Mostrando postagens com marcador ensaio. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador ensaio. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Dez conselhos que a Fernanda de 34 anos daria pra Fernanda de14 anos



1 - Não tenha pressa. Para nada. Para casar, ter filho, escolher profissão, para nada. A vida é longa e você tem que pensar muito bem antes de tomar decisões definitivas. Não se contente com o primeiro cara legal que aparecer no seu caminho. Outros melhores te aguardam.

2 - Não fume. Fumar na década de 1990 era legal, mas agora já não é tanto. Isso só vai prejudicar sua saúde e te fazer gastar muito dinheiro à toa.

3 - Cultive as boas amizades. Amigos de escola são inestimáveis e te trazem uma sensação de segurança. Amigos de faculdade te ajudarão a ter mais oportunidades de emprego. Cultive-os. Não perca o contato com eles.

4 - Jamais se deixe dominar por ninguém. Família, namorado, melhor amigo, patrão, por ninguém. Ouça com atenção os conselhos das pessoas, especialmente as mais velhas, mas jamais permita que outra pessoa te domine.

5 - Tenha a si mesma como prioridade, sempre. Você é a única pessoa preocupada com o seu próprio bem-estar. Se você mesma não se valorizar, ninguém o fará.

6 - Preste atenção nas aulas de Matemática. Na escola parece que não servem pra nada, mas a maioria das profissões que pagam bem são da área de Exatas.

7 - Não tire fotos comprometedoras, não exagere nas selfies, e nudes jamais! 

8 - Pense antes de falar. Nascemos com duas orelhas e uma boca pra ouvir muito mais do que falar. E em boca fechada não entra mosquito. Se abstenha de "tiradas engraçadinhas" em que só você vê graça. A Fernanda de 34 anos passou por incontáveis situações constrangedoras ao tentar fazer piadas.

9 - Não perca seu tempo comparando sua vida com a de outras pessoas. Cada um tem sua própria trajetória, seus percalços e merecimentos. Enquanto você perde o seu tempo se ressentindo que fulano fez algo que você gostaria, esse mesmo fulano se ressente que você alcançou algo que ele almejava.

10 - Não tenha medo. Você é jovem e tem a vida toda pela frente. Se joga! Tope, encare, vá, viaje, tente, pule e voe! Você só é jovem uma vez e a vida de adulto é muito chata!


sexta-feira, 8 de julho de 2016

Quatro motivos porque somos contra a compra e venda de filhotes de raça.


Você tem uma cachorrinha fêmea de raça. Ela é muito linda, fofa, meiga, uma gracinha. Aí você pensa "Ah, que mal tem? Vou cruzar minha cachorrinha, vender os filhotinhos, fazer algumas famílias felizes e de quebra ganhar uma graninha extra, que mal tem?" 

Aí você compartilha o anúncio da venda dos filhotinhos, tão lindinhos, e não entende porque aparecem uns malucos que se dizem "protetores de animais" te criticando. O que é que você está fazendo de errado, trazendo lindos filhotinhos de raça ao mundo? Que mal tem isso? 

Ou você leva os filhotinhos pra uma feira de pets e aparecem uns loucos protestando contra os maus-tratos aos animais, contra os canis de fundo de quintal, mas você não tem nada a ver com isso, né? Seus filhotinhos são "puro fruto do amor", ainda que vez por outra você saiba que alguns deles morrem logo depois de vendidos. Que pena, né? São tão pequenos e frágeis... Mas não dá pra devolver o dinheiro...

Os protetores de animais nada têm contra cachorros de raça. Amamos cachorros. E gatos. E todos os pets. Sem raça, com raça, de meia raça, de qualquer jeito. O que somos contra é a irresponsabilidade, a exploração e o abandono. Vamos, portanto, tentar explicar pra você, que nós acreditamos que goste de cachorros, porque você deveria parar de cruzar o seu e vender os filhotes.

1 - Você está arriscando a vida, e explorando biologicamente, seu próprio cachorro, a cada gestação. Cada gravidez traz inúmeros riscos de complicações e problemas, ainda mais em raças pequenas. Por melhores que sejam os cuidados que você dedica à fêmea matriz, cada gestação sacrifica o corpinho da sua fêmea.

2 - Você está causando danos psicológicos à fêmea matriz e aos filhotinhos prematuramente desmamados. Imagine o que é uma mãe ser engravidada uma vez por ano, amamentar só até os três meses e ter seu bebê arrancado de si e vendido, como se fosse mercadoria. E para o bebê, ser separado da mãe tão cedo... Não parece legal, né? Se não é legal pra você, porque seria legal para aquela que você chama de "filha"?

3 - Cada filhote vendido é um cachorro de rua a mais que nunca encontrará um lar. Cada pessoa que compra um cachorro, se não fosse possível comprar, adotaria um, que seria retirado da rua. Portanto, cada lindo filhotinho que você traz à vida tira o lugar que poderia ser ocupado por um cachorro de rua.

4 - Cachorros não são mercadoria, e muitas vezes são comprados por pessoas irresponsáveis, que os abandonarão assim que derem "problema". Tome-se por exemplo o filhotinho presenteado no auge da paixão, num dia dos namorados. E depois que o namoro acaba? E o filhotinho lindo, que cresce demais para morar em apartamento? E aquele que late demais, e os vizinhos reclamam? Sim. Muitos desses acabam simplesmente abandonados na rua, pro dono "se livrar do problema". E, na rua, acabam se reproduzindo sem controle. Mas seus filhotes mestiços não serão adotados, porque  a "avó matriz" continua produzindo lindos filhotinhos, até morrer.

Nós, protetores de animais, acreditamos que você seja uma pessoa boa, que realmente ama seus cachorros, e pedimos que você reflita sobre esse texto e se questione se realmente é certo continuar cruzando seus filhinhos e vendendo seus netinhos.

Porque para nós o amor não tem preço. E filhos e netos não se compra nem se vende.





quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Acreditar em um "falso messias" viola algum mandamento?


Este é um texto genérico, não se refere especificamente a nenhuma vertente religiosa.


A palavra "Massiach" (Messias) não consta da Torah. 


Há porém duas passagens um pouco contraditórias a respeito de "profetas como Moisés" a vir no futuro, vejamos. 


Dt 18:

15 O Eterno seu D'us fará surgir, dentre seus irmãos, um profeta como eu em seu meio, e vocês o ouvirão. 16 Foi o que você pediu aO Eterno seu D'us, no Horeb, no dia da assembléia: ‘Não quero continuar ouvindo a voz dO Eterno meu D'us, nem quero ver mais este fogo terrível, para não morrer’. 17 O Eterno me disse: ‘Eles têm razão. 18 Do meio dos irmãos deles, eu farei surgir para eles um profeta como você. Vou colocar minhas palavras em sua boca, e ele dirá para eles tudo o que eu lhe mandar. 19 Se alguém não ouvir as minhas palavras, que esse profeta pronunciar em meu nome, eu mesmo pedirei contas a essa pessoa. 20 Contudo, se o profeta tiver a ousadia de dizer em meu nome alguma coisa que eu não tenha mandado, ou se ele falar em nome de outros deuses, tal profeta deverá ser morto’.


21 Talvez você se pergunte: ‘Como vamos distinguir se uma palavra não é palavra dO Eterno?’ 22 Se o profeta fala em nome dO Eterno, mas a palavra não se cumpre e não se realiza, trata-se então de uma palavra que O Eterno não disse. Tal profeta falou com presunção. Não tenha medo dele.


Nesta passagem, Moshe Rabeinu afirma que O Eterno lhe disse que, no futuro, faria surgir no povo de Israel "um profeta como ele". Note: um profeta como Moisés, que não era o Messias. Porém outra passagem, que finaliza a Torah, afirma algo que aparentemente contradiz isso, vejam:


Dt 34:

10 Em Israel nunca mais surgiu outro profeta como Moisés, a quem O Eterno conhecia face a face. 11 Ninguém o igualou em todos os sinais e prodígios que O Eterno o mandou realizar no Egito contra o Faraó, contra toda a sua corte e contra sua terra. 12 Ninguém se igualou a Moisés na mão forte e em todos os feitos grandiosos e terríveis que ele realizou aos olhos de todo o Israel.


E sobre o advento de "novos profetas", a Torah também diz:


Dt 13:

2 Quando no meio de vocês aparecer algum profeta ou intérprete de sonhos e apresentar a você um sinal ou prodígio - 3 se esse sinal ou prodígio que ele anunciou se realiza e ele convida você: ‘Vamos seguir outros deuses (que você não conheceu) e vamos adorá-los’ - 4 não dê ouvidos a esse profeta ou intérprete de sonhos. Trata-se de uma prova com que O Eterno seu D'us experimenta vocês, para saber se vocês de fato amam aO Eterno seu D'us com todo o coração e com todo o ser. 5 Sigam ao Eterno seu D'us e a ele temam; observem seus mandamentos e lhe obedeçam; sirvam a ele, e a ele se apeguem. 6 Quanto ao profeta ou intérprete de sonhos, deverá ser morto, porque propôs uma revolta contra O Eterno seu D'us, que tirou vocês do Egito e os resgatou da casa da escravidão, e porque procurou afastar você do caminho pelo qual O Eterno seu D'us havia mandado seguir. Desse modo, você estará eliminando o mal do seu meio.


Dessas passagens podemos concluir:


1 - Se algum dia virá "um profeta como Moisés", há dúvidas. Pois tanto se afirma que um dia haverá (Dt 18:18), como também que "nunca mais em Israel houve um profeta como Moisés". (Dt 34:10).


2 - Se o profeta for verdadeiro e as pessoas não crerem nele, não há punição prescrita, apenas esta sentença:

Dt 18: 19 Se alguém não ouvir as minhas palavras, que esse profeta pronunciar em meu nome, eu mesmo pedirei contas a essa pessoa.


3 - Se o profeta for falso e as pessoas crerem nele, e ele incitar as pessoas à idolatria, a Torah não especifica nenhuma punição aos fiéis "desviados", apenas ao falso profeta, que incite os demais à idolatria (Dt 13:6).


Tudo isto posto, perguntamos:


1 - Acreditar em um "falso messias" que não incite as pessoas à idolatria viola qual mandamento?


2 - Há alguma punição para quem acreditar em um falso messias que incite as pessoas à idolatria?


3 - O Eterno diz em Dt 13:4 que coloca à prova seus fiéis com o advento de "falsos profetas" e afirma a seguir que o importante é se apegar a D'us e seguir seus mandamentos (Dt 13:5). Assim sendo "ficar procurando um Messias" ou "novos profetas" não seria perigoso, e a postura mais segura não é simplesmente se concentrar em seguir as Leis da Torah? 


4 - Precisamos mesmo ficar ansiosamente perscrutando, desesperadamente procurando indícios de última hora de "quando virá o Messias"? Afinal, quando ele chegar, não instaurará a Era Messiânica e todos saberemos então, sem sombra de dúvida, que ele veio?


.


domingo, 16 de março de 2014

Cotidiano da vida adulta



Percebi que preciso manter minha vida num cabresto curto. Se não, tudo foge dos eixos.


Gosto de rotina, dum cotidiano sem surpresas, de ter dias previsíveis, bem cronometrados e planejados. Gosto de a cada noite, antes de dormir, construir uma imagem mental de como será o amanhã, projetando todas as idas e vindas, e ainda que sejam extenuantes, se foram previstas, não me cansam tanto.


Mas qualquer coisa que saia fora do meu "esqueminha" tem potencial para me abalar, me tirar do prumo, ou mesmo "acabar com meu dia". 


Uma visita inesperada. Uma indisposição. Um imprevisto. Um incidente. Um telefonema. Um e-mail que precisa ser respondido com urgência. Um prazo que só lhe é informado prestes a expirar. Algo que "precisa ser resolvido/entregue/protocolado pra 'ontem'." Ter que correr atrás de papéis. Ter que depender dos "favores" e da "boa vontade" dos outros para cumprir prazos apertados... Te cobrarem por coisas das quais você não recebeu aviso prévio...


A vida adulta parece consistir de só stress, cobrança e trabalho... Prazos, papéis, obrigações... Solidão, sono atrasado e conformismo... Eu achava que quando me tornasse "adulta" eu viveria a MINHA VIDA... 


