terça-feira, 9 de outubro de 2012
Pequenos detalhes determinantes
Nunca tive uma única aula de espanhol, ou castelhano, em toda minha vida. Contudo, alguns poderão auferir q por mais roto q seja meu portunhol, me saio muito bem na comunicação com interlocutores fluentes apenas nesta língua, seja oralmente ou por escrito. Já li livros inteiros em castelhano.
A compreensão desta língua veio-me como uma espécie de bônus dum costume q cada vez mais progressivamente cairá em desuso: a telespectação passiva de programas de TV. Com os avanços da internet e dos novos gadgets, as novas gerações não mais assistirão, passivamente, a milhares de horas de programação televisiva, como ainda faço.
Muitos acham, com certa razão, q "na TV só passa lixo". Mas mesmo no "lixo" podemos encontrar materiais úteis e reaproveitáveis.
Como boa brasileira, sempre fui noveleira. Como adolescente romântica e boba, tb acompanhava as novelas mexicanas q passavam no Brasil. Até q, zapeando naqueles "canais lixo" da TV a cabo, encontrei uma pérola: "El Canal de las Estrellas", a rede internacional da Televisa mexicana. Fiquei exultante pois não mais precisaria esperar q as novelas envelhecessem para só então serem transmitidas no Brasil: eu poderia assisti-las fresquinhas, diretamente da fonte. Em espanhol.
No começo, "boiei" bastante, pouco entendia. Mais acompanhava as imagens, expressões e situações do q compreendia aos diálogos. Porém, como assistia diariamente, a umas 3 produções diferentes, com o passar dos meses a barreira da língua caiu. Passei a compreender as falas, as coisas escritas, a identificar os falsos cognatos, expressões q não tinham correspondente em português, adquirindo a "musicalidade", o ritmo diferente q se usa ao falar em espanhol.
Alguns capítulos gravava, e até decorava. Percebi q as pessoas q o estudavam eram péssimas em espanhol e tinham forte sotaque pois articulavam sua fala como "brasileiros tentando falar espanhol". Compreendi q assim ninguém se torna fluente. É necessário criar um novo "diretório raiz" e nele inserir a língua estrangeira. E não, como a maioria das pessoas fazem, no diretório de sua língua nativa "abrir novas pastas" com as equivalências entre a língua q já se sabe e a q se está aprendendo. Não devemos "pensar em português" e então traduzir pro espanhol, mas sim pensar diretamente em espanhol. Apenas assim se compreende e usa a língua em sua plenitude, se apropriando de sua "equação gramatical única" e sua musicalidade específica.
Ao me ver assistindo essas novelas, meus familiares reviravam os olhos de forma condescendente, vendo nisso apenas infantilidade e perda de tempo. Não poderiam estar mais errados. E outro costume meu era visto da mesma forma: minha verdadeira compulsão pelo jogo Sid Meier's Civilization II.
Joguei a versão I, II, II Multiplayer, Call to Power e IV. De todas, a II sempre foi minha favorita. Gastei milhares, seguramente milhares, de horas nesse jogo. Era comum passar um dia todo jogando, até 12 horas seguidas, e só parar quando a tendinite no indicador direito me obrigava, pelos sucessivos cliques no mouse.
Acredito q essas milhares de horas foram fundamentais para o desenvolvimento da minha capacidade de articular pensamentos complexos e minha ampla memória "RAM".
Para quem nunca o jogou: em Civ II começamos com uma unidade, fundamos uma cidade e essa cidade produz novas unidades, de guerreiros e fundadores de cidades. Vc vai aos poucos iniciando novas cidades, ampliando seu "império", elas vão crescendo de tamanho, é preciso administrá-las, optar entre diversas formas de governo, adquirir novas tecnologias, guerrear com outros povos e conquistar suas cidades para, no final vencer de 2 formas: ou dominando o mundo ou chegando a Alfa Centauro com uma nave espacial.
Acredito q este jogo foi determinante no meu desenvolvimento mental pois para ser bem sucedido nele é necessário agir e pensar como um maestro regendo uma complexa sinfonia. Articular, equilibrar, orçar, apaziguar, planejar, negociar diplomaticamente, saber o tempo certo de fazer paz e guerra. Tudo isso como um malabarista, com muitas "bolas" em jogo. Se cada uma dessas "bolas" a não se deixar cair for uma de nossas cidades, podemos chegar a ter dezenas, ou até centenas delas.
E a cada novo turno é necessário lembrar-se de sua posição geográfica (num planeta com continentes sempre diferentes), seus planos para ela, o q ela está produzindo, se está em zona de guerra, se está em revolta ou precisa ser pacificada, suas rotas de comércio, quais instalações já foram nela construídas e quais precisam ser erigidas, quais têm "Maravilhas do Mundo", quais são mais suscetíveis a espionagem e subversão, e como cada um desses paradigmas se comporta em cada forma de governo.
Cada jogo pode levar dias, ou semanas. E a cada vez q desligamos o computador e vamos jogar no dia seguinte, é necessário o reboot imediato de todas essas informações, muito detalhadas. Falhas de memória ou incapacidade em manejar tantas informações complexas simultaneamente resultam na incapacidade de vencer, mesmo no nível mais fácil. E eu triunfei dezenas de vezes no nível mais difícil, no qual a inteligência artificial do jogo é verdadeiramente desafiante.
Acredito q foi justamente o jogar Civ II q lapidou ou treinou meus neurônios para articular coerentemente e simultaneamente informações complexas e até conflitantes. É o q me possibilita, por exemplo, ler um texto e às vezes parar numa espécie de "tilt" ao atinar "peraí, há umas 50 páginas atrás afirmaram uma coisa q não casa com o q está escrito agora". Ou então estudando a Torah perceber "hum, acho q essa lei de Deuteronômio dialoga com aquela outra lei de Levítico" e assim inferir conexões e reflexões não-óbvias.
É curioso perceber como estes 2 detalhes, essas 2 coisas q fiz por puro prazer, resultaram em ganhos q não previ. Por isso jamais devemos subestimar as atividades nas quais nos envolvemos pois tudo, tudo mesmo, serve de aprendizado. Milhares de horas q, à vistas dos outros, eu desperdiçava, resultaram em muitos ganhos cognitivos.
Aos pais, e a todos, fica então o conselho: estimulem seus filhos e propiciem a si próprios experiências amplas, diversificadas. Não necessariamente "educativas". Não apenas o q se diz "pedagógico" serve ao nosso aprendizado. Se vc for criança ou adolescente, procure assistir a canais estrangeiros, vc pode de repente se descobrir fluente em outra língua, sem ter gasto um centavo e se divertindo no processo. Usem jogos complexos e estratégicos, não se limite aos joguinhos de corrida e luta.
