todos os "figurões" da política munidos de seus cigarros e charutos, posando alegremente. Àquela época, ostentar um charuto era símbolo de status e elegância, como tb eram a bengala, o monóculo e a cartola.
Foi no ocaso deste cenário histórico, ao fim da Guerra Fria, q principiei a fumar. O ano era 1997. Eu tinha 14 anos e começava a "sair de balada" com minhas amigas de escola. Queríamos ser "prafrentex", modernas, antenadas, transgressoras, rebeldes. E era necessário demonstrar isso exteriormente, através de nossas roupas, atitude, linguajar, penteado, postura.
Éramos adolescentes, e para provar a nós mesmas q não mais éramos crianças, queríamos degustar pequenos aperitivos da "vida adulta": salto alto, saia curta, decote, bebida alcoólica, beijar os rapazes, sair à noite e fumar. Queríamos deixar bem vincada a linha q nos separava de nossos pais "chatos e antiquados". E ter pequenos segredos entre nós era parte importante disso.
Diz-se q os adolescentes são altamente influenciáveis pelos "amigos", e é verdade. Quando a primeira de nós começou a fumar, o hábito se disseminou rapidamente em todo o grupo, como um vírus. Entramos "na onda" da galera. Do grupo de 5, 3 tornaram-se fumantes convictas, uma fuma bem de vez em quando, e a outra jamais pegou gosto pelo cigarro.
Dei meu primeiro trago num cigarro na boate Stravaganza, situada à rua Henrique Schaumann, em Pinheiros. Fui lá algumas vezes, na companhia de Thaís, Maristela, Gisele e Aline. Tínhamos todas a mesma idade, na plena efervescência hormonal de nossos 14 anos. Queríamos "pagar de gatinhas descoladas" e, como todos os "transgressores e rebeldes" fumavam, nós tb queríamos.
Naquela época fumávamos Gudang Garang, cigarro de cravo interminável com filtro adocicado. O maço era caro e o comprávamos coletivamente, fumando só para "fazer charme" para os garotos. Logo a diversão ocasional transformou-se em hábito quando entramos no Ensino Médio.
Àquela época só havia 2 tipos de Marlboro: o vermelho "estoura peito" e o "light", dourado. O maço custava algo como 1 real e sessenta centavos, o q naquela época era dinheiro, com o Real valorizado. E assim já aos 15 anos comecei a comprar meus próprios maços de cigarro.
Todo o meu quarteto do colegial, completado por Chico, Romeu e Maristela, era fumante. Apenas eu tinha dinheiro, ou coragem, pra comprar maços de cigarro. Em nossas muitas aulas vagas, ficávamos sentados num canto do pátio fumando, e eu vendia-lhes cada cigarro a dez centavos. Sob protestos de q eu seria algum tipo de mercenária por lucrar 2 ou 3 centavos em cada um, me repassavam a moedinha, e ríamos, fumando despreocupadamente, sem sermos incomodados pelos inspetores de alunos. Curioso perceber q no dia de hj, no mesmo "José Marques da Cruz", se um aluno acender um cigarro leva uma suspensão, e nós há 13 anos podíamos fumar livremente no mesmo ambiente... Outros tempos, nem tão longínqüos...
Ao entrar na faculdade de História na USP, foi reconfortante sentir-me acolhida numa sociedade de fumantes; na qual tal hábito, além de sinal de boemia e vanguardismo, era a marca da intelectualidade. Não só a maior parte de meus colegas eram fumantes, como até os professores fumavam, sem reservas, enquanto davam suas aulas. A certa altura do curso, afixaram nas salas de aula avisos de "por favor, não fume". Na primeira aula posterior à adição do aviso, o professor entrou, sentou, aproximou o lixo no qual costumava jogar as cinzas, mirou a placa, deu de ombros, nos fitou e falou em voz alta:
- Que me multem!
Outro professor, mais sensível, na mesma situação, começou a aula da seguinte forma:
- Há entre vcs pessoas q se incomodam com a fumaça do cigarro?