Não sei se sou só eu, mas me sinto vivendo uma meia-vida. Meio-minha (nas cada vez mais raras horas de folga) e meio "cumprindo minha (extenuante) 'função social'." 


Me sinto feliz de cumprir uma "função social", mas achava que isso seria um complemento à MINHA VIDA. Não que isso seria como o sono, algo inescapável e inadiável, vampirizando a maior parte do meu tempo.


Eu achava que, quando adulta, teria tempo para viver. Mas tirando o dormir e o trabalhar, sobram raros momentos no dia para relaxar: ver TV, tomar uma cervejinha, navegar na net... E quase nenhum tempo, nenhuma brecha para "viver", investir em mim, passear, conhecer pessoas, espairecer, exercer meus hobbies...


http://www.youtube.com/watch?v=WBwo5MzB7io&feature=kp




sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Dos Fenômenos Literários



Em conversas com pessoas similares a mim em muitas coisas, como idade, nível social e educacional é comum um "estranhamento cultural": apesar de eu ser uma leitora voraz, não ser adepta de nenhuma "saga literária" das várias que se consagraram como "fenômenos" da "cultura pop".


As mais populares nos anos 2000 são Harry Potter, The Lord of the Rings e The Twilight saga. Não li nenhum dos livros nem assisti a nenhum dos filmes. Quer dizer, cheguei a ser compelida a assistir ao primeiro filme do "Senhor dos Anéis" com um grupo de amigos. E enquanto eu bocejava, eles exultavam.


Os motivos de eu não participar dessa "onda cultural massificada" são vários, e como já fui muitas vezes confrontada pelo espanto dos meus interlocutores por eu não parecer muito empolgada a gastar um ingresso de cinema para assistir ao "Hobbit", vale o registro.


- Tudo isso foi lançado (ou virou viral) quando eu já tinha mais de 18 anos, já tendo lido vários clássicos qualitativamente superiores em enredo, linguagem, estética, como Kafka, Shakespeare, García Márques, Sartre.


- Sempre soube reconhecer o tipo de literatura ou música classificável como "guilty pleasure": algo do que até se gosta, mas se sabe que não tem muita "qualidade". Estava ciente disso já aos 14 anos, ao reconhecer que ler livros do Paulo Coelho e chorar com as músicas do Bon Jovi eram coisas das quais no futuro eu meio que me envergonharia...


- Tive meu próprio "Harry Potter" na figura da série de 14 livros de Anne e Serge Golon "Angélica, a Marquesa dos Anjos", cada um em média com 300 páginas. Aos 12 anos já tinha lido todos, e já tinha um "cenário fantástico" no qual fantasiar com as aventuras de Angélique de Peyrac no século XVI, entre o Poitou, O Languedoc, Versalhes, o Saara e o Novo Mundo.


- Conhecer mitologia grega. Quando criança minha família tinha uma coleção de livros de mitologia grega. Como "descer o nível" depois disso?


- Ter feito faculdade de História, percebendo assim com facilidade todo o humor involuntário dos acochambramentos que os "autores pop" cometem. Isso também me trouxe uma certa visão de que se determinado autor não atingiu o nível de "clássico", com tantos clássicos imortais na minha lista de ainda por ler, devo direcionar meus esforços primeiro ao que é um "dever" ler, antes de qualquer coisa "acessória".


- Estudar a Torah. Se comparada à mitologia grega o "Senhor dos Anéis" parece bobo, o que dizer de sua comparação à Torah? Ter estudado a Bíblia Hebraica em toda a sua riqueza e multiplicidade meio que "estragou minha tolerância" a literaturas fantásticas de banca de revista.


- Perceber claramente uma "mudança de gosto" conforme os anos passaram. Um "fenômeno literário" no qual embarquei foi o de Dan Brown. Li as 400 páginas de "The DaVinci Code" em um final de semana, assim que lançado. Devorei e adorei, com 20 anos. 8 anos depois comprei "The Lost Symbol". Li, com sofrimento, 35 páginas. Achei um lixo completo. Coloquei na prateleira e nunca mais senti vontade de retomar. Se eu fosse ler hj o "Código da Vinci" seguramente também abandonaria.


Em suma, sem querer me desfazer das paixões de ninguém, passo muito bem sem literatura-pop de vampiros, bruxinhos, elfos e gnomos.


Depois de ler Eclesiastes, Provérbios, Sabedoria de Salomão, como poderia apreciar "O Segredo", "A cabana", "Quem mexeu no meu queijo"?



quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Do Escapismo



Confesso que "escapei bastante" de finalmente sentar para escrever este texto. Há alguns meses elaborei esta idéia e inúmeras foram as noites nas quais planejei, enfim, colocá-la por escrito. Mas sempre fugia disso. Nem hoje o faria, apesar desta ser uma das ocasiões em que o planejei. Porém, sendo este um dia chuvoso, falham minhas 2 possibilidades de conexão (paga) à internet, e o desvendei como um "ultimato" para tornar o projeto realidade.

Sei porquê tanto disto fugi. É porque essa idéia não é, nem a mim, nem a ninguém, confortável ou reconfortante, mas seu exato oposto. Espero que cheguemos até lá. Incomoda sobre isso pensar, e plasmar em texto.

"Escapismo" é o nome de uma técnica através da qual os ilusionistas realizam o espetáculo do se livrar de amarras aparentemente impossíveis. Harry Houdini era um grande mestre nisso: ser enterrado ou submergido numa camisa de força cheia de cadeados, alarmando toda uma platéia com a possibilidade de morrer na frente deles, para poucos segundos depois reaparecer, magicamente, livre de todas as trancas, num feito aparentemente sobrehumano.

"Escapismo" também é o nome de um "fenômeno psicológico" marcado pela fuga, ou negação, da realidade imediata, que resulta num "projeto idealizado" numa "antevisão" de uma utopia "muito melhor que a própria realidade".

O movimento estético-literário conhecido como "Romantismo" se baseava grandemente nisso: na fuga da realidade através da idealização de um passado heróico. Ou, no caso brasileiro, da invenção de um passado grandioso, feito sobre o molde europeu (temos aí o "cavaleiro-índio" Peri de "O Guarani" de José de Alencar como melhor exemplo).

Vivemos, ainda, em um mundo Romântico. Embora a "moda literária" da "alta cultura" tenha passado pelo Realismo, Simbolismo, Parnasianismo, Modernismo e Pós-Modernismo, a "baixa cultura", do "povão" me parece ter meio que "estacionado" no "belo" paradigma romântico. 

Pois é muito confortável "escapar" da realidade que nos oprime. Que nos diz que somos pequenos, frágeis, desimportantes, vivendo um tempo passageiro insignificante, num lugar risível, sem nada de especial. Queremos ser grandiosos, protagonistas de uma heróica senda de descobrimento, queremos nos sentir herdeiros de antepassados gloriosos, portadores de uma herança superior a todas as demais. Enfim, gostamos de nos sentir especiais, únicos, expoentes de uma grande tradição.

E quando nada disso há, o inventamos. Simplesmente o inventamos. 

Nisso, vale a leitura do "A invenção das tradições" "Eric Hobsbawm", que basicamente explicita como todos os "símbolos da nacionalidade", muitas vezes venerados como sagrados e atemporais, foram fabricados em determinado contexto histórico, para cumprir objetivos políticos específicos, enumeráveis.

Muitas pessoas recorrem, portanto, ao Nacionalismo, para escapar da triste realidade diante dos seus olhos, num mecanismo psico-sociológico de negação, de fuga da realidade. É mais ou menos assim: "minha realidade é ruim, porém meu passado, o passado dos meus ancestrais, do meu povo, da minha nação, é grandioso, vejam nosso folclore, nossos herois, nossa tradição..."

E isso também pode se dar por adoção, por "adesão" a uma cultura vista como "melhor", ou "mais tradicional" (e portanto "mais verdadeira", supostamente). É nesse ponto que toco na conversão religiosa.

O Brasil é, ainda hoje, um país francamente católico. Mas não "Católico Apostólico Romano", mas "católico à brasileira". Vivenciamos um "Catolicismo folclórico", popular, poroso, osmótico, cheio de influências externas, reminiscências, marcado pela presença das tradições indígenas e africanas. Somos católicos por tradição, mas meio que "estranhamos" o Catolicismo "puro sangue", não nos identificamos com o latim do rito romano. Por ter sido uma religião que nos foi em grande parte imposta, muitas pessoas não a sentem como "verdadeira" e procuram uma alternativa "melhor".

E esse "melhor" necessariamente parece passar por um "mais antiga" ou "mais pura". 

Nisso, muitos enveredam pelo Protestantismo. Embora em "secos dados históricos" essas vertentes sejam muito mais jovens que o Catolicismo, todas elas alegam "reviver o Cristianismo primitivo" tal qual era praticado pelos primeiros cristãos, antes dos "desvios doutrinários" de viés pagão que teriam "manchado" a Igreja Católica. Portanto, embora mais jovens, as igrejas protestantes alegam representar um "resgate" de práticas primevas, "abandonadas" pelos desvios da Igreja de Roma.

Mas há muitos que não se satisfazem com uma tradição de "meros" 2 mil anos. Querem ir além, embora nem sempre "radicais" ou "fundamentalistas", conseguem perceber que todo o Cristianismo é uma derivação de algo mais antigo, e portanto, "idealmente" "mais verdadeiro": o Judaísmo.

E isso vai ao encontro de outra ponta histórica mal-amarrada: a ausência de uma "etnia brasileira". O "brasileiro" é, essencialmente, mestiço e bastardo. E isso nos traz grande desconforto. Como povo, somos o resultado de relações ilícitas, ou mesmo forçadas, entre brancos, negras e índias. Somos filhos do estupro, e não nos sentimos bem com isso. Somos filhos bastardos de mãe negra/índia pobre, não reconhecidos pelo pai branco, rico.

Para fugir ao enfrentamento dessa realidade que não nos agrada, INVENTAMOS (ou aderimos a) TRADIÇÕES GRANDILOQÜENTES que nos permitam, num claro mecanismo de fuga, ressignificar nossa identidade, avolumando-a, aprofundando-a, melhorando-a, tornando-a em todos os aspectos superior àquela diante dos nossos olhos, palpável, da qual queremos fugir, a qual nos é desagradável, posto que real.

Como se disséssemos:

"Eu achava que não tinha tradição, mas veja só, 'redescobri' ou 'adotei' uma tradição antiqüíssima, super verdadeira, a mais antiga do mundo!"

"Eu achava que não tinha identidade, mas veja só como é tradicional, antiga, a senda que estou percorrendo!"

Tão mais bonito que assumir-se "católico por imposição, mestiço a contragosto, bastardo sem herança" é o INVENTAR-SE judeu, budista, messiânico, hare krishna, muçulmano, por "resgate" ou "conversão". Psicologicamente para nós, muito mais fácil que encarar uma realidade "desonrosa" é escapar-se dela enveredando por sendas exóticas, idealizadas, distantes no tempo e no espaço, e por impalpáveis, idealizadas, teóricas, "qualitativamente superiores" a tudo o que nos é real, cheio de defeitos.

Foi, é, difícil para mim colocar essa elaboração de idéias por escrito por perceber-me também sua praticante. Também eu, em variadas fases da minha vida, procurei caminhos que me permitissem fugir de mim mesma, de encarar-me em profundidade: amores românticos, identificação com a tradição oriundi, paulista, como bat anussim, noachide. 

Por muito tempo considerei seriamente a possibilidade de me converter ao Judaísmo. Fosse mais fácil, o teria realizado e talvez essa reflexão nunca se realizasse: se eu ocupasse minha mente no aprofundamento numa "cultura mais verdadeira" que a minha própria "gastaria" minha "libido reflexiva" no apreender reflexões de veneráveis outréns. E não no aprofundamento reflexivo em mim mesma.

Muito mais fácil que encarar a mim mesma constatando a fraqueza de minha "parca filosofia" é adotar o escopo interpretativo de gigantes filosóficos testados pelos séculos como Maimônides, Buda, o profeta Muhammad, Jesus de Nazaré.

Como se desistíssemos de investir na meditação própria "terceirizando" essa reflexão, confiando em uma "revelação" feita a doutos terceiros. Por isso é tão confortável, e reconfortante, "abancar-se" numa doutrina religiosa. E quanto mais "tradicional", justificada em sólidos fatos históricos ela for, melhor para nos convencermos de que "esta sim" é a "filosofia de vida real" pela qual devemos nos pautar.

