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sábado, 21 de janeiro de 2017

Dezessete e Trinta e Quatro, Trinta e Quatro e Cinquenta.


É um título cabalístico. O escrevo como homenagem, reminiscência.

Eu tinha dezessete anos quando iniciei o mais longo e marcante relacionamento da minha vida. E meu parceiro tinha 34, exatamente o dobro de minha idade. Hoje sou eu quem tem 34 anos, e ele está prestes a fazer 51. Seria motivo para eu divagar alguns instantes solitariamente, não tivesse ele, a quem chamarei simplesmente de "J", me mandado um e-mail exatamente no dia do meu aniversário, em 29 de dezembro último.

Eu nunca esqueceria igualmente seu aniversário, em 9 de fevereiro, a o que se soma o detalhe de que também é o aniversário de minha única sobrinha. Ela nasceu bem ao final de nosso relacionamento de 4 anos, e ele soube à época da "coincidência ". Este ano ela fará 13 anos.

Vendo de hoje e de fora, parece sim um despropósito um homem adulto se relacionar com uma adolescente com metade de sua idade. Hoje, eu com 34 anos, não consigo imaginar que conseguiria ter um relacionamento com um moleque de dezessete anos. Mas J não se relacionou com uma "adolescente com metade de sua idade", ele se relacionou COMIGO, que nem aos 17 tinha dezessete anos. Não foi ele quem "deu em cima de mim". Fui eu quem "deu em cima dele", insistiu, seduziu, e, apaixonada, fez de tudo para engatar e manter o relacionamento. E confesso que sim, me senti à época muito orgulhosa de mim mesma por conseguir despertar a atenção de um "homem feito", bem mais velho, admirado, respeitado e até disputado por outras colegas.

J é uma pessoa muito humana, cheia de consciência e escrúpulos. Ele mesmo não gostava do fato de eu ser tão jovem, o falou diversas vezes, que preferia que eu fosse alguns anos mais velha, para não sentir que estava "se aproveitando" de mim. Talvez ele soubesse, lá no fundo, que também eu "me aproveitava dele", não no sentido material (longe disso, ao longo do nosso relacionamento ele sempre esteve muito ruim financeiramente, não pensem que eu tinha qualquer interesse escuso em relação a J, era um sentimento verdadeiro). Eu me aproveitava dele, e de estar neste relacionamento, para amadurecer, crescer, evoluir. J sempre foi um ótimo professor.

Namoramos durante todo o tempo em que estive perdidamente apaixonada por ele, 4 anos e meio, e chegamos a morar juntos. Por isso, quando me perguntam, digo que tenho sim um "ex-marido", embora nunca tenha me casado. Passamos por experiências fundamentais juntos. Eu estava com ele quando entrei na faculdade, saí de casa, virei adulta. Ele estava comigo durante o processo de luto por seu pai, e a morte de sua segunda mãe. Estávamos juntos durante a construção da minha vida e a dissolução da sua. E, sabendo da constância dos meus sentimentos, ele me chamava de "seu porto seguro".

Mas, em determinado momento "a chama apagou". Não foi nenhuma briga, traição, decepção ou mentira em particular. Gradualmente , o sentimento de paixão foi arrefecendo em mim, e talvez também nele, o relacionamento foi se desgastando e resolvemos, de comum acordo, nos separar. A minha e a sua vida haviam mudado. Depois de 4 anos de relacionamento, eu não mais queria, como aos 17 anos, "me casar com meu grande amor" e começar a ter uma "vidinha doméstica". Não aos 21 anos, estudando História na USP.

Eu queria, assim como ele, ter a oportunidade de VIVER, experimentar, quebrar a cara, errar, me arrepender, FAZER E ACONTECER. Não queria "me assentar" tão cedo, ser uma pessoa "dependente e dominada" por um marido muito mais velho. Ele entendeu. Terminamos nosso relacionamento íntimo, mas continuamos amigos.  

Depois de terminar a faculdade, me mudei para o interior e continuamos a, esporadicamente, trocar mensagens. Certa vez em que precisei vir a São Paulo nos comunicamos e ele me ofereceu sua hospitalidade. Dormi em sua casa de homem solteiro só com cachorro, como "velhos e bons amigos". De outra feita, alguns anos depois, eu estava em São Paulo por ocasião das festas de fim de ano e lhe mandei um sms na noite de Natal, apenas saudando-o. Em poucos minutos sua nova parceira começou a me mandar mensagens furiosas enquanto eu só pensava "Que mulher louca e insegura, nem com 17 anos eu me rebaixaria a fazer isso, ainda mais na noite de Natal..." Enfim...

Muitos anos se passaram desde então, mas em nada diminuiu meu carinho e admiração por J, pelo papel tão importante que ele teve em minha vida e em minha evolução pessoal. Grande parte do que eu sou, sei que devo a ele, por todas as nossas conversas e experiências compartilhadas ao longo desses 4 anos em que estivemos juntos. Ele sempre será meu gigante com voz de trovão. Ainda sonho com ele, de tempos em tempos. Me traz o conforto de me sentir acolhida ao lado de um bom e velho amigo. Ele foi fundamental à formação da mulher adulta que sou hoje. Fez de mim uma pessoa mais humana, comedida, intelectualizada, engajada, assertiva, e com um gosto musical muito melhor. Foi J quem me apresentou a Chico Buarque, Eric Clapton, BB King e Billie Holliday. Se apenas isto tivesse feito por mim, já seria muito. Mas sua contribuição à formação do ser humano que sou hoje foi infinitamente maior.

Gostaria que ele soubesse o quanto sou grata por termos divido tantos momentos juntos. Que eu sei que sem ele eu não seria hoje boa parte do que sou. Que me lembro dele com carinho e admiração. Que não importa quantos anos passem ou o que aconteça, nada irá mudar tantas lembranças especiais que guardo dele comigo. Que torço sinceramente por sua felicidade. Que gostaria de sempre que for a São Paulo reencontrá-lo nos restaurantes em que gostávamos de ir.

Que estou bem, sou dona de mim mesma, no domínio do meu destino, independente, sem dever nada a ninguém. Que hoje sou uma pessoa adulta, tenho uma vida respeitável e sou admirada pelo meu conhecimento. E que grande parte da base sobre a qual essa "Fernanda adulta" se assenta, reputo a tudo o que aprendi ao seu lado. Muito obrigada por ter permitido que eu fosse seu porto seguro. De certa forma, você ainda é o meu.

Kings of Leon - Use Somebody https://www.youtube.com/watch?v=gnhXHvRoUd0

Eric Clapton & BB King - Ridding with the King https://www.youtube.com/watch?v=sJK78Y3zoQk

Dave Matthews Band - Where are you going https://g.co/kgs/PhsWHN



sábado, 22 de junho de 2013

De minha primeira passeata


A História é um campo de eterna surpresa. Por mais que imaginemos que exista alguma teleologia, alguma "mão invisível" a guiar os fatos, eles sempre nos aturdem. São mais rápidos que todas as análises, previsões, planejamentos.

Desde 10 de junho de 2013 , há apenas 2 semanas, os acontecimentos têm atropelado os analistas. Ninguém poderá dizer : "eu avisei", "I saw it coming" porquê ninguém previa os rumos que as passeatas pela diminuição da tarifa de transportes em São Paulo, organizadas pelo movimento Passe Livre, tomariam. Parecemos, hj, à beira da Anarquia, de nossa primeira Revolução, seja popular ou burguesa. Pela primeira vez em nossa História nos vemos diante de mobilizações sociais que abalam governos e convulsionam a sociedade.

Ver a tudo isso, até agora à distância, pela TV e Internet, além de um pouco de frustração por não poder ir à rua, me lembra meu primeiro ano na faculdade de História, na USP. Com frescos 19 anos, cheia de gana, iniciativa, vontade de "mudar tudo".

Assim que comecei a faculdade, pegava todos os panfletos que encontrava, me informando sobre os diversos movimentos sociais nos quais os estudantes se engajavam. Logo no primeiro mês anunciaram uma passeata na avenida Paulista e é claro que eu não podia perder.

Poderia ter sido qualquer o motivo, eu teria ido, tão empolgada que estava. O mote nesta ocasião era a oposição à ALCA, Área de Livre Comércio entre as Américas, uma proposta estadunidense de baixar, ou anular tarifas alfandegárias e impostos de importação.

O pessoal da faculdade, com muita razão, colocou no panfleto de convocação que a ALCA seria uma sentença de morte à indústria nacional, que faliria com a concorrência desleal dos norte-americanos. Me juntei a eles à luta, na rua.

Foi num domingo. Concentração no vão livre do MASP. Fui de metrô. Sozinha, no começo me senti um pouco deslocada. A polícia, avisada, não estava lá para reprimir a passeata, apenas para escoltar, supervisionar e impedir que o trânsito fosse completamente bloqueado. Fizeram um cordão de isolamento nos permitindo ocupar 2 pistas da Avenida Paulista.

Logo encontrei alguns colegas de faculdade, cumprimentados com sorrisos e surpresa: "Vc aqui tb, que legal!". Um deles, não me lembro sinceramente qual, fazia parte da coordenação da passeata e de sopetão, ao trocar meia dúzia de palavras comigo, perguntou todo animado:

- Você não quer subir no carro de som?

Mas é claro!

Me levou até a escada, trocou três palavras ao pé do ouvido com quem a guardava, que logo deu passagem, me permitindo subir a escada metálica, com um certo arrepio da espera do novo.

Lá em cima, além do "puxador" ao microfone, umas 30 pessoas, cheias de ânimo, empunhando cartazes e exibindo faixas, gritando palavras de ordem, agitando os braços ao alto, chamando a multidão. 

E era grande. Só lá de cima vi. Milhares de pessoas ao nosso redor, todas no mesmo compasso: alegria, cidadania, democracia, protesto, luta por melhorias e contra as desigualdades sociais. Ondas de adrenalina coletiva nos estimulavam.

Me senti "no olho do furacão", participando de algo muito especial, transformador, em cima daquele trio elétrico. Me juntei aos demais, cantando com a multidão e ajudando a segurar um longo cartaz de tecido, pintado com os dizeres "Fora ALCA".

Não sei dizer quanto tempo fiquei lá em cima, menos de 1 hora. Quando comecei a sentir minha voz enrouquecer, vitimada pela empolgação, cedi meu lugar a outro manifestante e vi que já era hora de descer. Já estávamos na rua da Consolação.

Prossegui em passeata, procurando outros colegas lá no meio. Encontrei alguns outros, calouros como eu, se sentindo "revolucionários autênticos" ao participar de seu primeiro protesto, como eu.

Vestida com uma blusa branca, nada demais. Ao constatar-me em meio a um mar vermelho, me senti algo deslocada, e como começava a esfriar um pouco, fui até um vendedor ambulante que acompanhava a manifestação com um varal de roupas para vender.