O resultado de estimular-se de diversas formas pode ser a diferença entre vc se situar apenas "na média" ou se destacar entre os demais. Todas as habilidades q desenvolvemos, mesmo q pareçam não ter aplicação imediata, contribuirão para tudo q fizermos no futuro, mesmo q não tenha ligação com novelas mexicanas ou jogos de computador.
segunda-feira, 30 de abril de 2012
O que faz um video virar viral
Nos idos dos 1990 víamos esses videozinhos na televisão, nas famosas "Cassetadas do Faustão", instantâneos anônimos, internacionais, vendidos por seus autores aos canais de TV. Fora do Brasil, há ainda inúmeros programas nesse estilo, me limito a citar os "Vídeos Divertidos do Animal Planet", cujo acervo ainda é composto por arquivos enviados pelos telespectadores. Quem manda um vídeo para esses programas é pago, em prêmios ou dinheiro.
A partir da popularização do Youtube nos anos 2000, a dinâmica de divulgação destes vídeos "caseiros" foi radicalmente alterada, e surgiram as expressões "meme" e "viral" para se referir a estas obras q, inadvertidamente, despretensiosamente, "bombam" na internet; sem q este "sucesso" fosse previsto por seus protagonistas ou videomakers.
A diferença essencial entre os 1990 e os 2000 neste quesito é a mediação jornalística. Nos 1990 o q assistíamos passava pelo crivo e seleção das equipes de produtores dos programas de TV. Depois do advento do Youtube, especialmente após sua aquisição pelo Google, os vídeos viram hit sem nenhuma mediação ou seleção de "profissionais da comunicação".
Outra diferença secundária: o tempo. Nos 1990 ríamos de vídeos com muitos anos de gravados. E às vezes era melancólico perceber num vídeo com mais de 10 anos de filmado q o cachorro ou gato q protagonizava atos hilários já estava a esta altura morto... Hj isso não mais acontece. O "viral" sempre é radicalmente recente, de ontem.
Vídeos verdadeiramente virais são, literalmente, assistidos por "todos", isto é, todo o público ativo e "plugado na net". Podem não alcançar um bilhão de views, mas pelo menos 100 milhões devem atingir; e devem ser lembrados num piscar de olhos.
Pensando no público q lerá este texto daqui a muitos anos, faço a seguir uma brevíssima seleção de vídeos virais atuais q foram assistidos por "todo o público da internet" para exemplificar o q faz um vídeo fazer sucesso no Youtube. Todos lembrados num átimo, sem esforço, por esta blogueira.
David after dentist - http://www.youtube.com/watch?v=txqiwrbYGrs
Baby Bob Marley - http://www.youtube.com/watch?v=McuLdjL2hh8
Charlie bit my finger - http://www.youtube.com/watch?v=_OBlgSz8sSM
Susan Boyle no Britain's Got Talent - http://www.youtube.com/watch?v=wnmbJzH93NU
Diversos vídeos de Maisa Silva - http://www.youtube.com/watch?v=VFwLyFXlMHU
Família "para nossa alegria" - http://www.youtube.com/watch?v=K02Cxo3fAC8
Friday de Rebecca Black - http://www.youtube.com/watch?v=kfVsfOSbJY0
Ai, se eu te pego do Michel Teló - http://www.youtube.com/watch?v=hcm55lU9knw
O ponto em comum a todos esses vídeos é a espontaneidade. Nesta frase está dito: é impossível "fabricar" um vídeo viral. Vídeos verdadeiramente virais não são profissionalmente "produzidos", se tornam sucesso "espontaneamente" justamente por seus espectadores perceberem q eles são autênticos, espontâneos.
Isso de certa forma demonstra a percepção pelo público de q nossa "sociedade do espetáculo" é artificial, forjada, montada, maquiada, ensaiada; e nosso desejo por alguma autêntica verdade em nosso cotidiano. E nisto talvez subjaza a idéia de q enquanto a TV é um "mundo de mentira", de ficção; os vídeos da net seriam um "mundo de verdade", não-ficcional.
Por mais q tenham audiência vídeos de Justin Bieber e Lady Gaga no mesmo Youtube, eles não são verdadeiros virais, pois serão esquecidos. Já o "Charlie Bit my Finger", o bebê q se acalma magicamente ao som de Bob Marley e o sorrisão do menino "Para nossa alegriaaaaaaaa..." jamais. Eles ganham um espaço carinhoso em nossa memória coletiva. Justamente por percebermos q nada disso foi posado, calculado. Q estes vídeos não foram produzidos por um "marqueteiro" q quer nos manipular a comprar coisas.
Gostamos desses vídeos virais justamente por sua inocência, despretensão, veracidade. Há um bom exemplo de como tentar "manufaturar" isso pode ser deletério. A companhia telefônica "Vivo" produziu um vídeo sobre a música "Eduardo e Mônica" da Legião Urbana divulgado a princípio como um "vídeo de fã" http://www.youtube.com/watch?v=N3pLiy1yoro e devo confessar q me senti profundamente "traída" após me emocionar com o vídeo e só ao seu final me dar conta de q se tratava de uma "propaganda". Nos seus efeitos, mais para anti-propaganda. Depois de este amplo fracasso de "marketing" as empresas passaram a ser muito mais reticentes e cautelosas ao tentar "fabricar vídeos" pretensamente "virais" pois perceberam q isso não dá lá muito certo.
Estratégia diferente e mais positiva é apoderar-se de um fenômeno espontâneo para capitalizar uma carreira ou empresa. Bons exemplos são a participação de Rebecca Black no clip "Last Friday Night" de Katy Perry http://www.youtube.com/watch?v=Ghe52kEPpAQ e a apropriação do viral "Baby laughing hysterically at ripping paper" http://www.youtube.com/watch?v=RP4abiHdQpc por uma campanha do banco Itaú http://www.youtube.com/watch?v=p9Z9n0I8Dfo ambos estes exemplos são positivos pois os "fenômenos" eram, em sua origem, "naturais". Q depois de conhecidos aproveitem seus "15 minutos de fama" para ganhar algum dinheiro é visto positivamente. Mas q tenham sido "treinados" ou "fabricados" profissionalmente para o sucesso, isso não é aceitável.
Se vc leu este texto à procura de uma fórmula de como fazer um vídeo virar viral, minha única dica é: desista. Esqueça tudo o q vc pretende, abandone tudo o q vc pensou, pegue seu sobrinho de 3 anos, grave e espere. Em menos de 1 hora ele fará uma coisa engraçadíssima, q não venderá nada, mas tem alguma chance de virar "viral".
sábado, 26 de novembro de 2011
Você já descobriu quem é seu personagem ficcional?
Nem gêmeos nem clones são na verdades cópias iguais, pois por mais que seus DNA's sejam idênticos, cada um poderá facilmente desenvolver personalidades díspares, ou mesmo que sejam bastante parecidas, ainda assim serão, únicas. Cada ser humano é seu próprio oceano de possibilidades.
Quando somos adolescentes ainda "não sabemos quem somos" e muitas vezes saímos experimentando de tudo, nos encaixando em tribos, torcendo por times, entrando em clubes; pois procuramos, no grupo, encontrar algum tipo de identidade, pois a nossa própria desconhecemos, ou se visto de outra forma, ela ainda está por construir.
Quando somos adultos tentamos, o máximo possível, sermos "normais". Todos querem ser aceitos, e a forma mais fácil disso é recobrir-se do manto da invisibilidade do não se destacar nem chamar atenção, do como faziam os adolescentes, agir conforme o grupo. Humanos são uns grandes "Maria vai com as outras" e essa foi a grande sacada comercial de Mark Zuckerberg. Queremos ser e ter como aqueles que consideramos ser nossos iguais: nossos amigos de infância, colegas de faculdade e de trabalho.