Muito mais simples que executar a árdua, e muitas vezes infrutífera, tarefa do encarar-se em profundidade é o escapar de si mesmo, dirigindo nossos esforços reflexivos para o "aprender o caminho dos outros", adotando uma religião que nos ilude com realizações que o "descobrir às cabeçadas o próprio caminho" pode jamais nos prometer.

Elis Regina (via Milton Nascimento) - Cais http://youtu.be/aHoBvW16q78 
Natiruts - Vamos Fugir http://www.youtube.com/watch?v=iQ2ddk4VOsc 
Vespas Mandarinas - Não sei o que fazer comigo http://www.youtube.com/watch?v=9f5ERVxbcZc 
O Teatro Mágico - Eu não sei na verdade quem eu sou http://www.youtube.com/watch?v=Hlj8EtVoRi8 

.


quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Balanco de Yom Kipur 5774

Como é difícil escrever este texto!  Muitas foram as coisas inesperadas que me surpreenderam neste último ciclo anual. Há 1 ano nem remotamente eu suspeitava que coisas tão determinantes me aconteceriam tão rápido.

Minha vida sofreu uma verdadeira guinada, uma reviravolta completa. Muita coisa mudou, à minha revelia. Me mudei de casa e desde que isso aconteceu, tenho tido bem menos inspiração para escrever, e até algum ponto isso é até bom.

A esta altura dos meses, ano passado, minha avó passou por uma cirurgia de catarata. Por 2 meses não pôde dirigir, cozinhar, tomar banho. Neste intervalo, aproveitou para vender seu velho carro, e ficamos apenas com o meu. Sua convalescença foi um período em que nos aproximamos bastante. Apesar de nossa proximidade nos últimos anos, sempre houve um certo "estranhamento" entre nós.

Quando eu era criança, ela foi obrigada a me criar, e sempre me deixara bem claro que isso era a seu contragosto. Diferentemente da Cristhiane e da Patrícia, que ela tratava como se fossem suas filhas, e a chamavam de mãe, sempre houve uma linha bem traçada, clivando que ela não me considerava da mesma forma, que eu era um estorvo em sua vida, uma "agregada indesejada". Nunca lhe joguei isso na cara, e até compreendia isso. De fato, não era obrigação da Tula me criar, eu morava em sua casa de favor, e isso sempre ficou bem claro de sua parte. 

Mas foi com um certo deleite que certo dia, após sua cirurgia, enquanto a pensava e lhe levava comida que lhe disse:

- Vc imaginava, Tula, que das suas 3 netas, seria EU a que cuidaria de vc quando vc estivesse idosa?

Ela fez uma expressão que dizia "se eu soubesse, teria te tratado com mais carinho", mas disse apenas:

- A vida nos ensina muitas coisas inesperadas.

Me sinto bem em poder dizer que dela tratei melhor quando ela precisou de mim do que ela me tratou quando eu era criança e precisei dela. Porém, tudo o que fiz por ela foi de boa vontade, não meramente para "cumprir uma obrigação". Independentemente de ter me cuidado quando criança, Tula era minha avó, eu a amava, e por ela fiz tudo o que podia, e mais até.

Muitas foram as comidinhas que preparei para sua e minha degustação. Posso dizer que cozinhava "para ela" pois desde seu falecimento, consigo morreu minha gana de preparar tais quitutes. Pouca graça tem cozinhar apenas para si própria. 

Recebi em Rio Claro, ainda na casa de minha avó,  a visita de amigos muito queridos, que vieram especialmente de Sampa. Romeu e Gisele, esta com marido e filhinho. Foi uma grande alegria que estes tenham se disposto a viajar quase 200 quilômetros para me visitar e conhecer minha então casa. Prova de profunda e duradoura amizade.

Também recebi a visita de Mainá, vinda de Piracicaba. Em 5773 estive em sua casa de Sampa 2 vezes. Uma quando fui prestar o frustrante concurso para professor na prefeitura de Sampa, outra para passar o Reveillon.

Meu Natal de 2012 foi um dos "top 5" de toda a minha vida. Tive a sorte de ser acolhida pelo Romeu em sua festa. A família do Romeu é simplesmente ma-ra-vi-lho-sa, tem uma ótima energia. São muitos os primos, os tios, os agregados, todos unidos numa "vibe" de amor, festa e comilança. Passei um Natal feliz, com uma família unida pelo amor. Adorei, e espero no futuro repetir a experiência. Aproveitei que estava na Vila Formosa para matar as saudades da tia Maria do Carmo, irmã do meu avô Morzinho, do tio Jaci e do falecido primo Mauro.

Passado o Natal, comemorei meu aniversário com 2 churrascos na beira da piscina na casa da Gisele. Todos os amigos antigos compareceram: Maty, Romeu, Aline, Thaís e até o Chico. Inesquecível.

O Reveillon passei com a Mainá e a Sandra. Fomos a uma festa super dez, dos amigos da Sandra. No dia seguinte, primeiro de janeiro, estava tão feliz, despreocupada, até receber uma ligação e "cair do céu". Era minha mãe Maria José Tomasella dizendo que justo na noite da virada a casa de minha avó tinha sido assaltada. 

Eu pretendia ficar mais um pouco em Sampa, mas tive que voltar imediatamente para Rio Claro. Minha avó Tula estava viajando, em Ubatuba, e cabia a mim tomar as providências práticas necessárias.

Foi triste chegar e ver a casa toda revirada. Meus objetos pessoais devassados. Itens de valor, bijuterias finas, jóias, barras de ouro, dólares, subtraídos. Só com o chaveiro gastamos mais de 500 reais. Tomei todas as providências necessárias, para poupar minha vó disso. Só no dia seguinte recebi uma ligação dela, bem menos nervosa do que eu esperava, comunicando que acabara de saber do ocorrido. Quando lhe disse que eu já tinha feito tudo o necessário e a casa já estava com novas trancas, percebi na calma expressa em sua voz que confiava em mim para cuidar e guardar sua casa.

No final de janeiro vieram nos visitar meu tio Renê e meu primo Renan. No retorno ao Rio de Janeiro, levaram a Tula, pois Cristhiane viria da Austrália com namorido e bebê Liam Novais Dermott. Foi numa sexta à noite, ao voltar do trabalho quase onze da noite, que vi minha avó pela última vez. Nos abraçamos e despedimos rapidamente. Na manhã do sábado seguinte foi para o Rio de Janeiro, saudável, alegre e saltitante, para me ser devolvida menos de 1 mês depois dentro de um caixão.

Não queria ir ao Rio. Queria voltar depois de 2 semanas, mas insistiram para que ficasse mais. No sábado 16 de fevereiro liguei no seu celular, estranhando que já fazia algum tempo que não me ligava. Quem me atendeu foi Regina. Fingiu não reconhecer minha voz e perguntou "quem está falando".

-É a neta dela.

Me disse que Tula estava hospitalizada com crise respiratória, o que sempre acontecia quando ia ao Rio. Lhe disse que a fizesse me ligar quando retornasse para casa. Neste sábado, quase pelas 23 horas, Tula me ligou para dizer que já estava em casa.

A última vez em que falei com minha avó Tula foi na noite de terça 19/02/2013. Era tarde da noite. Ela me ligou e enquanto desfiava o rosário de suas dores e mal-estares, os quais eu estava acostumada a pacientemente acompanhar, ouvi ao fundo a voz insensível de Cristhiane dizendo:

- Lá vai ela fazer o relatório das doenças...

Percebi que isso fez Tula resumir seu relato, sentindo-se criticada como uma "velha chata", e rapidamente se despediu. Ainda me machuca que a última vez em que pude falar com minha avó, nossa conversa foi diminuída, interceptada, por essa frase. Tenho certeza que, do além, Tula sabe extamente do que estou a falar.

2 dias depois Tula sofreu um derrame cerebral. O soube por Maria José. Perguntei aos do Rio se ela corria risco de vida, pois em caso positivo imediatamente pegaria estrada com Maria José para lá. Me asseguraram que não. No domingo 24 de fevereiro meu tio Renê ligou, perto do meio dia, para comunicar seu falecimento.

Eu tive apenas 2 horas para fazer uma malinha com os itens essenciais e sair de casa. Pois 2 horas é o tempo que leva a viagem de Sampa a Rio Claro, e já estavam a caminho Regina, Patrícia, Letícia e Alex. Era demais para mim ter que lidar concomitantemente com o falecimento de Tula e a presença deles e dos parentes que logo viriam do Rio de Janeiro.

Liguei para Maria José vir em casa, para "receber as visitas" depois de eu sair. A ela expus toda a minha dor. Sei que minhas cordas vocais jamais voltarão a ser as mesmas depois de lhe ter externado, em 200 decibéis, toda a dor que rasgava a minha alma. E ainda rasga. Eternamente lhe serei grata por ter ouvido toda a expressão do meu sofrimento. Lhe expus minha pior face, sem máscara. Vomitei grande parte de minha mágoa, e isso me fez bem. Especialmente ao saber que, mesmo lhe expondo meu "pior lado", ela continuava me apoiando.

Após fazer minha malinha e lhe entregar as chaves, fui me abrigar na Toka do Shrek, república estudantil dos meus amigos da Física da Unesp. O João Eduardo Fonseca nisso me fez um favor inestimável. Na segunda seguinte do velório, só compareci na última hora, completamente fora de mim.

Pedi que João me acompanhasse pois sinceramente não sabia se conseguiria me controlar, ou se voaria no pescoço de Regina, se faria um escândalo homérico, se lhe cuspiria na cara. Sei porque não o fiz. Foi por causa de Sofia.

Minha prima em segundo grau, Viviani, tinha 2 filhas que eu conhecia: Ivana e Amanda, e uma terceira, a mais nova, que eu nunca tinha tido oportunidade de ver, Sofia. Moravam em Brasília, e eu só conhecia Sofia do Facebook e do Instagram.

Cheguei no velório, recebi um abraço do meu tio Renê ao qual hj me arrependo de ter aquiescido, e me arrastou para ver Tula no caixão; lá fiquei um minuto, e sem suportar, saí para fumar um cigarro. Nisso vi chegar Viviani, com seu marido Miguel e a menina Sofia. Me abraçaram, deram os pêsames e falaram que tinham vindo de carro, direto de Brasília.

Olhei a bela Sofia e comigo pensei: "Eu não vou fazer essa menina ter se abalado de Brasília até aqui para voltar traumatizada, sabendo que essa família é tudo menos 'uma família'." Então foi por ela, para não violar sua inocência, que "fiquei na minha" e me contive.

Terminado o enterro, voltei à Toka, segura de que os parentes em menos de 1 semana iriam embora. Ledo engano. Cristhiane, marido, Liam e Regina ficaram por um mês, o que nem em meus piores pesadelos eu esperava...

Nisso soube que quase levaram embora o canário Frank. Dele cuido há 6 anos, desde o falecimento do meu avô. Me disse Maria José que ao chegar do velório, Patrícia já estava de saída, com a gaiola do Frank no carro. E que foi ela que, alarmada, impediu que o levassem embora. Foi triste perceber que sem me consultar, sem me fazer uma mera ligação no meu celular, iam simplesmente levar embora o MEU CANÁRIO, do qual eu cuidava há 6 anos e do qual Regina já tentara dar fim. Falta de respeito, da mais rasa consideração é apelido. Iam simplesmente subtrair meu pet sem sequer pensar "hum, será que a Fernanda, que cuida dele há 6 anos, não vai achar ruim?". Agradecerei eternamente a Maria José ter impedido que o roubassem de mim.

Quando finalmente Cristhiane, Regina & cia foram embora, vi que tinham espoliado a casa. Sem me consultar ou comunicar, deram embora móveis. Levaram inúmeros itens. Quadros, fotos, utensílios. Até coisas que já eram minhas, q Tula me tinha dado, como um belo vaso de vidro, transparente com azul. Raparam completamente os porta-joias. Levaram todos os soutiens. O aparelho de som, e muitas outras coisas. A casa foi espoliada, pilhada.

Encheram 2 carros, levaram tudo o que quiseram. Como se com sua saída a casa fosse ficar vazia, sem ninguém. Pois como a um "ninguém" me consideravam.

