quinta-feira, 11 de agosto de 2011

De como Irene adentrou ao Céu

“Irene no Céu” – Manuel Bandeira

Irene preta

Irene boa

Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no Céu:

-Licença, meu branco!

E São Pedro bonachão:

-Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.


Irene in Heaven” – Manuel Bandeira (minha tradução para o inglês)


Black Irene

Good Irene

Irene always in good mood.

I imagine Irene getting into Heaven:

-Excuse me, my (fellow) white (dude)!

And good-natured Saint Peter:

-Come in, Irene. You don’t need to ask (for) excuse.


Essa belíssima poesia de Manuel Bandeira externa como a língua determina e delimita nossos conceitos a partir dos subtextos e múltiplos significados que cada palavra guarda. Embora tal possa ser descrito em vários textos, escolhi este por sua brevidade e fácil compreensão.

Este texto nos mostra como, numa mesma frase, uma língua diz uma coisa enquanto outra descortina significados divergentes, com outras implicações. Alguém que leia tal poema apenas em sua tradução inglesa não compreenderá exatamente o que Manuel Bandeira quis dizer. E isso tem implicações teológicas.

O cerne é a diferença semântica entre o português “pedir licença” e o inglês “to ask for excuse”, que embora equivalentes numa tradução, estão longe de significar plenamente a mesma coisa.

Quando, em português, Irene pede “licença” compreendemos que ela está “pro forma”, por educação, solicitando permissão, solicitando permisspenamente a mesma coisa.as implicaço para adentrar num recinto enquanto já está entando. Irene solicita autorização. Em espanhol, seu "permeso" é equivalente ao português.

Em inglês o "excuse me", embora seja equivalente ao português para "Solicitar permissão para adentrar num recinto", também traz outro significado: o pedido de perdão, desculpas.

Ao adentrar ao Céu, em inglês, Irene não pede apenas permissão, pede perdão. O que, para entrar no Céu, traz todo um significado teológico ausente no português.

Em português, não podemos inferir nenhum sentido de culpa, arrependimento ou pedido de perdão no "licença" de Irene, mas no seu "excuse me" inferimos toda uma gama de significados de passividade, arrependimento e culpa ausentes no português.

Tanto licença como excuse formam verbos. Em português, "licenciar" é análogo ao inglês "to license". Eu licencio meu carro todo ano, ao pagar os impostos necessários para ser autorizada por rodar como ele pelas ruas. O "Licenciamento" anual é obrigatório para todos os carros brasileiros. "Licenciar" também é equivalente ao adquirir os copyrights de uma obra.

Em inglês "to excuse" significa "perdoar", justificar, excusar. Nada análogo ao português "licenciar".

Em português, São Pedro diz que Irene não precisa pedir permissão. Em inglês, São Pedro diz que Irene não precisa pedir desculpas. Portanto, a língua determina e delimita nossos conceitos a partir dos subtextos e múltiplos significados de cada palavra guarda, em cada língua.

Tradutore est traditore - O tradutor é traidor

P.S.: Se algum dia este próprio texto for traído, ops, traduzido, talvez seu titulo seja "About How Irene Came into Heaven" e alguém compreenda um subtexto sacrílego e ria-se sobre o que signifca o "to come" de Irene. :D


Irene never even needed to knock on heaven's door...

Guns n' Roses - Knocking on heaven's door

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