sexta-feira, 25 de janeiro de 2013
De Mainá
Ao longo da vida, temos nossa trajetória entremeada com a de muitas pessoas, de todos os tipos. Alguns serão apenas "colegas", amigos superficiais, com os quais partilhamos uma simpatia incidental, e com as voltas q o mundo dá, se afastam pelas circunstâncias, e muitas vezes vão embora sem deixar marcas.
Alguns, poucos, se tornam quase irmãos, amigos verdadeiros, pessoas estimadas, cuja afinidade é sincera e cuja ausência nos deixa saudades. E quando encontramos um desses, é bom saber reconhecê-lo e valorizá-lo, pois serão poucas as oportunidades de conhecer pessoas realmente especiais, q valem a pena.
Este texto é sobre uma dessas raras pessoas, q se contam nos dedos de uma só mão, a quem considero uma amiga-irmã.
Mainá era minha colega de faculdade. Entramos juntas no curso de História da FFLCH-USP em 2002. A cada vestibular, entravam 270 pessoas em nosso curso, e para mim ela era apenas "mais uma" colega q eu conhecia "de vista", mas com quem não conversava.
Durante meu primeiro ano de faculdade, tinha poucos amigos, mais estudava do q ia a festas, pois não era de nenhum "grupitcho", e namorava alguém de fora deste ambiente. Ao final do primeiro ano de faculdade, fazíamos o curso de "História do Brasil Colonial II" com o prof. Dr. István Jancsó. Ele nos deu um trabalho de pesquisa com tema livre e concluiu:
- Ano q vem formarei um novo grupo de iniciação científica. Quem estiver interessado em fazer parte, feche com 10 na minha disciplina e depois venha conversar comigo.
Era tudo o q eu queria: uma iniciação científica com um intelectual respeitado na Academia. Me esmerei, só para esse trabalho li uns 5 livros, dei o meu melhor, obedeci todas as normas ABNT, fiz dezenas de notas de rodapé, e minha pequena monografia "Medicina no Brasil Colonial" levou um belo e redondo 10.
Assim q soube da nota, procurei o prof. István. Ele me recebeu em sua sala, deu uma folheada no meu trabalho q já corrigira, e me aceitou. Fiquei simplesmente exultante. Ter um professor doutor q acreditava na minha capacidade era um sonho realizado. E, junto com a oportunidade de estudo, vinha uma bolsa do governo. Ao ser aceita na Iniciação Científica, eu passaria a receber dinheiro das agências de fomento, o q seria uma ajuda muito importante no meu limitadíssimo orçamento de estudante.
No encontro seguinte com István, ele me fez sentir ainda mais importante:
- Fernanda, vc já está dentro do grupo, foi a primeira selecionada. Eu já tenho um pouco de experiência em pesquisas coletivas, e sei como é importante ter um grupo harmonioso, em q todo mundo se dá bem e não fica de picuinha. Estou pensando em incluir mais uma colega da sua sala, então antes de falar com ela queria saber de vc se vcs têm alguma coisa uma contra a outra, alguma rivalidade, se vc acha melhor eu não incluir a Mainá no grupo.
Como dito acima, ela era apenas uma "conhecida de vista", e assim como eu não tinha nada particularmente a seu favor, tb não tinha nada "contra" ela. Então lhe disse q por mim tudo bem, q ele chamasse a Mainá. Satisfeito, István me pediu então para ir procurá-la, ver se ela estava no prédio da História e Geografia, alcunhado "rodoviária".
Fui, e a encontrei sentada numa mesa da biblioteca, ao lado de outras colegas q na época eram "meras conhecidas": Júlia, Marília, Alessandra, Luciana. Me aproximei da mesa delas, elas levantaram a cabeça estranhando o q eu estava fazendo ali, pedi licença, me abaixei ao lado de Mainá e disse:
- Oi, tudo bom? Então, eu estava agora com o István e ele pediu pra eu te procurar pois ele quer falar com vc sobre vc entrar no grupo de iniciação científica.
Todas abriram sorrisos, algumas balançaram os punhos fechados em torcida e falaram: "Vai, Mainá". Ela se levantou e foi comigo à sala do István. Nesse trajeto trocamos nossas primeiras palavras, ela muito feliz e não acreditando q iria ser incluída no grupo de iniciação.
Muito mais q colegas de pesquisa, a partir daí nos tornamos amigas pessoais. Uma importante marca de Mainá é sua simpatia. Não daquelas "estudadas", surgidas da "esperteza social", mas espontânea, q exala de uma pessoa feliz, animada, receptiva, cheia de vida. De bom grado, Mainá me apresentou a todo o seu grupitcho, e me vi incluída no "Barrados no Baile".