Uma semana depois tive uma das piores decepções de minha vida. Menos de 1 mês antes de falecer minha vó tinha comprado, por indicação de Renê, uma televisão nova. Quando foram embora, Regina deixou avisado a Maria José que logo Patrícia viria busca a TV nova.

Me senti tratada como uma "caseira", uma empregada da família, sem direito a absolutamente NADA. Que direito Patrícia tinha à TV nova se tinha sido EU a cuidar de Tula, e Patrícia não fizera jamais NADA por ela, além de lhe pedir dinheiro? Além disso, já estava há alguns anos combinado entre eu e a Tula que quando fosse a ocasião de a casa dela ser desfeita, eu ficar, nas palavras dela "com uma casa montada": todos os seus eletrodomésticos e móveis ficariam comigo. Foi triste perceber que no momento em que ela faleceu, tudo o que ela "deixou dito" passou a ser sumamente ignorado pelos parentes. Ela, e sua vontade, deixaram de ser respeitados no momento em que morreu.

Mandei um e-mail a Renê dizendo que pretendia ficar com a TV nova. Ele me ligou, tresloucado, completamente fora de si, me xingou, ofendeu, inventou que tinha "sustentado a mim e ao meu gigolô" (desconheço a o que se referia), ameaçou vir a Rio Claro me bater, desligou o telefone na minha cara.

Neste dia perdi um tio, o único que tinha. Eu jamais havia-lhe feito nada. Pelo contrário, até então sempre me tratara muito bem, com o respeito que eu mereço. No momento em que Tula faleceu, tudo isso sumiu. Eu passei a ser "um problema" em sua vida. Os 6 anos, e seis anos não são seis dias, durante os quais eu tinha cuidado da Tula eram simplesmente IRRELEVANTES. Me tratou como um lixo, insinuou que eu era uma prostituta, e que eu lhe devia dinheiro. Neste momento, morreu para mim. Não pretendo jamais voltar a vê-lo, constatado que por mim não tem nenhum respeito, nenhum agradecimento, nenhuma consideração. Nunca mais me ligou, nem nos falamos. Que assim fique.

Depois disso percebi que a minha simples existência era uma "pedra no sapato" dos 2 herdeiros da minha avó. Se me permitiram continuar na casa mais um tempo, não foi por eles. Foi por 2 coisas, que fugiam completamente a mim.

Quando eu soube do AVC da minha avó uma só coisa me veio imediatamente à cabeça: avisar aos seus amigos do Centro Espírita Fé e Caridade, pois sabia que Tula, muito dedicada ao Espiritismo, o queria, e estava necessitada de suas preces.

Imediatamente pensei em ligar para Dona Dirce Martins. Só não o fiz na hora pois já era tarde da noite. Na manhã seguinte, esperei soar 9 da manhã e liguei para Dona Dirce, pedindo que mobilizasse os amigos do centro em oração. Depois de Tula falecida, Renê me disse que pedira a dona Dirce orientações de como proceder e ela determinara: "tudo deve ficar como está por 6 meses", o tempo mínimo para o espírito de Tula se "desprender" de suas coisas materiais.

Isso Regina não respeitou, espoliando a casa em menos de 1 mês. Só não fez pior pois estava de viagem marcada para a Austrália. Não fosse essa viagem, previamente marcada, eu não teria podido permanecer mais na casa. Portanto, se fiquei 4 meses na casa após o falecimento da Tula não foi por "bondade" ou "favor" de ninguém, nem em respeito aos meus direitos ou sentimentos. 

Ao saber que Regina voltaria da Autrália no final de julho, estabeleci esta como a minha "deadline" para me mudar. Não queria jamais voltar a ver-lhe a cara.

Tive 4 meses para encaixotar tudo. Lavei TODAS, todas as minhas roupas. Selecionei e lavei, todos, os panos de prato, tapetes e toalhas da Tula que queria levar. Foram 4 meses melancólicos, cheios de fantasmas, reminiscências, lembranças, saudades, nos quais todo dia ia ao antigo quarto da Tula, montado como um diorama à sua memória, como se ela ainda estivesse presente, e em sua memória, eu fazia orações. Várias vezes, com o coração triste e pesado, lhe agradeci por tudo, e dela me despedi.

Minha tristeza só foi aplacada pela chegada da pequena Amy. Presente da minha mãe, já explorado em outro texto. Ganhei uma nova filha, uma poodlezinha branca, com mais personalidade do que eu gostaria, mas adorável justamente por ser cheia de "marra". Amy é única e não a trocaria por nada.

Em julho, de férias, fui a diversas imobiliárias escolher minha nova residência. Visitei mais de 15 e escolhi uma que, embora mais cara do que gostaria, é per-fei-ta pra mim e pra Amy, com um grande jardim, que aproveitamos ao máximo.

Quando eu era criança, Maria José morava numa chácara, na qual plantava diversos gêneros alimentícios. Estou de certa forma emulando em meu amplo jardim a chácara na qual cresci. Plantei canteiros com ervas (manjericão, orégano, hortelã, salsinha, cebolinha, menta, pimenta, boldo, babosa). Tenho um tomateiro, em produção, só para mim. Plantei sementes de mamão, e farei ainda canteiros de diversas verduras. Não quero "flores", mas coisas úteis, de comer.

Me sinto muito feliz na minha casa nova. Ao me mudar da casa da Tula, levei tudo o que considerava que justamente me cabia. Deixei muitas coisas de valor: metade de uma baixela, a batedeira, o filtro de água, a cafeiteira, o foot spa, o umidificador de ar, a lavadora a pressão, o microondas, uma mesa de jantar com aparador, várias camas, colchões, 3 televisões, 1 videocassete, enfim, deixei várias coisas que poderia ter levado, mas não o fiz. Não por quem os viria levar, mas pela Tula. Levei apenas o que eu sentia que ela aquiescia em eu levar.

Na casa nova, só minha, me sinto muito mais leve, pronta para começar "vida nova". Ao me mudar rompi definitivamente com meu tio, minha ex-mãe e irmãs. É triste saber que não deixei para trás boa coisa, ou grande coisa. O falecimento da minha avó Tula foi o fim da triste família que um dia tive.

Hoje me sinto livre. Livre do peso das lembranças, das obrigações, das cobranças, das mágoas. Coloquei uma pedra, um ponto final, no passado.

Agora, aos 30 anos, me sinto livre para começar vida nova. Espero sinceramente que o ano de 5774 me seja mais propício, me traga mais alegrias, pois 5773 foi "bem foda", difícil, com muita coisa ruim. Mas agora tudo passou e um novo futuro, limpo, se descortina.

Que venham coisas melhores!

.


sábado, 25 de maio de 2013

Para gostar de cinema


Do primeiro filme iraniano, a gente nunca esquece. Também de nossos primeiros clássicos do cinema, daqueles filmados muitos anos antes de a gente sonhar em nascer. Filmes que são "clássicos" pela mesma razão que os "grandes livros" o são: tocam em "nódoas" emocionais inefáveis, muito difíceis de explorar em palavras, que apenas podem ser expressas por "parábolas", histórias exemplares em sua peculiaridade, mas epistolares em sua generalidade, que extrapolamos a nossa vida particular.

Eu tive a sorte de crescer numa casa chefiada por uma cinéfila. E não daqueles cinéfilos "metidos a intelectuais" que selecionam filmes por sua exclusividade, erudição e aparente incompreensibilidade. Para essas pessoas, quanto mais "difícil" o filme, tanto melhor.

Minha avó Tula era uma verdadeira amante da sétima arte. Inúmeras vezes me relatou como se lembrava com saudade de suas idas ao cinema ainda mocinha, na época em que as pessoas ainda não tinham televisão em casa. Contava com muita alegria dos grandes musicais que assistia com sua mãe e avó. Alguns desses filmes, protagonizados pelo galã Nelson Edy, compramos em DVD poucos anos antes de sua morte, e ela adorava reassisti-los no domingo à tarde, cantarolando suas músicas e dizendo entre suspiros:

- Não se faz mais filmes românticos como esses!

Quando eu era criança, ainda não existia TV a cabo no Brasil, e não fosse a cinefilia de minha avó, só teríamos a "Tela Quente" e os filmes pasteurizados da "Sessão da Tarde" à disposição. Mas ela nunca se contentou com isso.

Éramos uns dos melhores clientes da videolocadora, e muitas são minhas memórias de ainda criança indo acompanhá-la na seleção dos filmes que veríamos.

E não apenas de blockbusters, grandes lançamentos do cinema, eram feitos nossos fins de semana. Tula tinha ótimo gosto. Alugava filmes bons, de diversas origens. Adorava os chineses, sendo o "Clube da Felicidade e da Sorte" seu chinês predileto, mas igualmente com espaço para o "Clã das Adagas Voadoras", "Lanternas Vermelhas", "Adeus, minha concubina", "Comer, beber, viver"...

Também apreciava filmes europeus, um em especial de que me lembro foi a "Festa de Babbette", acompanhado de "7 noivas para 7 irmãos". Filmes considerados "obscuros", em preto e branco, como "Hellen Keller", tb eram sempre uma boa pedida em nossa casa. Todos os filmes de Romy Schneider dedicados à Imperatriz Sissi da Áustria, assistimos. Na mesma senda, também tenho bem gravado na memória "Os jovens anos de uma rainha", sobre a juventude da rainha Victoria da Inglaterra.

Também filmes de Hollywood, mas com grande qualidade, sempre figuravam em casa, como "A volta ao mundo em 80 dias", " Passagem para a Índia", "Duelo ao Sol", "Pimpinella Escarlate", "Indochina"...

Surpreendentemente, gostava muito dos filmes de Oliver Stone, e tínhamos em casa toda a sua trilogia sobre o Vietnã: "Platoon", "Nascido em Quatro de Julho" e "Entre o Céu e a Terra".

Cedo adquirimos dois videocassetes, e sempre que alugávamos filmes, fazíamos uma cópia, para reassistir sempre. Desta época data minha paixão pelo maior dos clássicos do cinema "... E o vento levou". Assistir e reassistir a este e outros filmes maravilhosos foi uma experiência definidora de minha personalidade.

Nunca vou me esquecer de quando alugamos "Acusados", clássico com Jodie Foster muito jovem. E de como fui "pega no pulo" por meu avô Vicente ao ver esse filme, pois chegou na sala justamente na cena mais violenta, a do estupro. Eu tinha uns 7 ou 8 anos, mas já sabia que não devia estar a assistir um filme "tão pesado". Tentei disfarçar, parei o filme assim que o percebi me supervisionando, mas não foi o suficiente para impedi-lo de depois recriminar minhas irmãs mais velhas e até à Tula por me permitirem ver um filme com cenas tão "gráficas".

Igualmente nunca me esquecerei da experiência de ver "As duas vidas de Audrey Rose", com um jovem Anthony Hopkins, e de como me abalou o suplício de Ivy, morta em uma sessão de hipnose, comprovando a "verdade" da reencarnação.

Mas também nunca me esquecerei de meu primeiro filme islâmico "cabeça". Para quem nada entende da empoada cultura dos cinéfilos, não há nada mais hype, mais "chique" que assistir a um filme obscuro off-Hollywood. E várias foram as ocasiões nas quais, já adulta, fui convidada por intelectualóides que queriam reforçar sua "finesse" divulgando aos outros que "assistiam a filmes iranianos", turcos, indianos: quanto mais longínqua a origem, tanto mais "intelectual" era o expectador.

Mas minha vó não era do tipo de pessoa que "assistia a filmes iranianos só pq eram iranianos, e isso é très chic". Ela assistia a filmes que fossem bons, se não eram mainstream, era só detalhe, que ela nem levava em consideração.

E assim chegou à minha vista o maravilhoso filme turco "Berdel". Eu era criança, e só o fui compreender plenamente muitos anos depois. O filme retratava uma situação familiar islâmica: um homem casado há muitos anos tinha apenas filhas mulheres. Querendo muito ter um filho homem, faz uma troca: entrega uma de suas filhas em casamento a um colega, e em seu lugar recebe como esposa uma parente dele. A nova esposa é muito mimada, na esperança de que providencie o filho homem que ele tanto queria. Ela engravida, e é cumulada de presentes. Sentindo-se relegada, sua primeira esposa sai de casa, e só depois se descobre grávida. Ao nascer o bebê da segunda esposa, a "má" surpresa: mais uma menina. Meses depois nasce o bebê da primeira esposa, já separada: finalmente vem o varão tão esperado, e sua mãe morre no parto. O arrependimento do pai dessa família, ao perceber que havia "desancado" a primeira esposa, que morrera ao lhe dar o "filho homem" tão sonhado é uma daquelas coisas, daquelas experiências estéticas e emocionais, que não tem preço, e que aprofundam nossa alma em muitos centímetros.

