quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A mais louca festa de 15 anos




Antigamente, era costume resguardar as filhas na privacidade do lar, preservando-as e à sua honra até o momento de elas finalmente serem apresentadas à sociedade, quando já fossem "moças na idade de casar". Na tradição hispano-americana essa apresentação se dava na "Festa de Debutante", ou "Quinceañera", quando a moça completava 15 anos e ganhava uma grande festa de gala, q marcava sua entrada na sociedade e de certa forma no "mercado do casamento".

Eu mesma não cheguei a ter uma festa de Debutante pois preferi substituí-la por uma viagem. Mas tive oportunidade de comparecer a alguns desses bailes de amigas. Mas a mais marcante comemoração de 15 anos a q compareci não foi um baile de Gala.

No primeiro colegial estudei com uma semi-xará, MFC. Tínhamos a mesma idade. Ela era uma moça magrinha, mignon, bonita, cheia de vida, alegre. Grande foi a surpresa minha e de meus colegas quando ela nos disse q já era mãe, de um bebê recém-nascido. Nada em seu jeito ou compleição denunciava q ela já tinha um filho.

Muito animada, eu diria baladeira, em pouco tempo me chamou pra comemorar seus 15 anos. Como seus pais estavam a gastar muito dinheiro com a neném q tivera aos 14 anos, e tb não fazia muito sentido promover um "baile de apresentação social" para uma moça q já era mãe, tinham lhe avisado q não lhe fariam um baile de Debutantes. Ela não se fez de rogada e resolveu comemorar numa danceteria, apenas com amigos.

Não me lembro pq Chico, Romeu e Maristela, q estudavam conosco, não foram. No dia da festa peguei minhas roupas de clubber, meti na mochila e fui de ônibus pra casa de MF. Lá conheci, enternecida, sua linda neném, P., com uns 3 meses, ainda em amamentação. Nos vestimos, maquiamos, perfumamos, ela deu um beijinho de despedida na filha e disse:

- Tchau, meu amor, mamãe vai pra balada!

De lá fomos a pé à casa de outras 2 amigas, A. e D., de cabelos coloridos e meio cybers. Pegamos o ônibus para a Moóca, já em clima de festa. Descemos na porta da Over Night, casa noturna célebre na época, cada uma em posse dos seus documentos "de maior" ;)

Como dentro da balada a bebida sempre é mais cara, começamos a fazer nosso "esquenta" num boteco lá perto, bebendo batidas de vodka e pinga com mel. Ao ver MF beber tive a preocupação de perguntar-lhe se ela ainda não estava "de resguardo", parida, pois seu bebê ainda era muito pequeno, ao q ela simplesmente respondeu: "Não! Relaxa, Fê!"

Ok. Entramos na Over Night. Dançamos na techneira ensurdecedora, mesmerizadas pelo jogo de luzes. A certa altura, MF chegou até mim bastante pálida, suada e desgrenhada, dizendo q estava passando mal. A. e D., entretidas com a música e os rapazes, meio q deram de ombros e falaram para eu levá-la ao banheiro. Escorei MF o melhor q pude e a carreguei até lá.

Abafado, sujo e lotado, ficamos uns 5 minutos na fila até q ela sussurrou q não aguentava mais tanto calor e me pediu para tirá-la de lá. Com muita dificuldade devido à lotação da casa noturna, meio q escoltei, meio q arrastei MF pra fora, já sabendo q não poderíamos retornar e q nossa balada acabaria por aí.

Sentamos na calçada, na frente dum bar. Ela meio q mais pra lá do q pra cá enquanto eu, ansiosa e preocupada, perguntava a cada minuto se ela estava melhor, sem q ela respondesse nada. Naquele momento, vendo uma adolescente magrinha recém-parida passando mal sob minha responsabilidade, o sangue gelou nas minhas veias no pensamento: "Putz, e se ela morrer agora? Com q cara vou falar pros pais dela como isso aconteceu? E a bebezinha dela, vai crescer sem mãe? Meu Deus, q q eu faço?!"

Vomitou a cântaros. Percebi q ela estava a um passo de desmaiar. Sem dinheiro para pegar um taxi, entrei no bar e perguntei se podiam nos ajudar, se alguém nos levaria ao hospital. A resposta veio na displicente frase: "O q não falta aqui é bêbado passando mal todo dia." Deixando claro q ninguém ali faria nada por nós.

Já desesperada, vi uma viatura da Polícia Militar passando em nossa frente, pois nessas baladas, além de bêbados passando mal, eram comuns as brigas. Não tive dúvidas. Me pus na rua e sinalizei pra viatura parar. Pensei q talvez não socorreriam minha amiga por estar simplesmente bêbada, então lhes disse:

- Por favor, me ajudem! Minha amiga teve um neném há 3 meses. Ela tomou só um copo de batida e está passando muito mal. Ela precisa ir pro hospital! Por favor, nos ajudem!