Porém, mesmo com a necessidade de nos sentirmos dentro do espectro da "normalidade", deixamos transparecer traços incontornáveis de nossa psique, tal como cacoetes de linguagem. Da mesma forma que alguém comete repetidamente sempre os mesmos erros de ortografia, pois não sabe a grafia correta, em nosso comportamento sempre repetimos gestos, frases, jeitos de nos posicionar nas conversas, que nos denunciam em nossa individualidade, por mais que tentemos, sempre, emular o comportamento de nossos interlocutores de forma a aparentarmos fazer parte do grupo.
Alguns comportamentos são tão sintomáticos, ou poderia eu dizer característicos e facilmente distinguíveis, que descrevem uma "síndrome" que pode ser associada a personagens ficcionais. Obviamente a ficção é sempre meio pastelão, expressionista, tem as cores excessivamente carregadas e gestuário, obviamente, teatral. Mas ainda assim há casos em que apenas a existência de um super-ego desenvolvido num certo "controle da língua" separa a ficção da realidade.
Descobri que não fosse meu, parcamente desenvolvido, mas algo existente, super-ego, eu já existiria, enquanto persnagem ficional. De dois seriados. De humor. Por incressa que parível, eu, que já fui considerada por alguns a pessoa mais mal-humorada do planeta, sou uma personagem de comédia. Na verdade meu senso de humor é bastante aguçado. Não é minha culpa se ele muitas vezes é politicamente incorreto, sarcástico-satírico ou elaborado demais para alguns outros personagens.... Bazinga!
São estes os dois personagens ficcionais que, misturados, pintam o retrato desta aprendiz de escritora:

Eu não tinha o costume de assistir a essa série até recentemente. Já tinha ouvido falar dela quando certo ex-namorado me disse que assistia a este programa e que ria até não se agüentar mais do tanto que a personagem o fazia lembrar-se de mim. Pelo nome do programa algo me senti ofendida e não me interessei em ir atrás para saber do que se tratava até que, num zapear de canais, me encontrei no Multishow em estilo vintage. Com todas as cores carregadas e expressões histriônicas que eu faria se não temesse o julgamento alheio. Aquela Fernanda que fica trancadinha no meu devaneio estava lá, desbocada, fazendo toneladas de bobagens, se metendo em várias frias. Sempre com tiradas sério-satíricas engraçadíssimas e que deixam seus interlocutrores com um certo entre-olhar de constrangimento que diz "De que planeta saiu essa louca?"
A personagem é inspirada no blog homônimo, que instila por escrito os devaneios e questões existenciais cotidianas mais malucas que adoráveis psicóticos, como eu, desfiam incessantemente no silêncio de suas mentes inventivas.
Blog "Adorável Psicose"
Jô Soares entrevista Natália Klein 05/10/2011

Se Natália Klein é meu mundo interno, Sheldon Cooper é meu manifestar externo. Talvez isso seja devido a ambos sermos portadores da Síndrome de Asperger, que é responsável por algo como 60% das idiossincrasias de Sheldon Cooper. Ele é seco, pragmático, protocolar, direto, claro e patologicamente sincero, e de tudo isso compartilho, e como consequêcia conheço o certo deslocamento social de que Sheldon Cooper também é vítima.
Pessoas com essa "síndrome de Sheldon Cooper" sentem-se, de fato, meio como Spock, um visitante de outro planeta, que não compreende metade do que se passa nesse mundo, pq as pessoas são tão ilógicas, e nunca sabe como se comportar direito por ser incapaz de dominar a "etiqueta" que rege as interações sociais "aborígines".
Eu percebi que era Sheldon Cooper quando o personagem nem existia, eu contava 11 anos e percebi que meus amiguinhos não compreendiam metade do que eu falava. Pq eu falasse errado? Não, pq eu usava palavras elaboradas, requintadas, exatas, que eles desconheciam. E muitas vezes eu dava foras completos, grandes gafes, pois não dominava o código de comportamento humano, como hoje ainda é fato. Essa sensação de "ser Spock" meio que me acompanha em toda a minha trajetória.
O elemento comum entre ambos os personagens é seu humor: o não-humor. Nenhum deles faz piadas. Sua graça é exraída de frases mal-humoradas, chocantes, sem-noção, malucas, e portanto, creio, engraçadas.
No mais, qualquer coisa que eu escreva será menor que o assistir aos programas. Quem assistir e me conhecer, seguramente irá me reconhecer. Quem assistir sem me conhecer poderá ter uma pálida idéia do conjunto de idiossincrasias que fazem desta autora um ser humano algo, digamos, interessante; e único.
Stranger Than Fiction
sábado, 16 de julho de 2011
Das Relatividades
Até o Renascimento o Ocidente compreendia o Universo como uma cebola, cujo miolo seria a Terra, e em cujas esferas superiores circulariam as estrelas e o “Céu”. O nome científico para isso seria o Geocentrismo, a noção de que a Terra seria o centro do Universo.
Então veio Nicolau Copérnico e apresentou o Heliocentrismo, a noção de que não a Terra, mas o Sol seria o centro do Universo. Como tudo, ambas as noções são historicamente determinadas. O Geocentrismo pelo paradigma teológico de sua época. E o Heliocentrismo pelas possibilidades científico-tecnológicas de então.
Albert Einstein foi capaz de transcender os limites tecnológicos de sua época. Propôs teoricamente algo que, em seu tempo, não fôra até então observado. Inclusive, após a proposição de sua teoria, houve uma corrida de astrônomos atrás de um bom registro fotográfico de um eclipse solar, que poderia confirmar, ou cabalmente descartar, a proposição até então estritamente teórica de Einstein, de que a gravidade deforma o tecido do tempo-espaço. Que não são separados, mas manifestações de um mesmo continuum, percebido de 2 formas diferentes em nosso Universo tridimensional.
Se eu sou capaz de criar uma imagem que ilustre rapidamente uma implicação prática e observável da Relatividade Geral de Einstein, aqui vai: ela professa que o transcorrer com compasso espaço-temporal é relativo à velocidade e às forças gravitacionais à qual o observador está submetido. Tomemos como exemplo um astronauta que orbita a Terra. Em relação a nós, ele está acelerado a uma velocidade superior, portanto, o tempo para ele transcorre num compasso mais lento. Se antes de ir ao espaço ele sincronizou seu relógio de pulso com alguém que permaneceu na Terra em seu retorno, necessariamente, o relógio do astronauta marcará alguns segundos ou minutos a menos que o de quem permaneceu preso à Terra. E quanto maior foi o tempo da viagem espacial, maior será a discrepância entre os mostradores. Para fins práticos, todo astronauta viaja algumas frações de segundo para o Futuro ao (pelo menos parcialmente) desprender-se das amarras da gravidade terrestre.
Porém a Relatividade não é uma Lei apenas Física, mas verdadeiramente Universal, em todos os níveis da experiência observável humana. Pretendo explorar alguns exemplos variados a seguir.
1 – Luminosidade.