Uma meia dúzia levantou a mão, e ele concluiu:
- Então, por favor, sentem no fundo da sala, pois eu vou fumar.
Simples assim. Até 2005, 2006, "chato" era o não-fumante q reclamava do fumacê alheio. Todos fumavam em ambientes fechados, restaurantes, aviões, e até então todos encaravam a fumaça com naturalidade, como uma das "coisas da vida", q podemos não gostar, mas toleramos, como hj se faz com pessoas q falam em voz alta no celular, ouvem funk sem fone de ouvido e comentam sobre a tabela do campeonato brasileiro.
Hj, poucos anos depois, é um absurdo, e completo anátema, algum fumante exercer seu hábito em qualquer "ambiente público fechado" ou mesmo aberto. Não se fuma mais nos escritórios, boates, restaurantes, barzinhos. Se antes fumar era "chique" hoje virou algo q nos aliena, afasta, "quebra o clima", segrega.
Fumar antes era fator de integração social. Hj, os fumantes precisam se retirar da baladinha, ir pra fora, fumar na calçada, no frio e na chuva, enquanto o "agito rola solto" lá dentro. Se antes fumar era coisa de gente moderna, transgressora, sofisticada, hoje fumar virou coisa de gente antiquada, excêntrica, antissocial, segregada.
Hj em dia, em quase nenhum lugar mais se pode fumar, e nos q se pode, é comum q quando acendemos um cigarro os estranhos ao lado nos fulminem com um olhar de reprovação, torçam o nariz e se afastem como se fôssemos leprosos, deixando subjacente a frase: "vc é muito folgado e está contaminando o meu ar!"
A ditadura do politicamente correto está fazendo um ótimo trabalho em transformar todos nós em mauricinhos e patricinhas bunda-mole, garotos-propaganda da "geração saúde". Se hoje, quando assisto a filmes e seriados dos anos 1990 nos quais todo mundo fuma em todos os lugares, até eu estranho e acho graça, apenas posso imaginar a surpresa dos q viverem daqui a 50 anos diante da mesma situação. E a hilaridade q será no futuro assistir a "The X-Files" (Arquivo X, série protagonizada pelos agentes do FBI Fox Mulder e Dana Scully) com meus netos e responder à cândida dúvida:
- O q é esse bastão q solta fumaça q o Canceroso segura em todo lugar?
Estou certa q o tabagismo entrará para a História como uma "excentricidade" prescrita, e no futuro ninguém mais poderá fumar, em nenhum lugar... Este é o chato mundo q estamos a construir...
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terça-feira, 8 de janeiro de 2013
Meu fim do mundo
O fim do ano de 2012 foi bastante especial. Foi a última vez, creio, em q nos permitimos entrar numa onda milenarista apocalíptica. Nos documentários e noticiários não se falava em outra coisa além de q em 21 de dezembro de 2012 acabava-se o calendário maia. E assim, ou o mundo seria destruído ou entraria finalmente na "era de Aquário", ou no décimo quarto Baktum.
Desde pelo menos 1999 e o "Bug do Milênio" o Ocidente ficou meio "em suspenso" esperando se o "Juízo Final" chegaria nessa época, ou posteriormente, a curto prazo. Agora, no princípio inócuo de 2013 creio q já podemos estar relativamente seguros q não estamos diante das convulsões dos finais do tempo. Nada de tempestades solares, nada de agitação das placas tectônicas, nada de alinhamento galático, nenhum cavaleiro do Apocalipse ou anti-Cristo...
21/12/2012 foi um dia bonito e ensolarado, sem nada demais. Nenhum evento significante, nenhum eclipse, não faltou luz, as redes de comunicação funcionaram. Um dia como qualquer outro.
Por menos "esotérica" q eu tente ser, tb eu estava com certa "paúra", ou "temor" de q os maias estivessem certos. Tendo isso em vista, procurei não passar vontades em 2012. Fui profundamente auto-indulgente. Comi, bebi, falei e fui em todos os lugares q tive vontade. Aceitei convites q em outros tempos teria recusado. Gastei dinheiro em coisas q em outros tempos não teria comprado. Mas tudo meio como se fosse brincadeira.
