domingo, 17 de agosto de 2008

De Amy Winehouse, Ella Fitzgerald e Billie Holiday.

Sou uma apreciadora do jazz tradicional, motivo pelo qual via Amy Winehouse com certo pé atrás até há pouco tempo. Sou uma especial apreciadora de intérpretes femininas, que ressaltam a languidez das saudosas e muitas vezes tristonhas composições do jazz. Embora dançante, isso muitas vezes se dá no ritmo do dois-prá-lá, dois-prá-cá num belo solo de sax ou trombone que daria aos nossos colegiais a impressão de estarem num baile da saudade.

A primeira diferença das intérpretes clássicas em relação a Amy Winehouse que nos salta aos olhos é autenticidade e a delicadeza. Ausência de batida, de vibe, muitas vezes se ouve apenas um sutil dedilhar de piano dando apoio sem ofuscar a voz das intérpretes, como em “In a Sentimental Mood”, ou mesmo quando da presença contundente da great band em “Tea for two”, ela se cala para apenas delinear ao fundo a voz da intérprete. Mesmo uma música dançante e cheia de suingue, a qualidade técnica da voz de Ella Fitzgerald é ressaltada e não ofuscada pelas linhas instrumentais. Falta coragem da indústria musical de nosso dias para focar em músicas delicadas, elaboradas, com arranjos musicais feitos para parecerem imperceptíveis, apenas um fundo de apoio à demonstração da melancolia, sonhos e saudades de uma belíssima voz feminina. Falta coragem para fazer uma música com apenas dois ou três instrumentos clássicos – piano, trompete, saxofone.

Nas músicas de Amy, percebe-se uma voz mais melodiosa, que age como mais um dos instrumentos, e não sobrepujando-se a eles. Voz e instrumentos mesclam-se nas mesmas linhas. Amy não fala das fazendas de algodão, mas das clínicas de rebilitação. Amy não fala do clima chuvoso contra a janela, mas de um cara em sua cama e seu pensamento em outro.

Amy exala uma independência própria das mulheres de minha geração, que secam as próprias lágrimas, para quem o real desafio da vida é tentar resistir a todas as barreiras e desilusões tornado-se crescidas, diferente de Ella e Billie, cujo objetivo era encontrar o tal mister right. Agora temos percussão e guitarras que apromimam-na mais do funk (o clássico e não o carioca, claro, né?). Amy é a protagonista de sua própria vida, ao contrário dos personagens das antigas composições, em que temos alguém sempre à espera de outra pessoa – talvez isso seja alterado nos próximo disco. Mais displiscente, não é em cada nota que Amy põe a força vocal de que é capaz. As coisas tornaram-se mais informais e diretas nestas muitas décadas.

Tudo isso é muito mais perceptível em seu Back to Black que em Frank, seu disco de estréia, em que a batida pop é muito mais presente. Soa Como Nene Cherry, Morcheeba e Joss Stone, e bem menos com Ella e Billie, cujos acordes e força vocal são lembrados no segundo disco (com exceção da bela e clássica There is no Greater Love, que soa tanto como Billie, já presente em Frank). Os primeiro disco é mais variado, algo compreensível numa artista que ainda tem que se provar, e talvez atirar para todos os lados para tentar agradar a uma maior amplitude do público. Compreensível na menor liberdade criativa de artistas em início de carreira. O próprio nome Back to Black já sugere que ela retoma uma trajetória da qual talvez tenha se visto na contingência de transigir, aceitando uma escolha alheia de seu repertório. Amy agora não tem mais nada a provar. Apenas deve tentar manter-se viva e em pé. Parar de exalar a morte e decadência. Isso lhe dá uma aura interessante, mas como pode nos furtar de uturos discos, espero que tudo o mais passe.

Amy não tem idade nem sofreu preconceitos ou colheu algodão para ser melancólica como as intérpretes clássicas, e é bom que Amy limite sua ambientação de época ao penteado e maquiagem caricaturais. Embora todo jazz sempre parta do clássico, a releitura da judia inglesa de galante sobrenome soa como algo de nosso tempo. Aos poucos, conforme amadureça, Amy poderá nos presentear com sempre novas jóias musicais, pois seu talento intrínseco não fica desapercebido a quem escuta suas músicas.

Sou da opinião que toda vida interessante deve ter uma boa trilha sonora. Amy Winehouse acaba de entrar para a minha lista de artistas preferidos.

Indicações de músicas para quem quiser procurar:

Ella Fitzgerald – Don't get around much anymore
Ella Fitzgerald – Accentuate the positive
Ella Fitzgerald – Ain't got nothing but the blues
Ella Fitzgerald – Sophisticated lady
Ella Fitzgerald – Tea for two
Ella Fitzgerald – I got rhythm
Ella Fitzgerald – Stormy weather
Ella Fitzgerald – Here's That Rainy Day
Ella Fitzgerald – Heart And Soul
Ella Fitzgerald – In a Sentimental Mood
Billie Holiday – As Time Goes By
Billie Holiday – Blue moon
Billie Holiday – Dream a little dream of me
Billie Holiday – I'll be home for Christmas
Billie Holiday – Summertime
Billie Holiday – Them There Eyes
Billie Holiday – Night and Day
Billie Holiday – I'm a Fool to Want You
Billie Holiday – I'll Be Seeing You
Amy Winehouse – Rehab
Amy Winehouse – You Know I'm No Good
Amy Winehouse – Just Friends
Amy Winehouse – Back To Black
Amy Winehouse – Tears Dry On Their Own
Amy Winehouse – He Can Only Hold Her
Amy Winehouse – Addicted
Amy Winehouse – (There Is) No Greater Love
Amy Winehouse – What Is It About Men?

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