Dei uma repassada nas camisetas e achei uma que preenchia meus anseios: vermelha, com dezenas de pequenos Che Guevaras estampados com a frase "Viva Che". Perfeita. Vesti por cima da blusa branca e comecei a partir de então a me sentir "mais adequada", identificada com a onda coletiva.

Prosseguimos até a praça Roosevelt e na praça da República nos dispersamos. Essa manifestação não foi histórica, não repercutiu, não mudou nada (até hoje a ALCA não chegou ao Brasil, e não parece que vá tão cedo...). Mas me deixou uma marca profunda. Foi a minha primeira.

Na volta, peguei o metrô e, em segurança, voltei para casa. Conseguindo assento no trem, sentei-me com um sorriso no rosto, que coroava a sensação de estar participando de algo maior do que eu mesma. De ser um agente social transformador, que não apenas assiste, mas toma parte nos acontecimentos. Alguém que grita, e faz sua voz ser ouvida, contra o silêncio e a apatia geral.

No dia de hoje, parece, essa apatia do "gigante adormecido" acabou. Há 2 semanas milhares, milhões, de brasileiros saem às ruas, em protestos facilitados pelas redes sociais, azeitados pelas hashtags

#ogiganteacordou #obrasilacordou #vinagre #vdevinagre #passelivre #primaverabrasileira #vemprarua #protesto #manifestasp #changebrazil 

E algo mudou. Todos percebemos. Não sabemos ao certo o teor e a direção da mudança, mas ela está acontecendo. Centenas de cidades se levantam contra a alta no custo de vida, o peso dos impostos, a ineficiência dos serviços públicos, a corrupção institucionalizada, a impunidade à violência, os gastos exorbitantes nas obras da Copa do Mundo de futebol de 2014 e das Olimpíadas de 2016.

Parece que acordamos. 

Me sinto privilegiada em testemunhar acontecimentos Históricos como este.

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sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

De Mainá


Ao longo da vida, temos nossa trajetória entremeada com a de muitas pessoas, de todos os tipos. Alguns serão apenas "colegas", amigos superficiais, com os quais partilhamos uma simpatia incidental, e com as voltas q o mundo dá, se afastam pelas circunstâncias, e muitas vezes vão embora sem deixar marcas.

Alguns, poucos, se tornam quase irmãos, amigos verdadeiros, pessoas estimadas, cuja afinidade é sincera e cuja ausência nos deixa saudades. E quando encontramos um desses, é bom saber reconhecê-lo e valorizá-lo, pois serão poucas as oportunidades de conhecer pessoas realmente especiais, q valem a pena.

Este texto é sobre uma dessas raras pessoas, q se contam nos dedos de uma só mão, a quem considero uma amiga-irmã.

Mainá era minha colega de faculdade. Entramos juntas no curso de História da FFLCH-USP em 2002. A cada vestibular, entravam 270 pessoas em nosso curso, e para mim ela era apenas "mais uma" colega q eu conhecia "de vista", mas com quem não conversava.

Durante meu primeiro ano de faculdade, tinha poucos amigos, mais estudava do q ia a festas, pois não era de nenhum "grupitcho", e namorava alguém de fora deste ambiente. Ao final do primeiro ano de faculdade, fazíamos o curso de "História do Brasil Colonial II" com o prof. Dr. István Jancsó. Ele nos deu um trabalho de pesquisa com tema livre e concluiu:

- Ano q vem formarei um novo grupo de iniciação científica. Quem estiver interessado em fazer parte, feche com 10 na minha disciplina e depois venha conversar comigo.

Era tudo o q eu queria: uma iniciação científica com um intelectual respeitado na Academia. Me esmerei, só para esse trabalho li uns 5 livros, dei o meu melhor, obedeci todas as normas ABNT, fiz dezenas de notas de rodapé, e minha pequena monografia "Medicina no Brasil Colonial" levou um belo e redondo 10.

Assim q soube da nota, procurei o prof. István. Ele me recebeu em sua sala, deu uma folheada no meu trabalho q já corrigira, e me aceitou. Fiquei simplesmente exultante. Ter um professor doutor q acreditava na minha capacidade era um sonho realizado. E, junto com a oportunidade de estudo, vinha uma bolsa do governo. Ao ser aceita na Iniciação Científica, eu passaria a receber dinheiro das agências de fomento, o q seria uma ajuda muito importante no meu limitadíssimo orçamento de estudante.

No encontro seguinte com István, ele me fez sentir ainda mais importante:

- Fernanda, vc já está dentro do grupo, foi a primeira selecionada. Eu já tenho um pouco de experiência em pesquisas coletivas, e sei como é importante ter um grupo harmonioso, em q todo mundo se dá bem e não fica de picuinha. Estou pensando em incluir mais uma colega da sua sala, então antes de falar com ela queria saber de vc se vcs têm alguma coisa uma contra a outra, alguma rivalidade, se vc acha melhor eu não incluir a Mainá no grupo.

Como dito acima, ela era apenas uma "conhecida de vista", e assim como eu não tinha nada particularmente a seu favor, tb não tinha nada "contra" ela. Então lhe disse q por mim tudo bem, q ele chamasse a Mainá. Satisfeito, István me pediu então para ir procurá-la, ver se ela estava no prédio da História e Geografia, alcunhado "rodoviária".

Fui, e a encontrei sentada numa mesa da biblioteca, ao lado de outras colegas q na época eram "meras conhecidas": Júlia, Marília, Alessandra, Luciana. Me aproximei da mesa delas, elas levantaram a cabeça estranhando o q eu estava fazendo ali, pedi licença, me abaixei ao lado de Mainá e disse:

- Oi, tudo bom? Então, eu estava agora com o István e ele pediu pra eu te procurar pois ele quer falar com vc sobre vc entrar no grupo de iniciação científica.

Todas abriram sorrisos, algumas balançaram os punhos fechados em torcida e falaram: "Vai, Mainá". Ela se levantou e foi comigo à sala do István. Nesse trajeto trocamos nossas primeiras palavras, ela muito feliz e não acreditando q iria ser incluída no grupo de iniciação.

Muito mais q colegas de pesquisa, a partir daí nos tornamos amigas pessoais. Uma importante marca de Mainá é sua simpatia. Não daquelas "estudadas", surgidas da "esperteza social", mas espontânea, q exala de uma pessoa feliz, animada, receptiva, cheia de vida. De bom grado, Mainá me apresentou a todo o seu grupitcho, e me vi incluída no "Barrados no Baile".

Pra quem não sabe do q falo, este foi o nome q o seriado "Beverly Hills 90210" recebeu no Brasil. A gíria se refere a um grupo de amigos no estilo da poesia "Ciranda" de Carlos Drummond de Andrade, um grupo unido no qual várias pessoas estão romanticamente interessadas umas pelas outras. Além disso a maior parte era de pessoas muito "bem nascidas", só um ou outro trabalhava, e muitos tinham carro. Vários membros namoravam e ficavam com outros, todos do mesmo grupinho de colegas de faculdade. De forma bem menos promíscua q eu, como paulistana, imaginava q seria. Muitos eram "do interior", e até virgens, então a "putaria" foi bem menor do q eu até certo ponto esperava, ou ansiava, ou desejava, q tivesse sido.

Um exemplo. Um dos nossos colegas, um "moreno alto" barbudo caiu no meu radar de interesses. Em certa festa da Geologia pedi justamente a Mainá q "nos agitasse", ou seja, lhe comunicasse meu interesse e prospectasse se ele tb tinha algum por mim. Infelizmente, a recíproca não era verdadeira. Alguns meses depois a própria Mainá começou a namorar com ele, sabendo q eu tinha uma "queda" pelo rapaz em questão. Em nenhum momento isso abalou ou foi empecilho pro prosseguimento de nossa amizade. Saíamos os 3, eu Mainá e R, seu namorado por quem eu era "gamadinha", tudo na santa harmonia, sem nenhum tipo de rivalidade ou veneno. Ninguém escondia nada nem ficava "armando coisas" pelas costas de ninguém. Uma verdadeira lição de civilidade. Se Mainá fosse uma pessoa maldosa, com pé atrás, teria "me cortado" do seu círculo de amizades. Se me visse como "uma rival" de olho no seu namorado, capaz de fazer "guerrilha psicológica" e criar disse-me-disse, eu não teria tido nem metade das experiências universitárias pelas quais passei.

Tudo o q meu primeiro ano de faculdade teve de parado e solitário, os anos seguintes tiveram de agitados e cheios de amigos. Com o endosso de Mainá, um membro muito querido por todos, fui aceita e comecei a sair com eles para cervejadas no DCE, quinta-e-brejas na ECA, festas no Centro Acadêmico da Veterinária, idas ao boteco San Raphael, à Casa do Norte e ao Jardim Elétrico. E assim, pelo menos 50 pessoas q eram até então "meros conhecidos" se tornaram meus amigos.

Passei a frequentar tb as festas na casa da galera do Barrados no Baile, muitas de arromba, com gente diferente e interessante, algumas festas estranhas com gente esquisita, e tb infinitas idas a barzinhos em Pinheiros e na Vila Madalena, em inferninhos no Centro Velho e inúmeros outros lugares.

Tb fizemos muitas viagens, pela faculdade, como a ida a Brasília, e aos BIFES (uma espécie de Olimpíada universitária), e tb à casa de amigos à Jaborandi-SP, Poços de Caldas-MG e Cristina-MG, além da viagem de formatura a Pouso do Cajaíba, vila de pescadores na cidade de Parati-RJ. Ao lado de Mainá estive em 4 estados brasileiros, sem contar SP. E em várias dessas viagens ela, generosamente, aceitava dividir quarto comigo, sabendo q dentre todos os membros do nosso grupitcho, era com ela q eu tinha mais proximidade.

Não fosse eu ter ficado amiga de Mainá e dessa forma entrado no seu "grupo de amigos" tenho certeza q eu não teria gozado a maravilhosa e festeira vida universitária da qual lembro com tanta saudade. Se eu não tivesse sido aceita no "Barrados no Baile" a USP teria sido muito sem graça, só estudo, leitura, pesquisa e aulas.

Sendo do grupo, podia frequentar inúmeras festas em Fraternidades e Repúblicas estudantis, como a Casa Rosa e a Casa do Coqueiro, e ampliar radicalmente meu círculo de amizades. Mainá me franqueou acesso a todo um Universo da experiência universitária q, sem sua amizade, eu não teria desfrutado. Lastimo apenas q eu não tenha tido acesso mais cedo a uma máquina fotográfica digital, pois foram muitas as saídas memoráveis de nosso grupo q quedaram sem registro.

Ainda assim, só tendo uma câmera à mão da metade do curso em diante, mesmo tendo selecionado apenas as melhores fotos, tenho no meu perfil do Facebook 8 álbuns, todos com mais de 50 fotos, de minhas lembranças da FFLCH-USP. Registros inestimáveis de uma vida universitária agitada, festiva, cheia de amigos, de sorrisos, de cervejadas, barzinhos, viagens, brincadeiras, sonhos.