Desde criança, eu sempre soube valorizar essa cultura cinematográfica ampla que a convivência com minha avó amante do bom cinema me proporcionou. Enquanto meus amigos apenas podiam citar e se lembrar dos "sucessos do cinema" do dia, eu era bem versada em todos os grandes clássicos. Antes dos 12 anos já categorizava os filmes por diretor, e dizia coisas como:

- Kubric é uma experiência pós-moderna. Woody Allen é irônico. Tim Burton é tétrico. Steven Spielberg, pega pela emoção. Já David Lynch é surreal.

Zefirelli, Antonioni, Bertolucci, Fellini, Costa-Gravas, Hitchcock, Scorsese, Tarantino, Polanski, Chaplin, Coppola, Buñuel, Bergman, Milos Forman, Akira Kurosawa, Kieslowski, Ridley Scott, George Lucas, Truffaut, Orson Wells, Billy Wilder, Win Wenders, Attenborough, Pollack, Tornattore, Herzog, Brian de Palma, Zemeckis, James Cameron, Almodóvar e Hector Babenco, eram meus "companheiros", minhas referências culturais, meus "amigos íntimos".

A todos esses conhecia mais que a meus vizinhos, e de sua "visão de mundo" já me sentia bem versada. "Ver a vida" pelos olhos, pelo escopo, desses grandes cineastas foi uma experiência determinante, transformadora, enriquecedora. Ampliou minha visão, minha interpretação, minhas possibilidades diante da vida.

Crescer exposta a essas experiências estéticas aumentou em centenas de matizes minhas possibilidades de expressão, compreensão, fruição. Meus tons de cinza que separam o "certo" do "errado" ganharam mil complicações, mil discursos, mil viezes, mil possibilidades.

Hoje, que se completam 3 meses do falecimento de minha avó Tula, venho mais uma vez prestar homenagem e dar graças por ter tido em minha vida uma pessoa que tão bem me influenciou, que tantas experiências diversificadas e enriquecedoras me proporcionou. Muchas, muchas gracias, mais uma vez, por tudo, Tula. Sua presença, sua influência, é fundamental para mim. E sempre será.

.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Bloggar ampliou os sentidos da minha vida

Uma das características definidoras do ser humano é nossa insaciável sede por "mais". Nunca nos consideramos felizes, realizados, completos. Nada nos basta. Diferentemente dos animais, contentes com a barriga cheia, "a gente não quer só comida", mas tb bebida, arte, diversão balé, cinema, um (ou vários) "grande amor", filhos, emprego estável, viagens, roupas bonitas, perfumes, carro do ano e a tão comentada "felicidade".

E sempre achamos q todos os outros são muito mais felizes q nós. Sentimos q se falharmos em apenas um item dos q aparentemente são necessários para uma "satisfatória" vida burguesa, somos completos fracassados. Nos comparamos aos outros. E a cada foto de nossos amigos sorridentes na Europa ou na Polinésia, nos sentimos um pouco pior, como se estivéssemos "ficando para trás" e deixando de "aproveitar a vida" q todos os outros parecem "curtir adoidado", menos nós.

A melancolia nascida do marasmo do cotidiano nos deixa a impressão de q não estamos "vivendo", mas apenas vendo o tempo passar, e perdendo inúmeras oportunidades q jamais voltarão.

Não percebemos q na mesma medida q "invejamos" as fotos de um amigo cercado por seus filhos, do outro lado da tela este mesmo amigo inveja nossas fotos sozinhas. Nós invejamos sua vida familiar enquanto ele inveja nossa vida despreocupada. E assim retroalimentamos nossa frustração coletiva...

Sábios são os versos de Renato Russo: "Digam o que disserem / O mal do século é a solidão", às vezes parece q nossas "vidas virtuais" apenas servem para aumentar nossa tristeza e depressão. Comparamos nossas vidas, e temos pena de nós mesmos, nos sentimos girando em falso enquanto os outros progridem, rumo ao sucesso q nunca teremos verve para pleitear. Vemos os outros tomando corajosamente posse da vida q gostaríamos de ter, mas q não tivemos coragem suficiente para correr atrás. Os outros recebendo medalhas na Olimpíada q arranjamos alguma desculpa para não ir.

E é neste momento q devemos fazer uma escolha. Se vamos deixar "os caminhos da vida" colocarem cabresto nos nossos sonhos. Se vamos escolher "não escolher", mas "deixar a vida nos levar" e permitir q as circunstâncias nos encaminhem pelas trilhas corriqueiras, fáceis e bem iluminadas, q não nos apresentam desafios, nem conquistas. Ou não.

Foi num desses momentos, em q sentia simplesmente "deixar-me levar" pelos acontecimentos, e vendo o quanto o simplesmente "trabalhar" me deprimia, percebi q eu PRECISAVA fazer "mais alguma coisa", algo q simplesmente me desse "prazer", alegria, "distração", algo q "ocupasse meu tempo" e me trouxesse a sensação de estar contribuindo, construindo alguma coisa. Realização q, sinto, nunca encontrarei em meus alunos...

Eu já tinha um blog, e vendo q ele me trazia essa "satisfação" q eu tanto procurava, perguntei-me pq não criar mais blogs. E assim, me perguntando qual seria o "mote" do meu novo blog, "inventei" um: tirar fotos de flores. Agora eu tinha um bom motivo pra sair de casa: registrar no meu "Inventário de Flores Urbanas" toda a belíssima flora gratuitamente posta diante de meus olhos. E, com isso, meu cotidiano ganhou toda uma nova cor, e minha existência ganhou mais um propósito. Link: http://inventariodefloresurbanas.blogspot.com.br/

Mas ainda me restavam centenas de horas vazias, q eu gastava sem propósito, assistindo inúteis e inúmeros programas de TV. Percebi q havia outro aspecto da minha vida sobre o qual poderia blogar: minhas habilidades artesanais. Desde criança sempre gostei de trabalhos manuais, e fazê-los sempre me trouxe satisfação. Já tinha dezenas de peças únicas, exclusivas, feitas com minhas próprias mãos, e percebi q valia, sim, a pena publicá-las.

E, ao indexar minhas artes prontas, me senti estimulava a fazer mais delas. Aprendi a tecer em tear e comecei a fazer cachecóis. Conforme eles foram se acumulando, percebi q poderia presenteá-los às pessoas de minha estima. Poderia, com minhas mãos, confeccionar coisas bonitas, únicas e exclusivas. E, ao dá-las de presente, não só me sentia útil, como entregava aos outros em forma de arte um pouco de meu carinho por eles. E essa sensação acrescida do "orgulho" de exibir minhas peças na internet, e vê-las elogiadas. Assim nasceu o blog "Tessituras de Penélope" e adicionei "artesã" à minha descrição pessoal. Link: http://tessiturasdepenelope.blogspot.com.br/

Recentemente, vendo outro aspecto em q eu era em algum grau "boa", e sobre o qual tb poderia bloggar, criei 2 blogs "espelho": um em inglês, outro idêntico em português, para divulgar minhas receitas. E assim nasceram os blogs "Easy Foodie" e seu gêmeo "Comidinha Simples". Eles apenas engatinham, ainda vou configurá-los e devidamente divulgá-los quando já tiverem um bom acervo de receitas para oferecer aos leitores. Links:
http://easyfoodie.blogspot.com.br/
http://comidinhasimples.blogspot.com.br/

Agora já tenho 5 blogs nos quais publico regularmente. Fazer isso me traz certa sensação de "eternidade", e de estar de alguma forma contribuindo para a indexação, organização e "upload" do analógico para o digital de coisas úteis, interessantes. Me sinto colaborando com a construção de um novo mundo de ideias, disseminando conhecimento, ajudando a "cultura" com o q tenho a contribuir: minhas reflexões, as lindas fotos da flora q me cerca, divulgar minhas peças de artesanato "oxigenando" a palheta de possibilidades de outros artesãos, dando receitas simples e deliciosas, muitas q eu mesma inventei, propiciando q outros tb possam degustá-las.

Bloggar não só ocupa as muitas horas vagas de minha vida, como adicionou propósitos a ela. Publicar as coisas q faço com prazer e esmero na internet me estimula a fazer artes ainda mais belas, inventar receitas ainda mais gostosas, procurar flores q nunca antes vi, elaborar textos sobre assuntos nunca antes publicados.

Bloggar torna minha vida muito mais rica, interessante e cheia de sentidos. Recomendo a todos ter ao menos 1 blog, um "domínio", seu pequeno "minifúndio virtual" no qual possam se expressar, se eternizar, elaborar seus pensamentos, sua visão de mundo, divulgar seus hobbies, paixões, e a beleza q vê em estar vivo.

.


quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Do primeiro passo na obervacao


Resumo: é essencial aprender a calar a boca e observar os q nos cercam.

Sempre me disseram q eu era uma "pessoa difícil", de "personalidade forte", "desbocada" e me aconselhavam a ser "mais cordata", "mais flexível" e discreta. Até pouco tempo eu achava q proceder assim seria como renegar-me, deixar de ser "eu mesma".

Eu achava q "sinceridade" era qualidade, e quanto mais dela, melhor. A muito custo, percebi q é defeito, e muitas vezes crime capital. Percebi q "ser sincera", falar as coisas q pensava, era uma atitude antissocial. Q, ao invés de me valorizarem por falar a verdade, as pessoas pensavam mal de mim por ser "dura", "chata" e "desagradável".

Mesmo os meus melhores amigos não estavam interessados em ir ao fundo ou debater eticamente as questões q apareciam em nossas conversas. Apenas e tão-somente queriam q eu "os aceitasse", balançasse a cabeça, fizesse inúmeros "ahã", lhes desse atenção e lhes servisse de palco, de coadjuvante, aprovando e elogiando tudo q fizessem. Percebi q nas "relações sociais", muito mais valiosa q a verdade é o teatro das aparências.

Aos poucos, percebendo q numa conversa meus amigos não procuravam um interlocutor, um debatedor, mas uma platéia, comecei a colocar em prática o apenas ouvir. E nisso, ao invés de ficar elaborando qual seria minha frase seguinte, já sabendo q seu destinatário não estava interessado nela, passei a perceber melhor o q as pessoas falavam, pq o falavam, e os motivos q as levavam a assim proceder.

Muitas vezes achamos q as coisas q os outros nos dizem ou fazem têm a ver conosco, pois seguramente nosso umbigo é o centro em torno do qual o Universo gira. Ao deixarmos para trás essa postura reativa e adquirirmos uma postura contemplativa, perceberemos q para os outros somos apenas fantoches, formigas, e nada representamos.

Vou exemplificar como isso ficou claro para mim. Ao comprar um iPad imediatamente percebi q isso fazia os outros "virarem o nariz" para mim. Isso ficou muito palpável quando um dos meus colegas, q eu tinha certeza q me odiava, pois nunca respondia aos meus "bom dia", de repente apareceu com seu próprio iPad. E, como mágica, toda aquela antipatia acabou. Com seu iPad na mão, agora respondia aos meus "bom dia".

Ficou transparente: esse colega não "me odiava". Pra ele eu era "uma formiguinha", e uma formiguinha q possuía algo q ele gostaria de ter, mas não tinha. Ele não odiava a mim, odiava ao meu iPad. Não odiava meu iPad, amava meu iPad, mas invejava e EU tinha um iPad, e ele não. Quando ele comprou um iPad, o motivo q tinha para ser antipático cessou de existir. Ele passou a não me ver mais como "superior", mas como "igual". E mudou de atitude comigo, sem q minha atitude mudasse para com ele.

Percebi q esse colega não tinha nada contra mim. O problema era dele. Uma vez q ele resolveu o problema dele, parou de projetar seu problema em mim e pudemos "nos harmonizar".