O que é o “claro” e o “escuro”? Depende da abertura de nosso diafragma ocular. Se vc esta num ambiente à plena luz e entra num quarto escuro, imediatamente vc nada vê, fica completamente cego. Porém, alguns segundos depois seus olhos calibram melhor o diafragma e vc começa a enxergar, mesmo que a ausência de luminosidade não se altere.
2 – Do paladar.
Numa festa de aniversário, já te serviram bolo com refrigerante? Isso não é horrível?!
Isso é horrível pela Lei Universal da Relatividade. Refrigerante, doce, é bom para acompanhar comidas salgadas pois há um contraste atraente entre ambos os sabores. Porém o bolo é mais doce que o refrigerante. E ao beber um gole de refrigerante depois de mastigar um pedaço de doce, o refrigerante não nos parece mais doce, e sim amargo. Pois comparadas as duas “doçuras”, o refrigerante perde.
Venho por meio desta confessar um “guilty pleasure” do qual me arrependerei. “Guilty pleasure” é um “prazer culposo”, algo do que vc gosta mais sabe que é ruim. Confesso. Não me orgulho, não recomendo, mas confesso: assisto ao programa “Keeping up with the Kardashians” e a seus desdobramentos “Kourtney & Khloe take Miami”, “Khloe and Lamar” e “Kourtey & Kim take New York” no E!, Entertainment Television. São reality shows que mostram o cotidiano dessa família, famosa por conta da exposição de Kim.
Para quem não faz parte do meu Universo, um breve resumo. Os anos 2.000 viram florescer a tendência dos “Reality Shows”. Começamos com o Big Brother, e de repente o voyerismo assumiu o controle da TV. Figuras secundárias deste fenômeno são os paparazzi. Paparazzo em italiano significa “mosquito”. Este termo foi aplicado, creio que por Fellini, para referir-se aos fotógrafos de celebridades que incomodam como mosquitos aos famosos, ou não, que perseguem.
Não foi apenas nos anos 2000 que soubemos deles. Em 1997 muito foi alardeada a possibilidade de ter sido um paparazzo, num Fiat azul, o causador do acidente que matou Lady Diana Spencer.
Dentre várias celebridades incessantemente perseguidas, um dos melhores exemplos é o de Britney Spears. Enquanto adolescente, ela foi a “princesinha do Pop”. Ao atingir a maturidade, casar-se e tornar-se mãe, foi sucessiva e impiedosamente flagrada nas piores situações possíveis. Magra. Gorda. Com calcinha. Sem calcinha. Careca e cabeluda. Até agrediu com um guarda-chuvas um fotógrafo. Namorou outro. Chegou a ser flagrada dentro de uma ambulância, na Emergência do Hospital.
Em diversas ocasiões festivas, Britney foi fotografada ao lado de “It Girls” de Los Angeles, mas desconhecidas pelos “simples mortais” ao redor do mundo. Duas delas começaram a ser famosas apenas após flagradas na companhia festiva de Britney Spears: Paris Hilton e Kim Kardashian. E se transformaram imediatamente em duas “famosas” por serem “famosas”. Britney ao menos cantava (ainda que mal). Mas e Paris e Kim?
Pelo sobrenome pode-se fazer a ligação de Paris à cadeia de hotéis Hilton, da qual é herdeira. Kim é filha do famoso advogado de O. J. Simpson Robert Kardashian, e é enteada do atleta olímpico Bruce Jenner.
Para quem nunca viu Kim Kardashian, uma forma de imaginá-la é lembrar-se da princesa Jasmine do desenho “Alladin” da Disney. Porém Kimberly Kardashian é, fisicamente, o que a princesa Jasmine não é, em beleza, à décima potência. Nem um desenhista da Disney seria capaz de projetar, idealmente, uma beleza tão perfeita quanto a que Kim Kardashian tem, tangilmente. Nas palavras de Kelly Osbourne, comentarista do “Fasion Police on E!”: Kim Kardashian é a mais bela mulher que já pisou a face da Terra.
Sua beleza é simplesmente perfeita. Não apenas seu rosto é maravilhosamente bem calculado por algum sumo matemático, como seu corpo é maravilhosamente bem-torneado, com um derriére que de tão avantajado parece até artificialmente turbinado.
Pq qquer uma dessas observações é pertinente à Relatividade? Por conta de Kourtney Kardashian. Kourtney também é uma mulher maravilhosamente bela, com um corpo bem-feito. Quando apenas Kourtney aparece na tela, sua beleza nos atinge maravilhosamente.
Até que Kim apareça.
Embora Kourtney seja uma mulher belíssima, quando contraposta no mesmo frame a Kim, não há como, visualmente, perceber que na presença da irmã perfeita a beleza de Kourtney se apaga tanto quanto a doçura do refrigerante contraposta ao sabor do bolo.
Houvesse Kourtney nascido em qquer outra família, seria “a mais bonita das irmãs”. Porém teve a má sorte de receber como sua caçulinha “a mais bela mulher que já pisou a face da Terra” e diante disso, relativamente, jamais poderá considerar-se realmente bonita. Muito mais corpos gravitarão ao redor de Kim do que ao redor dela.
4 – Do progresso tecnológico.
Sinceramente, qquer ser humano que reclame da existência hj é um grande bunda-mole. O avanço tecnológico da Humanidade facilitou nossa existência de tantas maneiras que um viajante do tempo que chegasse hj vindo de 2 mil anos atrás ficaria rapidamente convencido que grande parte do que ele almejava por uma “vida paradisíaca”, nós já desfrutamos.
Alguns exemplos brasileiros.
Os pioneiros paulistas precisaram, por séculos, escalar manualmente a “Muralha”, a Serra do Mar que divide a Baixada Santista do Planalto Paulista. A árdua escalada durava dias ou até semanas. Hoje, num dia sem trânsito, chega-se de São Paulo a Santos em menos de meia hora, de carro, pela Rodovia dos Imigrantes. Também por séculos, para transportar a produção do planalto paulista ao porto de Santos, eram necessárias tropas de mulas e semanas de viagem. (Por isso foi escrito o livro “Rio Claro” de Warren Dean). Já adiantado o século XIX, algumas horas de viagem de trem. Hoje, de carro, da minha casa no coração do interior paulista, eu dobro apenas 4 esquinas e levo 2h15 para chegar à Marginal.
Duas palavras que transformaram o mundo: energia elétrica. Quantos poetas forçaram seus olhos para ler preciosos e raros livros à luz de velas? Hj todos nós temos à plena luz e à ponta dos dedos via Internet qquer livro que queiramos.
E ainda assim reclamamos.
Nunca nos daremos por satisfeitos pois todas as nossas noções de comparações são historicamente determinadas pelo que nos cerca. Um viajante do passado ficaria maravilhado com todas as nossas facilidades modernas. Nós, porém, acostumados a elas, não lhes damos valor, nem nos sentimos presenteados por termos a nossa vida tornada infinitamente mais fácil pela tecnologia.
Tenho a consciência de testemunhar um momento de transição histórica propiciado pelo avanço da tecnologia. A informática transformará completamente as relações humanas, e apenas engatinhamos nesse sentido.
