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quinta-feira, 10 de julho de 2014

Da Máfia chinesa



Em texto anterior, mencionei que minha segunda experiência profissional foi em uma firma de videokê comandada por chineses, e au passant que meu desligamento desta empresa não foi tão pacífico. Vamos aos detalhes.


Os japoneses, ao que me consta, criaram uma forma de entretenimento denominada "karaokê", termo que significaria "sem banda". Pelo mundo espalhou-se o hábito de, em bares e locais de entretenimento, haver uma máquina que, com o acionamento de moedas, tocava a trilha de uma música, possibilitando aos clientes o entretenimento de cantá-la.


Na passagem entre os 1990 e os anos 2000 o karaokê "evoluiu" para o videokê, com o avanço de que agora havia uma tela que mostrava a letra da música a ser cantada. Rapidamente começaram a pulular pelos bares as "jukebox de videokê". E justamente no fornecimento de "máquinas de videokê" a empresa King Star entrava no mercado.


Entrei em contato com ela através do meu então colega de cursinho, e para sempre grande amigo, Henrique "Figura". Ele morava no mesmo prédio do dono da empresa, e assim conseguiu o emprego. No curso pré-vestibular Figura verificou que meu domínio do português era muito bom, e me convidou, a princípio, para um trabalho freelance como revisora da grafia da letra das músicas. Me forneceu um equipamento e por alguns finais de semana gastei todas a minhas horas livres nisso, entregando o trabalho antes do prazo.


Meu trabalho causou boa impressão e me convidaram para um trabalho fixo na King Star. Adorei pois seria minha segunda experiência empregatícia, e o local de trabalho ficava a 300 metros da minha casa no Tatuapé. Sem registro em carteira, receberia, em 2001, 300 reais por mês, o que creio que fosse próximo ao salário mínimo da época.


O dono da empresa atendia pelo nome "brasileiro" de Fernando, meu xará. Era um taiwanês de 26 anos com esposa e filho pequeno, empreendedor arrojado que também empregava seus irmãos, que atendiam por Cris e Mário. Soube que antes de se dedicarem ao videokê trabalhavam com máquinas de caça-níquel, mas que haviam abandonado esse ramo por conta da proibição legal e subsequente fiscalização.


Figura rapidamente me ensinou seu métier, que era bem mais simples do que eu pensava. As máquinas, semelhantes a DVD players, vinham prontas da China. A nossa parte era desenvolver o software. Ou, mais precisamente, adicionar o máximo de músicas ao acervo do software do videokê. Baixávamos pela internet arquivos .mid com a melodia e também pesquisávamos a letra dessa canção. Nosso trabalho era simplesmente o de sincronizar letra e música, acertando compassos, timbres e tons.


Mesmo sem saber quase nada de música e sendo incapaz de tocar qualquer instrumento, era muito simples esse trabalho. E até o de multiplicar músicas, se gravadas por mais de um artista. Nosso trabalho frutificava, e as vendas iam bem até o ponto em que foi contratado um terceiro membro para nos ajudar. Após algumas entrevistas, selecionaram Roberto Mautone Jr., que frequentava minha sala do cursinho pré-vestibular.


Tudo ia muito bem... Até que... A China chamou.


Nosso chefe Fernando não nos explicou muito bem os pormenores, mas pelo que pude entender, o capital que havia usado para iniciar o negócio viera de Taiwan, de parceiros comerciais que, portanto, eram sócios no seu negocio na King Star. Aparentemente seu sócio em Taiwan estava passando por problemas, ou desconfiava de sua retidão na condução da empresa, e portanto enviaria "emissários" para um tipo de "auditoria"


Os chineses que vieram eram 2, um homem e uma mulher, esta aparentemente esposa do superior de Fernando, e aquele aparentemente seu "testa de ferro". Só falavam chinês e um pouco de inglês. Sendo nós contratados numa firma com 3 chineses e 3 subalternos brasileiros, ouvir chinês para nós era corriqueiro. Fernando, com seu sotaque pesado, veio me perguntar se eu "realmente falava inglês de verdade" e quando disse que sim, me pediu que fizesse um "meio de campo" com os visitantes, os levasse para passear no bairro, almoçar, etc, e assim fiz.


Foi numa dessas oportunidades que descobri que minha primeira tatuagem não era em japonês, mas em chinês. No dia de meu aniversário de 18 anos eu comparecera a um estúdio de tatuagem. Folheara o portfólio e selecionara duma folha onde se lia "Letras japonesas" o ideograma sob o qual estava escrito "verdade". Estava tranquila desse fato até que o "testa de ferro" do chinezão, ao vê-la, abriu um sorriso e disse: "nice, honesty!"


Eu disse "I beg your pardon, what did you say?" E ele disse "I just read your tattoo". Repliquei: "can you read it? Is it in chinese? I thought it was 'truth' in japanese". E ele disse meio que rindo da minha cara "well, it's chinese, and says 'honesty', wich also can be translated as 'truth'." Me senti meio tranquila e meio lograda. Pelo menos eu não havia tatuado "conteúdo 300 gramas" ou "sopa de cebola".


Após algumas semanas chegou da China, ou de Taiwan, pois para eles "era tudo a mesma coisa" o chefão cuja esposa eu estivera ciceroneando, mesmo com seu péssimo inglês. Aparentemente vinha para "tomar o negócio" do Fernando. Num sábado de janeiro de 2002, logo após eu fazer as provas da segunda fase da FUVEST o Fernando nos disse para ir ao trabalho "normalmente", mas para ficarmos alerta, pois algo de importante aconteceria. Eu, Figura e Beto permanecemos no andar de cima, em nossos computadores, enquanto "a chinesada" fez uma reunião no andar de baixo. No meio do expediente, ouvimos do andar de cima barulhos que pareciam de uma briga física entre eles.


Quando se aproximou a hora do fim de nosso expediente, Fernando subiu as escadas, foi à nossa sala, nos dispensou e me entregou, numa caixa, uma fita de vídeo VHS. Me pediu que a ocultasse em minha bolsa, a levasse para minha casa, e disse que mais tarde, ainda neste dia, a iria buscar. E que eu a guardasse enquanto isso como a minha vida. Ok. Enquanto íamos embora, o testa de ferro do chinesão chamou o Figura para uma conversa particular.


Beto me acompanhou no curto trajeto até minha casa e, lá chegando, não nos contivemos em colocar a fita no meu videocassete, rebobiná-la e assisti-la. Era uma gravação de uma câmera escondida colocada na luminária do teto da sala onde acontecera a reunião, no andar de baixo. A "chinesada" obviamente só falara em chinês, mas mesmo não compreendendo uma só palavra, assistimos tudo, vidrados.


A linguagem corporal não deixava dúvidas. Travavam nosso chefe Fernando, o chinesão seu superior e seu testa de ferro que reconhecera minha tatuagem uma discussão aguerrida, por conta de dinheiro ou da condução da empresa. Assistimos ao momento em que o "chinesão big boss" deu uma série de socos na mesa, e este fôra o barulho que nos alarmara, ouvido do andar de cima.


Ao fim da tarde nosso chefe Fernando veio bater à porta da minha casa, perguntando com ansiedade e insegurança de menino "onde estava a fita". A entreguei na mesma caixa, sem lhe informar que a assistira, e ele a abraçou como a uma joia preciosa.


Abriu um sorriso, me agradeceu pela discrição e disse:


"Essa fita vai salvar a minha vida".


Na semana seguinte recebi a notícia de havia sido aprovada no vestibular da USP para o curso vespertino de História e pedi meu desligamento da King Star. E soube que o "chinesão big boss" não era o "big boss" after all. Que havia, acima dele, lá na China, um "chefão" superior, e que essa fita da discussão em chinês lhe havia sido remetida por Fernando como uma forma de provar sua honestidade na condução do negócio, no intento de "queimar", lá na China, com o "verdadeiro chefão" aquele que socara a mesa da King Star.


Nesse meio tempo o Figura nos revelou o conteúdo de sua conversa com o chinês. Ele sofrera uma tentativa de suborno. O chinês lhe dissera que a King Star seria desfeita, e o convidou para "virar a casaca": abandonar o Fernando e passar a trabalhar diretamente para ele, o que lhe valeria um reajuste salarial de 50%. De 300 passaria a ganhar 450 reais. Só ele, eu e o Beto não. Não havia espaço para nós. Figura nos disse que por nenhum momento cogitou aceitar isso. Que conhecia o Fernando há anos e não colaboraria com essa "puxada de tapete". Que não aceitaria essa proposta, levando o know-how que aprendera com o Fernando, para seus agora "inimigos" e futuros concorrentes. Que não faria parte deste "golpe empresarial" que resultaria no fim do emprego meu e do Beto, seus "trutas". O Figura sempre foi muito "firmeza".