Pensando muito sobre isso, parei um pouco de ter tanto medo, um instinto tão exacerbado de auto-preservação. Por exemplo, antes ao entrar numa sala onde andava animada uma conversa coletiva, o pensamento imediato era esquadrar se havia alguma possibilidade de o assunto ser "eu".

Hj percebi q a única pessoa interessada comigo sou eu mesma, portanto jamais o assunto das pessoas será "eu", o assunto das pessoas sempre é "elas próprias". 90% do q as pessoas falam é a respeito de si, suas opiniões, impressões, emoções. Para elas, eu sou uma formiguinha. E, ao menos q as pique, nem perceberão minha existência.

Parando de "picar" ou "alfinetar" as pessoas, aprendendo a guardar "minhas opiniões" para mim mesma, comecei a conseguir vislumbrar nas outras pessoas traços psicológicos e posturas parecidas com as q criticavam em mim.

Percebi q os outros tinham os mesmos defeitos q eu, e se eu identificava quando eles eram "desbocados", "difíceis" e "sincericidas", e via o quanto essas atitudes eram contra-producentes, isso me servia de lição para "domar" minha própria língua, disciplinar meus comichões, e agir melhor q eles: controlando-me.

Há um sábio ditado q professa: "da palavra dita és escravo, da não-dita, és senhor". Ou seja, uma vez q vc falou algo, isso ganha vida própria, e vc terá talvez q se explicar mil vezes desculpando-se por uma única frase mal-colocada. Já seus pensamentos são livres. Portanto, pense mil vezes antes de falar algo q pensou.

E, se vc quer um conselho: numa conversa, mesmo com um amigo, não fale o q vc pensa. Na verdade, não fale nada. Seu amigo provavelmente não está interessado no q vc tem a dizer. De vc ele apenas espera um palco, ahãs, e q vc arremate com um "que legal".

O q chamamos de "conversas" atenderiam melhor pelo nome de "monólogos paralelos compartilhados", cada um preocupado só em falar, se mostrar, tentar "iluminar aos outros" com seus sábios pontos de vista, opiniões, melhores conselhos possíveis e exibir suas altas capacidades (afinal, todo mundo se acha o supra-sumo da inteligência, da moderação, da esperteza, da sinceridade, do bom senso...),

É claro q cada um tem certeza de q a própria forma de fazer as coisas é a melhor de todas, se achasse ruim, faria de outra forma. Então, como cada um quer "ajudar" aos outros, ficará muito satisfeito enquanto estiver falando e sendo ouvido com atenção, desfiando cada pormenor das coisas maravilhosas, opiniões elaboradíssimas e informações muito relevantes q, num gesto de generosidade, compartilham com sua platéia.

Faça o teste. Na próxima vez q for conversar com quem quer q seja, ao invés de enquanto ouve já ficar elaborando sua réplica, desista da réplica. Apenas ouça, observe e vocalize alguns ahãs. Claro q algumas perguntas, sempre sobre o assunto, ajudam a demonstrar q vc está mesmo interessado, então intercale ahãs com uns "sério?!" e outros "continua, e então, o q aconteceu?". Arremate com uma frase dizendo o quanto tudo foi maravilhoso. Ao se fazer de palco para a pessoa, ela sairá muito satisfeita, jurando q esse foi o melhor encontro q vcs já tiveram. E, se o assunto for o preferido de cada um, o seu próprio eu, aí é possível q seu amigo até te abrace emocionado no fim da conversa, e seus ahãs te conquistem um amigo muito mais "próximo".

Para ele, vc é apenas uma formiga. Lhe será útil enquanto vc se conformar com a posição de coadjuvante na história em q ele tem certeza de ser protagonista. Não experimente revirar os papéis, pois ao "ser sincero" vc se tornará o antagonista a ser combatido e execrado.

Numa "conversa social" não há nada q vc falando, possa "ajudar" aos outros. Já na mesma situação, há muito q vc calando e observando, pode aprender com os outros.

.



terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Do afogamento

Morrer afogado é um medo ancestral, bem cimentado em nossos arquétipos mentais. Uma daquelas fobias comuns, ao lado da aracnofobia (medo de aranhas), agorafobia (medo da multidão), acrofobia (medo de altura), aicmofobia (medo de injeção), nictofobia (medo do escuro), catsadidafobia (medo de baratas), musofobia (medo de ratos).

O medo de morrer afogado, ou de submergir-se em água, chama-se hidrofobia. Além de designar um transtorno psiquiátrico (medo de água) este nome tb se aplica a uma doença transmitida por vírus, popularmente denominada "raiva", cf: http://pt.wikipedia.org/wiki/Raiva_(doença) . Por sua incidência entre mamíferos silvestres e de estimação, todos os anos o governo brasileiro disponibiliza a vacina anti-rábica aos nossos pets.

A primeira vez q experimentei a sensação de afogamento, contava uns 6 ou 7 anos, numa piscina de hotel, creio q no Guarujá. Lembro q, muito confiante, já sabia mergulhar, e a piscina tinha um fundo em declive. Já tendo explorado toda a parte q me dava pé sem nenhum revés, comecei a fazer minhas gracinhas, me aventurando no fundo até q numa dessas o fôlego faltou, o pé não encontrou o chão, a boca não encontrou ar, comecei a engolir água, me debater como uma lagartixa. Batendo as mãozinhas na superfície, pra meu grande alívio, alguém, creio q Regina, percebeu minha aflição e me puxou pra cima. Cuspindo água, me agarrei no deck e me dei conta q ainda era criança, indefesa, apesar de me sentir muito adulta. O tomei como lição e não restou disso nenhum temor de fazer futuros mergulhos.

Aprendi a boiar com uns 10 ou 11 anos, na praia da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Meu único tio, Renê, acabara de se casar com uma bela paranaense, minha tia Marilurdes, e para q todos se familiarizassem, fomos visitar os recém-casados em seu apartamento em Jacarepaguá: eu, Cristhiane, Patrícia, e meus avós Tula e Morzinho. Lembro q quando chegamos de carro ao Rio era aniversário de Cristhiane, 28 de dezembro, e justo nesta data o covarde Guilherme de Pádua assassinara Daniella Peres, filha da novelista Glória Peres.

Numa ida à praia da Barra, vi minha irmã do meio, Patrícia, magicamente suspensa na superfície da água. Perguntei-lhe como era capaz de fazer isso. Cheia de marra, me deu uma de suas comuns desancadas e me disse q estava boiando, e q para fazer isso não precisava saber nenhuma técnica ninja, bastava "relaxar o corpo e não ter medo, q o corpo bóia sozinho, pois 'bosta não afunda'." (palavras dela).

Tentei imitá-la 1, 2, 3 vezes, sem sucesso. Eu afundava. Tentava deitar na água, mas ao estirar os braços, sempre ia pra baixo, e lutava para voltar à tona. Virei pra Patrícia e disse: "eu não devo ser feita de bosta, pq eu afundo!". Ela riu e disse q todos somos feitos da mesma coisa, q o "macete" era "não ter medo de se afogar, não lutar contra a água".

Com dezenas de tentativas, aos poucos fui compreendendo o q ela queria dizer. Q eu não devia encarar a água como uma inimiga contra a qual lutar, mas como uma parceira da qual me aproveitar, ou uma companheira a saber controlar. Sim, a água era potencialmente fatal, se eu não soubesse corretamente me comportar nela. Mas podia ser fonte de diversão, relaxamento, se eu soubesse compreendê-la e decodificasse a "etiqueta" do bom nadador. Se antes eu a achava ameaçadora, quando a conheci e comecei a desvendar seus segredos, passei a amá-la. Me tornei ótima nadadora, e capaz de boiar tanto no mar como na piscina.

Muitos anos depois, assistindo a um programa da TV de "sobrevivência na selva" acompanhei o tutorial de Bear Grylls sobre o q fazer em situações de afogamento. Minhas sobrancelhas pularam quando ele, taciturno, decretou: (algo assim, estou transliterando de memória)

- O q mata as pessoas afogadas não é a água, mas o desespero. Quando se sente afogar, instintivamente a pessoa começa a se debater descontroladamente, o q só a faz afundar mais. Se vc se sentir afogando-se, o melhor é ficar calmo, não fazer nenhum movimento. O ar q ainda estiver nos seus pulmões te levará à superfície, e te fará boiar. Se vc vir outra pessoa se afogando, nunca vá pessoalmente salvá-la. A pessoa desesperada vai se agarrar em vc e continuar se debatendo até q os dois morram afogados. O melhor é jogar pra pessoa algum objeto q bóie na qual ela possa se agarrar: uma bóia, um pedaço de isopor, um galho de árvore.

Foi muito interessante meditar sobre este enunciado e verificar sua veracidade. Comuns são as tragédias em q um membro da família começa a se afogar, pula um parente e o resultado é um velório duplo.

É necessário compreender os perigos q nos cercam e não temê-los, mas respeitando-os, saber manipulá-los para q se tornem nossos aliados. Da mesma forma q a diferença entre o remédio e o veneno é a dose, a diferença entre a piscina q nos dá prazer e a água q nos traz o luto é apenas o auto-controle.

De forma análoga, a diferença entre a sociedade q nos aliena, atordoa, escraviza, deprime, limita, e o horizonte de possibilidades q nos estimula, desafia, realiza e enriquece é a forma como o encaramos. E nossa postura perante suas marés.

Há uma breve, mas significativa, cena no filme Amistad (1997, dirigido por Steven Spielberg) no qual o deus de ébano Djimon Hounsou, ao ser capturado pelos yankees, se lança ao mar, e tal qual Ícaro, começa a nadar em direção ao sol nascente, onde ele sabia estar a África, seu lar. É impossível atravessar o Oceano Atlântico a nado, e depois de poucas braçadas o ânimo lhe falta, ele afunda e num átimo deve tomar a decisão de sua vida: desistir perante a derrota momentânea de ter sido recapturado, prosseguir no intento q ele sabia inconquistável, além da força de seus braços, não baixar a crista, não aceitar ser reduzido à catividade mais uma vez; ou engolir o orgulho, parar de lutar, compreender q era necessário POSTERGAR a realização do sonho q, imediatamente, era impossível, e voltar ao barco onde grilhões o aguardavam.

Se vendo diante da escolha de perseverar, e morrer, ou capitular, e viver, Cinque escolheu a vida. Entre morrer "como um homem" ou sobreviver "como um rato", fez a única escolha possível: viver. Vendo-se derrotado por forças além das suas, escolheu racionalmente engolir sua vontade de partir como homem livre e submeter-se, ao menos imediatamente, às forças inimigas maiores q as suas. E posteriormente soube, ao conhecê-las, manipulá-las a seu favor. A mesma marinha americana q o capturou após a rebelião escrava no navio negreiro Amistad, foi a levá-lo de volta à África, depois dele inocentado na Suprema Corte americana.

Há 2 famosos ditos populares brasileiros q rezam: "não adianta dar murro em ponta de faca" e "não adianta chorar sobre o leite derramado". Essa sabedoria ancestral nos ensina justamente: se a situação está contra nós, se debater não ajudará em nada; e se a coisa está horrível, não tem volta e tudo deu errado, ficar se lamentando só vai fazer tudo piorar. Num nível superior, nos instruem: não importa o q acontece com vc, o q importa é como vc reage, qual é a sua atitude perante as situações ruins. E muitas vezes o melhor é não ter "atitude".

Acredito q até muito recentemente eu me debatia desesperadamente, e me afogava, no fluxo dos acontecimentos. Não compreendia a mecânica dos fatos, via as novidades, transformações e o passar dos anos me atingindo com medo, até das ondas calmas, da maré baixa. Encarava qquer maré alta como uma atemorizante ressaca, e os revezes como pequenos tsunamis pessoais, q me deixavam com fobia de voltar à praia da vida, mesmo na beira da arrebentação. Não queria mais fazer castelos de areia nem molhar os pés nas ondinhas.

Acho q estou começando a perceber q, da mesma forma q diante de uma onda alta, se soubermos ter sangue frio pra esperar o momento correto, nem vamos sentir sua marola e, mergulhando por baixo dela, podemos sobreviver incólumes, devemos ter postura parecida diante do fluxo dos acontecimentos.

Se no horizonte se forma um espectro q parece q vai nos derrubar, é melhor não se precipitar, não enfrentar a força descomunal de frente. Devemos nos posicionar de viés, manter o olhar fixo na ameaça, aguardar q a onda comece a vir em nossa direção e, só então, /tchibum/, mergulhar nos desviando do perigo. A onda continua seu caminho e nós, usando nossa inteligência, fomos obrigados a fazer uma capitulação temporária, mas vencemos no final.