A maior parte dos nossos 270 colegas de curso não teve nem um terço de minha experiência universitária. Os "colegas de sala" meramente "conhecidos de vista", como eu era antes de me aproximar de Mainá, não eram convidados para essas saídas a barzinhos, festas em Repúblicas, amigos secretos, comemorações de aniversário, às quais tive oportunidade de comparecer, e q me proporcionaram tantas experiências interessantes, enriquecedoras e saudosas.

Antes q o leitor pense q gosto de Mainá só pq ela me apresentou a seus amigos, isso não contempla nem 20% da verdade. O q mais me fez ter consideração por ela é sua Humanidade. Ela ser "gente de verdade", autêntica, q não faz pose nem "tipo". Mainá, sendo frágil, é muito "firmeza", alguém com quem se pode contar. Alguém a quem se pode sem reservas confiar segredos, q não fica "maldando" as coisas, não tem aquele olhar de esguelha de quem está sempre com pensamentos subjacentes e "segundas intenções", nos julgando.

Mainá é desprovida de uma característica essencial à vida em sociedade, e cuja ausência é até certo ponto louvável: sangue-frio, o q tb poderia ser chamado de "cara de pau" ou auto-domínio. O constatei quando certa vez, no IEB, nosso grupo de Iniciação, completado por André Godinho, Bruno Garfield, Júlia Basso, Maria Inês de Carvalho, e Déia Placitte se reuniu para apresentar ao nosso orientador uma prévia dos resultados de nossa pesquisa, q divulgaríamos no SIICUSP.

Ao iniciar sua exposição, aos poucos sua voz foi ficando baixa e falhando. Nervosíssima, começou a gaguejar, a esmorecer, fraquejar. A certa altura, desesperada e timidamente inibida por estar falando em público, sendo avaliada por nosso respeitadíssimo orientador, se sentou e cabisbaixa disse q não conseguiria prosseguir. No silêncio constrangedor, enquanto os demais se entreolhavam, levantei, me posicionei onde Mainá estivera de pé e, estando familiarizada com sua pesquisa, dei prosseguimento à sua exposição, como se fosse ela, e concluí a apresentação q deixara pela metade. Ela era minha amiga muito estimada e, a vendo em apuros, me sabendo capaz de acudi-la, não tive dúvidas.

Como tive uma criação muito diferente e mais "hard core" q Mainá, sempre protegida pelos muros altos de escolas particulares e cercada de amigas patricinhas, eu sabia q tinha mais "jogo de cintura", era mais "safa" q ela. E da mesma forma q ela me ajudara num campo em q eu era falha, a socialização, de bom grado eu via a oportunidade de, reciprocamente, ajudá-la num campo em q ela era falha: não ter medo de se expor ao escrutínio público.

Sem dúvida, Mainá foi, é, uma das amizades fundamentais na minha vida. Alguém por quem tenho mais carinho do q pelas minhas próprias irmãs de sangue. Mainá é uma irmã q a vida me deu. Para mim sua amizade é fundamental, preciosa, sem prazo de validade, do tipo q nem o tempo nem a distância faz diminuir. Sou profundamente grata por tudo o q ela fez por mim, mesmo sem se dar conta.

Se eu não tivesse me tornado sua amiga, minha graduação em História na USP não teria tido metade da graça, eu teria ido a menos da metade das festas a q fui, e 70% das pessoas q se tornaram meus amigos de curso, eu não teria conhecido com mais profundidade. Mas, mais importante q isso, teria deixado passar "em branco" uma das melhores pessoas, daquelas profundamente humanas e raras q às vezes cruzam nosso caminho, cuja amizade é sincera, de cuja boca saem verdades, q não ficam fazendo pose nem fingindo ser o q não são.

Num texto anterior, disse q há 2 ou 3 pessoas no mundo q podem dizer na minha cara uma verdade crua sem q eu enfie meu indicador em seu nariz, numa violenta reação de auto-preservação. Mainá é uma delas. Um dos 2 ou 3 amigos a quem sei q posso me abrir sem reservas e contar meus mais iníquos segredos, pois por tudo o sobrescrito e muito mais, além de minha amiga, é uma pessoa em quem tenho plena confiança. Para o q der e vier.

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sábado, 24 de novembro de 2012

Dum outro tipo de sensibilidade

Há muitos episódios de minha vida sobre os quais nunca bloguei e num recente exercício de reflexão constatei q estava a ser injusta com pessoas muito importantes, q marcaram e transformaram minha vida, mas jamais foram citadas, e o merecem. Nesta ocasião vou contar sobre o episódio em q namorei um verdadeiro príncipe.

Com 17 anos fiz cursinho pré-vestibular e conheci H "Figura", pois além de estudarmos juntos morávamos próximos e fazíamos o caminho de volta pra casa à noite à pé, batendo papo. No ano seguinte ele foi trabalhar numa empresa q vendia videokês, de propriedade de Taiwaneses, e quando eles precisaram de alguém com bom domínio do português para revisar as músicas no seu software, Figura me indicou e logo consegui na King Star meu terceiro emprego, aos 18 anos.

Depois de alguns meses a firma fechou, com lances de trama policial envolvendo a máfia chinesa, eu passei no vestibular, me mudei para o Butantã e passamos uns tempos sem nos falar (na época não havia rede social na internet como hoje).

Quando eu estava no quarto ano da faculdade nos falamos novamente e ele me convidou prum churrasco na casa dum amigo em São Miguel Paulista. Eu nunca tinha estado lá, tive q fuçar na internet como faria pra chegar de busão, mas como queria reencontrar um velho amigo, fui.

Churras maravilhoso, muita gente legal. Revi inclusive a J, mulher do Figura, e q também considero uma amiga querida. O dono da casa, F, era mais do q músico, era um multi-instrumentista. Em sua casa tinha piano, violão, bateria, guitarra, cavaquinho, baixo, pandeiro, violino, atabaque, gaita, vários outros instrumentos q nem sei citar, e sua mais recente aquisição: uma cítara. Muito talentoso, F tocou para nós.

Eu não havia lhe prestado maior atenção além da admiração do tipo "q cara gente fina" até q, quando fui me despedir, ele me deu um olhar q parecia guardar todas as virtualidades do mundo. F é o tipo de pessoa cuja alma transborda num olhar direto, profundo, q nos cala e estremece. Ele nada disse, mas seu olhar tem mais eloquência q Fidel Castro.

Fiz minha viagem de 3 horas de volta pro Rio Pequeno com aquele olhar q não queria se calar plasmado em meus pensamentos. No dia seguinte falei com a J, acho q já pelo orkut recém-criado, perguntando se F era solteiro. Prontamente respondeu q sim, e q achava q daríamos um belo par. Não me lembro bem se ela me deu o e-mail dele, ou se ela disse pra ele q eu estava interessada e deu para ele meu e-mail, mas de toda forma entramos em contato e marcamos um encontro na Livraria da Vila, na Vila Madalena. Ele foi, conversamos, demos umas voltas e logo aquele olhar se transformou num beijo. Num beijo ao mesmo tempo contundente e delicado, descompromissado e verdadeiro, físico e espiritual.

Antes q ele entrasse no metrô para o longo trajeto de volta à Zona Leste, já tínhamos marcado de eu passar o final de semana na casa dele. Namoramos por apenas 4 meses, mas tal foi nossa simbiose, q olhando para trás, parece q foi muito mais, pelo tanto de experiências e crescimento q disso tirei.

F morava sozinho, em casa própria, e era um ano mais jovem q eu. Claro q estranhei, e então me contou sua história. Seu pai era empreendedor, dono de uma pequena empresa de ferramentaria de alta tecnologia, fazia um trabalho altamente especializado, com poucos concorrentes, e regiamente remunerado. Jovem, se casara com a mãe de F, num daqueles casamentos de sonho q tem tudo pra dar certo e q logo frutificou num pequeno príncipe: F. Depois se divorciaram e seu pai contraiu segundas núpcias. F meio q se tornou "the wild child", largou o ensino médio e queria sair de casa quando seu pai lhe ofereceu sua casa própria, pois F apesar de tudo trabalhava na empresa da família, e era o possível herdeiro q tocaria o negócio adiante no futuro.

Casa, emprego e futuro garantidos, coroados por melodias ao vivo a qualquer hora do dia, tocadas por um gatinho tatuado com barriga tanquinho? Eu tava no céu, me sentindo a princesa consorte de São Miguel Paulista. Todos os finais de semana passava na casa dele, conheci seus pais e avós, q pareceram me aprovar e estar muito felizes de F estar namorando "uma estudante da USP de aparência séria".

Porém, no meu olhar viciado q procura qualquer ínfimo motivo para me agarrar à desdicha, até em F eu via defeitos. Como estava "na Academia" queria com todos ter conversas altamente intelectualizadas sobre Freud, Piaget, Caio Prado Jr., Vygotsky, Hobsbawm. E quando tentava dessas coisa falar com F, grande era meu desapontamento ao me ver diante de um "high school drop out". Ele não acompanhava "o nível da conversa" e eu me sentia frustrada, sem poder conversar sobre os assuntos q me interessavam.

Até q finalmente, dando um passo atrás de mim, percebi q o mesmo se passava com F. Muitas vezes ele dizia coisas q eu não entendia direito, e achava q não entendia pq ele, sendo menos "erudito" q eu ou não se expressava direito ou falava coisas sem nexo mesmo. Em muitas conversas ele falava algo, eu não sabia o q responder e simplesmente mudava de assunto, para um q eu dominasse. E ele não.

Após várias dessas situações percebi q estava errada. F não era depositário de um conhecimento menor ou mais limitado q o meu. Ele tinha pleno traquejo num outro tipo de conhecimento, q eu não dominava: a sensibilidade, a intuição, a expressão artística, o lidar com a dimensão interna, emocional, espiritual.

Era como se eu falasse grego e ele, latim. Eu me preocupasse com as coisas de fora e ele com as coisas de dentro. Eu fosse de Exatas e ele de Humanas. Ele falava com paixão de toadas musicais, tentou ferrenhamente me fazer ao menos tentar tocar os atabaques, e recusei me constatando completamente desarticulada e uma analfabeta rítmica.

Eu não me sentia pronta para baixar minha guarda, abrir uma brecha na minha couraça, me deixar sensibilizar e ser tocada emocionalmente de forma profunda por ninguém. Eu não estava pronta para ter um namorado tão legal. Ele era mais avançado, mais evoluído, num tipo diferente de sensibilidade q eu, hesitante, me recusava a tatear. Eu não queria ir tão fundo. Percebi q embora F me oferecesse toda a profundidade do seu olhar límpido, eu não queria fazer o mesmo. Preferia manter meu olhar semicerrado, desconfiado, com vários pés atrás com todo o mundo.