Eu não acreditava verdadeiramente q 2012 seria o fim. Não cheguei a "curtir a vida adoidado", não saí muito de minha zona de conforto, não fiz nada do q me arrependa, não saí gastando prodigamente. Sequer enchi o tanque do carro, estoquei comida nem zerei meu saldo bancário. Eu poderia ter gasto até o último centavo do meu parco dinheirinho, mas como esperava q viesse um 2013, não o fiz. Sabiamente.
Aproveitei o fim de 2012 amplamente, como pode ser visto nesses álbuns do Facebook https://www.facebook.com/media/set/?set=a.384984961573088.86920.100001847635503&type=3 e https://www.facebook.com/media/set/?set=a.413768972028020.93023.100001847635503&type=3 Mas minha maior surpresa se deu na noite de Reveillon, na passagem de 31/12/2012 para 01/01/2013.
Eu estava em Sampa hospedada na casa de minha amiga Mainá Prada. Fomos numa festa ma-ra-vi-lho-sa e voltamos lá pelas 4 da matina. Fim de ano impecável. Até q ao meio dia do dia primeiro de janeiro meu telefone celular tocou. Era minha madrinha Maria José Tomasella reportando q a casa da minha avó, na qual eu moro em Rio Claro, tinha sido arrombada e roubada justo na noite de Reveillon, enquanto eu muito sorridente e despreocupada brindava a virada do ano a 180 kms de distância.
No começo, muito surpreendida, foi difícil imaginar o q teria acontecido. Pela descrição q me fizeram, a casa teria sido completamente destruída, e eu não esperava encontrar "pedra sobre pedra" ao chegar. Às 5 da tarde já estava em casa pra conferir os danos. E, para meu alívio, eram menores do q o tom alarmista de Maria me tinha dado a entender.
Todas as TV's, DVD's, videocassates e até meu PC de mesa estavam incólumes. Nada havia sido vandalizado. Absolutamente nada foi quebrado gratuitamente, sequer as porcelanas e vidros jogados pelo chão, tudo estava inteiro.
Ao ser informada q tinham entrado justo na noite da Virada, eu havia pensado q tinha sido um grupo de baderneiros pra fazer farra, quebrar tudo, espalhar cocô pelas paredes, rasgar e tacar fogo nos papéis. E comecei a calcular antecipadamente todo o trabalho q eu teria pra sustar todos os cheques, providenciar segunda via de todos meus documentos, o desgosto de encontrar meu diploma rasgado, minhas fotos de infância destruídas, meu PC quebrado com um taco de baseball e daí pra pior...
Nada disso se verificou. Nem chegaram a abrir todas as caixas guardadas. Não levaram nenhuma folha de cheque. Nem mexeram nos meus documentos. De mim, roubaram uma câmera Polaroid, alguns brincos, anéis, correntinhas e uma coisa q tinha muito valor, monetário e emocional.
O item mais precioso q me levaram foi uma barra de ouro. Não direi seu peso pra ninguém crescer o olho, mesmo q não a tenho mais. Mas perdê-la foi um golpe bastante duro, pois quem ma deu não está mais entre nós para dar-me outra.
Eu estava no comecinho da faculdade quando ao visitar Rio Claro meu avô, a quem chamo carinhosamente por "Morzinho" desde meus 5 anos, me chamou para seu quarto. Fechou a porta atrás de si, o q era bastante incomum, me pediu para sentar e disse:
- Fernanda, o q vamos falar agora é segredo. Não conte pra ninguém, menos ainda pra sua avó. Há muitos anos comprei uma coisa pra vc e acho q chegou a hora de eu te entregar. Não é muito, mas é de coração. Guarde pra quando vc precisar e eu não estiver mais aqui.