Estamos saindo da vida analógica para a digital. Testemunhamos a transição para a realidade 2.0, para a Grande Revolução do Admirável Novo Mundo.
Valerá a pena a espera.
quinta-feira, 30 de junho de 2011
Família Suplicy, os Kennedy’s brasileiros
Alguns exemplos brasileiros. Em SP temos o ilustre caso dos 3 irmãos Andrada e Silva: José Bonifácio, Martim Francisco e Antônio Carlos . No Maranhão temos o exemplo deletério da família Sarney. Na Bahia, os Magalhães. No Rio de Janeiro os “Garotinho”.... Em Minas, nasce a dinastia Neves, de Tancredo e Aécio.
A formação de dinastias republicanas não é fenômeno exclusivamente brasileiro. Nossos hermanos argentinos têm certo pendor peronista, recentemente materializado na dinastia Kirchner. No Peru, temos Alberto e Keiko Fujimori. Se Fernando Lugo encaminhar seus filhos à carreira política, faltarão cargos eletivos suficientes no Paraguai para os múltiplos filhos do presidente ex-bispo... Nos EUA são muitas as famílias com vários membros de destaque. As mais óbvias são os Clinton e os Bush.
Historicamente, só para citar famílias sem “sangue azul” é iconográfico o caso de Napoleão Bonaparte e seu sobrinho, Luís Napoleão, que subiu ao trono como Napoleão III. Mesmo contemporâneo, é também histórico o exemplo de Cuba, com Fidel Castro sucedido por seu irmão Raúl. Na Coréia do Norte, a família de Kim Jon-Il encaminha-se para a terceira geração no poder “republicano”...
Porém ocasionalmente algumas dinastias políticas revestem-se de certa aura taumatúrgica. Tal ocorreu nos EUA em relação aos Kennedys. Especialmente por seus dois mais destacados membros, John e Robert, terem se tornado arquetípicos mártires da América.
A Cultura política brasileira é toda outra. Políticos brasileiros não são assassinados por cidadãos malucos, ou por Conspirações da CIA, mas por simples jagunços e pistoleiros. Os políticos brasileiros não costumam ter mortes grandiosas. Pelo menos desde o suicídio de Getúlio Vargas. Minto. Desde o desaparecimento de Ulysses Guimarães, que fosse mais jovem e com “apelo midiático”, teria memória muito mais celebrada.
Político sui generis no desolador cenário político brasileiro é o “eterno” Senador por São Paulo Eduardo Matarazzo Suplicy. O “Matarazzo” já é toda uma declaração a respeito da classe social de qquer um que porte este sobrenome no estado de SP. Numa frase curta, os oriundi Matarazzo obtiveram o titulo nobiliárquico de “Conde” sob o Império de Pedro II.
Eduardo Suplicy encarna uma verdadeira bandeira em prol da retidão. Sua persona emana segurança, dignidade, republicanismo. Outra característica maravilhosa do senador Suplicy, apanágio das pessoas muito bem-resolvidas, é que ele não tem medo de rir de si mesmo, não se sente na necessidade contínua de “manter a compostura”. Suplicy tem “compostura” intrínseca e pode, portanto, impunemente, prescindir de qquer “pose”. É figurinha carimbada e carinhosamente reverenciada nos programas de humor jornalístico. Não teve medo de vestir a sunga vermelha de super-homem que Sabrina Sato lhe ofereceu via Pânico na TV (e que o programa, em respeito ao Senador e para não complicá-lo na hilariante “Comissão de Ética do Senado” não levou ao ar, deferência que nenhum outro político receberia...)
Recentemente, participou de um “detector de mentiras” no programa CQC - Custe o que Custar. Na matéria ele era apresentado como “um político que nunca mente”. Aplicaram-lhe o teste com várias perguntas espinhosas, às quais qquer político se furtaria em responder. Não alguém seguro de uma honra imaculada. O detector acusou mentiras? Rsrsrs... Claro! Uma das perguntas foi se o casamento com Martha Suplicy foi “fácil”. Após pensar, disse que sim. Mentira! Quem conhecer 1 só casamento fácil que atire a primeira pedra. Outra pergunta foi se alguma vez ele teve vontade de “dar na cara” da Martha. Após ponderar, disse não. Mentira! Confrontado com o resultado, explicou em seu reticente tom de bom-moço: “Posso até ter pensado, mas nunca, jamais, realizei nada neste sentido”. Verdade! Quem nunca teve vontade de esmurrar aos mais próximos que atire a primeira pedra. De todas as perguntas de escopo político, Suplicy graduou-se com louvor. E com verdade. Afirmou claramente nunca ter recebido presentes de lobbistas. VERDADE!!!!
Detalhe pertinente das diferenças entre EUA e Brasil é que um político como Eduardo Suplicy, apesar de todos os seus méritos pessoais e sua ética imaculada, jamais teria uma carreira de destaque entre os preconceituosos e mui conservadores yankees. Seria guilhotinado por sua família. Nos EUA esposas de políticos devem ser donas de casa modelo, no máximo, políticas que serem-lhes apenas de sombra. E seus filhos, mauricinhos engravatados. Eduardo Suplicy foi casado longamente com uma sexóloga e seu filho mais famoso (seu Júnior) é também o punk mais famoso do Brasil: Supla.
Na década de 1980 Marta Sulicy ficou famosa por apresentar um programa na TV sobre sexo, ao lado de Marília Gabriela. Também na década de 1980 Supla chocava o Brasil com seus ilhoses, seu cabelo moicano e suas músicas horrendas. Uma esposa que fala sobre obscenidades na TV e um filho aparentemente drogado seriam suficientes para fadar ao fracasso a carreira de qquer político americano. Creio que o sucesso de Suplicy no Brasil diz algo de bom sobre a tolerância cultural de nossa nação.
Mesmo assim parecia algo meio “fora de lugar” o roqueiro multi-colorido Supla naquela que poderia ter sido a família Dó-Ré-Mi brasileira. Mas se há algo de curioso e reflexivo na vida é que o mundo dá muitas, muitas voltas. Quem hoje está por cima, amanhã está por baixo. Quem hoje é desprezado amanhã será honrado. E ninguém sabe para que rumo a roda da vida há de nos levar.
Para a família Suplicy isso se deu no programa “Casa dos Artistas”, o Big Brother com famosos que foi ao ar no Brasil pelo SBT de Sílvio Santos. Cujo casting contava com o pseudo-artista Supla. Até sua entrada nesse programa, todo o Brasil tinha uma visão pré-concebida de Supla como um “punk”: rebelde, grosseiro, violento, mal-educado. Uma fruta podre uma família de bem, depondo contra seu pai enquanto “bom gestor” e sua mãe como “psicóloga”, e contra ambos como políticos. Supla era o turn-off, o ponto baixo na biografia de seus pais. Até que o Brasil o conhecesse.