Devido a esse descompasso, pois F era ritmado e eu apenas ruído, nosso enlace romântico encontrou seu fim naturalmente. Não brigamos, apenas em certo momento paramos de nos ver. Continuamos amigos, trocando e-mails de vez em quando. Ele compareceu à comemoração dos meus 27 anos num barzinho gay no largo do Arouche e depois novamente ao meu de 29 anos num barzinho do Tatuapé, agora ladeado por sua atual mulher, M. Fiquei amiga de M, uma pessoa q transparece boas vibrações e ter uma energia compatível com F. Era claramente visível q M é um par muito melhor para F do q eu jamais fui ou serei. Lhes disse sinceramente o quanto me deixava feliz ver F com uma moça q combinava tanto com ele. Hj já têm uma filhinha, q tenho certeza há de ser muito feliz com dois pais com tão boa energia, e tão sincrônicos.

Deste episódio, com muitos outros capítulos q talvez depois relate, ficou um gosto bom. De ter desfrutado de grandes momentos de aprendizagem e enriquecimento com uma pessoa tão legal. De ter lembranças agradabilíssimas de F me tocando cítara e piano em plena madrugada. Das comidas vegetarianas q fizemos e nossos passeios matinais na feira do bairro. De ter descoberto, apesar da minha arrogância, q há outros tipos de erudição além da acadêmica. De ter sido desperta para a sensibilidade da delicadeza artística. De ter vislumbrado todo um novo mundo desconhecido e cheio de possibilidades.


sábado, 17 de novembro de 2012

Porque sou Sionista

Muitas vezes é difícil, sendo informado pela mídia ocidental, saber se nossos pontos de vista estão sendo manipulados a serviço de interesses políticos aos quais estamos alheios.

Muitas vezes nem os próprios jornalistas vão fundo nas questões sobre as quais fazem reportagens. E frequentemente suas posições apenas ecoam um paradigma político q parece "bonzinho" à primeira vista, mas não resiste a uma análise mais profunda.

No meu curso de História na USP sempre via os alunos "politizados" metendo o pau em Israel, levantando a bandeira da causa palestina e chamando os sionistas de "nazistas judeus".

Nada mais superficial...

O principal motivo desses grupos serem pró-palestina não é simpatizarem com os palestinos, mas serem anti-yankees. Identificam os EUA como "o inimigo capitalista" e todos os seus aliados como inimigos. E quem é contra os EUA como aliados.

Se não se conformassem com uma visão simplista e maniqueísta, iriam mais fundo na questão, se informando sobre quais bandeiras os palestinos levantam. E elas nada têm de "progressistas". A causa palestina propugna a pura e simples destruição do Estado de Israel e, se possível, a morte de todos os judeus. Pleiteiam em Canaã erigir um estado islâmico, daqueles onde a mulher é obrigada a usar o véu e liberdade de expressão merece pena de morte, por apedrejamento.

O Estado de Israel é laico. É a única democracia de todo o Oriente Médio. Em Israel, cristãos e muçulmanos podem professar livremente sua religião, sem perseguições. Em Israel, as mulheres podem andar com a roupa q quiserem, são convocadas para o serviço militar, são livres, até para ser a chefe do poder, como a primeira-ministra Golda Meir está para o provar.

O Estado de Israel não tenciona extirpar os palestinos da face da Terra. Não faz ataques terroristas nem bombardeios aleatórios. Apenas responde, com ataques cirúrgicos, quando atacado pelo grupo terrorista Hamas.

Qualquer pessoa q estude com sinceridade a causa judaico-palestina saberá q, por justiça, Israel pertence aos judeus. Eles são os ocupantes originários daquela terra. Da mesma forma q os indígenas brasileiros, como ocupantes originais desta terra, são os verdadeiros donos e merecem ter suas aldeias demarcadas e respeitadas.

Em 79 d.C. os judeus foram expulsos de Israel pelo Império Romano. Desde então foram estrangeiros na terra alheia, sem cidadania, discriminados, violentados. O ápice do antissemitismo ocidental foi o Holocausto nazista. Este fato, tão recente em termos históricos, demonstra q não há lugar no mundo onde os judeus podem se sentir 100% seguros de poder viver e professar sua cultura em paz, fora Israel, criado em 1948 justamente para abrigar os sobreviventes da "Solução Final".

Israel é o único país judeu do mundo. Quantos países islâmicos há, ou onde os muçulmanos são maioria? 30 ou 40, se não mais. Os palestinos poderiam tranquilamente viver no Egito, na Jordânia, no Líbano, sem serem incomodados. E os judeus, caso não houvesse Israel, poderiam viver tranquilamente nesses países? Seguramente q não, pois mesmo na Alemanha tão avançada, eis o fim q tiveram...

O Sionismo moderno nasceu com o sonho de Theodor Hertzel. Materializou-se com Oswaldo Aranha e ben Gurion. E este sonho, fragilmente concretizado, continua ameaçado. Israel sabe da fragilidade de sua condição, da inimizade de todos os seus vizinhos, do antissemitismo arraigado dos terroristas muçulmanos q manipulam a causa palestina.

É preciso coragem para declarar-se sionista, e pró-Israel. Mas por questão de honestidade intelectual, como historiadora q foi ao fundo da questão, não há como honestamente ter outra posição.

Israel tem o direito de existir!

sábado, 24 de março de 2012

Aos meus caros alunos

Gostaria de iniciar esse texto dizendo: eu já fui um de vcs. Quando eu mesma era aluna, fazia as mesmas coisas q vcs: matava aula, pulava muro, desdenhava da escola e dos professores. Crescer não é fácil, e nossa infância e adolescência não nos preparam para sermos adultos. Mas a adultez, inadiavelmente, chega. E se não nos prepararmos para ela durante a adolescência pagaremos um alto preço durante toda a vida.

Muitas coisas essenciais para vida ninguém me disse, só aprendi dando muita cara na porta e murro em ponta de faca. A vida não tem manual nem atalhos, cada um constroi seu caminho. E é na adolescência que fazemos, sem nos darmos conta, escolhas q repercutirão pelo resto de nossas vidas.

Vocês tem a chance, agora, de construir para vcs um futuro melhor, próspero. Daqui a 5 anos pode ser tarde demais. Não percam o bonde da vida, não fiquem para trás.

Pergunto: vcs pretendem andar de bicicleta ou motinho 125 o resto de suas vidas? Vcs querem ter o mesmo nível de vida dos seus pais? Querem morar de favor ou pagar aluguel para sempre? Quem ter q abaixar a cabeça e obedecer ordens pelo resto de suas vidas?

Em caso negativo, devo alertá-los: vcs precisarão matar um leão por dia. Terão q se esforçar, fazer das tripas coração para viver. Mas agora q vcs são jovens, tem uma escolha: fazer isso apenas pelos próximos 5, 7 anos; ou pelo resto de suas vidas. Explico de forma simples: seu salário será diretamente proporcional aos seus anos de estudo, e à qualidade da faculdade q vc fizer.

Se pra vc ganhar salário mínimo pelo resto da vida está bom, pode parar de prestar atenção agora. Vc se arrependerá disso amargamente, depois de adulto. Se pra vc ganhar "mil reais" está bom, tb não precisa me escutar, faça qquer "UniEsquina" da vida e só depois de formado perceberá q seu diploma vale muito pouco.

Mas caso vc queira vencer na vida, preste atenção.

Quando eu estava prestando vestibular vi escrito numa camiseta de formandos: "Enquanto vc está aí brincando, tem um japonês estudando". Nunca esqueci disso, ainda mais ao atestar in loco q na Engenharia da USP quase só entra "japonês". Pq os japoneses sejam naturalmente mais inteligentes q os "brasileiros"? Não! Pq a cultura japonesa prioriza o estudo. Desde o berço os "japoneses" tem bem claro q o fazer uma boa faculdade é a chave para um futuro próspero.

Há um texto do Bill Gates q diz "Seja legal com os nerds. Existe uma grande probabilidade de você vir a trabalhar para um deles". E é verdade. Os "bonzões" da minha época do colegial hj estão lavando carros e assentando tijolos; no máximo dizendo "pois não, senhor?" atrás de um balcão. É isso q vc quer: uma vidinha medíocre?

Muitos de vcs pensam q a vida julgará vcs com os mesmos parâmetros da escola... Na escola, não pq eu queira, ma pq o governo quer economizar, todo mundo passa. A escola não julga ninguém. Quem julgará vcs será a vida, e o mercado de trabalho. Aí a coisa vai apertar, e se vc não tiver aproveitado esta oportunidade, mesmo com um diploma na mão, vc será reprovado. O conhecimento é uma riqueza q nunca ninguém tirará de vc, e é o grande diferencial da espécie humana. A competição no mercado de trabalho é feroz, e só os mais aptos se darão bem.

O mundo todo está aí para você o conquistar. O mundo é muito maior q a cidadezinha onde vc mora. Vc quer nascer, viver e morrer sem nunca ter saído da sua cidade, ou quer para vc um horizonte bem maior?

Eu sei q o conteúdo q eu ensino é chato e vcs não vêem propósito nele. Eu tb não via na idade de vcs. Foi só quando prestei, e bombei, em meu primeiro vestibular q percebi sua importância. Ainda hj, várias vezes percebo q conteúdos de Matemática, Química, Biologia, q não quis aprender, me fazem falta. O ser humano precisa ser completo, polivalente.

Comece agora a projetar e a construir seu futuro. Se vc deixar para depois pode ser tarde demais. Eu poderia fazer muito mais por vcs, poderia ensinar coisas muito mais profundas. Eu não estou aqui contra vcs, mas por e para vcs. A maior felicidade de um professor é encontrar um ex-aluno bem sucedido. Esse é minha intenção aqui: fazer o meu melhor para q vcs sejam o seu melhor.

Agora é com vc: vai ficar de brincadeirinha até se arrepender daqui a 10 anosou vai escolher acordar para a vida agora? Seu futuro só depende de vc. Espero q todos vcs tenham um futuro maravilhoso, q todos vcs vençam na vida!

Eu espero q um dia eu tenha q chamar vcs por "senhor", ou "doutor".

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

De minha breve experiência corporativa

Não consta de meu perfil no Facebook, mas ainda assim é verdade: já trabalhei numa empresa multinacional. De forma terceirizada, como é típico no século XXI, mas ainda assim dava expediente diretamente na sede administrativa da empresa.

Escrevo isso pois no dia de hoje, conversando com colegas de trabalho também professores, ao relatar essa minha experiência profissional, muitos disseram que eu era louca de ter deixado “um emprego de escritório numa multi-nacional, no ar condicionado” para ir dar aulas. Discordei e apresentei alguns argumentos para tal, sem tocar no ponto principal, e delicado, que resolvi trabalhar aqui.