E me entregou uma barra de ouro. Pequena, cabia na palma da mão. Mas era pesada como chumbo. Eu sempre soube que era a neta favorita do meu avô, e não precisava de nenhum presente para confirmar isso. Mas aquele gesto secreto, q não deve ter sido replicado com nenhum outro filho ou neto seu, independentemente de seu valor em dinheiro, me tocou profundamente.
Me senti mais do q especial, e q Morzinho se preocupava comigo, com meu futuro e bem estar. Q mesmo quando estivesse ausente, ainda prosseguiria a zelar por mim. Não chorei em sua frente, pois ambos éramos "duros na queda". Mas depois, sozinha no meu quarto, com aquele naco de chumbo brilhante como o Sol entre meus dedos, me emocionei. Não no estilo "encontrei o pote de ouro no fim do arco-íris" mas no "há alguém q me ama e quer zelar pelo meu futuro."
Se eu fosse uma "Zé Mané" a teria vendido imediatamente e torrado o dinheiro em restaurantes, baladas e viagens já durante a faculdade. Mas meu avô sabia q eu não sou este tipo de pessoa.
Sendo muito sincera, ao dar-me conta q aquela barrinha de ouro tão pequena valia alguns milhares de reais meu pensamento imediato foi de um alívio imenso na frase "ufa! Agora se eu engravidar num susto, pelo menos posso pagar o parto e sustentar o bebê por 1 ano!" Mas como sempre foi baixíssima a chance de "engravidar no susto" o plano B era: "vou guardar isso pra um dia dar entrada na minha casa própria".
Mas ainda assim essa idéia nunca me apeteceu. No fundo, agora sei, eu jamais teria coragem de me separar daquela barra de ouro, cuja preciosidade era potencializada por seu valor emocional, muito além do monetário. Eu não conseguiria despedir-me dela. Seria como dar embora uma foto antiga, uma farda de gala, as condecorações e medalhas do meu avô, q guardo com reverência.
Sempre soube q optaria pelo "plano C". Se o plano A era vendê-la quando engravidasse e o plano B era vendê-la quando comprasse uma casa, somente o plano C me deixaria contente: jamais separar-me daquele ouro. O plano C era justamente usar aquela matéria-prima para fazer minhas futuras alianças de casamento, ir a um ourives e pedir-lhe q com aquele ouro com valor sentimental forjasse minhas alianças, meu anel de formatura, e joias para presentear pessoas da minha mais alta estima.
A primeira vez em q seriamente pensei em fazer algo com a barra foi quando num coincidentemente feliz 9 de fevereiro nasceu minha sobrinha Ana Letícia Santos. Me ofereci para presenteá-la com seu primeiro par de brincos, q seriam usados para furar seus lóbulos. Sua mãe, minha irmã Patrícia, sempre foi alérgica a bijuterias, só podia usar jóias verdadeiras. Então realmente não seria boa idéia dar à sua neném algo q pudesse resultar num choque anafilático, como um folheado de baixo valor. Só não mandei derreter a barra pra fazer os brincos pois isso chamaria mais atenção e custaria mais do q comprar o parzinho pronto, em formato de coração e com 2 pontinhos de brilhantes, q lhe dei.
Se me arrependo de algo acerca dessa barra de ouro, é apenas disto: de não ter dela tirado o brinquinho de neném q dei a Ana Letícia. Se o tivesse feito, daqui a 15 anos poderia lhe contar a bela história de q aqueles brincos não fôra eu a lhe dar, mas seu bisavô, através de mim, naquela barra de ouro.
Claro q tb me arrependo de não tê-la escondido melhor, de forma a q os ladrões não a encontrassem. Pois se ainda a tivesse, quando no dia do meu casamento colocasse a aliança dela forjada no meu dedo, sentiria consigo a presença física e o gesto amoroso do meu avô. Ou, se jamais me casasse, dela mandaria extrair pingentes q carregaria no pescoço com amor, e ao segurá-los entre meus dedos, evocaria a lembrança da proteção do meu Morzinho.