Depois disso, não mais soube que rumo levou essa contenda. Com o avanço da tecnologia, e o fim da moda, essas máquinas de videokê que vendíamos caíram no ostracismo. Não há mais quem as compre. Não sei que rumo tomaram Fernando e seus irmãos. Mas tenho certeza que estão enriquecendo, empreendendo, trabalhando diligentemente, como os chineses, ou taiwaneses, sabem fazer tão bem.


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quarta-feira, 5 de março de 2014

Metade - Oswaldo Montenegro

Que a força do medo que eu tenho

Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
A outra metade é silêncio

Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Pois metade de mim é partida
A outra metade é saudade

Que as palavras que falo
Não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas como a única coisa
Que resta a um homem inundado de sentimentos
Pois metade de mim é o que ouço
A outra metade é o que calo

Que a minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que mereço
Que a tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que penso
A outra metade um vulcão

Que o medo da solidão se afaste
E o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
Que o espelho reflita meu rosto num doce sorriso
Que me lembro ter dado na infância
Pois metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade não sei

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o seu silêncio me fale cada vez mais
Pois metade de mim é abrigo
A outra metade é cansaço

Que a arte me aponte uma resposta
Mesmo que ela mesma não saiba
E que ninguém a tente complicar
Pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Pois metade de mim é plateia
A outra metade é canção
Que a minha loucura seja perdoada
Pois metade de mim é amor
E a outra metade também


sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Legiao Urbana - Tempo Perdido

Todos os dias quando acordo
Não tenho mais
O tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo...

Todos os dias
Antes de dormir
Lembro e esqueço
Como foi o dia
Sempre em frente
Não temos tempo a perder...

Nosso suor sagrado
É bem mais belo
Que esse sangue amargo
E tão sério
E Selvagem! Selvagem!
Selvagem!...

Veja o sol
Dessa manhã tão cinza
A tempestade que chega
É da cor dos teus olhos
Castanhos...

Então me abraça forte
E diz mais uma vez
Que já estamos
Distantes de tudo
Temos nosso próprio tempo
Temos nosso próprio tempo
Temos nosso próprio tempo...

Não tenho medo do escuro
Mas deixe as luzes
Acesas agora
O que foi escondido
É o que se escondeu
E o que foi prometido
Ninguém prometeu
Nem foi tempo perdido
Somos tão jovens...

Tão Jovens! Tão Jovens!...
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quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Legiao Urbana - Metal contra as nuvens

Letra: Renato Russo

Não sou escravo de ninguém
Ninguém é senhor do meu domínio
Sei o que devo defender
E por valor eu tenho
E temo o que agora se desfaz

Viajamos sete léguas
Por entre abismos e florestas
Por Deus nunca me vi tão só
É a própria fé o que destrói
Estes são dias desleais

Eu sou metal
Raio, relâmpago e trovão
Eu sou metal
Eu sou o ouro em seu brasão
Eu sou metal
Quem sabe o sopro do dragão

Reconheço meu pesar
Quando tudo é traição
O que venho encontrar
É a virtude em outras mãos

Minha terra é a terra que é minha
E sempre será
Minha terra
Tem a Lua, tem estrelas
E sempre terá

Quase acreditei na sua promessa
E o que vejo é fome e destruição
Perdi a minha sela e a minha espada
Perdi o meu castelo e minha princesa

Quase acreditei, quase acreditei
E, por honra, se existir verdade
Existem os tolos e existe o ladrão
E há quem se alimente do que é roubo
Mas vou guardar o meu tesouro
Caso você esteja mentindo

Olha o sopro do dragão (4x)

É a verdade o que assombra
O descaso que condena
A estupidez o que destrói
Eu vejo tudo que se foi
E o que não existe mais

Tenho os sentidos já dormentes
O corpo quer, a alma entende
Esta é a terra-de-ninguém
Sei que devo resistir
Eu quero a espada em minhas mãos

Eu sou metal - raio, relâmpago e trovão
Eu sou metal: eu sou o ouro em seu brasão
Eu sou metal: me sabe o sopro do dragão

Não me entrego sem lutar
Tenho ainda coração
Não aprendi a me render
Que caia o inimigo então

Tudo passa
Tudo passará (3x)

E nossa história
Não estará
Pelo avesso assim
Sem final feliz
Teremos coisas bonitas pra contar
E até lá
Vamos viver
Temos muito ainda por fazer
Não olhe pra trás
Apenas começamos
O mundo começa agora, ahh!
Apenas começamos

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quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O ultimo dia - Paulinho Moska

Meu amor
O que você faria se só te restasse um dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz o que você faria

Ia manter sua agenda
De almoço, hora, apatia
Ou esperar os seus amigos
Na sua sala vazia

Meu amor
O que você faria se só te restasse um dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz o que você faria

Corria prum shopping center
Ou para uma academia
Pra se esquecer que não dá tempo
Pro tempo que já se perdia

Meu amor
O que você faria se só te restasse esse dia
Se o mundo fosse acabar
Me diz, o que você faria

Andava pelado na chuva
Corria no meio da rua
Entrava de roupa no mar
Trepava sem camisinha

Meu amor
O que você faria?
O que você faria?

Abria a porta do hospício
Trancava a da delegacia
Dinamitava o meu carro
Parava o tráfego e ria

Meu amor
O que você faria se só te restasse esse dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz o que você faria

Meu amor
O que você faria se só te restasse esse dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz o que você faria
Me diz o que você faria
Me diz o que você faria...
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terça-feira, 27 de novembro de 2012

A cor do som

Este texto é sobre uma das mais deliciosas situações q já passei, um intervalo de 1 hora verdadeiramente maravilhoso.

Ano de 2006. Eu namorava o multi-instrumentista FAG. Já muito experiente em tocar diversos instrumentos, recentemente comprara uma cítara, ou sitar, como ele gostava de dizer, importada diretamente da Índia. Ao comprá-la F descobriu q não havia como nela tocar melodias inscritas na notação ocidental, do lá ao sol. As partituras e acordes q ele conhecia de cor não tinham como ser tocadas na cítara, com muito mais cordas e complicações do q os instrumentos q ele dominava.

Por algumas semanas ele se contentou em "brincar" com o instrumento, explorando sua musicalidade, enquanto eu assistia nas nuvens. Porém, músico sério q é, queria ir muito além. Queria dominar o instrumento. Queria reproduzir as músicas de Ravi Shankar, cujos LP's ouvíamos em êxtase.

Como é de se esperar, não é fácil encontrar um professor de cítara no Brasil. Ele havia encontrado na internet apenas um, justamente uma referência nacional no instrumento, o respeitado músico Alberto Marsicano. Entrou em contato com ele e marcou uma aula para um dia de sábado.

Como vcs podem imaginar, não é muito fácil transportar uma cítara, instrumento grande e delicado. O pai de F nos levou de carro até o metrô e de lá seguimos carregando-a com todo o cuidado possível até a linha verde, e na rua Augusta pegamos um ônibus até o Jardim Europa. A casa de Marsicano era linda, cheia de plantas. Nos levou à sua sala de música.

Sentei-me numa cadeira para observar e eles no chão, sobre tapetes bordados. Desculpem-me se minha descrição da aula for ineficiente, não sou profissional da música.

Marsicano é uma figura sui generis. Semblante plácido, longos cabelos naturalmente grisalhos, roupas claras e soltas, com fazenda tecida artesanalmente. Exala uma aura, uma luz, diferente dos "mortais comuns", uma certa segurança, um ar de experiência, uma calma bonachona. Uma paz interior aniquilante, um ímpeto genuíno de querer espalhar sua arte da melhor forma possível. Isso ficava claro pelo preço q cobrava, de 50 reais por aula, à época. F pagou sem reclamar. Me vendo diante de Marsicano, do seu domínio do instrumento, e depois ao me informar sobre sua trajetória e como ele é respeitado, este pareceu-me quase um preço simbólico. Ele não estava a dar aquela aula para ganhar seu pão, amplamente assegurado por suas apresentações e discos gravados. Ele estava a dar aquela aula por generosidade, por querer multiplicar e disseminar a arte de tocar cítara no Brasil.