Os 2 policiais desceram, deram uma conferida em MF desfalecida na calçada, toda suja de vômito, e falaram q tudo bem, iam nos ajudar. Pegaram cada um num ombro de MF e a colocaram no banco de trás. Sentei ao seu lado, e esta foi a primeira vez em q entrei numa viatura da Polícia.

Não lembro a qual hospital nos levaram. Chegando, enquanto colocavam MF na maca, ela só teve forças para dizer:

- Não fala nada pros meus pais...

A puseram na enfermaria. Apesar de ser um hospital público, fomos atendidas rapidamente. Enquanto a examinavam me disseram para ir fazer a ficha dela. Pedi q ela me desse sua carteira, e ela não reagiu. Retirei a carteira do bolso de sua calça e fui à recepção. Encontrei seu RG falso "de maior" e o verdadeiro, "de menor". Com medo de q descobrissem a falsificação e isso trouxesse ainda maiores transtornos, entreguei o verdadeiro e quando a atendente pediu o telefone de seus responsáveis, pois ela era menor de idade, apesar de ter o número, disse q não o sabia, pois se o informasse talvez ligassem imediatamente.

Ficha preenchida, retornei à enfermaria e sentei-me no cantinho da maca de MF, pois não havia cadeira. Deitada de lado com o soro na veia, o q saía de sua boca não era mais vômito, mas um líquido viscoso esverdeado. Eu jamais vira alguém vomitar algo verde e fiquei muito alarmada, achando q ela estava à beira da morte. E se ela morresse ali, como eu explicaria aos seus pais, q eu cumprimentara algumas horas antes, pq não dera seu telefone na recepção? Se ela morresse, com q cara no futuro eu explicaria a P, q eu acalentara algumas horas antes, em q circunstâncias ficara órfã?

Chamei a enfermeira:

- Acuda! Minha amiga tá vomitando verde!

Calmamente, a enfermeira veio, verificou o soro e o vômito esverdeado. Meio em tom jocoso me disse:

- Não precisa se preocupar, já administramos glicose pra sua amiga. Isso q ela está vomitando é bile. Não precisa se preocupar. Em algumas horas ela estará pronta pra outra! Só fica de olho pra ela ficar deitada de lado. Se ela virar de barriga pra cima pode se sufocar no próprio vômito...

Eu sabia da existência da bile, mas achava q ela apenas "descia" da vesícula biliar e do duodeno para os intestinos. Não tinha a menor idéia q o fluxo do trato intestinal poderia ser revertido e a bile "sair por cima". Eu mesma nunca bebi de passar mal ao ponto de ser hospitalizada e precisar tomar glicose na veia, e nunca cheguei ao ponto de vomitar bile. Aquela foi uma experiência inédita e, até hj, única.

As horas da madrugada passaram sem q nenhuma sombra de sono me acometesse. Como eu poderia dormir me vendo responsável por uma querida amiga, mãe recente, desmaiada num ambulatório de hospital público, tendo q me certificar q ela não morreria sufocada no vômito quase fluorescente q expelia?

Creio q já eram umas 10 da manhã quando ela acordou e ainda zonza me perguntou como tínhamos chegado ali. Lhe relatei o q ocorrera durante seu desmaio. Ao ir recobrando lentamente os sentidos, me agradeceu por não ter avisado seus pais pois eles "a matariam se soubessem".

Já era mais de meio dia quando ela se viu em condições de ficar em pé. Minha casa não era perto da dela, mas lhe perguntei se ela queria q eu fosse com ela de volta. Já quase "pronta pra outra" disse q era melhor não, pois isso só faria seus pais acharem q algo tinha dado errado. Combinamos q ela diria aos pais q depois da balada ela tinha ido dormir na minha casa, por isso estava voltando tão tarde. E q eu deveria dizer o mesmo na minha casa: q depois da balada eu teria dormido na casa de MF.

No fim das contas, deu tudo certo, ninguém desconfiou de nada, pois mesmo quando ainda tínhamos 15 anos, já era comum q voltássemos pra casa só na tarde do dia seguinte. MF hj é muito bem casada, com 4 filhos. P hj já é uma moça, linda e muito bem criada.

Infelizmente, devido à formação de turmas em nossa escola, em anos posteriores não estudei mais com MF e acabamos por nos afastar. Uma pena, pois teria sido muito legal ter ido a mais baladas com essa minha amiga "louquinha" e cheia de energia. Mas ficou essa lembrança, da mais curta e tresloucada festa de 15 anos a q já fui. Do medo e da surpresa. Da primeira vez q "peguei carona" numa "veraneio vascaína". Da primeira vez em q fui responsável por outra pessoa além de mim. Do alívio de ter conseguido socorrer minha amiga, levá-la ao hospital, ser "firmeza" com ela, e ter conseguido devolvê-la inteira à longa vida q a espera.

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