terça-feira, 9 de outubro de 2012

Pequenos detalhes determinantes

Pensei dar a este texto o nome "Do espanhol, ou de Civilization II" mas o título ficaria por demais enigmático. Pretendo neste texto expor como pequenos detalhes q acontecem durante nosso desenvolvimento podem ser determinantes em nosso futuro.

Nunca tive uma única aula de espanhol, ou castelhano, em toda minha vida. Contudo, alguns poderão auferir q por mais roto q seja meu portunhol, me saio muito bem na comunicação com interlocutores fluentes apenas nesta língua, seja oralmente ou por escrito. Já li livros inteiros em castelhano.

A compreensão desta língua veio-me como uma espécie de bônus dum costume q cada vez mais progressivamente cairá em desuso: a telespectação passiva de programas de TV. Com os avanços da internet e dos novos gadgets, as novas gerações não mais assistirão, passivamente, a milhares de horas de programação televisiva, como ainda faço.

Muitos acham, com certa razão, q "na TV só passa lixo". Mas mesmo no "lixo" podemos encontrar materiais úteis e reaproveitáveis.

Como boa brasileira, sempre fui noveleira. Como adolescente romântica e boba, tb acompanhava as novelas mexicanas q passavam no Brasil. Até q, zapeando naqueles "canais lixo" da TV a cabo, encontrei uma pérola: "El Canal de las Estrellas", a rede internacional da Televisa mexicana. Fiquei exultante pois não mais precisaria esperar q as novelas envelhecessem para só então serem transmitidas no Brasil: eu poderia assisti-las fresquinhas, diretamente da fonte. Em espanhol.

No começo, "boiei" bastante, pouco entendia. Mais acompanhava as imagens, expressões e situações do q compreendia aos diálogos. Porém, como assistia diariamente, a umas 3 produções diferentes, com o passar dos meses a barreira da língua caiu. Passei a compreender as falas, as coisas escritas, a identificar os falsos cognatos, expressões q não tinham correspondente em português, adquirindo a "musicalidade", o ritmo diferente q se usa ao falar em espanhol.

Alguns capítulos gravava, e até decorava. Percebi q as pessoas q o estudavam eram péssimas em espanhol e tinham forte sotaque pois articulavam sua fala como "brasileiros tentando falar espanhol". Compreendi q assim ninguém se torna fluente. É necessário criar um novo "diretório raiz" e nele inserir a língua estrangeira. E não, como a maioria das pessoas fazem, no diretório de sua língua nativa "abrir novas pastas" com as equivalências entre a língua q já se sabe e a q se está aprendendo. Não devemos "pensar em português" e então traduzir pro espanhol, mas sim pensar diretamente em espanhol. Apenas assim se compreende e usa a língua em sua plenitude, se apropriando de sua "equação gramatical única" e sua musicalidade específica.

Ao me ver assistindo essas novelas, meus familiares reviravam os olhos de forma condescendente, vendo nisso apenas infantilidade e perda de tempo. Não poderiam estar mais errados. E outro costume meu era visto da mesma forma: minha verdadeira compulsão pelo jogo Sid Meier's Civilization II.

Joguei a versão I, II, II Multiplayer, Call to Power e IV. De todas, a II sempre foi minha favorita. Gastei milhares, seguramente milhares, de horas nesse jogo. Era comum passar um dia todo jogando, até 12 horas seguidas, e só parar quando a tendinite no indicador direito me obrigava, pelos sucessivos cliques no mouse.

Acredito q essas milhares de horas foram fundamentais para o desenvolvimento da minha capacidade de articular pensamentos complexos e minha ampla memória "RAM".

Para quem nunca o jogou: em Civ II começamos com uma unidade, fundamos uma cidade e essa cidade produz novas unidades, de guerreiros e fundadores de cidades. Vc vai aos poucos iniciando novas cidades, ampliando seu "império", elas vão crescendo de tamanho, é preciso administrá-las, optar entre diversas formas de governo, adquirir novas tecnologias, guerrear com outros povos e conquistar suas cidades para, no final vencer de 2 formas: ou dominando o mundo ou chegando a Alfa Centauro com uma nave espacial.

Acredito q este jogo foi determinante no meu desenvolvimento mental pois para ser bem sucedido nele é necessário agir e pensar como um maestro regendo uma complexa sinfonia. Articular, equilibrar, orçar, apaziguar, planejar, negociar diplomaticamente, saber o tempo certo de fazer paz e guerra. Tudo isso como um malabarista, com muitas "bolas" em jogo. Se cada uma dessas "bolas" a não se deixar cair for uma de nossas cidades, podemos chegar a ter dezenas, ou até centenas delas.

E a cada novo turno é necessário lembrar-se de sua posição geográfica (num planeta com continentes sempre diferentes), seus planos para ela, o q ela está produzindo, se está em zona de guerra, se está em revolta ou precisa ser pacificada, suas rotas de comércio, quais instalações já foram nela construídas e quais precisam ser erigidas, quais têm "Maravilhas do Mundo", quais são mais suscetíveis a espionagem e subversão, e como cada um desses paradigmas se comporta em cada forma de governo.

Cada jogo pode levar dias, ou semanas. E a cada vez q desligamos o computador e vamos jogar no dia seguinte, é necessário o reboot imediato de todas essas informações, muito detalhadas. Falhas de memória ou incapacidade em manejar tantas informações complexas simultaneamente resultam na incapacidade de vencer, mesmo no nível mais fácil. E eu triunfei dezenas de vezes no nível mais difícil, no qual a inteligência artificial do jogo é verdadeiramente desafiante.

Acredito q foi justamente o jogar Civ II q lapidou ou treinou meus neurônios para articular coerentemente e simultaneamente informações complexas e até conflitantes. É o q me possibilita, por exemplo, ler um texto e às vezes parar numa espécie de "tilt" ao atinar "peraí, há umas 50 páginas atrás afirmaram uma coisa q não casa com o q está escrito agora". Ou então estudando a Torah perceber "hum, acho q essa lei de Deuteronômio dialoga com aquela outra lei de Levítico" e assim inferir conexões e reflexões não-óbvias.

É curioso perceber como estes 2 detalhes, essas 2 coisas q fiz por puro prazer, resultaram em ganhos q não previ. Por isso jamais devemos subestimar as atividades nas quais nos envolvemos pois tudo, tudo mesmo, serve de aprendizado. Milhares de horas q, à vistas dos outros, eu desperdiçava, resultaram em muitos ganhos cognitivos.

Aos pais, e a todos, fica então o conselho: estimulem seus filhos e propiciem a si próprios experiências amplas, diversificadas. Não necessariamente "educativas". Não apenas o q se diz "pedagógico" serve ao nosso aprendizado. Se vc for criança ou adolescente, procure assistir a canais estrangeiros, vc pode de repente se descobrir fluente em outra língua, sem ter gasto um centavo e se divertindo no processo. Usem jogos complexos e estratégicos, não se limite aos joguinhos de corrida e luta.

O resultado de estimular-se de diversas formas pode ser a diferença entre vc se situar apenas "na média" ou se destacar entre os demais. Todas as habilidades q desenvolvemos, mesmo q pareçam não ter aplicação imediata, contribuirão para tudo q fizermos no futuro, mesmo q não tenha ligação com novelas mexicanas ou jogos de computador.

Um comentário:

  1. Fico frustrado por não poder jogar esse game pois meu pc não deixa!! haushaushaushua

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