Marsicano começou falando q a notação musical indiana não corresponde à Ocidental, e portanto para tocar uma música ou melodia ocidental numa cítara era necessário muito estudo e uma grande licença poética, adaptando ou melhor, reescrevendo, a música.

Explicou q as escalas musicais para se tocar cítara eram classificadas em cores. Tocando maravilhosamente um trecho falava: ele é amarelo, este é vermelho, este é azul. E conforme ele tocava e explicava eu sentia internamente as vibrações etéreas da cítara, q de forma quase palpável desenhavam uma aura colorida, conforme as cores q ele enunciava. A escala azul tinha baixa energia e um tom melancólico. A escala vermelha era contagiante, apaixonada, voraz. A escala amarela era fragrante, fresca e juvenil.

Por uma maravilhosa hora inteira fiquei assistindo a este grande mestre tocar e ensinar a F como manejar e compreender a escala musical indiana, em completo êxtase. Foi um daquele momentos em q é bom calar os pensamentos, e num estado meditativo, apenas fruir o momento, deleitar-se, aproveitar o presente, sem preço, de ver-se diante de uma aula particular de um grande mestre.

Nunca me arrisquei a tocar a cítara de F, mas depois dessa aula foi perceptível o enriquecimento das melodias q ele já era capaz de tirar do instrumento. Eu acompanhava, no céu, seus estudos. Ele tocava enquanto eu cozinhava, dormia, ou apenas assistia com um sorriso franco plasmado, deixando-me levar por sua música etérea, numa sintonia celestial.

Dentre todas as boas oportunidades de experiências interessantes q tive até agora, assistir a esta aula de cítara q Marsicano deu a F, foi com certeza foi uma das melhores. Uma daquelas ocasiões surpreendentes e inestimáveis q nos deixam uma marca profunda. Esta foi sensível, artística, onírica. Me despertou para a pluralidade e diversidade musical do mundo. Me apresentou a uma pessoa nova e interessantíssima.

Me mostrou q cada som, cada nota, tem seu tom, sua energia, sua cor. Me ensinou a mais do q ouvir, ver a música, sentir sua vibração, usar mais de um sentido para compreender o inefável, o q não pode ser descrito, apenas sentido, apenas intuído com a sensibilidade de nossa alma.

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sábado, 24 de novembro de 2012

Dum outro tipo de sensibilidade

Há muitos episódios de minha vida sobre os quais nunca bloguei e num recente exercício de reflexão constatei q estava a ser injusta com pessoas muito importantes, q marcaram e transformaram minha vida, mas jamais foram citadas, e o merecem. Nesta ocasião vou contar sobre o episódio em q namorei um verdadeiro príncipe.

Com 17 anos fiz cursinho pré-vestibular e conheci H "Figura", pois além de estudarmos juntos morávamos próximos e fazíamos o caminho de volta pra casa à noite à pé, batendo papo. No ano seguinte ele foi trabalhar numa empresa q vendia videokês, de propriedade de Taiwaneses, e quando eles precisaram de alguém com bom domínio do português para revisar as músicas no seu software, Figura me indicou e logo consegui na King Star meu terceiro emprego, aos 18 anos.

Depois de alguns meses a firma fechou, com lances de trama policial envolvendo a máfia chinesa, eu passei no vestibular, me mudei para o Butantã e passamos uns tempos sem nos falar (na época não havia rede social na internet como hoje).

Quando eu estava no quarto ano da faculdade nos falamos novamente e ele me convidou prum churrasco na casa dum amigo em São Miguel Paulista. Eu nunca tinha estado lá, tive q fuçar na internet como faria pra chegar de busão, mas como queria reencontrar um velho amigo, fui.

Churras maravilhoso, muita gente legal. Revi inclusive a J, mulher do Figura, e q também considero uma amiga querida. O dono da casa, F, era mais do q músico, era um multi-instrumentista. Em sua casa tinha piano, violão, bateria, guitarra, cavaquinho, baixo, pandeiro, violino, atabaque, gaita, vários outros instrumentos q nem sei citar, e sua mais recente aquisição: uma cítara. Muito talentoso, F tocou para nós.

Eu não havia lhe prestado maior atenção além da admiração do tipo "q cara gente fina" até q, quando fui me despedir, ele me deu um olhar q parecia guardar todas as virtualidades do mundo. F é o tipo de pessoa cuja alma transborda num olhar direto, profundo, q nos cala e estremece. Ele nada disse, mas seu olhar tem mais eloquência q Fidel Castro.

Fiz minha viagem de 3 horas de volta pro Rio Pequeno com aquele olhar q não queria se calar plasmado em meus pensamentos. No dia seguinte falei com a J, acho q já pelo orkut recém-criado, perguntando se F era solteiro. Prontamente respondeu q sim, e q achava q daríamos um belo par. Não me lembro bem se ela me deu o e-mail dele, ou se ela disse pra ele q eu estava interessada e deu para ele meu e-mail, mas de toda forma entramos em contato e marcamos um encontro na Livraria da Vila, na Vila Madalena. Ele foi, conversamos, demos umas voltas e logo aquele olhar se transformou num beijo. Num beijo ao mesmo tempo contundente e delicado, descompromissado e verdadeiro, físico e espiritual.

Antes q ele entrasse no metrô para o longo trajeto de volta à Zona Leste, já tínhamos marcado de eu passar o final de semana na casa dele. Namoramos por apenas 4 meses, mas tal foi nossa simbiose, q olhando para trás, parece q foi muito mais, pelo tanto de experiências e crescimento q disso tirei.

F morava sozinho, em casa própria, e era um ano mais jovem q eu. Claro q estranhei, e então me contou sua história. Seu pai era empreendedor, dono de uma pequena empresa de ferramentaria de alta tecnologia, fazia um trabalho altamente especializado, com poucos concorrentes, e regiamente remunerado. Jovem, se casara com a mãe de F, num daqueles casamentos de sonho q tem tudo pra dar certo e q logo frutificou num pequeno príncipe: F. Depois se divorciaram e seu pai contraiu segundas núpcias. F meio q se tornou "the wild child", largou o ensino médio e queria sair de casa quando seu pai lhe ofereceu sua casa própria, pois F apesar de tudo trabalhava na empresa da família, e era o possível herdeiro q tocaria o negócio adiante no futuro.

Casa, emprego e futuro garantidos, coroados por melodias ao vivo a qualquer hora do dia, tocadas por um gatinho tatuado com barriga tanquinho? Eu tava no céu, me sentindo a princesa consorte de São Miguel Paulista. Todos os finais de semana passava na casa dele, conheci seus pais e avós, q pareceram me aprovar e estar muito felizes de F estar namorando "uma estudante da USP de aparência séria".

Porém, no meu olhar viciado q procura qualquer ínfimo motivo para me agarrar à desdicha, até em F eu via defeitos. Como estava "na Academia" queria com todos ter conversas altamente intelectualizadas sobre Freud, Piaget, Caio Prado Jr., Vygotsky, Hobsbawm. E quando tentava dessas coisa falar com F, grande era meu desapontamento ao me ver diante de um "high school drop out". Ele não acompanhava "o nível da conversa" e eu me sentia frustrada, sem poder conversar sobre os assuntos q me interessavam.

Até q finalmente, dando um passo atrás de mim, percebi q o mesmo se passava com F. Muitas vezes ele dizia coisas q eu não entendia direito, e achava q não entendia pq ele, sendo menos "erudito" q eu ou não se expressava direito ou falava coisas sem nexo mesmo. Em muitas conversas ele falava algo, eu não sabia o q responder e simplesmente mudava de assunto, para um q eu dominasse. E ele não.

Após várias dessas situações percebi q estava errada. F não era depositário de um conhecimento menor ou mais limitado q o meu. Ele tinha pleno traquejo num outro tipo de conhecimento, q eu não dominava: a sensibilidade, a intuição, a expressão artística, o lidar com a dimensão interna, emocional, espiritual.

Era como se eu falasse grego e ele, latim. Eu me preocupasse com as coisas de fora e ele com as coisas de dentro. Eu fosse de Exatas e ele de Humanas. Ele falava com paixão de toadas musicais, tentou ferrenhamente me fazer ao menos tentar tocar os atabaques, e recusei me constatando completamente desarticulada e uma analfabeta rítmica.