Mas partamos do princípio.

Quem faz bacharelado em História tem uma dificuldade tremenda em obter estágio, que não é obrigatório, devido à escassez de empresas e instituições que lidem com a construção da História no Brasil. Apesar disso, durante a faculdade me foi oferecido, a título gratuito, uma vaga de estágio na empresa “Grifo Projetos Históricos e Editoriais” por minha amiga Luciana Martim Ferraz, que estagiava por esta empresa no Centro de História Unilever Brasil e estava a se transferir, ainda pela Grifo, para o CENPEC.

Lu me abordou, me perguntou se eu estava procurando estágio, e ainda que não estivesse, respondi que sim. Explicou-me sua transferência e indicou que me apresentasse no dia seguinte no “Centro Empresarial” pois estavam selecionando um substituto para sua vaga. Fui, fiz uma breve entrevista, dei a referência de ter sido indicada “pela Lu” e em 5 minutos a chefe Rosimeire Santos disse que eu estava contratada. No mesmo dia dei meu primeiro expediente.

Trabalharia 5 hora por dia para ganhar R$500,00 por mês, sem vale alimentação, sem vale transporte, sem registro em carteira. Dinheiro pouco, mas que faria toda a diferença em meu apertadíssimo orçamento de universitária uspiana que pagava quase isso só de aluguel.

O Centro de História Unilever Brasil era subordinado ao Marketing da Unilever. Nosso trabalho era arquivar embalagens, peças de propaganda, fotos, documentos históricos, livros etcs. E, principalmente, prestar consultoria às novas campanhas de marketing da empresa. Alertá-los para slogans, garotas-propaganda, sabores, aromas e estratégias já usados.

Como éramos subordinados ao Marketing, embora fôssemos terceirizados, tínhamos um crachá com chip que nos dava acesso “ao sétimo andar”. Este ocupava um nível inteiro, uma ampla sala recortada por biombos baixos, com umas 100 pessoas e seus respectivos computadores espreitando-se (e contra-espionando-se) no mesmo ambiente. O principal motivo que tínhamos para ir “ao sétimo andar” era ter acesso à máquina de café italiano, gratuito e livre, que eles tinham, e nós não. Era “de grátis”: café, latte macchiatto, cappuchino, expresso, chocolate quente, e chá. Naquelas maquininhas em que cada xícara custa uns 3 reais. Além disso, na copa tínhamos livre e farto acesso a produtos da Unilever para o “coffe break corporativo”: Ades, Becel, Doriana, pães, bolachas e sorvetes Kibon. Tudo à vontade, com fartura. Muito atraente. A princípio.

Aos poucos, pelo ano excedido que estagiei na Unilever fui percebendo a armadilha escondida sob tantas facilidades aparentes.

Nestes intervalos para o café, eu não podia deixar de reparar no naipe das mulheres que trabalhavam “no sétimo andar”. Todas lindas, magras e malhadas, trajando tailleurs, em cima do salto, maquiadas, com escova e manicure impecáveis. Isso me parecia ótimo até que num certo dia vi duas dessas Barbies corporativas a conversar. Uma delas deu um amplo bocejo. A outra perguntou se ela estava cansada, e obteve como resposta:

- Nossa, estou MUITO cansada. Saí da academia às 22 hs, terminei meu relatório meia-noite e hoje acordei às 5 e meia pra fazer chapinha.

Imediatamente pensei “coitada...” e percebi o preço de se estar sempre em cima do salto. Eu simplesmente JAMAIS acordaria um só minuto mais cedo para ajeitar meus cabelos. JAMAIS me torturaria com saltos altos diariamente durante todo o expediente. JAMAIS encararia o “ir para a academia” como uma exigência para “estar bem no trabalho”. JAMAIS prescindiria de um só minuto de meus momentos de lazer pensando no trabalho, fazendo trabalho voluntário (pois é uma hora-extra não paga) para uma empresa multi-nacional.

Outro detalhe que percebi é que, embora o coffe break fosse “boca livre”, sem tempo determinado, os engravatados e as alisadas do Marketing não perdiam mais do que 5 minutos na copa, rapidamente retornando aos seus postos de trabalho, pois estavam diretamente sob o olhar do chefe. E com o temor eterno de serem rifados na primeira contenção de gastos sob a desculpa de que “gastavam muito tempo no cafezinho”. Não só os chefes fiscalizavam a duração do café de seus subordinados, mas os colegas fiscalizavam-se entre si, numa tensão competitiva latente e muda, plena de olhares enviezados e comentários “à boca pequena”

Vi claramente que eu não desejava eternamente trabalhar num covil de lobos, ou num ninho de serpentes. Que eu não era o tipo de pessoa que cultiva as aparências, que se esmera em marketing pessoal, que alisa o saco do chefe, que procura demonstrar que “veste a camisa da empresa”, adequada para triunfar no ambiente corporativo.

No “alisar o saco do chefe” cabe relatar outro fato ocorrido neste ínterim. Quando eu já estava há muitos meses trabalhando na Unilever, minha chefe Rosimeire recepcionou uma “colega de trabalho”, S, que já chegava em paridade com ela, e com a melhor das referências: era amiga antiga duma das sócias-proprietárias da Grifo. Rosimeire, que era muito eficiente, ensinou a S seu ofício. S nunca foi eficiente, era bastante perdida, não sabia mexer nos computadores, chegava sempre atrasada, não demonstrava o comprometimento com o trabalho, nem a postura, que se espera dum “chefe”. Apesar de tudo isso, e de Rosimeire ser gritantemente mais competente que S, após alguns meses, quando a dona da Grifo achou que Rosimeire já teria ensinado todo o necessário a S, Rosimeire foi simples e sumariamente demitida, sem nenhuma explicação do “motivo”. Só então soube que treinara sua substituta. E que, apesar de incompetente, ficaria com seu posto de trabalho pois tinha “Q.I.”, “quem a indicasse”, ou “as costas quentes”.

Depois disso percebi que a “eficiência do empregado” não era levada em conta para fins de demissão. E parei de me esforçar, pois percebi que ainda que o fizesse, o esforço seria vão, caso eu não me sujeitasse a puxar muitos sacos, dar muitos sorrisos falsos e cultivar uma “aparência de pessoa eficiente e bem-sucedida”. Sobretudo, trabalhando para uma multi-nacional, eu me sentia contribuindo para uma pirâmide financeira global, contribuindo num grande esquema de estelionato que, mais cedo ou mais tarde, haveria de cair. E que esta dívida (o contribuir com este esquema) me seria cobrada um dia. Eu não me sentia bem ajudando a promover o Capitalismo. Nunca senti que ali fosse o meu lugar.

Dar aulas na rede pública traz imensos desafios, e nem de perto remunera como o setor corporativo. Mas pelo menos não me traz uma constante consciência culpada de contribuir para a ereção de uma ilusão perniciosa, que vampiriza e faz falir a “economia real”, regional, nacional, que gera empregos de verdade, para gente que sua na linha de montagem, não na academia de ginástica.

Ainda que eu ganhasse o dobro, ou triplo, num “emprego de escritório”, não estou disposta a pagar o preço que me será cobrado seguramente um dia, nesse plano ou no outro, por participar de toda essa ilusão, desse esquema capitalista desumano.

Creio que um dia terei que responder por cada centavo que ganhei arrancado da mais-valia dos operários da Unilever. Pelo menos minha parcela será muitíssimo menor que a dos engravatados e das alisadas. Desta empresa e de outras.


"13 going on 30"


"The Devil wears Prada"


"Resident Evil"

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Eu, Analista de Sistemas?!

Quem entrar em meu perfil do Facebook verá uma informação curiosa e que parece fora de lugar em minha biografia: a de que eu estudei Análise de Sistemas no IFSP – Instituto Federal São Paulo, antes denominado CEFET.

Só para deixar claro: não cheguei a me formar, abandonei o curso logo no primeiro semestre, portanto que ninguém pense que sou “Analista de Sistemas” :P

Passar no vestibular, especialmente numa Universidade Pública é um sonho almejado por todos os vestibulandos e creio que alguns se sentirão mortificados de eu ter por vontade própria aberto mão de minha vaga “na Federal”. De fato, tal é lamentável. E sinto muitíssimo que como isso eu possa ter “roubado a vaga” de outro vestibulando. Esta seria minha segunda graduação, e como eu já me encontrava então empregada e razoavelmente bem-estabelecida em minha ocupação de professora, não me sentia tão estimulada a empreender todo um novo curso superior.

Mas comecemos do início desta história.

No final de 2009 meus caminhos estavam meio nebulosos, e eu me encontrava meio perdida em meus rumos. Nessas horas, dá vontade de jogar tudo para o alto, comprar uma bicicleta ou uma passagem só de ida para Alto Paraíso de Goiás. Mas meu estofo é outro. Preciso de segurança, portanto jamais abriria mão do caminho que já estou trilhando sem ter outro seguro para enveredar.

A forma responsável que eu conheço de “jogar tudo para o alto e começar de novo” é prestar o vestibular e começar uma nova trilha. Tentar um novo caminho, abrir uma nova picada. Dar uma “sacudida” no próprio status quo.

Prestar um vestibular tb é uma forma de testar-se. Verificar se tanta empáfia que nutrimos a respeito de nós próprios ainda é válida ou já expirou por caduquice. Como eu já havia passado, nos tempos do cursinho, tanto na USP como na Unicamp, eu sabia que teria reais chances de ser aprovada caso prestasse um desses vestibulares. Eu sabia que, caso passasse numa dessas Universidades, eu simplesmente não teria coragem de abrir mão da vaga, teria que fazer juz a ela. Para tanto, seria obrigada a me mudar de Rio Claro, deixando uma avó Tula na mão, e abandonar meus 2 empregos, sem nenhuma garantia de sustento após minha mudança.

Mudar de cidade ou “sair de casa” para fazer faculdade é uma aventura à qual apenas nos podemos lançar se temos alguém que nos dê back-up, que nos apóie e garanta nosso sustento durante os estudos. Com isso contei durante minha graduação em História na USP. Mas meu avô Vicente faleceu assim que me formei, e eu não teria nesse segundo curso quem “me garantisse” que eu não iria passar fome ou ter que me degradar, como infelizmente muitas universitárias fazem, o que para mim sempre esteve completamente fora de cogitação.

Voltemos portanto a 2009, comigo à procura de um novo rumo. Não tive coragem de me inscrever num “vestibular”, mas ainda assim pretendia “me testar” para ver se eu continuava tão afiada como à época em que passei em meu primeiro vestibular. O melhor jeito de “me testar sem compromisso” seria fazer o ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio.