Pra quem não sabe do q falo, este foi o nome q o seriado "Beverly Hills 90210" recebeu no Brasil. A gíria se refere a um grupo de amigos no estilo da poesia "Ciranda" de Carlos Drummond de Andrade, um grupo unido no qual várias pessoas estão romanticamente interessadas umas pelas outras. Além disso a maior parte era de pessoas muito "bem nascidas", só um ou outro trabalhava, e muitos tinham carro. Vários membros namoravam e ficavam com outros, todos do mesmo grupinho de colegas de faculdade. De forma bem menos promíscua q eu, como paulistana, imaginava q seria. Muitos eram "do interior", e até virgens, então a "putaria" foi bem menor do q eu até certo ponto esperava, ou ansiava, ou desejava, q tivesse sido.
Um exemplo. Um dos nossos colegas, um "moreno alto" barbudo caiu no meu radar de interesses. Em certa festa da Geologia pedi justamente a Mainá q "nos agitasse", ou seja, lhe comunicasse meu interesse e prospectasse se ele tb tinha algum por mim. Infelizmente, a recíproca não era verdadeira. Alguns meses depois a própria Mainá começou a namorar com ele, sabendo q eu tinha uma "queda" pelo rapaz em questão. Em nenhum momento isso abalou ou foi empecilho pro prosseguimento de nossa amizade. Saíamos os 3, eu Mainá e R, seu namorado por quem eu era "gamadinha", tudo na santa harmonia, sem nenhum tipo de rivalidade ou veneno. Ninguém escondia nada nem ficava "armando coisas" pelas costas de ninguém. Uma verdadeira lição de civilidade. Se Mainá fosse uma pessoa maldosa, com pé atrás, teria "me cortado" do seu círculo de amizades. Se me visse como "uma rival" de olho no seu namorado, capaz de fazer "guerrilha psicológica" e criar disse-me-disse, eu não teria tido nem metade das experiências universitárias pelas quais passei.
Tudo o q meu primeiro ano de faculdade teve de parado e solitário, os anos seguintes tiveram de agitados e cheios de amigos. Com o endosso de Mainá, um membro muito querido por todos, fui aceita e comecei a sair com eles para cervejadas no DCE, quinta-e-brejas na ECA, festas no Centro Acadêmico da Veterinária, idas ao boteco San Raphael, à Casa do Norte e ao Jardim Elétrico. E assim, pelo menos 50 pessoas q eram até então "meros conhecidos" se tornaram meus amigos.
Passei a frequentar tb as festas na casa da galera do Barrados no Baile, muitas de arromba, com gente diferente e interessante, algumas festas estranhas com gente esquisita, e tb infinitas idas a barzinhos em Pinheiros e na Vila Madalena, em inferninhos no Centro Velho e inúmeros outros lugares.
Tb fizemos muitas viagens, pela faculdade, como a ida a Brasília, e aos BIFES (uma espécie de Olimpíada universitária), e tb à casa de amigos à Jaborandi-SP, Poços de Caldas-MG e Cristina-MG, além da viagem de formatura a Pouso do Cajaíba, vila de pescadores na cidade de Parati-RJ. Ao lado de Mainá estive em 4 estados brasileiros, sem contar SP. E em várias dessas viagens ela, generosamente, aceitava dividir quarto comigo, sabendo q dentre todos os membros do nosso grupitcho, era com ela q eu tinha mais proximidade.
Não fosse eu ter ficado amiga de Mainá e dessa forma entrado no seu "grupo de amigos" tenho certeza q eu não teria gozado a maravilhosa e festeira vida universitária da qual lembro com tanta saudade. Se eu não tivesse sido aceita no "Barrados no Baile" a USP teria sido muito sem graça, só estudo, leitura, pesquisa e aulas.
Sendo do grupo, podia frequentar inúmeras festas em Fraternidades e Repúblicas estudantis, como a Casa Rosa e a Casa do Coqueiro, e ampliar radicalmente meu círculo de amizades. Mainá me franqueou acesso a todo um Universo da experiência universitária q, sem sua amizade, eu não teria desfrutado. Lastimo apenas q eu não tenha tido acesso mais cedo a uma máquina fotográfica digital, pois foram muitas as saídas memoráveis de nosso grupo q quedaram sem registro.