Quando entramos num mar q não nos dá pé, não servirá de nada nos debater, pensando "eu não acredito q isso tá acontecendo, eu não mereço isso, sou inocente, sou uma boa pessoa, isso é injusto, q q eu fiz pra merecer isso? etcs, etcs, etcs..." Em suma, ter uma "atitude", mesmo de defesa duma honra merecida, diante dum revés, nada mais é q BURRICE. É preciso ter "jogo de cintura" e ser capaz de ter estômago para "dançar conforme a música" e sobreviver, ao menos imediatamente, quando a situação está manifestamente contra nós.

Não podemos ser simplistas, inocentes, de peito aberto, sem reservas, duelando quixotescamente contra o mundo inteiro. Devemos ser capazes de apreender nossa própria pequenez, como muitas vezes somos coadjuvantes elencados nas farsas alheias, e q muitas vezes é preciso fingir q nos conformamos com nosso papel secundário.

É preciso ao menos 3 décadas de experiência em natação no fluxo da realidade para começar a saber boiar no marasmo confortável do cotidiano pequeno-burguês, e então ganhar confiança para se lançar na arrebentação da infindas possibilidades q podemos lutar para conquistar, sabendo do risco de morrer na praia.

Até pouco tempo atrás, eu me debatia desesperadamente contra tudo q me acontecia e contra todos q conhecia. Tinha muito medo de soltar do deck seguro das minhas lembranças e projetos passados. Acho q já compreendi q devo perder o medo, relaxar meus músculos, reaprender a boiar na maré calma e reaprender a nadar no mar agitado. Acho q decidi "mudar de estratégia". Acho q percebi o valor, ou a necessidade social, de "fazer cara de paisagem", "se fazer de sonsa" e do "me engana q eu gosto".

A partir de hj vou passar a observar melhor o fluxo das marés. Um pouco mais cinicamente, vou aprender a calar meu orgulho e capitular, não pq eu queira, não pq vacile minha convicção, não pq não tenha gana para lutar até o fim de minhas forças, mas pq compreendi q é MAIS INTELIGENTE saber manejar as ondas a meu favor, e q enfrentar as adversidades muitas vezes é suicídio puro e simples.

Muitas vezes, melhor q enfrentar diretamente alguém, é "dar corda" para q a própria pessoa se enforque. Antes eu achava q, ao ver algo errado, eu devia ser "intransigente", era minha obrigação "exortar" cada um. Achava q ao alertar alguém sobre um erro a pessoa o veria e quiçá me agradeceria pela ajuda, pelo alerta. Ledo, crasso, engano. Percebi q, tentando ajudar, em troca ganhava um adversário ofendido, um ex-amigo ultrajado. Já calejada, hj percebo q da mesma forma q eu sou "cheia de boas intenções", todas as outras pessoas tb o são, cheias de SUAS PRÓPRIAS boas intenções, do seu próprio metro do q é "bom senso". E q ao tentar "ajudar" as pessoas eu apenas estava-lhes impingindo o meu conceito de retidão, q elas não queriam aceitar. Portanto, a partir de hj, quando ver alguém cavando a própria sepultura, tentarei a muito custo permanecer calada, por saber a priori q, se eu falar algo isso não ajudará a outra pessoa em nada, apenas me fará ganhar uma antipatia.

É sem orgulho q percebo q não será "o mundo" a se curvar para aprazer a forma q eu acho q as coisas deveriam acontecer. Sou eu q devo ter sangue-frio para saber capitular quando tudo está contra mim, e saber vir a tona, apresentando a atitude correta de lutar ou relaxar quando a calmaria vier.

.

sábado, 12 de janeiro de 2013

De como comecei a fumar



O tabagismo futuramente será considerado uma das mais sui generis excentricidades da espécie humana. Me aventurando na insidiosa senda da futurologia, creio q o futuro será dominado pela ditadura de tudo q é saudável e politicamente correto, e não haverá mais fumantes.

Fumar era um vício meso-americano, rapidamente trasladado ao Velho Mundo, como coisa "sofisticada", de gentis-homens. Já no século XIX, tb as mulheres "da alta sociedade" começaram a fumar, munidas de longas piteiras cheias de charme. Ao fumar publicamente, uma mulher apresentava uma declaração de liberdade, auto-determinação, expunha sua verve avant-garde.

Já no século XX, aparentemente "todos" os homens eram fumantes. Poetas, escritores, nobres, jornalistas, artistas, políticos. Fumar era "chic", marca dos boêmios e bon-vivants. Não havia "área de fumantes" pois podia-se fumar em todos os lugares: corredores, elevadores, salas de reunião, aviões, restaurantes, hospitais (célebre é a imagem do pai, ao nascimento do filho, distribuir charutos a todos os amigos; e da mesma forma q é "falta de educação" ser servido numa taça e não beber, era receber um charuto e não fumá-lo).

Nas fotos de grandes eventos históricos, era freqüente vermos todos os "figurões" da política munidos de seus cigarros e charutos, posando alegremente. Àquela época, ostentar um charuto era símbolo de status e elegância, como tb eram a bengala, o monóculo e a cartola.

Foi no ocaso deste cenário histórico, ao fim da Guerra Fria, q principiei a fumar. O ano era 1997. Eu tinha 14 anos e começava a "sair de balada" com minhas amigas de escola. Queríamos ser "prafrentex", modernas, antenadas, transgressoras, rebeldes. E era necessário demonstrar isso exteriormente, através de nossas roupas, atitude, linguajar, penteado, postura.

Éramos adolescentes, e para provar a nós mesmas q não mais éramos crianças, queríamos degustar pequenos aperitivos da "vida adulta": salto alto, saia curta, decote, bebida alcoólica, beijar os rapazes, sair à noite e fumar. Queríamos deixar bem vincada a linha q nos separava de nossos pais "chatos e antiquados". E ter pequenos segredos entre nós era parte importante disso.

Diz-se q os adolescentes são altamente influenciáveis pelos "amigos", e é verdade. Quando a primeira de nós começou a fumar, o hábito se disseminou rapidamente em todo o grupo, como um vírus. Entramos "na onda" da galera. Do grupo de 5, 3 tornaram-se fumantes convictas, uma fuma bem de vez em quando, e a outra jamais pegou gosto pelo cigarro.

Dei meu primeiro trago num cigarro na boate Stravaganza, situada à rua Henrique Schaumann, em Pinheiros. Fui lá algumas vezes, na companhia de Thaís, Maristela, Gisele e Aline. Tínhamos todas a mesma idade, na plena efervescência hormonal de nossos 14 anos. Queríamos "pagar de gatinhas descoladas" e, como todos os "transgressores e rebeldes" fumavam, nós tb queríamos.

Naquela época fumávamos Gudang Garang, cigarro de cravo interminável com filtro adocicado. O maço era caro e o comprávamos coletivamente, fumando só para "fazer charme" para os garotos. Logo a diversão ocasional transformou-se em hábito quando entramos no Ensino Médio.

Àquela época só havia 2 tipos de Marlboro: o vermelho "estoura peito" e o "light", dourado. O maço custava algo como 1 real e sessenta centavos, o q naquela época era dinheiro, com o Real valorizado. E assim já aos 15 anos comecei a comprar meus próprios maços de cigarro.

Todo o meu quarteto do colegial, completado por Chico, Romeu e Maristela, era fumante. Apenas eu tinha dinheiro, ou coragem, pra comprar maços de cigarro. Em nossas muitas aulas vagas, ficávamos sentados num canto do pátio fumando, e eu vendia-lhes cada cigarro a dez centavos. Sob protestos de q eu seria algum tipo de mercenária por lucrar 2 ou 3 centavos em cada um, me repassavam a moedinha, e ríamos, fumando despreocupadamente, sem sermos incomodados pelos inspetores de alunos. Curioso perceber q no dia de hj, no mesmo "José Marques da Cruz", se um aluno acender um cigarro leva uma suspensão, e nós há 13 anos podíamos fumar livremente no mesmo ambiente... Outros tempos, nem tão longínqüos...

Ao entrar na faculdade de História na USP, foi reconfortante sentir-me acolhida numa sociedade de fumantes; na qual tal hábito, além de sinal de boemia e vanguardismo, era a marca da intelectualidade. Não só a maior parte de meus colegas eram fumantes, como até os professores fumavam, sem reservas, enquanto davam suas aulas. A certa altura do curso, afixaram nas salas de aula avisos de "por favor, não fume". Na primeira aula posterior à adição do aviso, o professor entrou, sentou, aproximou o lixo no qual costumava jogar as cinzas, mirou a placa, deu de ombros, nos fitou e falou em voz alta:

- Que me multem!

Outro professor, mais sensível, na mesma situação, começou a aula da seguinte forma:

- Há entre vcs pessoas q se incomodam com a fumaça do cigarro?

Uma meia dúzia levantou a mão, e ele concluiu:

- Então, por favor, sentem no fundo da sala, pois eu vou fumar.

Simples assim. Até 2005, 2006, "chato" era o não-fumante q reclamava do fumacê alheio. Todos fumavam em ambientes fechados, restaurantes, aviões, e até então todos encaravam a fumaça com naturalidade, como uma das "coisas da vida", q podemos não gostar, mas toleramos, como hj se faz com pessoas q falam em voz alta no celular, ouvem funk sem fone de ouvido e comentam sobre a tabela do campeonato brasileiro.

Hj, poucos anos depois, é um absurdo, e completo anátema, algum fumante exercer seu hábito em qualquer "ambiente público fechado" ou mesmo aberto. Não se fuma mais nos escritórios, boates, restaurantes, barzinhos. Se antes fumar era "chique" hoje virou algo q nos aliena, afasta, "quebra o clima", segrega.

Fumar antes era fator de integração social. Hj, os fumantes precisam se retirar da baladinha, ir pra fora, fumar na calçada, no frio e na chuva, enquanto o "agito rola solto" lá dentro. Se antes fumar era coisa de gente moderna, transgressora, sofisticada, hoje fumar virou coisa de gente antiquada, excêntrica, antissocial, segregada.

Hj em dia, em quase nenhum lugar mais se pode fumar, e nos q se pode, é comum q quando acendemos um cigarro os estranhos ao lado nos fulminem com um olhar de reprovação, torçam o nariz e se afastem como se fôssemos leprosos, deixando subjacente a frase: "vc é muito folgado e está contaminando o meu ar!"

A ditadura do politicamente correto está fazendo um ótimo trabalho em transformar todos nós em mauricinhos e patricinhas bunda-mole, garotos-propaganda da "geração saúde". Se hoje, quando assisto a filmes e seriados dos anos 1990 nos quais todo mundo fuma em todos os lugares, até eu estranho e acho graça, apenas posso imaginar a surpresa dos q viverem daqui a 50 anos diante da mesma situação. E a hilaridade q será no futuro assistir a "The X-Files" (Arquivo X, série protagonizada pelos agentes do FBI Fox Mulder e Dana Scully) com meus netos e responder à cândida dúvida:

- O q é esse bastão q solta fumaça q o Canceroso segura em todo lugar?

Estou certa q o tabagismo entrará para a História como uma "excentricidade" prescrita, e no futuro ninguém mais poderá fumar, em nenhum lugar... Este é o chato mundo q estamos a construir...

.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Meu fim do mundo



O fim do ano de 2012 foi bastante especial. Foi a última vez, creio, em q nos permitimos entrar numa onda milenarista apocalíptica. Nos documentários e noticiários não se falava em outra coisa além de q em 21 de dezembro de 2012 acabava-se o calendário maia. E assim, ou o mundo seria destruído ou entraria finalmente na "era de Aquário", ou no décimo quarto Baktum.

Desde pelo menos 1999 e o "Bug do Milênio" o Ocidente ficou meio "em suspenso" esperando se o "Juízo Final" chegaria nessa época, ou posteriormente, a curto prazo. Agora, no princípio inócuo de 2013 creio q já podemos estar relativamente seguros q não estamos diante das convulsões dos finais do tempo. Nada de tempestades solares, nada de agitação das placas tectônicas, nada de alinhamento galático, nenhum cavaleiro do Apocalipse ou anti-Cristo...