Eu já havia prestado o ENEM em sua primeira edição, quando eu mesma estava encerrando o Ensino Secundário. Eram à época 63 perguntas, das quais acertei 52, o que me garantiu creio que 3 pontos a mais na FUVEST, vestibular da USP. Com os anos, o ENEM evoluiu. O número de perguntas subiu para 40 por área do conhecimento, mais uma enorme redação. Prova massacrante, em 2 dias. Na minha sala, sentei ao lado de um ex-aluno que se surpreendeu enormemente ao me ver ali, como um alienígena entre adolescentes. Talvez tenha temido que eu estivesse lá para o abduzir... rsrsrs...

A organização do ENEM fez o possível para que os testados não soubessem quais e quantas questões acertaram. Não foi disponibilizado o papel de gabarito que os alunos levam para casa a fim de conferir suas respostas. Ao perceber isso, antes das provas serem distribuídas, perguntei aos fiscais se podia deixar uma folha completamente em branco sobre a mesa para anotar e depois conferir minhas respostas.

- De jeito nenhum! Sobre a mesa, apenas lápis, caneta, borracha, RG e a ficha de inscrição.

Blz. Dei um “jeitinho milimétrico” e anotei todas as minhas respostas, dos 2 dias, em minha ficha de inscrição. E foi só por isso que fui uma das poucas que pôde conferir seus acertos. E isso foi curiosíssimo pois pude verificar que, mesmo sendo formada e professora de História, errei algumas perguntas dessa disciplina, enquanto que na área de “Linguagens e Códigos”, simplesmente, gabaritei.

Neste ENEM 2010, como creio que acontece em todas as edições, houve uma quebra de protocolo. Neste ano em particular, foi na impressão das provas amarelas, que vieram erradas, prejudicando milhões de estudantes. A minha foi a de cor azul e portanto não fui, por sorte, prejudicada pela desorganização dos assim chamados “organizadores” do ENEM.

2010 também foi o primeiro ano em que o ENEM foi utilizado como única prova de seleção para muitos Institutos e Universidade Federais, que aderiram ao SISU, Sistema de Seleção Unificado. Apurados todos os resultados, ao final de janeiro os que haviam prestado a prova deveriam se inscrever no SISU para ver se suas notas os haviam qualificado para alguma vaga em algum lugar do país.

Claro que tudo que parece tão lógico e bonitinho, no Brasil não funciona tão direito assim. Houve uma enxurrada de milhões de acessos simultâneos e, lógico, o sistema caiu. O SISU rapidamente se tornou o SIFU, bombando no Twitter. Milhões não conseguiam sequer se logar no sistema, quanto menos visualizar e selecionar suas opções.

Lá pelo terceiro dia, em hora madrigal bastante aversa, consegui me logar e verificar minha notas em cada habilidade. De cabeça, me lembro que em redação tirei creio que 821. Minha média global remontava a impressionantes 742 pontos num universo em que a “normalidade” estava estabelecida em 500.

Descobri que minha nota me habilitava para diversos cursos, em diversos estados da federação. Como não pretendia ir tão longe, verifiquei especificamente para o estado de SP. Me interessei pela vaga de “História da Arte” na recém-inaugurada Federal de Santos. Também tinha nota para diversos cursos na Federal do ABC. Mas eu não pretendia ir tão longe.

Próximo a Rio Claro, o único campus era o de São Carlos, a 1 hora de viagem. Este campus oferecia um único curso: Tecnólogo em Análise de Sistemas. Sinceramente, como sei de minhas graves deficiências em Exatas, eu jamais considerei a possibilidade de ser aprovada no vestibular de uma “Pública” para Exatas. No máximo, na Física ou Matemática, pouco concorridas. Mas não. Descobri que sim, meus 742 pontos me habilitavam como nona colocada no curso de Tecnólogo em Análise de Sistemas no Instituto Federal São Carlos, que funciona no Campus da UFSCAR.

Me inscrevi on line. :) Uma nova janela, uma nova possibilidade de um futuro radicalmente diferente, se abria diante de mim. Estudando em São Carlos, eu não precisaria me mudar de cidade. Poderia continuar morando com minha avó e todas as noites fazer a viagem de ida e volta.

Claro que os projetos imaginários sempre são mais brilhantes e têm cores mais belas que a realidade. Estudando à noite eu teria que abrir mão de trabalhar no turno que garantia a maior parte de meu sustento. Teria que empreender viagem a outra cidade 6 dias da semana, pois teria aula inclusive aos sábados pela manhã, e aula de uma disciplina tão temida quanto renomada “Lógica”... Teria que me esmerar em estudos numa área completamente estranha, com símbolos completamente desconhecidos, aprendendo linguagens completamente inauditas. Chegaria em casa depois da meia noite para ter que estar em sala de aula, a mil por hora, já às 7 da matina. Teria que abrir mão de qquer tipo de “vida social” presencial, não-virtual, que pretendesse ter. Teria que gastar os tubos com a mensalidade da van. Tudo isso elevado ao cubo, pois eram 3 anos de curso.

Mas em princípios de fevereiro não vi nada disso e tudo me pareceu translúcido quando fui, pela primeira vez na vida, à pujante cidade de São Carlos. Nem sabia o caminho. Pedi que minha amiga filósofa Rafaela me acompanhasse, pois ela já havia estado na cidade. Juntas fomos em meu carro até a UFSCAR, e com muita alegria tive companhia ao fazer minha matrícula. Só quem já passou no vestibular de uma Universidade Pública sabe a alegria que é, depois de todo um périplo, de tantos sonhos e projetos, finalmente poder entregar as cópias de seus documentos, oficializar sua matrícula e sentir-se parte de um mundo diferente, universitário. Passar no vestibular lava a alma. É uma realização que ninguém, jamais, poderá tirar de nós.

Feita a matrícula, “mexi meus pauzinhos” para possibilitar que, de fato, pudesse freqüentar o curso, realmente, a sério. Contratei a van, a R$270,00 por mês. Na atribuição de aulas, dolorosamente abri mão de pegar aulas à noite. Depois descobri que por conta disso, minha renda havia caído para menos de mil reais. Com um terço disso comprometido só pela van. Por mais sem ar que isso me deixasse, o real motivo para minha desistência não foi financeiro, mas a soma de cansaço e medo.

Cansaço pois de fato era extenuante viajar todos os dias a São Carlos. Medo pois percebi que teria, de fato, que me esforçar. Teria que quebrar minha cabeça, deglutir em poucos meses um volume inteiro de “Matemática para o Ensino Médio” só para sanar minhas deficiências escolares e poder então estar pari passu para poder me aventurar na Matemática de nível Superior.

Cálculo é algo que para mim se dá à manivela, à luz de velas, no máximo movido a vapor, carvão ou querosene. Tive medo de tentar, quebrar a cabeça, e ao final, não conseguir. Medo que nunca tive diante dos temidos professores da FFLCH, do Francisco Murari, da Márcia Berbel, da Zilda Iokoi. Por mais que suas avaliações fossem difíceis, eu sabia que poderia desenvolver meus raciocínios numa linguagem que domino e conseguiria, no mínimo, algum nível de meio certo.

Em Exatas, não há meio certo. Não há tanto espaço para análises, para outros pontos de vista. Por medo de me esforçar e, ainda assim, falhar, pipoquei, ou “amarelei”. Por 3 meses fui religiosamente às aulas, com relativo sucesso. Fazia participações e comentários que enriqueciam nossas sessões, colhendo em troca muitos olhares admirados de meus colegas, muitos já profissionais da área de informática e mais velhos que eu. Em nenhum momento me considerei “aquém dos demais”, nem nas disciplinas especificamente “exatas”. Mas ainda assim tive muito medo. No dia da primeira prova de “Matemática Básica”, para a qual eu realmente havia estudado bastante, mas não me sentia segura de dominar o conteúdo, ponderei se minha coragem era suficiente para ir e tentar, com a possibilidade real ou imaginária de recolher um retumbante fracasso.

Não me orgulho, mas admito que meu medo superou minha coragem e faltei a prova. Depois disso não tive mais coragem de voltar ao curso. Apesar desse amargor, o gosto que se sobressai ao final da degustação dessa experiência é doce. Fiz novos amigos. Aprendi coisas sobre computação que jamais sonhei saber. Conheci todo um novo mundo e as bases da linguagem da computação. Conhecimentos que já pus em prática em textos publicados neste blog.

Essa experiência também me ajudou a parar de reclamar um pouco de minha vida e parar de ver meus caminhos como fechados. Me trouxe a consciência de que, sim, eu ainda sou capaz de passar no vestibular de uma Universidade Pública, mesmo mais de 10 anos após egressa do Ensino Médio. Me mostrou que todo o mundo está aberto diante de mim, basta eu ter um foco, escolher um caminho e engendrar minhas forças. Qualquer mudança ou novo rumo que eu queira dar à minha vida está aberta diante de mim.

Basta ter coragem para decidir e força para perseverar.

sábado, 17 de setembro de 2011

A importância da delicadeza e da simpatia

Muitas habilidades essenciais à vida em sociedade não são explicitamente ensinadas aos mais jovens. E por conta disso muitos passam décadas dando murro em ponta de faca e se dando mal na vida sem ter a menor idéia do porquê.

Eu mesma só agora já adulta me dou conta do quanto girei em falso e agi contra mim mesma sem o perceber, por pouco entender quando mais jovem as “regras sociais” que regem a interação humana.

Talvez isso seja devido a eu ser portadora de algum espectro de autismo, talvez apenas pela falta de orientação em “inteligência emocional”. De toda forma, parte do erigirmo-nos como seres humanos é nos dar conta e superar nossas dificuldades.

Tenho certeza de que Deus não é cruel para nos manter presos por tempo além do estritamente necessário neste lacrimarum valle, portanto creio que Ele apenas nos mantenha aqui até adquirirmos os conhecimentos necessários e passarmos com sucesso pelas experiências que nos habilitam à candidatura a planos melhores.

Portanto, daquilo que vc tem mais dificuldade vc não deve fugir, mas encarar de frente. Só assim não precisará mais ver-se de novo diante da mesma situação, num eterno retorno na guigul nemashot ou “roda da vida”.

A “delicadeza” normalmente é uma qualidade associada às mulheres, o assim chamado “sexo frágil”. Mas ela é necessária a todos os seres humanos. Se pretendem se “dar bem” socialmente, pelo menos.

Especialmente no Brasil, é preciso aprender que tudo passa pela dinâmica da relação inter-pessoal. No Brasil a relação pessoa-pessoa (informal) sempre passa à frente das relações formais chefe-subordinado, atendente-cliente, professor-aluno, candidato-eleitor etcs.

Ou seja, antes de ser avaliado por seu chefe como “eficiente”, seu atendente como “bom cliente”, seu aluno como “bom professor” ou ao seu eleitor como “bom político”, vc será bem ou mal quisto pela sua impressão pessoal de proximidade e “amizade cativante”.