Eu não me sentia pronta para baixar minha guarda, abrir uma brecha na minha couraça, me deixar sensibilizar e ser tocada emocionalmente de forma profunda por ninguém. Eu não estava pronta para ter um namorado tão legal. Ele era mais avançado, mais evoluído, num tipo diferente de sensibilidade q eu, hesitante, me recusava a tatear. Eu não queria ir tão fundo. Percebi q embora F me oferecesse toda a profundidade do seu olhar límpido, eu não queria fazer o mesmo. Preferia manter meu olhar semicerrado, desconfiado, com vários pés atrás com todo o mundo.

Devido a esse descompasso, pois F era ritmado e eu apenas ruído, nosso enlace romântico encontrou seu fim naturalmente. Não brigamos, apenas em certo momento paramos de nos ver. Continuamos amigos, trocando e-mails de vez em quando. Ele compareceu à comemoração dos meus 27 anos num barzinho gay no largo do Arouche e depois novamente ao meu de 29 anos num barzinho do Tatuapé, agora ladeado por sua atual mulher, M. Fiquei amiga de M, uma pessoa q transparece boas vibrações e ter uma energia compatível com F. Era claramente visível q M é um par muito melhor para F do q eu jamais fui ou serei. Lhes disse sinceramente o quanto me deixava feliz ver F com uma moça q combinava tanto com ele. Hj já têm uma filhinha, q tenho certeza há de ser muito feliz com dois pais com tão boa energia, e tão sincrônicos.

Deste episódio, com muitos outros capítulos q talvez depois relate, ficou um gosto bom. De ter desfrutado de grandes momentos de aprendizagem e enriquecimento com uma pessoa tão legal. De ter lembranças agradabilíssimas de F me tocando cítara e piano em plena madrugada. Das comidas vegetarianas q fizemos e nossos passeios matinais na feira do bairro. De ter descoberto, apesar da minha arrogância, q há outros tipos de erudição além da acadêmica. De ter sido desperta para a sensibilidade da delicadeza artística. De ter vislumbrado todo um novo mundo desconhecido e cheio de possibilidades.


quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Legiao Urbana - Indios

Quem me dera ao menos uma vez
Ter de volta todo o ouro que entreguei a quem
Conseguiu me convencer que era prova de amizade
Se alguém levasse embora até o que eu não tinha.

Quem me dera ao menos uma vez
Esquecer que acreditei que era por brincadeira
Que se cortava sempre um pano-de-chão
De linho nobre e pura seda.

Quem me dera ao menos uma vez
Explicar o que ninguém consegue entender
Que o que aconteceu ainda está por vir
E o futuro não é mais como era antigamente.

Quem me dera ao menos uma vez
Provar que quem tem mais do que precisa ter
Quase sempre se convence que não tem o bastante
Fala demais por não ter nada a dizer.

Quem me dera ao menos uma vez
Que o mais simples fosse visto
Como o mais importante
Mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente.

Quem me dera ao menos uma vez
Entender como um só Deus ao mesmo tempo é três
E esse mesmo Deus foi morto por vocês
Sua maldade, então, deixaram Deus tão triste.

Eu quis o perigo e até sangrei sozinho
Entenda
Assim pude trazer você de volta pra mim
Quando descobri que é sempre só você
Que me entende do início ao fim.

E é só você que tem a cura pro meu vício
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi.

Quem me dera ao menos uma vez
Acreditar por um instante em tudo que existe
E acreditar que o mundo é perfeito
E que todas as pessoas são felizes.

Quem me dera ao menos uma vez
Fazer com que o mundo saiba que seu nome
Está em tudo e mesmo assim
Ninguém lhe diz ao menos, obrigado.

Quem me dera ao menos uma vez
Como a mais bela tribo
Dos mais belos índios
Não ser atacado por ser inocente.

Eu quis o perigo e até sangrei sozinho
Entenda
Assim pude trazer você de volta pra mim
Quando descobri que é sempre só você
Que me entende do início ao fim.

E é só você que tem a cura pro meu vício
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi.

Nos deram espelhos e vimos um mundo doente
Tentei chorar e não consegui.

Renato Russo

terça-feira, 6 de março de 2012

Está pensando em comprar um tablet? Leia

Sei que muitos devem estar pensando em comprar um tablet, e na dúvida se vale a pena e qual comprar. Eu também pensei longamente se era melhor comprar o iPad ou o Galaxy Tab e optei pelo primeiro. Gostaria de expor os motivos para que vcs possam fazer uma escolha mais esclarecida.

Antes gostaria de elencar alguns motivos para se comprar um tablet, independente da marca:

1 - Segurança. Com um tablet, vc não precisará se logar em lan houses e computadores de terceiros, suas senhas estarão bem mais seguras.

2 - Praticidade. Com um tablet com internet 3G vc fica com online aonde for, em outras cidades e até outros estados, sem roaming. O tablet faz o seu tempo render mais. Horas antes desperdiçadas no ônibus ou na fila do banco se tornam produtivas quando vc tem um tablet à mão. Sem contar o conforto de fazer (quase) tudo o que fazia sentado na frente do PC, mas agora confortavelmente esparramado no sofá ou deitado na sua cama.

3 - O tablet substitui outros gadgets "físicos": mp3 player, rádio, computador, lanterna, bloco de notas, pen drive, gravador de voz, televisão (sim, o iPad te fará desligar a TV), jornal, revista, livro, agenda, GPS, calendário, calculadora, videogame, câmera fotográfica e filmadora digitais, lista de compras, espelho, despertador, previsão do tempo, telefone (via Skype), guia da TV, qualquer instrumento musical, até os mais estranhos, dicionário em qualquer língua, Kindle, e muito mais. E, insuspeitamente, até animais de estimação. Esqueçam o famoso Tamagotchi (bichinho virtual); no tablet vc pode ter aquários, gatinhos, unicórnios... Eu tenho até um tigre de bengala de estimação! Nenhum deles morre nem faz sujeira...

4 - Muita coisa grátis. Centenas de apps que facilitam baixar música livre de copyrights. Milhares de livros (a maioria em inglês, mas a oferta em português está aumentando) de domínio público. Apps de jornais (a Folha de SP pode ser lida gratuitamente e na íntegra por quem tem iPad, cortesia de uma grande construtora paulista). Há milhares de apps pagos, mas quem tem paciência e sabe garimpar encontra quase tudo o que quer de graça. Milhares de joguinhos clássicos e novos; alguns que eu tenho: xadrez, forca, Wolfenstein, Pac Man, Bejeweled Blitz, The Sims free play, Angry Birds, Free Cell, jogos do Atari, etcs.

5 - Participar das novas redes sociais feitas para smartphones e tablets: Instagram, Foursquare, Pinterest, Social Cam etcs. Você ficará muito mais plugado às novidades que estão bombando!

6 - A tela grande, muito mais confortável para navegar do que a mirrada telinha dos smartphones.

7 - Geolocalização. Não são todos os tablets que tem, e vale a pena pagar mais caro por um com GPS. Com ele sempre ligado, especialmente se vc tiver 3G, se vc for sequestrado ou seu tablet for roubado, é relativamente fácil geolocalizá-lo e a polícia ir direto ao mocó de quem te roubou.

8 - Interface intuitiva com apps educativos. Mexer num tablet é tão fácil que até crianças analfabetas não terão dificuldades. Para quem tem filhos, o tablet é um investimento inestimável. Há milhares de livros infantis interativos, joguinhos de raciocínio, de memória, de conhecimentos. Fazer de seu filho alguém plugado desde cedo pode fazer uma baita diferença em seu desenvolvimento cognitivo.

9 - Facilidades para quem é deficiente. Não precisei baixar nenhum desses apps, mas há centenas de aplicativos adaptados para pessoas com as mais variadas deficiências. Vide

10 - Aplicativos para coisas que vc nunca imaginou, não sabia que precisava e não conseguirá mais viver sem. Alguns que eu tenho: para dormir, tem app que toca mantra budista, sons ambientes para relaxar, app que com infra-sons fazem os cachorros parar de latir, apps estilo "jardim japonês", apps religiosos (tenho uma menorah virtual pela qual é possível segyir toda a liturgia do shabbat), controle remoto virtual (depende da sua TV ser bem moderna, mas funciona!), contador de calorias, personal trainer virtual, e muitos mais que ainda não conheço, mas um dia encontrarei!

11 - Ficar online 24hs. Diferente do computador, que tem ventoinha/cooler e pode superaquecer, o iPad é como um celular que pode ficar ligado direto 24horas. Vc pode simplesmente NUNCA desligá-lo e toda vez que vc quiser dar uma checada na net, simplesmente pegá-lo e usá-lo, sem estabilizador, sem liga/desliga, sem desperdício de energia e... Sem medo que um raio o queime!