Ainda assim, só tendo uma câmera à mão da metade do curso em diante, mesmo tendo selecionado apenas as melhores fotos, tenho no meu perfil do Facebook 8 álbuns, todos com mais de 50 fotos, de minhas lembranças da FFLCH-USP. Registros inestimáveis de uma vida universitária agitada, festiva, cheia de amigos, de sorrisos, de cervejadas, barzinhos, viagens, brincadeiras, sonhos.
A maior parte dos nossos 270 colegas de curso não teve nem um terço de minha experiência universitária. Os "colegas de sala" meramente "conhecidos de vista", como eu era antes de me aproximar de Mainá, não eram convidados para essas saídas a barzinhos, festas em Repúblicas, amigos secretos, comemorações de aniversário, às quais tive oportunidade de comparecer, e q me proporcionaram tantas experiências interessantes, enriquecedoras e saudosas.
Antes q o leitor pense q gosto de Mainá só pq ela me apresentou a seus amigos, isso não contempla nem 20% da verdade. O q mais me fez ter consideração por ela é sua Humanidade. Ela ser "gente de verdade", autêntica, q não faz pose nem "tipo". Mainá, sendo frágil, é muito "firmeza", alguém com quem se pode contar. Alguém a quem se pode sem reservas confiar segredos, q não fica "maldando" as coisas, não tem aquele olhar de esguelha de quem está sempre com pensamentos subjacentes e "segundas intenções", nos julgando.
Mainá é desprovida de uma característica essencial à vida em sociedade, e cuja ausência é até certo ponto louvável: sangue-frio, o q tb poderia ser chamado de "cara de pau" ou auto-domínio. O constatei quando certa vez, no IEB, nosso grupo de Iniciação, completado por André Godinho, Bruno Garfield, Júlia Basso, Maria Inês de Carvalho, e Déia Placitte se reuniu para apresentar ao nosso orientador uma prévia dos resultados de nossa pesquisa, q divulgaríamos no SIICUSP.
Ao iniciar sua exposição, aos poucos sua voz foi ficando baixa e falhando. Nervosíssima, começou a gaguejar, a esmorecer, fraquejar. A certa altura, desesperada e timidamente inibida por estar falando em público, sendo avaliada por nosso respeitadíssimo orientador, se sentou e cabisbaixa disse q não conseguiria prosseguir. No silêncio constrangedor, enquanto os demais se entreolhavam, levantei, me posicionei onde Mainá estivera de pé e, estando familiarizada com sua pesquisa, dei prosseguimento à sua exposição, como se fosse ela, e concluí a apresentação q deixara pela metade. Ela era minha amiga muito estimada e, a vendo em apuros, me sabendo capaz de acudi-la, não tive dúvidas.
Como tive uma criação muito diferente e mais "hard core" q Mainá, sempre protegida pelos muros altos de escolas particulares e cercada de amigas patricinhas, eu sabia q tinha mais "jogo de cintura", era mais "safa" q ela. E da mesma forma q ela me ajudara num campo em q eu era falha, a socialização, de bom grado eu via a oportunidade de, reciprocamente, ajudá-la num campo em q ela era falha: não ter medo de se expor ao escrutínio público.
Sem dúvida, Mainá foi, é, uma das amizades fundamentais na minha vida. Alguém por quem tenho mais carinho do q pelas minhas próprias irmãs de sangue. Mainá é uma irmã q a vida me deu. Para mim sua amizade é fundamental, preciosa, sem prazo de validade, do tipo q nem o tempo nem a distância faz diminuir. Sou profundamente grata por tudo o q ela fez por mim, mesmo sem se dar conta.
Se eu não tivesse me tornado sua amiga, minha graduação em História na USP não teria tido metade da graça, eu teria ido a menos da metade das festas a q fui, e 70% das pessoas q se tornaram meus amigos de curso, eu não teria conhecido com mais profundidade. Mas, mais importante q isso, teria deixado passar "em branco" uma das melhores pessoas, daquelas profundamente humanas e raras q às vezes cruzam nosso caminho, cuja amizade é sincera, de cuja boca saem verdades, q não ficam fazendo pose nem fingindo ser o q não são.
Num texto anterior, disse q há 2 ou 3 pessoas no mundo q podem dizer na minha cara uma verdade crua sem q eu enfie meu indicador em seu nariz, numa violenta reação de auto-preservação. Mainá é uma delas. Um dos 2 ou 3 amigos a quem sei q posso me abrir sem reservas e contar meus mais iníquos segredos, pois por tudo o sobrescrito e muito mais, além de minha amiga, é uma pessoa em quem tenho plena confiança. Para o q der e vier.
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Legal! São poucos os amigos que a vida nos dá e centenas os conhecidos. Bjoo
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