Portanto, aprendam e conformem-se: enquanto empregado, seu chefe não te avaliará pela sua capacidade de trabalho, enquanto cliente a vendedora não te atenderá “bem ou mal” pelo tanto que vc está disposto a gastar, seus alunos não te avaliarão pela quantidade de conhecimento que vc tem para lhes passar, se vc for político seus eleitores não te avaliarão pela sua honestidade e seu trabalho parlamentar: todos te avaliarão baseados em sua aparente “simpatia”. Se vc em cada ocasião em que esteve diante deles estava bem-alinhado, sorridente, de bom humor, se os saudou com entusiasmo, perguntou se “está tudo bem” e disse que, com você está tudo, sempre, ótimo.

Quando mais jovem eu não entendia absolutamente pq as pessoas perguntavam sempre ao me encontrar se “estava tudo bem” se elas, de fato, não estavam interessadas em se estava tudo bem ou tudo mal comigo. Depois de quebrar a cabeça por muitos anos compreendi que essa é uma saudação protocolar, que busca apenas confortar e reafirmar a “simpatia” das pessoas que se encontram.


Eu também não entendia a questão do “beijo de saudação”. Em países latinos, as pessoas se saúdam com um “Oi, tudo em?” arrematado por um, ou dois, ou três beijos no rosto. No Brasil, a quantidade de beijos depende do Estado da Federação. No estado de SP, um beijo basta. No RJ, são necessários 2 ou 3. E não foram poucas as vezes em que deixei cariocas com bico feito e o beijo “no ar” ao afastar meu rosto satisfeito após o primeiro beijo. Grande gafe...

Ao encontrar algum conhecido, eu sempre ficava com a dúvida se eu devia fazer o gesto do beijo ao cumprimentar ou não. Normalmente sempre optei por não o fazer, até perceber que as pessoas me julgavam antipática pelo simples fato de não haver cumprimentado-as com um ósculo.

Outra questão que sempre me foi difícil foi quando e quantas vezes eu deveria saudar meus conhecidos. Por exemplo, ao passar pelo corredor de me local de trabalho ou estudo, mesmo que só de passagem, ao ter meu trajeto cruzado com alguém que conhecia, sempre ficava na dúvida, já que não estava “de bobeira” se deveria parar para fazer um cumprimento e perguntar, mesmo sem querer saber se “estava tudo bem”. Normalmente sempre optava por seguir adiante em meu caminho.

Só me dei conta de que isso é um grande erro quando ouvi, inadvertidamente, uma colega de faculdade falar a meu respeito: “Eu não falo mais com ela, outro dia a gente se cruzou no corredor e ela fingiu que não me conhecia”. Eu não “fingi que não a conhecia”, simplesmente estava com pressa e não parei para a saudar.

Mas aprendi então que sim, toda vez que eu cruzasse por um conhecido, mesmo que eu não estivesse com vontade ou tempo para tal, sim, eu era obrigada a parar, abrir um sorriso, dar um beijinho no rosto e perguntar se “está tudo bem”, só para eu ouvir um “tudo bem” em troca e poder seguir o meu caminho sem ser julgada como “antipática”. Mesmo que eu encontrasse no trajeto 30 conhecidos, eu teria que parar, individualmente, diante de cada um deles e repetir o procedimento de interação social protocolar, ao menos se eu não quisesse me ver malquista.

Uma cena ocorrida na faculdade ilustra isso cristalinamente. Numa plenária no auditório “Fernand Braudel”, estavam meus colegas sentados em grupo, todos próximos. Quando eu cheguei, fiz um gesto coletivo saudando todos com a mão. Muitos nem responderam. Sentei-me no grupo. Um minuto depois chegou uma outra colega, bem mais popular que eu. Ela chegou e foi, de um em um, dando beijinhos individuais. Demorou uns 15 minutos, mas ela beijou individualmente a todos, inclusive eu, distribuindo sorrisos felizes. Então compreendi pq ela, mesmo sendo muito pouco brilhante, era disputada para os trabalhos em grupo, enquanto eu, que tinha contribuições intelectuais a fazer, muitas vezes era preterida. O que importava não era a capacidade de trabalho, mas a de cativar simpatia nos demais.

Ouro detalhe da interação social no Brasil é o uso de sufixos de tamanho e intensidade. E de locuções que “suavizam” ou “tucanam” o real sentido da frase. É impressionante como fazemos o uso do diminutivo e gostamos de um “inho”. Brasileiros tomam “cafezinho”, tomar “chazinho”, fazem “lanchinho” e “festinha”, na qual tomam “copinhos” de “choppinho” ou “cervejinha”.

A respeito do uso de locuções, sempre tento ser econômica e exata. Se há um verbo exato, pq usar um verbo genérico acrescido dum substantivo? Aprendi que isso se faz pelo menos motivo do emprego dos diminutos: suavizar, dar delicadeza e maior simpatia à frase.

Lembro-me ainda hoje vividamente do dia em que me ensinaram a importância da delicadeza na expressão humana. Eu tinha cerca de 13 anos. Estava no banco de trás do carro de Dona M, mãe de minha amiga T. Estávamos voltando de algum lugar em direção às nossas casa, e dona M me deixaria à porta, como sempre fazia com as amigas da filha, boa mãe que era, e ainda é.

Minha bexiga estava apertada, quase estourando, e eu profundamente incomodada disse:

- Pára no banheiro que eu preciso mijar!

Dona M fez uma cara estranha, que eu absolutamente não compreendi o sentido. Estávamos numa avenida, no meio do caminho, não dava para ela parar imediatamente, mas como eu pouco estava ligando pra isso, continuei a repetir que “precisava mijar” o mais rápido possível. Dona M não se irritou, mas com uma expressão de experiência me disse:

- Fernanda, tudo bem, já entendi, vou parar assim que der, mas deixa eu te dizer: vc é mocinha e não fica bem vc falar que precisa “mijar”. Fala que vc precisa “fazer xixi” que fica mais bonitinho.

Emborquei meu crânio 35 graus à direita em minha comum expressão de tilt diante de uma linha que não fecha e repliquei:

- Mas “mijar” e “fazer xixi” não é a mesma coisa?

Dona M. sorriu e explicou pacientemente:

- No fundo, é a mesma coisa, mas falar “fazer xixi” é melhor para uma mocinha. Quem “mija” é quem não tem educação. Sua mãe nunca te ensinou isso?

Naquele momento, sentada no banco de trás do carro de Dona M, comecei a suspeitar que eu era uma coadjuvante elencada a contragosto numa grande farsa. Demorei mais 15 anos para ter certeza absoluta disso. De que quem deveria zelar pela minha educação e pelo meu bem-estar estava pouco se lixando em me ensinar as coisas mais importantes que precisamos aprender na vida. Demorei décadas para perceber que quem deveria me promover e ajudar estava a me sabotar e prejudicar. Então dei um sorriso búdico e entendi pq sempre me ornei de ícones que afastam a inveja: joaninhas, pimentas, espadas de são-jorge, olhos gregos. Eu sabia inconscientemente que o inimigo estava muito próximo.

Pelo menos agora posso ver claramente, e talvez ajudar a orientar outros que como eu não puderam contar com uma boa educação emocional.

Portanto, fica a dica. Na próxima vez que vc se ver diante de uma copeira, se vc virar e dizer simplesmente “me traz um café”, a chance de beber um bom café é de 35%. Já se vc se aproximar com um sorriso, perguntar o nome dela, disser “Oi, tudo bem?” e pedir por um “cafezinho” assim, no diminutivo, as chances de beber um bom café saltam para 85%. E isso se replica em todas as situações de interação humana.

É preciso, sempre, delicadeza e simpatia. Mesmo que vc não esteja com saco para isso. Mesmo naqueles bad hair days, em que tudo dá errado e vc está se sentindo péssimo, vc deve saudar entusiasmicamente a todos com sorrisos efusivos, perguntar como eles estão e dizer que com vc está tudo, sempre, ótimo. Se agir de outra forma, vc corre o risco de os outros acharem que vc está "virando a cara" e sendo provocativamente mal-educado em relação a eles.


Dave Matthews Band – Mother Father


Danuza Leão


Alanis Morissette – You learn


Christina Crawford – Mamãezinha querida


William Shakespeare – Hamlet


“Miss Congeniality” – Miss Simpatia


sábado, 10 de setembro de 2011

O Onze de Setembro de 2001

Formiguinhas históricas que somos, normalmente não nos damos conta dos fatos determinantes que se desenrolam no espaço de tempo em que vivemos. A História com agá maiúsculo se descreve na longa duração braudeliana, e nossas consciências são como lanternas fracas que iluminam apenas uma pequena fração da realidade, que está diante dos nossos olhos, e cuja configuração é deformada pelo lusco-fusco de nossos conceitos.

Por estarmos tão perto, atados ao dia-a-dia, não vemos a curva, a parábola que descreve a longa duração, e menos ainda os picos e quedas das conjunturas. Vemos apenas os pequenos pontinhos dos acontecimentos, sem perceber que se nos afastarmos alguns passos veremos que estes pontinhos das efemérides descrevem zigue-zagues de conjunturas. E se andarmos muitos mais passos atrás, veremos, talvez, a longa curva descrita pelas conjunturas e na qual os acontecimentos individuais, embora integrantes, perdem sua definição detalhada diante do “esquema geral”.

Escrevo isso justamente para estabelecer que nós, testemunhas oculares da História, gostamos de dar maior relevo aos acontecimentos que nos são contemporâneos do que eles realmente merecem.

Após o 11 de setembro, muitos foram os alarmistas e até “profetas do Apocalipse” que viram neste fato algo parecido com os grandes eventos históricos secularmente sedimentados, que alteraram determinante os rumos da História. A respeito disso, lembro-me de uma cena curiosa passada no ano de 2003.

Eu estava cursando História, e fazendo Iniciação Científica com o Professor Doutor István Jancsó. Professor Titular da USP, diretor do IEB – Instituto de Estudos Brasileiros “Sérgio Buarque de Hollanda”, apesar de húngaro, István era um brasilianista e intelectual muito respeitado e requisitado pela imprensa para entrevistas.

Nesta feita, estávamos em sua sala pessoal no Departamento de História (sala que não mais existe, foi desfeita numa reforma) quando o telefone tocou. Por nosso orientador, todos nós do grupo de Iniciação (que em sua máxima extensão abarcou, além de mim a André Nicacio Lima, “Godinho ou Gêngis”, Mainá Pereira Prada Rodrigues, “Mainas”, Andréa Paula Placitte, “Dea”, Bruno Fabris Estefanes, “Garfield”, Maria Inês Panzoldo de Carvalho, Júlia Relva Basso e Henrique Palazzo) tínhamos alta deferência, e lhe facilitávamos a vida nas pequenas coisas que podíamos, como ir buscar um café, uma xerox e atender ao telefone. Neste dia o atendi durante uma reunião com o professor. Do outro lado disseram:

- Boa tarde, aqui é da [revista] Caros Amigos. Gostaríamos de entrevistar o doutor István para uma matéria. Ele está disponível?