Escolhi o iPad por vários motivos:

1 - A variedade de apps (aplicativos, "programas"). A Apple tem uma atração magnética sobre os geeks, que adoram mostrar como podem fazer apps geniais e exibi-los aos outros "nerds". A Samsung, fabricante do Galaxy Tab nem de longe exerce o mesmo fascínio, e portanto tem uma variedade bem menor de apps, e apps menos "cool and trendy".

2 - A qualidade do produto, indiscutível no caso da Apple. É um produto "top de linha".

3 - Memória. O Galaxy só oferece a versão de 16 gigas. O iPad tem 3 configurações: 16, 32 ou 64 GB. Para vcs terem uma ideia, tenho meu tablet há apenas 2 meses e já ocupei 8 gigas de memória.

4 - Bateria. A da Apple dura muito mais!

Agora alguns motivos para vc não comprar um iPad (não podia faltar):

1 - Trabalho escravo. Muitas são as denúncias contra a exploração dos trabalhadores chineses nas fábricas da Apple/Foxconn

2 - Tornar-se escravo dos produtos da Apple. Uma vez que vc caiu na rede, vira peixe dessa empresa com conhecidas práticas monopolistas.

3 - Incompatibilidade. Não rodar "flash" é apenas o mais visível dos problemas. O iPad até vem com cabo USB, mas ao plugá-lo no seu PC Windows vc terá a má surpresa de que os aparelhos não se reconhecem nem se comunicam. É possível fazê-los "se entender" e até sincronizá-los, mas isso é meio difícil para quem é leigo em informática, exige alguns malabarismos operacionais.

4 - Não é multitasking. Vc só pode usar um app por vez. Até agora, apenas apps que tocam música funcionam em segundo plano enquanto vc mexe em outros apps. É chato toda vez que vc vai trocar de app ter que apertar o botão e ter que fechar um para abrir o outro.

5 - Não funciona como celular.

6 - Esqueça qualquer tipo de download ilegal. Produtos da Apple só baixam arquivos legalizados.

Recomendação final: não financie seu tablet associado a um plano de minutos da sua operadora de celular, sai mais caro. Compre o tablet numa loja física, para ter garantia e um lugar onde reclamar. Depois veja qual operadora tem o melhor sinal 3G perto da sua casa. Há planos de internet (hoje) a partir de R$ 30,00. Não escolha o mais caro. O plano mais barato será mais que suficiente.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

O swing de Shakira pode ser a arma definitiva para a paz mundial?

Gostaria de deixar claro logo no início que não sou fã de Shakira nem acompanho sua carreira com atenção. Porém, como a qualquer terráqueo, é-me impossível ignorá-la, onipresente que é na cultura pop.

Shakira Mebarak é a mais lucrativa commodity colombiana. Talvez ela personifique a mais vistosa contribuição da Colômbia ao planeta, suplantando Fernando Botero, Gabriel García Márques, o café premium e até a cocaína.

Porém Shakira não é uma “cantora colombiana”, é uma artista pop internacional cujo local de nascimento é mero detalhe. Shakira personifica o melting pot étnico da América Latina. E a liberdade sexual da mulher ocidental.

Seu começo de carreira foi o de uma “cantora colombiana”. Cantava em espanhol temas românticos, juvenis, despretensiosos. Em 1996, ao conhecê-la através de seus “Pies Descalzos”, Shakira não soava muito diferente de Paula Toller, Adriana Calcanhotto, Ana Carolina, Zélia Duncan, Marina Lima, Cássia Eller, Jewel, Natalie Imbruglia, Dido, The Cranberries, Sinead O’Connor, No Doubt. Diria até com uma versão juvenil, menos séria e talentosa de Marisa Monte. Sem esquecer a matriz de todas as cantoras ocidentais pós 1985 e a própria inventora do girlpower antes que o próprio termo fosse cunhado: Madonna. Que, mesmo começando como um clone da então famosa Cindy Lauper, provou que tinha muitas cartas na manga, como Shakira.

Em anos de Alanis Morissette, Shakira soava como uma versão latina desta rebeldia adolescente, deste girlpower ascendente, pois também eram tempos de Spice Girls. Neste começo de carreira Shakira não tocava musical ou imageticamente em sua ascendência turca, ou melhor, sírio-libanesa. Isto era um detalhe. Shakira era uma cantora hispânica, e cantava baladas em temas sonoros latinos.

Porém com o lançamento em 2001 de “Laundry Service” o tom e os temas de Shakira mudaram. O ponto de inflexão se deu a partir do lançamento da ainda em espanhol “Ojos Así”. A partir de então Shakira “deixou de ser latina” para tornar-se internacional, sem fronteiras. Com esta música Shakira uniu as duas pontas até então soltas de sua identidade: sua herança oriental, árabe, com sua circunstância ocidental, latino-americana. E começou a cantar em inglês, tornando-se palatável e atraente a então inexpugnáveis audiências, pouco afeitas à variedade cultural e receptivas a uma cantora em língua espanhola.

A partir de seu encontro com a Sony internacional do pigmaleão pop Tommy Motolla, Shakira sacou a carta que guardava até então insuspeita na manga: o balanço de seus quadris. E a cantar claramente que seus “Hips don’t lie”. Mais do que swingar seus quadris, coisa que qualquer Spice Girl, Jennifer López ou Beyoncé pode fazer, Shakira ia muito além: exibia dotes de dançarina bem versada na secreta especialidade islâmica da dança do ventre. Mexendo e tremendo sensualmente músculos de que as ocidentais sequer conheciam a existência.

E é este detalhe que a faz uma interlocutora fluente e uma mediadora eficaz nas conversas entre Oriente e Ocidente que, esperamos, virão impedir o “Clash of Civilizations” preconizado por Francis Fukuyama e materializado nos atentados de 11 de setembro. A própria data com apenas dia e mês excede explicações adicionais sobre o fato aludido. Não, não me refiro à queda de Salvador Allende no Chile. :p

O “convencimento” se dá pela força ou pela persuasão. Desnecessário dizer que a persuasão é muito mais eficaz e perene que o cerceamento violento. E Shakira é um trunfo do Ocidente que poderia ser muito bem apresentado no truco vale-doze da Política da Boa Vizinhança.

A Política da Boa Vizinhança foi posta em prática pelos EUA nas décadas de 1930 e 1940 como ação afirmativa de sedução cultural da América Latina. Visava arregimentar os países latino-americanos para a esfera de influência cultural e política dos EUA, em oposição aos regimes totalitários europeus. Os EUA queriam vender uma imagem de modernidade, futuro, democracia, liberdade. Mas para convencer aos latino-americanos a aderir nesta joint venture eram necessários interlocutores/mediadores locais. Era necessário encontrar, lapidar, valorizar e divulgar artistas latinos plastificados e pasteurizados à moda dos EUA.

No Brasil os dois expoentes máximos desta política foram Zé Carioca e Carmen Miranda. Zé Carioca, papagaio criado sob medida por Walt Disney para incluir em seu panteão mítico um “amigo” brasileiro. Filme clássico e significativo desta época é o “Você já foi à Bahia?” no qual o rabugento Pato Donald desfila sobre paisagens brasileiras que são grandes clichês. Porém, que de certa forma davam aos brasileiros a impressão de serem aceitos, assimilados carinhosamente pelos EUA.

Exemplo maior e melhor é o da portuguesa de nascimento e brasileira por vocação Carmen Miranda em seu tutti-frutti hat. A pequena notável tornou-se uma interlocutora fluente e uma mediadora eficaz nas conversas entre Brasil e Estados Unidos. Diz-se, não sei se folcloricamente, que em sua época Carmen Miranda foi a mais bem-sucedida artista “americana”, id est, que seu sucesso seria auto-sustentável independentemente de jetons e jabás político-culturais. Que ela não faria sucesso como uma “curiosidade tropical passageira”, similar a uma cantora folclórica. Como o Abba seria uma “curiosidade folclórica nórdica passageira”. E Laura Pausini seria uma “curiosidade folclórica-pop italiana passageira”. Mas como uma artista sem fronteiras, internacional. Tal qual Shakira é hoje.

O convencimento pela força pode ser posto em prática com “leis afirmativas” ou negativas/deletérias, como é o caso recente na França. A França tentou proibir, via lei, que a muçulmanas residentes, ou de passagem por seu território, usem vestes muçulmanas que cubram-lhe o rosto, como o niqqab, o hijab e a burka. Como toda proibição e tentativa de legislar laicamente sobre a religião alheia, é óbvio que tal medida é abusiva e está sendo alvo de muitos protestos, principalmente da parte de mulheres muçulmanas que sentem-se aviltadas e cerceadas em sua liberdade religiosa. Com mais do que razão.