21/12/2012 foi um dia bonito e ensolarado, sem nada demais. Nenhum evento significante, nenhum eclipse, não faltou luz, as redes de comunicação funcionaram. Um dia como qualquer outro.

Por menos "esotérica" q eu tente ser, tb eu estava com certa "paúra", ou "temor" de q os maias estivessem certos. Tendo isso em vista, procurei não passar vontades em 2012. Fui profundamente auto-indulgente. Comi, bebi, falei e fui em todos os lugares q tive vontade. Aceitei convites q em outros tempos teria recusado. Gastei dinheiro em coisas q em outros tempos não teria comprado. Mas tudo meio como se fosse brincadeira.

Eu não acreditava verdadeiramente q 2012 seria o fim. Não cheguei a "curtir a vida adoidado", não saí muito de minha zona de conforto, não fiz nada do q me arrependa, não saí gastando prodigamente. Sequer enchi o tanque do carro, estoquei comida nem zerei meu saldo bancário. Eu poderia ter gasto até o último centavo do meu parco dinheirinho, mas como esperava q viesse um 2013, não o fiz. Sabiamente.

Aproveitei o fim de 2012 amplamente, como pode ser visto nesses álbuns do Facebook https://www.facebook.com/media/set/?set=a.384984961573088.86920.100001847635503&type=3 e https://www.facebook.com/media/set/?set=a.413768972028020.93023.100001847635503&type=3 Mas minha maior surpresa se deu na noite de Reveillon, na passagem de 31/12/2012 para 01/01/2013.

Eu estava em Sampa hospedada na casa de minha amiga Mainá Prada. Fomos numa festa ma-ra-vi-lho-sa e voltamos lá pelas 4 da matina. Fim de ano impecável. Até q ao meio dia do dia primeiro de janeiro meu telefone celular tocou. Era minha madrinha Maria José Tomasella reportando q a casa da minha avó, na qual eu moro em Rio Claro, tinha sido arrombada e roubada justo na noite de Reveillon, enquanto eu muito sorridente e despreocupada brindava a virada do ano a 180 kms de distância.

No começo, muito surpreendida, foi difícil imaginar o q teria acontecido. Pela descrição q me fizeram, a casa teria sido completamente destruída, e eu não esperava encontrar "pedra sobre pedra" ao chegar. Às 5 da tarde já estava em casa pra conferir os danos. E, para meu alívio, eram menores do q o tom alarmista de Maria me tinha dado a entender.

Todas as TV's, DVD's, videocassates e até meu PC de mesa estavam incólumes. Nada havia sido vandalizado. Absolutamente nada foi quebrado gratuitamente, sequer as porcelanas e vidros jogados pelo chão, tudo estava inteiro.

Ao ser informada q tinham entrado justo na noite da Virada, eu havia pensado q tinha sido um grupo de baderneiros pra fazer farra, quebrar tudo, espalhar cocô pelas paredes, rasgar e tacar fogo nos papéis. E comecei a calcular antecipadamente todo o trabalho q eu teria pra sustar todos os cheques, providenciar segunda via de todos meus documentos, o desgosto de encontrar meu diploma rasgado, minhas fotos de infância destruídas, meu PC quebrado com um taco de baseball e daí pra pior...

Nada disso se verificou. Nem chegaram a abrir todas as caixas guardadas. Não levaram nenhuma folha de cheque. Nem mexeram nos meus documentos. De mim, roubaram uma câmera Polaroid, alguns brincos, anéis, correntinhas e uma coisa q tinha muito valor, monetário e emocional.

O item mais precioso q me levaram foi uma barra de ouro. Não direi seu peso pra ninguém crescer o olho, mesmo q não a tenho mais. Mas perdê-la foi um golpe bastante duro, pois quem ma deu não está mais entre nós para dar-me outra.

Eu estava no comecinho da faculdade quando ao visitar Rio Claro meu avô, a quem chamo carinhosamente por "Morzinho" desde meus 5 anos, me chamou para seu quarto. Fechou a porta atrás de si, o q era bastante incomum, me pediu para sentar e disse:

- Fernanda, o q vamos falar agora é segredo. Não conte pra ninguém, menos ainda pra sua avó. Há muitos anos comprei uma coisa pra vc e acho q chegou a hora de eu te entregar. Não é muito, mas é de coração. Guarde pra quando vc precisar e eu não estiver mais aqui.

E me entregou uma barra de ouro. Pequena, cabia na palma da mão. Mas era pesada como chumbo. Eu sempre soube que era a neta favorita do meu avô, e não precisava de nenhum presente para confirmar isso. Mas aquele gesto secreto, q não deve ter sido replicado com nenhum outro filho ou neto seu, independentemente de seu valor em dinheiro, me tocou profundamente.

Me senti mais do q especial, e q Morzinho se preocupava comigo, com meu futuro e bem estar. Q mesmo quando estivesse ausente, ainda prosseguiria a zelar por mim. Não chorei em sua frente, pois ambos éramos "duros na queda". Mas depois, sozinha no meu quarto, com aquele naco de chumbo brilhante como o Sol entre meus dedos, me emocionei. Não no estilo "encontrei o pote de ouro no fim do arco-íris" mas no "há alguém q me ama e quer zelar pelo meu futuro."

Se eu fosse uma "Zé Mané" a teria vendido imediatamente e torrado o dinheiro em restaurantes, baladas e viagens já durante a faculdade. Mas meu avô sabia q eu não sou este tipo de pessoa.

Sendo muito sincera, ao dar-me conta q aquela barrinha de ouro tão pequena valia alguns milhares de reais meu pensamento imediato foi de um alívio imenso na frase "ufa! Agora se eu engravidar num susto, pelo menos posso pagar o parto e sustentar o bebê por 1 ano!" Mas como sempre foi baixíssima a chance de "engravidar no susto" o plano B era: "vou guardar isso pra um dia dar entrada na minha casa própria".

Mas ainda assim essa idéia nunca me apeteceu. No fundo, agora sei, eu jamais teria coragem de me separar daquela barra de ouro, cuja preciosidade era potencializada por seu valor emocional, muito além do monetário. Eu não conseguiria despedir-me dela. Seria como dar embora uma foto antiga, uma farda de gala, as condecorações e medalhas do meu avô, q guardo com reverência.

Sempre soube q optaria pelo "plano C". Se o plano A era vendê-la quando engravidasse e o plano B era vendê-la quando comprasse uma casa, somente o plano C me deixaria contente: jamais separar-me daquele ouro. O plano C era justamente usar aquela matéria-prima para fazer minhas futuras alianças de casamento, ir a um ourives e pedir-lhe q com aquele ouro com valor sentimental forjasse minhas alianças, meu anel de formatura, e joias para presentear pessoas da minha mais alta estima.

A primeira vez em q seriamente pensei em fazer algo com a barra foi quando num coincidentemente feliz 9 de fevereiro nasceu minha sobrinha Ana Letícia Santos. Me ofereci para presenteá-la com seu primeiro par de brincos, q seriam usados para furar seus lóbulos. Sua mãe, minha irmã Patrícia, sempre foi alérgica a bijuterias, só podia usar jóias verdadeiras. Então realmente não seria boa idéia dar à sua neném algo q pudesse resultar num choque anafilático, como um folheado de baixo valor. Só não mandei derreter a barra pra fazer os brincos pois isso chamaria mais atenção e custaria mais do q comprar o parzinho pronto, em formato de coração e com 2 pontinhos de brilhantes, q lhe dei.

Se me arrependo de algo acerca dessa barra de ouro, é apenas disto: de não ter dela tirado o brinquinho de neném q dei a Ana Letícia. Se o tivesse feito, daqui a 15 anos poderia lhe contar a bela história de q aqueles brincos não fôra eu a lhe dar, mas seu bisavô, através de mim, naquela barra de ouro.

Claro q tb me arrependo de não tê-la escondido melhor, de forma a q os ladrões não a encontrassem. Pois se ainda a tivesse, quando no dia do meu casamento colocasse a aliança dela forjada no meu dedo, sentiria consigo a presença física e o gesto amoroso do meu avô. Ou, se jamais me casasse, dela mandaria extrair pingentes q carregaria no pescoço com amor, e ao segurá-los entre meus dedos, evocaria a lembrança da proteção do meu Morzinho.

Aquela barra de ouro era meio q um seguro pra quando eu me visse sem teto, grávida, doente e desempregada, tudo junto. Sem querer ser esotérica, é possível q tenha ficado em minha posse apenas pelo tempo necessário, nenhum segundo a mais. Ao completar 30 anos, já sendo capaz de andar com minhas próprias pernas, pagar meu próprio aluguel, comprar as fraldas pro filho q eu quero ter, com convênio médico, efetiva e concursada, já não preciso mais daquele seguro "para o q der e vier". Hj, o q aparecer, sei q posso encarar. Hj, sei q me basto.

Se eu realmente achasse q o mundo acabaria em 2012, poderia ter vendido a barra de ouro, pedido demissão, viajado pelo exterior e levando uma vida de rainha. Mas em nenhum momento isso passou pela minha cabeça. Pois, se o fim do mundo como o conhecemos era duvidoso, a permanência da alma do meu avô não é. E a vaga idéia de um dia reencontrá-lo e ele me recriminar por ter traído sua confiança e o decepcionado doeria infinitamente mais q qualquer prazer q o dinheiro da venda daquela barra me proporcionaria. Sei q ele não estaria preocupado em me cobrar nada. Mas eu mesma tomaria a iniciativa de lhe dar satisfações, e por maior q fosse sua compreensão, eu jamais me perdoaria, se tivesse feito uso vil do seu presente.

Ao certificar-me q a barra fôra subtraída, além de mortificada, senti uma ponta de alívio. Jamais poderei girar uma aliança no meu anular esquerdo e nela sentir a presença do meu avô. Mas tb cessei de ser assombrada pelo medo de um dia vendê-la e me arrepender amargamente, mesmo q fosse para dar entrada numa casa. Por mais q ela tenha me sido dada como um gesto de amor, sempre me senti profundamente intimidada, e pouco merecedora dela. Mais ou menos como Moshe Rabenu diante da sarça ardente. (Êxodo 3:11). Mas saber q eu contava com ela me ajudou a ter coragem diante das adversidades. Me ajudou a ter verve, gana, confiança, até agora.

Hj sei q por pior q seja a catástrofe q se abata sobre mim, já sou MULHER SUFICIENTE para vencer. A pior parte da tempestade já passou. Já dobrei o Bojador e o Cabo das Tormentas. Calicute é questão de tempo. Sofri um trágico naufrágio, sei.

Mas já sei namorar, já sei beijar de língua, nadar, boiar, lutar, debater, refutar, enfrentar, xingar quando é a hora certa, esculachar, chamar bandido na chincha, reelaborar minha história, enfrentar meus medos, dizer não, superar, falar uma segunda língua, escolher meu destino, dirigir, pilotar, sinalizar em Libras, calcular juros, beber sem passar mal, esnobar os caras errados, ouvir mais do q falar.

Por tudo isso, o roubo q sofri no Reveillon não foi "o fim do mundo". Levaram uma coisa muito valiosa. Mas jamais poderão roubar de mim o q vale muito mais do q qquer carro, apartamento ou prêmio da Mega-Sena: a lembrança do amor inestimável do meu avô e a percepção de q já posso andar com minhas próprias pernas.

Aos 5 anos meu avô me ensinou pacientemente a andar de bicicleta numa Caloi rosa com rodinhas. Susteve meu guidão até q eu fosse capaz de me equilibrar sozinha. Então deslanchei, e dava várias voltas no quarteirão, sorridente e realizada. De forma similar, aquela barra de ouro foi minha "rede de segurança" para eu ter confiança para começar meus malabarismos no mundo adulto. Agora já profissional, já posso me jogar no vazio sem ela. Já tenho musculatura moral pra isso.

Obrigada, Morzinho, por ter continuado a segurar meu guidão mesmo já tendo feito a passagem. O senhor não precisa mais se preocupar. Já sei fazer minhas estripulias sozinhas. E se eu cair, consigo curar minhas feridas e já sei não mais chorar.

Meu pequeno desastre de fim do mundo se abateu sobre mim com um gostinho de recomeço. Minha couraça já tem espessura suficiente pra fazer qquer bala ricochetear.
.




Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...