Em “Casa dos Artistas I” o Brasil teve uma das poucas boas surpresas políticas de sua história. Supla revelou-se um verdadeiro gentleman: educação principesca, gentileza, razoabilidade, pontos de vista esclarecidos, ausência de preconceito, disposição em ajudar, conversar, aconselhar, personalidade afável. Quem assustava por sua aparência cativou ao Brasil por sua docilidade. Desde o começo do programa até seu último episódio, Supla era o franco favorito. E teria ganho. Na verdade ganhou. Supla e a família Suplicy foram os grande vencedores da “Casa dos Artistas”, embora Eduardinho Júnior não tenha ganho o prêmio, para surpresa de todos, no último minuto.
Recomendo a todos assitir ao episódio final deste programa. Foi eletrizante. Ao longo dos meses de episódios de confinamento, vimos nascer um romance inspirador entre o garoto rebelde mais querido do Brasil e o membro menos conhecido dentre os “artistas” selecionados: a atriz Bárbara Paz. O grande público nunca ouvira falar dela. E, junto com Supla, o Brasil foi aos poucos se enamorando desta gaúcha de triste história. Lindo foi o entrosamento de ambos. E muitos telespectadores viram-se diante de uma história moderna de “Cinderella”.
Supla teria ganho, não fosse ele rico. E não tivesse o Brasil percebido que, para ele, ganhar algumas centenas de milhares de reais não faria diferença a um Matarazzo. Já para a neo-princesa seria determinante. Ninguém, muito menos a própria Bárbara, achava que ela ia ganhar. Isso fica claro ao assistir ao episódio final, com ela quase dissolvendo-se no sofá, o rosto marejado displiscentemente manchado de delineador. Após a revelação final do ganhador, lindíssima foi a cena de ela sendo recebida pelo rei e pela rainha-mãe, então prefeita de São Paulo. E terno foi o gesto de Marta ao ajeitar a maquiagem na nora que só então conhecia, mas por quem o Brasil inteiro já se apaixonara.
Não fosse o programa “Casa dos Artistas” o Brasil continuaria apensar: “Como um cara tão bom como o Suplicy não deu um jeito no Supla?” e “Como uma psicóloga pode criar tão mal um filho a ponto de ele virar punk?” Mas veio a Casa dos Artistas e a gentileza e fino trato de Supla demonstraram cabalmente ao Brasil como as aparências enganam.
Update 10 anos depois:
Eduardo e Martha Suplicy divorciaram-se. Ela casou-se com um argentino. Curiosamente, isso não resultou num suicídio político. Hoje já estão separados.
Em 2010 Martha foi eleita Senadora por SP. Portanto, dos 3 Senadores a que SP tem direito, hoje 2 atendem pelo sobrenome Suplicy.
O namoro de Supla de Bárbara Paz não durou muito. Hoje ela é uma respeita atriz, casada com o diretor de cinema, curiosamente também argentino, Hector Babenco.
Hoje em dia Supla apresenta, ao lado de seu irmão "mais cool" João Suplicy, o programa jovem e musical "Brothers". Supla continua a cultivar o look "Punk", apesar de já passado dos 40 anos de idade...
Nenhum dos filhos do casal Suplicy parece inclinado a enveredar pela carreira política.
A única música de "sucesso" de Supla é "Japa Girl". Gravada na década de 1980.
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
Da polissemia dos termos – Benjamin e as jornalistas da Globo
Muitos dos leitores talvez não saibam ao que me refiro pelo objeto “benjamin”. Só me dei conta disto com largos 25 anos. Num final de ano, naquele triste e calendáricamente obrigatório apenas na FEBEM dezembro, como se não houvesse nada mais a ensinar no final do ano, após as provas e contagem dos vistos, preparei-me para passar um filme para os alunos.
Qual? Apollo 13. Banal? Talvez. Tarimbado? Com certeza. Mas para os expectadores “menores”, inédito. Metade talvez nem reconheceu em Tom Hanks quase um clichê cinematográfico. Disse um destes:
- Não é o cara das raquetadas?
Referia-se a Dan Stulbach, que agredia sua esposa às raquetadas numa novela de Manoel Carlos. Qual nome? Impossível lembrar dada a pouca criatividade deste autor em batizar obras e protagonistas. Talvez tenha sido “Páginas da vida” ou “Viver a vida” ou “Por amor”. Seguramente ambientada no Leblon. (E que fique claro que a-do-ro Manoel Carlos, suas novelas e suas Helenas). Para a maioria das pessoas é Dan Stulbach que assemelha-se a Tom Hanks. Para quem nunca foi ao cinema, é Tom Hanks que assemelha-se a Dan Stulbach.
Eu, e creio que meu leitor, já fomos mais de uma centena de vezes ao cinema. Muitos de meus alunos nunca. Este é o tipo de dado do qual se desconfia e se considera exagerado ou impossível. A alguém de classe média. Mas é constrangedor quando auferido in loco. Pode descrer-me com certeza o leitor que nunca pisou numa instituição prisional, e por isso o relevo, por ver-me consciente que eu mesma veria-me desconfiada desta afirmação antes de trabalhar na FEBEM – Fundação CASA.
Portanto, a quem duvidar de que muitos de meus alunos nunca pisaram num cinema, pergunto: “Vc já trabalhou na FEBEM?”
À negativa seguramente coletiva, prossigo. Para ligar a TV e o DVD, eu precisaria de um benjamin. Como não o encontrasse, dirigi-me à agente educacional terceirizada da ONG:
- Me traz um benjamin?
Ela olhou-me com um olhar perdido que não compreendi. Virou-se para um lado, outro, e respondeu-me como a me pedir desculpas:
- Professora, não tem nenhum Benjamin aqui, nem interno nem funcionário...
Contraí as sobrancelhas e conti o riso. Dei-me conta de que “benjamin” talvez fosse uma gíria paulistana, uma vez que o nome não remetia imediatamente ao objeto num outro ambiente. Tive então uma grande lição acerca da polissemia dos termos. Para mim um benjamin sempre fora um benjamin. Para outrém, seria o nome de alguém. Principiei a descrever: queria um adaptador de tomada, com várias saídas, etcs.
Aliviada, respondeu-me:
- Ah!... A senhora quer um “T”.
- Isso, um “T”.
Para mim a letra “T” assim, no maiúsculo, lembra pulsões primitivas e vulgares. Para a senhora que ganhava menos que eu pra dar expediente de muito mais largas horas, não. Era um singelo adaptador de tomada.
A lembrança deste fato acorreu-me ao ver a proeminente barriga de Rosana Jatobá ao anunciar o clima no “Jornal Nacional”. Esta postagem e tudo que escreverei depois desta frase constranger-me-ão no futuro, disto estou apercebida, mas o redijo para eternizar dois impulsos arquetípicos instintivamente machistas que tive hoje.
Acerca de Rosana Jatobá, grávida dos gêmeos Lara e Benjamin. Não sei pq, mas enquanto ela anuncia chuvas e secas, eu não conseguia olhar para o mapa, mas apenas para sua gigantesca barriga. Preconceituoso e neurótico? Com certeza, mas há algo de estranho em ver uma grávida expondo-se publicamente. Não sei como, mas Rosana Jatobá muito bem vestida no Jornal Nacional constrange, em 2010, quase tanto quanto Leila Diniz chocava de biquíni, na década de 70. E eu não sei por quê. E é animador que a grandiloqüente Rede Globo tenha já hoje a audácia de expor, e até comentar nacionalmente, a gravidez abençoada da “moça do tempo”. É quebrando paradigmas que uma empresa se coloca àfrente das demais.