Acompanhando as vozes que defendem a liberdade da muçulmana cobrir-se tal qual a da cristã descobrir-se subjaz uma pergunta sem resposta: a mulher muçulmana se cobre e se esconde espontaneamente por fervor religioso ou a mulher muçulmana cobre-se por opressão, falta de escolha e de liberdade?

Tentar obrigar as mulheres muçulmanas a despirem-se de seus véus é contra-producete e abusivo. Não é pela força que se efetiva o convencimento, mas através da persuasão cultural insidiosa, quase muda, insuspeita, que transcende argumentos racionais, pois em termos religiosos não os há.

Não é através da asserção plúmbea, por decreto, que o Ocidente convencerá as muçulmanas a “rasgar” ou prescindir do véu. Mas através da sedução horizontal, sibilante, acetinada, atrativa. É aí que Shakira e o balanço de seus quadris podem ser muito mais efetivos que a derrubada de Saddam Hussein e a aniquilação da Al Quaeda. O swing de Shakira faz muito mais pela assimilação e integração entre Oriente e Ocidente que qualquer arma de destruição em massa ou ação de espionagem.

Shakira tem o poder de, sendo uma mulher de origem árabe, mostrar a suas primas que ainda residem no Oriente Médio o quanto o Ocidente pode dar poder e liberdade às mulheres. A mensagem é tão mais eficaz quanto não pré-fabricada em linha de montagem com ISO 9000. Insuspeitamente, ao incluir o swing árabe único dos quadris e a sonoridade libanesa ancestral em suas músicas Shakira tornou-se um modelo, um quase tipo-ideal hegeliano da mulher muçulmana que rasgou o véu e ressemantizou sua herança cultural de forma a valorizar a liberdade, a identidade, a sensualidade, a beleza poderosa da condição feminina.

Como diz um rapper em uma de suas músicas:

“I didn’t know someone could dance like this, she makes a man want to speak Spanish. Como se llama? Bonita. Mi casa, su casa.”

Para convencer o mundo muçulmano a aderir à cultura Ocidental, muito mais efetivo que panfletar a Constituição Americana ou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão seria divulgar massivamente entre os jovens muçulmanos as músicas e, especialmente, a imagem de Shakira. Ao vê-la poderosa, bem sucedida, bem resolvida, rebolar livremente seus quadris enquanto marmanjos babam por ela homens muçulmanos pensarão “Quero uma mulher como ela” (a la o single posterior das descartáveis Pussycat Dolls “Don’t you wish your girlfriend was hot like me?”)

Porém, mais importante que sua potencial e certeira sedução sobre os homens é seu exemplo sobre as mulheres. Vendo-a, as muçulmanas sedentas por liberdade terão um ícone imagético, uma silhueta paradigmática. Se verão, à manivela, diante de uma ampliação de seu campo proximal vygotskyano cultural. Após ver Shakira, linda, loira, sorridente, conquistar o mundo exibindo a secreta arte árabe da belly dancing jamais a esfera mental de uma muçulmana reprimida voltará a ser a mesma. Pois a partir de então ela verá, diante de si, e sem palavras, uma mulher árabe como ela, mas livre, exposta e feliz, colocando o mundo, e os homens, a seus pés.

Após esta exposição fica o seguinte como sugestão às agências internacionais que agem no mundo islâmico. Conjuntamente com a ajuda humanitária ofertada às muitas zonas de guerra e conflito social, junto às doações de comida, remédios e alimentos, forneçam também CD’s e DVD’s de Shakira. O swing de seus quadris contribuirá muito mais para a “paz entre as nações” e a conciliação entre cristãos e muçulmanos que toneladas de donativos, ou centenas de decretos, leis e ações afirmativas ou negativas/deletérias. As relações Oriente-Ocidente, mais do que guerras e bombas, precisam de uma bem arquitetada reedição da Política da Boa Vizinhança para que o modo de vida ocidental torne-se palatável e sedutor ao Mundo Muçulmano.

O balanço dos quadris de Shakira é capaz de muito mais do que fazer um homem querer aprender espanhol. É capaz de convencer muçulmanas de viver à Ocidental e a rasgar o véu. Com girlpower.

Para ouvir:

Estoy Aqui

Te espero sentada

Te necessito

Se quiere, se mata

Piez descalzos, sueños blancos

Ciega, Sordomuda

Hips Don't Lie

Ojos Así

Whenever, Wherever

Underneath Your Clothes

La Tortura

Beautiful Liar, parceria com Beyoncé

Waka Waka – 2010 Soccer World Cup Theme

Loca

Rabiosa

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Tocando em Frente

Composição : Almir Sater e Renato Teixeira

Ando devagar
Porque já tive pressa
E levo esse sorriso
Porque já chorei demais

Hoje me sinto mais forte,
Mais feliz, quem sabe
Eu só levo a certeza
De que muito pouco sei,
Ou nada sei

Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas
E das maçãs

É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir

Sinto que seguir a vida
Seja simplesmente
Conhecer a marcha
E ir tocando em frente

Como um velho boiadeiro
Levando a boiada
Eu vou tocando os dias
Pela longa estrada, eu vou
Estrada eu sou

Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas
E das maçãs

É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir

Todo mundo ama um dia,
Todo mundo chora
Um dia a gente chega
E no outro vai embora

Cada um de nós compõe a sua historia
Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
De ser feliz

Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas
E das maçãs

É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir

Ando devagar
Porque já tive pressa
E levo esse sorriso
Porque já chorei demais

Cada um de nós compõe a sua historia
Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
De ser feliz


http://www.youtube.com/watch?v=lgY8ykUBY5k


quarta-feira, 20 de abril de 2011

Duma alucinação coletiva

Aos que estão à procura de curiosidades psiquiátricas, já adianto: o relato a seguir não se refere a uma experiência verdadeira, e raríssima, de uma alucinação compartilhada. E tampouco é um relato ficcional. Trata-se de uma ilusão coletiva de que estávamos a compartilhar uma alucinação. O motivo do engano seguirá explicado abaixo.

O estado de Minas Gerais, no sudeste do Brasil, possui uma certa aura de história, de assombro, de mágica. A cidade que melhor exemplifica isso é a mística São Tomé das Letras, ponto de romaria de todo tipo de bicho-grilo, pessoal da Nova Era e metidos a alternativos em geral. Reza a lenda que de São Tomé segue um túnel que a liga a Machu Picchu, no Peru. Não que alguém já tenha percorrido tal caminho e retornado para contar a história...

Já tive a alegria de viajar algumas vezes a Minas, e conheci as seguintes cidades: São Lourenço, Cambuquira, Lambari, Poços de Caldas, Mariana, Tiradentes, Ouro Preto, Congonhas do Campo, Bueno Brandão e Extrema.

Extrema, apesar de ser uma cidade muito pequena (quando a visitei, aos 16 anos, tinha 20 mil habitantes) carrega uma certa aura mística semelhante à de São Tomé das Letras. Não há como explicá-lo, mas a cidade tem uma certa vibe, um ar mais leve, um céu mais azul, uma atmosfera de despojada sacralidade, se é que isso é possível. Similar à de Brasília. Também já ouvi dizer que Extrema tem uma base geológica estabilíssima. E, se em 2012 as placas tectônicas começarem a enlouquecer, Extrema é o único destino de fuga no qual conseguiria imediatamente pensar.

Fui convidada para ir a Extrema por minha amiga T, que tinha uma amiga lá, para uma aventura num feriado. Fomos. Ao chegar, fomos recebidas numa república, e lá conheci C, vulga “Preta”. Sim, ela era afrodescendente. Já entrada nos seus 20 anos, Preta era super cool e descolada. Vestia-se, portava-se, e vivia de forma alternativa, não era careta “Como nossos pais”. Era enfermeira, sustentava-se e morava sozinha. Não propriamente “sozinha”, pois Preta tinha uma filha, S, com pouco mais de 1 ano de idade.