Passei o telefone para ele, e ficamos observando sua conversa ao telefone. Após a secretária transferir a ligação para o jornalista, István abiu seu típico sorriso e falou eu seu característico sotaque que nada tinha de húngaro, e muito da indolência baiana:

- Oi, meu amigo! Pode falar!... Hum... Não, não, de jeito nenhum! Vocês jornalistas... Ah, você conhece a história daquele menino que ficava avisando toda hora que tinha um lobo à espreita? Pois é... Não, ainda não, você ainda não pode escrever isso. Faz o seguinte, passa amanhã no IEB e a gente conversa melhor. Te espero então. Tchau.

Desligou enquanto dava um sorriso búdico. Balançou complacentemente a cabeça numa expressão negativa dum avô cheio de doçura que vê o netinho fazer uma traquinagem. Soltou uma risada solta, calma e pausada, Levantou seu indicador no ar, como lhe era tão típico ao ter um ponto que pretendia explicar. Seguiu-se a pausa dramática que todos conhecíamos e amávamos enquanto ele articulava a primeira sílaba vocal de seu pensamento abstrato, talvez em húngaro. Nos disse:

- Esses jornalistas, sempre tão desesperados, alarmistas, quase histéricos... rsrsrs. Sabem o que ele me perguntou? Se podia escrever em sua matéria que os Atentados de 11 de setembro são o fato que porá fim à História Contemporânea e iniciará uma nova era... rsrsrs... Ele estava querendo decretar o pentapartismo, e não mais o quadripartismo histórico... rsrsrs... Amanhã vou mandar ele ler Filipe II” de Fernand Braudel e tentar lhe explicar a diferença entre estrutura, conjuntura e acontecimentos...

O jornalista, que embora escrevesse na respeitadíssima Caros Amigos, não tinha a menor idéia do que é História para achar que podia, 2 anos depois, dizer que os ataques perpetrados pela Al Quaeda eram tão importantes quanto a Invenção da Escrita (circa 4000 a.C.), a Queda de Roma (476 d.C.), a Queda de Constantinopla (1453) e a Revolução Francesa (1789). Citei estes fatos pois estes foram estabelecidos como as marcas que separam as 4 divisões do quadripartismo histórico nas seguintes eras: Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea. Esta última iniciada pela Revolução Francesa e que, dizem os historiadores, continua em nossos dias, e queria o jornalista decretar encerrada. Risos para sua pretensão.

Hoje, véspera de completarem-se 10 anos dos piores atentados terroristas da história, pelo menos dos Estados Unidos, ainda é grande a leva dos alarmistas e profetas do Apocalipse. E como historiadora, tentando dar alguns passos atrás para divisar melhor a “imagem geral” desenhada pelos acontecimentos, é fácil compreender o porquê disso, pó-lo em perspectiva, e até “justificar” essa postura.

Como cada um de nós acha que o próprio umbigo é o centro em torno do qual o mundo gira, nos considerados testemunhas privilegiadas da História, e destinados e testemunhar acontecimento mais importantes que todos os que se desenrolaram antes de nós. O que não vemos perde importância. O que testemunhamos, já que nós somos tão importantes, tem que ser igualmente um fato chave, que alterará a História do Mundo, tanto quanto, achamos, nossa própria existência o fará. O nome disso é “Síndrome de Messias”, algo que o Cristianismo implementou profundamente em nossas estruturas psicológicas da longa-duração. Desde que Jesus morreu sucederam-se pelo menos 80 gerações. E cada uma delas teve certeza de ser a última, aquela que testemunharia as convulsões apocalípticas do “Juízo Final”. Eu, que vivi a virada do segundo para o terceiro milênio, a pretensa passagem para a “era de Aquário”, testemunhei o messianismo de meus contemporâneos e sua expectativa de que o mundo acabasse em 2000, depois em 2001 no “Bug do Milênio”, e agora se aguarda ansiosamente pelo 2012 profetizado pelos maias. Risos para nossa pretensão.

Como não há como eu mesma projetar-me fora da curva, pois minha consciência individual é apenas uma lanterninha fraca que ilumina muito pouco, para encerrar este texto redigirei meu próprio testemunho pessoal de como os atentados às Torres Gêmeas do World Trade Center me impactaram pessoalmente. No futuro, creio que todos serão perguntados “Onde você estava quando aconteceram os atentados do Bin Laden?”. E todos, seguramente, se lembrarão vividamente de sua experiência pessoal. A minha segue abaixo.

Eu tinha 18 anos. O fuso horário oficial de Brasília conta uma hora a menos que em Nova York. Era manhã e eu estava assistindo a aula no cursinho pré-vestibular. Um dia muito comum. No horário do intervalo, lá pelas 9 e meia, quando o primeiro avião atingiu a primeira torre, os atendentes da cantina nos disseram que um avião havia batido contra “um prédio alto” em Nova Iorque. A princípio, claro, todos achamos que teria sido um acidente. E nesse nível foram os comentários durante as aulas que faltavam até o meio-dia. Terminado o turno escolar, corri para casa e liguei na CNN.

Eu vi o fim do mundo.

Eu vi o Inominável. Eu vi o Horror, o Horror.

Ao vivo, live, diante de meus olhos, eu vi o começo da tão temida Terceira Guerra Mundial. Eu vi ruírem todos os esforços diplomáticos da segunda metade do século XX.

Chocante. Inesperado. Só quem acompanhou em real time os acontecimentos deste dia pode dimensionar o impacto psicológico dos atentados. E como o “imponderável” conspirou a favor de nossos maiores medos. Quem só sabe deste fato bem sedimentado pelos anos não carregará, felizmente, o trauma do desastre em cada ínfimo e escabroso detalhe. Não carregará em sua memória centenas de horas de jornalismo mostrando as pessoas assando nos prédios ainda em pé. Sacudindo panos nas janelas. Se espatifando, às dezenas, em torno do prédio.

E, muito pior, as cenas, minuto a minuto, dos prédios ruindo, um após o outro. A poeira tomando Manhattan, cobrindo os engravatados, os ricos e poderosos, aqueles que regem o mundo a partir de Wall Street. Milhares de nova-iorquinos peregrinando à pé pela ilha, chocados, machucados, respirando ar contaminado, indo, mas sem saber para onde.

Quem souber dos atentados de 2001 apenas por ler ou “ouvir dizer” seguramente perderá a dimensão de um detalhe que não escapou às testemunhas contemporâneas: absolutamente ninguém considerava possível que os prédios ruíssem. Esse “absolutamente” é, de fato, absoluto. Por isso supracitei o termo “imponderável”. O objetivo calculado por bin Laden era apenas “ferir” às torres gêmeas. Símbolos do Comércio Mundial, os mais altos prédios da Capital do Mundo Ocidental, tal qual Roma foi um dia, pareciam tão sólidos quanto a economia capitalista neo-liberal. Nada, nem bombas nem aviões pareciam capazes de as derrubar. Destruir as torres não era o intento da Al Quaeda. Sequer os terroristas foram capazes de dimensionar as conseqüências e a severidade de seus atentados.

Tanto ninguém achava que qualquer das torres pudesse ruir que parte dos mortos não estava nas torres quando os aviões as atingiram: são bombeiros e socorristas que acorreram ao Ground Zero para ajudar às vítimas. Subiram pelos prédios sem considerar o “imponderável”. Mas este sobreveio e a segunda torre a ser atingida foi a primeira a ruir, sepultando centenas de bombeiros heróicos do NYFD – New York Fire Department.

Muito mais impressionante que o fato de dois aviões de passageiros terem sido lançados contra o símbolo máximo do capitalismo yankee foi o colapso posterior das torres. Isto desnudou a fragilidade do sistema que considerávamos pétreo. O colapso demonstrou que as estruturas do Capitalismo, que achávamos sólidas e à prova de tudo, eram muito mais frágeis do que nossos medos antecipavam, e que poderiam ir facilmente ao chão. Não sob o ataque de um elefante, mas pela picada de um mosquito que ninguém achava tão virulento.

Nunca tínhamos ouvido falar de Osama bin Laden ou da al Quaeda. Descobrimos que muito mais perigosos são os inimigos que desconhecemos, ou que não levamos em consideração.

Não testemunhei aos “Treze dias que abalaram o mundo” na crise dos mísseis de 1962, mas teleassisti ao dia que sacudiu o mundo, como eu o conhecia. Vi a Grande Potência que emergiu da Guerra Fria e unipolarizou o mundo após 1991 colocada de joelhos, agora não pela vizinha Cuba e pelo Comunismo, mas por um grupo terrorista sediado no longínquo e (até então) facilmente esquecível Afeganistão e pelo fundamentalismo religioso islâmico. E este novo inimigo é muito mais difícil de combater que “os vermelhos”.

Durante a Guerra Fria assistimos à disputa de dois Estados, legítimos, governos constituídos, signatários de convenções internacionais, que se sentavam em mesas para negociar, que atendiam ao telefone. Inimigos equivalentes com os quais se podia dialogar. Liderados por chefes de Estado responsáveis, que não desejavam levar o mundo a um holocausto nuclear, que seria a Terceira Guerra Mundial entre EUA e URSS, que pareceu tão próxima entre as décadas de 1960 e 1970...

Essa “guerra tradicional” entre elefantes poderosos estatais não mais existe. Nossa guerra do século XXI é assimétrica, de guerrilha, do tipo que os americanos sempre perderam, dede o Vietnã. Não há comparação entre os “atentados de 11 de setembro” e a batalha de Waterloo, por exemplo. Nem Osama bin Laden nem George W, Bush chegam a poucos centímertos da estatura de Napoleão Bonaparte nem do duque de Welington.

Os atentados de 11 de setembro não foram levados a cabo pelo governo do estado do Afeganistão contra o governo dos Estados Unidos da América. Os atentados são responsabilidade de uma (múltiplos risos) ONG – Organização não-Governamental. “Organizada” em células terroristas. Com as quais não há negociação. Que não assina nem respeita ratados. Que talvez até tencione acelerar o “apocalipse”, ansiando pela chegada de seu próprio messias, o Mahdi.

Só para arrematar, quem em 2001 dissesse que hoje o presidente americano teria por nome do meio um “Hussein” igual ao de Saddam e por sobrenome um “Obama” tão parecido com o prenome de Osama, e que ainda por cima seria negro e havaiano, seguramente seria considerado completamente louco e fora de si. Talvez tanto quanto consideramos desprovidos de razão aqueles que viram no 11 de setembro de 2001 um fato histórico digno de iniciar uma nova era.

Apenas a longa duração poderá dizer quem é o louco e quem é o lúcido. Vamos aguardar.


Cássia Eller - O Segundo Sol

Melancholia

π (pi/1998)

Nós que aqui estamos por vós esperamos
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