sábado, 22 de junho de 2013

De minha primeira passeata


A História é um campo de eterna surpresa. Por mais que imaginemos que exista alguma teleologia, alguma "mão invisível" a guiar os fatos, eles sempre nos aturdem. São mais rápidos que todas as análises, previsões, planejamentos.

Desde 10 de junho de 2013 , há apenas 2 semanas, os acontecimentos têm atropelado os analistas. Ninguém poderá dizer : "eu avisei", "I saw it coming" porquê ninguém previa os rumos que as passeatas pela diminuição da tarifa de transportes em São Paulo, organizadas pelo movimento Passe Livre, tomariam. Parecemos, hj, à beira da Anarquia, de nossa primeira Revolução, seja popular ou burguesa. Pela primeira vez em nossa História nos vemos diante de mobilizações sociais que abalam governos e convulsionam a sociedade.

Ver a tudo isso, até agora à distância, pela TV e Internet, além de um pouco de frustração por não poder ir à rua, me lembra meu primeiro ano na faculdade de História, na USP. Com frescos 19 anos, cheia de gana, iniciativa, vontade de "mudar tudo".

Assim que comecei a faculdade, pegava todos os panfletos que encontrava, me informando sobre os diversos movimentos sociais nos quais os estudantes se engajavam. Logo no primeiro mês anunciaram uma passeata na avenida Paulista e é claro que eu não podia perder.

Poderia ter sido qualquer o motivo, eu teria ido, tão empolgada que estava. O mote nesta ocasião era a oposição à ALCA, Área de Livre Comércio entre as Américas, uma proposta estadunidense de baixar, ou anular tarifas alfandegárias e impostos de importação.

O pessoal da faculdade, com muita razão, colocou no panfleto de convocação que a ALCA seria uma sentença de morte à indústria nacional, que faliria com a concorrência desleal dos norte-americanos. Me juntei a eles à luta, na rua.

Foi num domingo. Concentração no vão livre do MASP. Fui de metrô. Sozinha, no começo me senti um pouco deslocada. A polícia, avisada, não estava lá para reprimir a passeata, apenas para escoltar, supervisionar e impedir que o trânsito fosse completamente bloqueado. Fizeram um cordão de isolamento nos permitindo ocupar 2 pistas da Avenida Paulista.

Logo encontrei alguns colegas de faculdade, cumprimentados com sorrisos e surpresa: "Vc aqui tb, que legal!". Um deles, não me lembro sinceramente qual, fazia parte da coordenação da passeata e de sopetão, ao trocar meia dúzia de palavras comigo, perguntou todo animado:

- Você não quer subir no carro de som?

Mas é claro!

Me levou até a escada, trocou três palavras ao pé do ouvido com quem a guardava, que logo deu passagem, me permitindo subir a escada metálica, com um certo arrepio da espera do novo.

Lá em cima, além do "puxador" ao microfone, umas 30 pessoas, cheias de ânimo, empunhando cartazes e exibindo faixas, gritando palavras de ordem, agitando os braços ao alto, chamando a multidão. 

E era grande. Só lá de cima vi. Milhares de pessoas ao nosso redor, todas no mesmo compasso: alegria, cidadania, democracia, protesto, luta por melhorias e contra as desigualdades sociais. Ondas de adrenalina coletiva nos estimulavam.

Me senti "no olho do furacão", participando de algo muito especial, transformador, em cima daquele trio elétrico. Me juntei aos demais, cantando com a multidão e ajudando a segurar um longo cartaz de tecido, pintado com os dizeres "Fora ALCA".

Não sei dizer quanto tempo fiquei lá em cima, menos de 1 hora. Quando comecei a sentir minha voz enrouquecer, vitimada pela empolgação, cedi meu lugar a outro manifestante e vi que já era hora de descer. Já estávamos na rua da Consolação.

Prossegui em passeata, procurando outros colegas lá no meio. Encontrei alguns outros, calouros como eu, se sentindo "revolucionários autênticos" ao participar de seu primeiro protesto, como eu.

Vestida com uma blusa branca, nada demais. Ao constatar-me em meio a um mar vermelho, me senti algo deslocada, e como começava a esfriar um pouco, fui até um vendedor ambulante que acompanhava a manifestação com um varal de roupas para vender.

Dei uma repassada nas camisetas e achei uma que preenchia meus anseios: vermelha, com dezenas de pequenos Che Guevaras estampados com a frase "Viva Che". Perfeita. Vesti por cima da blusa branca e comecei a partir de então a me sentir "mais adequada", identificada com a onda coletiva.

Prosseguimos até a praça Roosevelt e na praça da República nos dispersamos. Essa manifestação não foi histórica, não repercutiu, não mudou nada (até hoje a ALCA não chegou ao Brasil, e não parece que vá tão cedo...). Mas me deixou uma marca profunda. Foi a minha primeira.

Na volta, peguei o metrô e, em segurança, voltei para casa. Conseguindo assento no trem, sentei-me com um sorriso no rosto, que coroava a sensação de estar participando de algo maior do que eu mesma. De ser um agente social transformador, que não apenas assiste, mas toma parte nos acontecimentos. Alguém que grita, e faz sua voz ser ouvida, contra o silêncio e a apatia geral.

No dia de hoje, parece, essa apatia do "gigante adormecido" acabou. Há 2 semanas milhares, milhões, de brasileiros saem às ruas, em protestos facilitados pelas redes sociais, azeitados pelas hashtags

#ogiganteacordou #obrasilacordou #vinagre #vdevinagre #passelivre #primaverabrasileira #vemprarua #protesto #manifestasp #changebrazil 

E algo mudou. Todos percebemos. Não sabemos ao certo o teor e a direção da mudança, mas ela está acontecendo. Centenas de cidades se levantam contra a alta no custo de vida, o peso dos impostos, a ineficiência dos serviços públicos, a corrupção institucionalizada, a impunidade à violência, os gastos exorbitantes nas obras da Copa do Mundo de futebol de 2014 e das Olimpíadas de 2016.

Parece que acordamos. 

Me sinto privilegiada em testemunhar acontecimentos Históricos como este.

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