Outro paradigma quebrado pela Rede Globo assisti hoje pela manhã. Este foi um dia típico, ou atípico, dependendo da localização geográfica de quem fala. Para uma interiorana caipira paulista, típico. Para um morador de um morro carioca atípico.
Para o leitor que desconhecer a que me refiro, uma anedota:
Como vc pode ter certeza de que a segurança púbica brasileira não existe?
– Quando o programa da Ana Maria Braga vira plantão policial.
Disse exatamente isso pra minha avó, acrescido dum:
- Será que ela não tem o programa dela pra apresentar? Dar receitas, dicas de decoração, falar sobre Princess Kate?
Pois é, diante da guerra urbana carioca, as receitas da globalmente engessada Ana Maria Braga são postergáveis: urge alertar sobre os ataques narco-terroristas, o que em outros tempos recairia à Record. Urge acrescentar aos da Globo que emasculam e tolhem à joaquinense Ana Maria: ninguém assiste ao “Mais Você”. Os telespectadores assistem ao programa da Ana Maria Braga, qual seja seu nome ou canal. E quanto mais “Mais Você” e menos o “programa da Ana Maria Braga” ele se torna, mais audiência perde.
O que isso tem a ver com meu machismo psíquico insuspeito? A repórter no Globocop. Enquanto a pesarosa Ana Maria Braga comentava os recentes ataques, passou a voz ao Globocop. Estranhei que fosse uma e não um a repórter a bordo. E eu não sei por quê. A feminilidade da jornalista de certa forma parecia fora de lugar num helicóptero, narrando o incêndio de um ônibus, às 8 e meia da manhã. E, mais uma vez, parabéns à Globo por colocar, achauvinisticamente, uma e não um repórter no Globocop. É transcendendo preconceitos que uma empresa de comunicação dita, e não acompanha, trending topics.
É curiosamente estranho quando uma mulher pretensamente libertária apercebe-se de seu próprio machismo insuspeitamente arraigado. E de como o frêmito verbal de expor isso pode nascer de um simples objeto empoeirado.
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
De Robert Rey – Júnior e Sênior.
Hoje assisti a um episódio, que eu já vira, de Dr. 90210, Dr. Hollywood, no qual o renomado cirurgião plástico Robert Rey Jr. retorna ao Brasil para encontrar seu pai alienado. Não pq fosse louco, mas por havê-lo abandonado. O que despertou minha atenção a ponto de citar referência televisística tão aparentemente fútil foi a cena do telefonema.
Após haver-se encontrado com seu pai idoso e contrito, Dr. Rey ligou para sua plasticamente perfeita esposa, que o atendeu em sua mansão em Beverly Hills. Cena tocante e profundamente humana, Robert narrou que encontrara em seu pai um homem arrependido, que articulara com todas as palavras “eu te amo”, coisa inaudita, e dissera-se orgulhoso do filho. Robert Rey disse:
- A weight has been lifted off my shoulders. I, definitelly, got closure. I think that anger is gone.
- Um peso foi tirado dos meus ombros. Eu, definitivamente, consegui “colocar uma pedra” sobre este assunto. Acho que aquela raiva se foi.
Hayley, em sua beleza solar, testemunhou entre sorrisos efusivos a seguir ao cameraman:
- Robert me soou tão diferente ao telefone; mais leve. Estou surpresa com a atitude do pai dele, e acho que esse reencontro lhe fez muito bem. Se ele já era um bom marido antes, agora, então, será um casamento maravilhoso!
O tocante nisso tudo foi perceber que mesmo a um cirurgião plástico mundialmente reconhecido, profissionalmente realizado, midiaticamente celebrizado, bonito, bem casado, pai amado, financeiramente muito bem situado, ainda havia algo a limitar-lhe a extensão do riso. Algo que nenhum dinheiro, carro, mansão, adulação, confetti, esposa amorosa ou paciente famoso poderia remediar: o mal-estar sobre sua origem.
Robert Rey Júnior nasceu no Brasil e por razões que com certeza ele expôs e eu não vi por não suportar assistir às cenas cirúrgicas freqüentes em seu programa, foi entregue em adoção a missionários mórmons. Realocado nos EUA, conseguiu por seu mérito intrínseco graduar-se em Medicina e estabelecer-se como cirurgião plástico na Califórnia. Estimulado ou não por transcender seus determinantes geográficos, criou através de seu expertise um amplo renome a ponto de ser convidado a estrelar um programa estilo reality-show no qual expõe não só sua prática profissional, mas também sua vida doméstica. O que acabaria por proporcionar-lhe o reencontro que tanto temia e ansiava.
Foi eloqüentemente humano intuir a cena posterior daquele Homem em seu luxuoso e solitário quarto e hotel dobrar-se e chorar como um bebê ao reelaborar e ressignificar as lembranças que sempre haviam nublado sua vida, de que fôra um filho preterido e descartado. Após ver em seu Sênior uma postura mesérica ele finalmente poderia começar a aceitar em sua plenitude as sedas que seriam-lhe (e seguramente serão) rasgadas no futuro.
Finalmente poderia, retornado à Califórnia, abraçar seus oníricos esposa e filhos sem o fantasma familiar que murmurava-lhe continuamente ao pé do ouvido que ele não merecia ser feliz.
Senti-me empática e catarticamente feliz com Robert Rey por haver encontrado nos lábios de seu pai curvado pelos anos pedidos de perdão, declarações de arrependimento e quiçá, até, um certo amor. Embora nada disso apague o passado sofrido de Robert, a partir desta cena, talvez, aquela sensação claudicante de desconforto cesse de aguilhoar as realizações incontestáveis que talvez ele só tenha sido desafiado a alcançar pela necessidade de auto e exo afirmar-se valoroso e digno de reconhecimento.
Talvez, não tivesse o desalmado Robert Rey entregue seu Júnior em adoção, Dr. Robert Rey não seria médico, nem rico, nem casado com a belíssima Hayley. Talvez fosse ele apenas mais um paulistano meio remediado, em algum sub-emprego, casado com alguma Aparecida ou Edilene. Seria ele mais feliz?
Não sei, apenas percebi que nenhum milhão de dólares poderia dar a Robert Rey o alívio que seu pai proporcionou-lhe ao suplicar, humildemente, perdão. Apenas quando quem o feriu pediu perdão ele pôde, finalmente, perdoar. E largar à beira da estrada o pesar daquela dor, mesmo muito antiga. Superar seus traumas e exorcizar seus fantasmas. Para poder finalmente parar de ruminar o passado e passar a projetar, livremente, o futuro.
Muitas coisas não têm preço. Pelos menos as mais importantes na vida.
quinta-feira, 21 de outubro de 2010
Da bastardia e dos testes de paternidade
Graças a Deus ou à reincidência errática de minha ex-genitora nunca precisei de um teste de DNA para colocar um nome num campo em branco no meu RG, e imagino o quanto seja humilhante precisar recorrer a um teste de DNA, tanto para a mãe como para o filho, a fim de precisar quem é o seu genitor. Talvez seja por isso que o rabinato há mais de mil anos determinou: judeu é todo aquele filho de mãe judia, não importa quem seja o pai. Na verdade, porque nunca se tinha certeza de quem realmente era o pai. Além da também recente e inconclusiva tipagem sangüínea, não havia como saber com certeza se o filho “legítimo” era bastardo ou se o filho duvidoso o era de fato.