O detalhe curioso é que a filha de Preta era loira. De olhos verdes. Explicou-nos que o pai de sua filha era “alemão” (o que no Brasil implica, genericamente, que ele era loiro), e assim saíra a filha, ao pai. Impossível não ter o pensamento malicioso de que fossem trocados os gêneros dos pais de S, fosse sua mãe loira e seu pai negro, rapidamente todos duvidariam se ele era mesmo o pai. Mas como sobre quem é a mãe não jazem dúvidas, e fora testemunhado por muitas pessoas que cachinhos dourados nascera de mãe negra, ninguém duvidava que S. era filha de C. Negras terem filhos loiros, caucasianos, é um dos fatos curiosos da vida que dão um colorido todo especial à nacionalidade brasileira. Prova empírica de que el alma no tiene color.

Certa noite deste feriado aprontamo-nos para comparecer à festa da Casa Redonda, num local algo afastado da cidade. Fomos as três, eu, T e Preta à casa do namorado desta última, D, para fazer o que no Brasil é conhecido por “esquenta”: encher a cara antes de ir para a festa, ou “balada”. Na casa de D bebemos bastante, jogamos videogame, contamos histórias e, enquanto nos preparávamos para sair, ligamos o rádio. Procurando uma sintonia, em meio a axés, sertanejos e pagodes, encontramos no dial um suspiro de alívio num acorde conhecido: sintonizamos a melodia de “Losing my religion”, o maior sucesso da banda americana R.E.M. Música deliciosa, clipe lindo. Maravilha. A certa altura um de nós disse:

- Mas essa música não está tocando há muito tempo?

Prestamos atenção, esperando o final da música. Terminou. Um segundo, dois segundos. Novas notas começaram a tocar. Notas inconfundíveis, conhecidas, de “Losing my religion”, do R.E.M. Não podia ser. Inquirimos ao D.:

- Fala sério, vc tem esse CD e colocou a música no repeat!

Negou, renegou. Ele não tinha “Out of time” (estávamos em 1999, quando para se tocar uma música de sua escolha em casa era necessário comprar seu CD, original). Não era o leitor de CD que estava acionado, mas a rádio FM. OK. Esperamos a música terminar para ver qual viria em seguida. Depois dos 2 segundos de suspense, novas notas começaram a tocar. Notas inconfundíveis, conhecidas, de “Losing my religion”, do R.E.M. Não podia ser.

Verificamos o aparelho de som de D, ainda pensando que ele estava a nos pregar uma peça no estilo candid camera. Ejetamos o CD do leitor. Não era do R.E.M. Desligamos o aparelho. A música cessou. O religamos. A mesma música tocou. Mexemos no dial. As demais estações estavam normais, tocando outras músicas, variadas. Retornamos à sintonia anterior. O que estava a tocar? O riff inconfundível de “Losing my religion”, do R.E.M. Não podia ser.

Alguma coisa muito estranha estava acontecendo. Estivesse um de nós tendo uma alucinação, os demais estranhariam, falariam que a impressão não era verdadeira. Mas não. Estávamos, todos, compartilhando a mesma experiência estranhíssima de uma música repetir-se sucessivamente na rádio, sem explicação. Pensei “Vamos sair logo, pois o clima aqui neste quarto está nos fazendo ‘ouvir coisas’.”

Saímos e nos dirigimos, à pé, para a balada. Comentando pelo caminho a maluquice do inexplicável evento radiofônico, nos aproximamos de um boteco de rua que estava aberto. Ainda a muitos metros de distância percebemos que dele ressoava uma certa música, num acorde conhecido: “Losing my religion”, do R.E.M. Não podia ser.

Caímos coletivamente no riso mais uma vez, ainda desacreditando do que estava acontecendo. Passamos pelo bar e prosseguimos nosso caminho. Dobrando uma esquina, caminhamos pela calçada de uma casa com a luz acesa e rádio ligado. Pela janela aberta revoavam notas musicais num acorde conhecido e luminosidade que principia amarela, e esverdeia-se prum tom vivo, claro e metálico de cigarra: “Losing my religion”, do R.E.M. Não podia ser. Caímos coletivamente no riso mais uma vez, de novo desacreditando de nossos próprios ouvidos, mas já algo convencidos de que algo estranhíssimo, sobrenatural, estava acontecendo. Que estávamos a testemunhar algum tipo de “mensagem subliminar tsunâmica divina”. Ou que estávamos a alucinar coletivamente.

No caminho, enquanto vencíamos a um milharal ainda ouvindo de longe tocar em volume baixo o riff inconfundível de “Losing my religion”, foi impossível não questionar-me se eu estava em algum episódio de “The X-Files”, “Twilight Zone”, ou mesmo no filme “Feitiço da Lua”, e se o meu presente percebido estaria girando em falso, reiniciando-se sucessivamente. Estaria o Long Play de minha realidade riscado? Estávamos prestes a ser abduzidos no milharal? Éramos vítimas de algum tipo de experiência militar esdrúxula? A imagem do ET mineiro de Varginha espocou em minha mente enquanto me lembrava que o governo brasileiro foi o único, até agora, a reconhecer que sua força aérea testemunhara experiências com OVNI’s: Objetos voadores não identificados.

Por outros lugares passamos a seguir, e vários tocavam intrigantemente a mesma música. Ganha um sorvete quem adivinhar qual. :P Chegando à Casa Redonda, felizmente, lá não tocava R.E.M., pois a casa tinha DJ e não dependia da programação do rádio.

Na tarde posterior acordamos comentando o acontecimento, nos questionando se de fato ocorrera ou se havíamos tido uma inexplicável alucinação coletiva. Como a cidade era pequena, a dúvida não prosseguiu por muito tempo.

Saímos para arranjar algo para comer e na padaria ouvimos ao comentário geral:

- Vc ouviu à radio ontem? Parece que o radialista adormeceu sobre sua mesa de trabalho e acidentalmente acionou a repetição de uma música, que ficou tocando a noite inteira, até que chegou o radialista do plantão da manhã e trocou o “disco riscado”. Ficou tocando “Losing my religion”, do R.E.M., até hj cedo!

Gargalhamos coletivamente à larga do curioso incidente radiofônico que para nós, por estarmos “alterados”, achamos ser algo sobrenatural, ou até digno de preocupação e atenção psiquiátrica. Pequenos incidentes randonicamente mágicos como este adicionaram um charme extra a Extrema, às minhas experiências adolescentes e à minha sensibilidade musical.

P.S.: À época eu desconhecia o significado da expressão sulista, creolle, cajun. Muitos anos depois ouvi Michael Stipe relatar que “to lose thy religion” é algo análogo ao que no Brasil é referido por “perder a linha”, “ver tudo vermelho”, “armar um barraco”, “fazer uma cena”, “perder a compostura”, “se espalhar”, “descer do salto” ou das tamancas.

sábado, 16 de abril de 2011

De Alanis Morissette e os meus 1990

Pergunta retórica:

“Como vc se dá conta de que testemunhou uma celeríssima mudança sócio-cultural?”

- Quando vc, ainda nos seus 20 anos, percebe que as músicas que vc cantou na sua adolescência já são senis, datadas, impossibilitadas pela atual conjuntura.

Percebi isso reouvindo 2 músicas de Alanis Morissette, ambas compostas há menos de 15 anos e, já agora, sem sentido pelas circunstâncias materiais.

O disco adulto de estréia da canadense Alanis Morissette foi lançado em 1996 sob o nome “Jagged Little Pill”. Apenas soube dele 1 ano depois, quando contava eu 14 anos e estudava na E. E. “Professora Irene de Lima Paiva” ao lado dos meus ainda amigos Maristela Matsuda, Romeu Marinho Cardona Ubeda, Gisele Ferreira Bailer, Thaís Nogueira Dias e Camila Nalesso de Andrade. Juntos cursamos as sétima e oitava séries, passando conjuntamente por inúmeras experiências definidoras de nossa personalidade e que ainda nos fazem sentir carinho uns pelos outros, apesar da distância no tempo e no espaço em que jazem estas lembranças.

Outros amigos desta época dos quais me lembro com apreço são as gêmeas Cristina Harumi, que namorava ao mulato de olhos verdes Martinho, e Cristiane Hatsumi, bem como do Sérgio “Chaminé", da Aline "Tuca", do Élcio desenhista, da Rosana, do lindíssimo Fábio (Binho), do Victor VTR, do Daniel/Abel e do Wagner. Curioso que dos 15 amigos supracitados, 6 são nipo-brasileiros. Nunca havia parado para pensar nisso, mas creio que 30% de nossa sala de aula era nipônica. E todos eram “puro-sangue”, nenhum mestiço. Rsrs...

