Além da blusa de gola polo do uniforme, que não pode ser customizada, são obrigatórios calça jeans azul denin, em lavagem média, pois se for clara ou escura demais pode não ser considerada “da cor do uniforme” e tênis com meia, sem boné. Pode parecer bom, mas em Rio Claro, em 70% da duração do ano é torturante tal qual uma burka no deserto a calça comprida de tecido duro, o tênis necessariamente fechado com meia e a suadeira gola polo.
Como professora, com certa liberdade de usar regatas, sapatos abertos e até bermuda, muitas vezes sinto pena dos alunos abanando-se em suas blusas mauricinhas, ou enrolando para diminuir em alguns centímetros a barra das calças pesadas. Não sou contra a uniformização dos alunos, apenas é visível a inadequação deste modelo do uniforme às condições climáticas tropicais. Também é questionável a falta de opção por uma bermuda escolar, como existe em praticamente todas as escolas estaduais.
Às vezes é com especial ênfase que no capítulo sobre Fascismo alerto aos alunos que essa questão da uniformização é, em toda a expressão do termo, uma política fascista. E que este simples fato, numa sociedade pseudo-democrática pós-68 já é argumento mais do que decisivo numa discussão. A qual infelizmente eles não têm mobilização coletiva para empreender...
Em outras escolas, normalmente a única peça exigida do uniforme é a blusa. A parte de baixo pode ser calça ou bermuda, de qualquer cor (mesmo as mais berrantes, como agora anda em voga na onda dos “coloridos” pós-emo). Nos pés, não se legisla sobre as meias, e todo calçado é aceitável, até os de saltinho que as meninas gostam de exibir já na quinta série, ou até antes... Bonés, em algumas escolas são liberados, em outras não, à guisa da direção. A respeito de roupas, tenta-se apenas interferir quando há algo muito curto, como uma mini-saia.
É claro que na escola que gosta de Vigiar e Punir exercendo até a última gota da Microfísica do Poder os alunos encontram suas maneiras de respeitar e burlar as regras ao mesmo tempo. Meninos expressam-se nas meias berrantes, tênis esdrúxulos, cabelos em moicano-Neymar ou lambido-Justin Bieber e mochilas pichadas freqüentemente com o “espiritual” símbolo do Yin e Yang e o singelo acróstico PJL. PJL refere-se ao lema “Paz, Justiça e Liberdade”. Para os mais desinformados, estes são estandartes do PCC, Primeiro Comando da Capital, “organização criminosa que age dentro e fora dos presídios paulistas”. Aparentemente este “fora” inclui servir como ídolo de rebeldia nas escolas estaduais...
As meninas compram a blusa do uniforme em número bem menor, de forma a forçar um modelo “baby look” e usam sob a peça branca soutiens coloridos e estampados, que destacam-se sob o tecido barato semi-transparente denunciando desejos de apelo sexual adolescente. Ostentam brincos, prendedores de cabelo, relógios, bolsas e afins bem chamativos para diferenciar-se na uniformização imposta. Ademais costumam, às escondidas, enrolar a barra da blusa para deixar a barriga de fora.
Nessa circunstância uma aluna da sexta-série foi flagrada por uma burocrata sedenta de reafirmar seu poder. A menina gelou enquanto percebia um sorriso sádico desenhando-se no rosto da não senhora, mas Dona. A burocrata, fingindo estar chocada, pegou a menina pelo punho e a levou à antessala da vice-direção. Adentrou velozmente o recinto e interrompendo a subalterna ao telefone sentenciou em seu comum tom severo:
- Encontra agora a mãe dessa menina e diz para ela vir buscar ela hoje pq elas vão ter uma conversa séria comigo. Olha a roupa dessa menina, vê se pode, barriga de fora!
A garotinha permaneceu o resto da tarde de castigo por ali, observando o vai-e-vém da secretaria. Ao chegar o horário da saída, teve que esperar mais uma larga hora para que sua mãe saísse do trabalho e chegasse à escola. A burocrata subalterna que a vigiara observou quando a mãe apareceu e principiou a subir as escadarias.
Menos de 30 anos, cabelos desgrenhados presos numa piranha, blusa surrada de alcinha fina que deixava de fora o soutien barato de pseudo-renda vermelha, não chegando a cobrir-lhe o umbigo. Exibia sua flácida e desbotada barriga tigrada. Trajava shorts de stretch cujo modelo, desculpe a referência chula, poderia ser descrito como “do Tchan” por evocar o uniforme das dançarinas da boquinha da garrafa. De sua postura emanava um odor amilscarado de vulgaridade indisfarçada.
A sub-burocrata encaminhou rapidamente mãe e filha para a sala da chefona exibindo às costas delas um certo sorriso sádico. Não por elas, mas pelo carão, que infelizmente não poderia divisar da “Big Boss” ao conferir o naipe da mãe da garota. Coisa rara, a enérgica e prolixa veria-se despida de palavras. Cena mais do que anedótica.
Se a mãe se apresenta para uma reunião com a diretora da escola de sua filha não só com a barriga, mas também praticamente com a bunda de fora, seria certamente cavar na água todo o sermão sangüíneo e enfático que estava na ponta de sua língua e uma divertidíssima comédia de erros a cena que se desenrolaria a seguir.
Diante da mãe “pelada”, que se poderia dizer à filha com uma banal barriga de fora?
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