Os exames de paternidade de certa forma resolveram um antigo problema filial e patrimonial: a bastardia. Hoje, quando a noção de família, honra e “normalidade” se tornaram bem mais elásticas, ser filho “bastardo”, especialmente no Brasil, não é mais tão traumático. Houve tempo em que qualquer filho concebido fora de um casamento sacramentado pela ICAR (Igreja Católica Apostólica Romana) era um bastardo, mesmo que fruto do relacionamento de duas pessoas solteiras, com nome do pai e da mãe na certidão. Vivemos na época de Papa don´t preach. E isso é bom.
Ter um filho bastardo antes da década de 1960 era uma anátema que não raramente resultava no aborto, infanticídio ou na exposição de bebê (abandono na “roda dos expostos” dos orfanatos). Isso resultou, entre outras coisas, no sobrenome italiano Spositto e na mais torrencialmente pesarosa cena da novela Terra Nostra, quando a pérfida neo-sogra (Ângela Vieira) põe na roda o fruto bastardo do amor puro entre Giuliana (Ana Paula Arósio) e Matteo (Thiago Lacerda).
Ser um filho bastardo, sem nome do pai, ou até sem saber quem era o seu pai, costumava ser um estigma. Uma marca indelével que apenas a dedicação à Igreja podia alvejar. Analisemos o caso do padre Diogo Antônio Feijó, filho bastardo de uma tradicionalíssima família paulista, exposto literalmente na pocilga do bispo de São Paulo. Adotado, educado e ordenado, Feijó pôde, em princípios do séc. XIX, transcender à mácula de seu sangue possivelmente “infecto”, tornar-se uma importante liderança política brasileira e alçar-se ao grau até então inimaginável a alguém sem estirpe determinada: governante do Brasil. Ele foi Regente do Império do Brasil durante alguns anos da minoridade de Dom Pedro II. Trajetória comparável à conquista também inédita do corso Napoleão Bonaparte ao tornar-se Imperador da França. Dá-lhe “O Vermelho e o Negro” de Stendhal...
Fui testemunha do trauma e do pesar que a ausência do nome do pai de um “grande amigo” então JPN, filho de mãe negra, solteira e pobre com pai branco, solteiro, rico e escusem-me violar a memória de um falecido, pouco responsável. Do pai JPN carregava o prenome, não, porém, o sobrenome e o reconhecimento. Não que seu pai não soubesse ou duvidasse que ele fosse seu filho, Mas à década de 1960 ainda vicejava até no ambiente urbano paulistano uma certa mentalidade desvendada por Gilberto Freyre em “Casa-Grande & Senzala” ao diagnosticar a função do “negro na vida sexual e de família do brasileiro”. Já adulto e ele mesmo pai, JPN foi reconhecido por seu pai, já idoso, sem necessidade de teste de DNA, e tornou-se orgulhosamente JPNSC. Fez questão de ostentar a longa seqüência de todos os sobrenomes a que tinha direito, tal qual quatrocentão, embora fosse um mulato carcamano. Embora pouco prático ou estético, isso deve ter cumprido a função catártica de “lavar a alma” e a honra da família.
Casos famosos envolvendo questões de reconhecimento de paternidade, e que exemplificam comportamentos opostos, são os de Pelé e Mick Jagger. O triste caso de Pelé, Edson Arantes do Nascimento, o atleta do Século (XX), o liga a Sandra Regina Arantes do Nascimento, “A filha que o rei não quis”. Embora comprovado por testes laboratoriais que Sandra era de fato integrante de sua prole, Pelé recorreu até ao Supremo Tribunal Federal para não reconhecer a paternidade de sua filha, já adulta, fruto dos longínquos tempos do anonimato. É claro que Pelé perdeu a causa, Sandra pôde ostentar seu “Arantes do Nascimento” e passá-lo à sua própria descendência.
A lei brasileira é generosa neste sentido: todo filho, natural ou adotivo, tem direito à herança de seus pais, mesmo que à revelia. Ou seja, nenhum filho pode ser deserdado. Legítimo ou bastardo, concebido dentro ou fora de um casamento; cada filho, amado ou rejeitado, tem direito a igual quinhão do espólio. O único caso de exceção é no de o herdeiro causar a morte de seus genitores, tal qual no caso de Suzane Louise von Richtoffen, que assassinou aos próprios pais, Manfred e Marísia. E ainda num caso assim, é necessário que o(s) co-herdeiro(s), entre(m) com um processo para a exclusão da(o) parricida de seus direitos naturais no inventário.
Pelé rejeitou Sandra, e esta talvez seja a maior mácula em sua biografia. Postura diferente teve Mick Jagger, vocalista dos Rolling Stones, então casado com Gerry Hall, quando se viu pego no “golpe da barriga”. Bem ciente dos avanços do DNA, a então desconhecida modelo brasileira Luciana Morad Gimenez teria tido um encontro casual com a lenda do rock, supostamente num canil, que resultou numa muito alardeada gravidez e no divórcio Jagger-Hall. Mesmo numa situação extremamente constrangedora, talvez aconselhado por um media trainer, tal qual Ronaldo Nazário, o Fenômeno, diante da gravidez de Milene Domingues, Jagger comportou-se com um legítimo cavalheiro: em nenhum momento criticou Gimenez, ou negou a paternidade. Obviamente exigiu o teste de DNA e à revelação, na corte americana, do resultado positivo, Jagger, pelo telefone, disse estar muito satisfeito com o resultado, e prontificou-se a comparecer com todas as suas obrigações de pai conforme acordado fosse pela corte na presença de seu advogado. Cifras em dólares àparte, Mick Jagger fez, e faz, muito mais por Lucas Morad Jagger, que destruiu seu único longo casamento, que pagar-lhe uma morbidamente obesa pensão alimentícia: faz-se presente. São lindas as fotos dos dois juntos. Jagger fez de um tropeço uma superação exemplar, dá uma lição de como um homem honrado deve comportar-se diante de um filho inesperado: como um pai.
Por mais indesejadas que tenham sido as circunstâncias que resultaram numa descendência inesperada, nenhuma pessoa com honra pode permitir-se furtar-se às responsabilidades, financeiras e emocionais, provenientes de um filho. Por mais que a mãe tenha sido uma oportunista, ela não importa. A pensão é para a criança. O registro é da criança, que não é uma oportunista e que é filha tanto quanto qualquer outro filho que alguém venha a ter. Ninguém tem o direito de negar a outra pessoa a certeza e o orgulho sobre sua origem. Toda criança tem o direito à presença e à referência de ambos os seus genitores.
Pena que cerca de 30% das crianças brasileiras sequer tenham o nome do pai em sua certidão de nascimento. E muitas das que têm um nome ali, seu “pai” é apenas um nome, de papel, completamente imaginário.
Vivemos tempos familiarmente tristes...