Aquela barra de ouro era meio q um seguro pra quando eu me visse sem teto, grávida, doente e desempregada, tudo junto. Sem querer ser esotérica, é possível q tenha ficado em minha posse apenas pelo tempo necessário, nenhum segundo a mais. Ao completar 30 anos, já sendo capaz de andar com minhas próprias pernas, pagar meu próprio aluguel, comprar as fraldas pro filho q eu quero ter, com convênio médico, efetiva e concursada, já não preciso mais daquele seguro "para o q der e vier". Hj, o q aparecer, sei q posso encarar. Hj, sei q me basto.
Se eu realmente achasse q o mundo acabaria em 2012, poderia ter vendido a barra de ouro, pedido demissão, viajado pelo exterior e levando uma vida de rainha. Mas em nenhum momento isso passou pela minha cabeça. Pois, se o fim do mundo como o conhecemos era duvidoso, a permanência da alma do meu avô não é. E a vaga idéia de um dia reencontrá-lo e ele me recriminar por ter traído sua confiança e o decepcionado doeria infinitamente mais q qualquer prazer q o dinheiro da venda daquela barra me proporcionaria. Sei q ele não estaria preocupado em me cobrar nada. Mas eu mesma tomaria a iniciativa de lhe dar satisfações, e por maior q fosse sua compreensão, eu jamais me perdoaria, se tivesse feito uso vil do seu presente.
Ao certificar-me q a barra fôra subtraída, além de mortificada, senti uma ponta de alívio. Jamais poderei girar uma aliança no meu anular esquerdo e nela sentir a presença do meu avô. Mas tb cessei de ser assombrada pelo medo de um dia vendê-la e me arrepender amargamente, mesmo q fosse para dar entrada numa casa. Por mais q ela tenha me sido dada como um gesto de amor, sempre me senti profundamente intimidada, e pouco merecedora dela. Mais ou menos como Moshe Rabenu diante da sarça ardente. (Êxodo 3:11). Mas saber q eu contava com ela me ajudou a ter coragem diante das adversidades. Me ajudou a ter verve, gana, confiança, até agora.
Hj sei q por pior q seja a catástrofe q se abata sobre mim, já sou MULHER SUFICIENTE para vencer. A pior parte da tempestade já passou. Já dobrei o Bojador e o Cabo das Tormentas. Calicute é questão de tempo. Sofri um trágico naufrágio, sei.
Mas já sei namorar, já sei beijar de língua, nadar, boiar, lutar, debater, refutar, enfrentar, xingar quando é a hora certa, esculachar, chamar bandido na chincha, reelaborar minha história, enfrentar meus medos, dizer não, superar, falar uma segunda língua, escolher meu destino, dirigir, pilotar, sinalizar em Libras, calcular juros, beber sem passar mal, esnobar os caras errados, ouvir mais do q falar.
Por tudo isso, o roubo q sofri no Reveillon não foi "o fim do mundo". Levaram uma coisa muito valiosa. Mas jamais poderão roubar de mim o q vale muito mais do q qquer carro, apartamento ou prêmio da Mega-Sena: a lembrança do amor inestimável do meu avô e a percepção de q já posso andar com minhas próprias pernas.
Aos 5 anos meu avô me ensinou pacientemente a andar de bicicleta numa Caloi rosa com rodinhas. Susteve meu guidão até q eu fosse capaz de me equilibrar sozinha. Então deslanchei, e dava várias voltas no quarteirão, sorridente e realizada. De forma similar, aquela barra de ouro foi minha "rede de segurança" para eu ter confiança para começar meus malabarismos no mundo adulto. Agora já profissional, já posso me jogar no vazio sem ela. Já tenho musculatura moral pra isso.
Obrigada, Morzinho, por ter continuado a segurar meu guidão mesmo já tendo feito a passagem. O senhor não precisa mais se preocupar. Já sei fazer minhas estripulias sozinhas. E se eu cair, consigo curar minhas feridas e já sei não mais chorar.
Meu pequeno desastre de fim do mundo se abateu sobre mim com um gostinho de recomeço. Minha couraça já tem espessura suficiente pra fazer qquer bala ricochetear.
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