Nas minhas fotos com meus amigos é impossível não reparar o quanto a composição étnica de nosso grupo é representativa da variabilidade racial dos brasileiros. Quase como se nos tivéssemos imposto cotas. Ou quase como se aceitássemos amigos tal como viessem; pretos, brancos, japoneses, de olho azul, verde ou vermelho; heteros, homos; pobres ou ricos. Desta forma final foi. Temos 2 brasileiras típicas, latinas, misturas em variados graus neste grupo em mim e Gisele, além de um de magníficos olhos azuis no Romeu, uma oriental na Maty e mais tarde um negro no Chicote.

Grupo de melhores amigos que poderia servir de exemplo arquetípico num anúncio sobre a irmandade e harmonização universal das raças e opções sexuais, dados que 2 de nós revelaram-se posteriormente homossexuais, contando com total acolhimento do grupo. Por essas e por outras continuamos mais do que amigos, mas irmãos ligados pelos laços eletivos duma amizade bem-cimentada, antiga e profunda. Entregaria sem temores a chave de minha casa e minha senha no banco para qquer um deles, sem temores. O mesmo não posso dizer sobre grande parte dos que são ligados a mim pelo sangue...

À essa época, entre nossos 13 e 14 anos, havia 2 “tribos” básicas em nossa escola: os pagodeiros e os rockeiros. Como nunca vi em mim talento para balançar ritmadamente os quadris nem sentia pulsar em minhas veias reminiscências afro-brasileiras, eu, e meus amigos (em grande parte sansei – ou seria nikkei?), éramos, portanto, dos “roqueiros”.

Conheci Alanis pela MTV, ou “/Ême-Tê-Vê/”, como diria Caetano Veloso, ao assistir ao seu belíssimo videoclipe para “You Oughta Know”. Rapidamente comprei seu CD, e o ouvia compulsivamente em meu leitor de CD ganho no bingo. Alanis era forte, resolvida, poderosa, no manche de sua vida. Cantava suas confissões sexuais, adolescentes, seu coração partido, suas indecisões, seus planos, suas reminiscências e traumas infantis. Sua voz era carregada por uma raiva que eu partilhava e uma resolução pela qual ansiava.

Grande parte do motivo de eu ter-me tornado fluente em inglês foi o desejo de cantar com perfeição suas letras, quase raps cantados raivosamente. Alanis era de uma beleza tangível, não-desafiadora, algo “comum”, ainda que perfeitamente plástica. Numa expressão americana, ela era “the girl next door”, com seus profusos, abundantes e longos cabelos castanhos. Impossível não remeter a Alanis a inspiração para a cachoeira loura de Julia Stiles no filme desta época que lançou a carreira do tristemente já falecido à la River Phoenix e James Dean, Heath Ledger. Toda a atitude confrontadora e auto-suficiente de Julia Stiles em “10 things I hate about you” é tributária do arquétipo da moça independente, bem-resolvida e reativa inspirado em Alanis, que estabeleu o arquétipo da rebeldia adolescente feminina no fim dos 1990. E portanto, minha meta pessoal. Aos 15 anos meu sonho eram compor músicas como Alanis. Em especial, sua belíssima “Unsent”. Ainda farei minha própria Unsent, ainda que em prosa, repassando e nomeando todos meus ex-namorados. Estou ainda angariando coragem... ; P

O sucesso de seu primeiro álbum, pela Maverick de Madonna foi assombroso. Digno de remontada nota também foi o intervalo e a alternância temática entre seu primeiro e segundo álbuns. E mui surpreendente, para todos, executivos e consumidores da indústria fonográfica, foi a coragem de Alanis em conscientemente abrir mão do sucesso retumbante previamente garantido para seu segundo álbum, fosse ele uma variação sobre o tema do primeiro.

Mas entre seu primeiro e segundo álbuns Alanis passou por uma experiência que transformou seu próprio caráter: foi à Índia numa jornada espiritual, tal como The Beatles, que então conheceram Ravi Shankar, aventurando-se por novas sonoridades e paradigmas mentais. Após a abertura de seus caminhos e perspectivas, Alanis não mais poderia cantar sua vingança contra ex-namorados e suas atuais companheiras; não mais poderia culpar seus pais por todas as suas frustrações; não mais poderia colocar-se orgulhosamente como vítima ferida inocentemente pelas circunstâncias. Seus temas, sua postura, sua sonoridade, até o timbre de sua voz, mudaram completamente. Atingiu, como se diria em inglês, “the point of no return”.

Comprei o álbum antes de ver seu primeiro clipe na MTV. Sobre o Compact Disc, jazia uma foto de Alanis, nua, em posição fetal. Não vaidosamente à la Preta Gil. Mas candidamente à la Eva antes da fruta. Em seu segundo álbum Alanis desnudou-se para o mundo. E muitos de seus fãs não estavam preparados e rejeitaram seus segundo álbum, que revelou-se um relativo fracasso de vendas. A Iluminação não vende. O que vende são o sexo e a raiva, coisas baratas. Mais uma vez, ponto para Alanis por sua coragem. Por empreender e musicar sua valiosíssima jornada de engrandecimento espiritual.

Enquanto “Jagged Little Pill” soa como um rompante de uma adolescente revoltada, “Supposed Former Infatuation Junkie” soa como a lição de uma bodhisattva.

E é quase incompreensível a disparidade temática e sonora entre os dois discos. São discos de artistas diferentes, com certeza. O primeiro de uma moça auto-centrada, o segundo de uma mulher exo-centrada, ou mesmo acêntrica, crescida, despida das ilusões das aparências e do cultivo da auto-satisfação, como é tão típico no Ocidente.

A primeira “música de trabalho” com clipe deste segundo álbum, creio, foi “Thank U”, em cujo clipe Alanis canta, completamente despida, em Nova York; com apenas suas madeixas para cobrir-lhe os seios. Impressionante como a cena de “Vanilla Sky” em que Tom Cruise corre por uma Manhattan vazia. Assistir a ambas estas cenas foi brainstorming, transformador. Assim como ver Alanis interpretando ninguém menos que “Deus” no filme “Dogma” com Matt Damon e Ben Affleck. E ouvir sua inédita “Uninvited” nos letreiros finais de “City of Angels” com Nicholas Cage e Meg Ryan.

Após este seu segundo álbum, com estatura suficiente para reescrever o rock ocidental havia pouco mais que Alanis poderia fazer além de honrar seu egado inegável. Seu terceiro álbum “Unplugged MTV” trouxe uma combinação dos dois discos nateriores num novo arranjo. Antologia acrescida pelas inéditas “No Pressure over Capuccino” e “King of Pain”, cover do The Police de Sting.

Seus posteriores “Under Rug Swept” e “Flavors of Entanglement” trouxeram músicas quase dignas de Alanis, mas que nem de longe são uma evolução de “Supposed Former Infatuation Junkie”; e até creio que evoluir além disto seria pedir muito a quem quer que seja, e precise pelos próprios meios prover sua reiteração material ampliada, como diria o Professor Doutor István Jancsó, para minha tristeza já falecido.

Alanis compôs a trilha sonora de minha adolescência. E deu a deixa, com seu segundo álbum, para que toda uma geração ampliasse seus horizontes e possibilidades espirituais. Antes que Madonna pintasse seu cabelo de preto, se enveredasse pela pseudo-cabala e gravasse “Frozen”, Alanis já divulgara em CD sua experiência na Índia e a negação de seu ego.

Ao longo de todo o sobrecitado post, creio que estejam os leitores a se perguntar como músicas tão universais e atemporais como as de Alanis podem soar algo datadas. O demonstro.

Em Unsent, canta:

I’ll always have your back and be curious about you. About your career, your whereabouts...”

Em Hands Clean canta:

Fast forward to a few years later and no one knows except the both of us.”

Versos impossíveis atualmente, pós 2004, na era das redes sociais, que já não há segredos sobre relacionamentos íntimo-pessoais; e já não perdemos contato com nossos ex.

Grande parte de minhas emoções foram e continuam a ser musicadas pela trilha sonora dos álbuns de Alanis Morissette. Vejo com tristeza que as atuais gerações não a conheçam. Cantar a plenos pulmões e chorar com as músicas de Alanis contribuiu enormemente para definir meu caráter e meus paradigmas emotivos.

Thank U, Alanis for everything.

Minhas preferidas:

You Oughta Know

You learn

Forgiven

Head over Feet

Ironic

Thank U

Sympathetic Character

That I would be good

Can’t Not

Ur

I was hoping

Unsent

Joining you

Heart of the house

Uninvited

No Pressure over Cappucino

King of Pain

Hands clean

Flinch

Precious Illusions

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