terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Meu fim do mundo



O fim do ano de 2012 foi bastante especial. Foi a última vez, creio, em q nos permitimos entrar numa onda milenarista apocalíptica. Nos documentários e noticiários não se falava em outra coisa além de q em 21 de dezembro de 2012 acabava-se o calendário maia. E assim, ou o mundo seria destruído ou entraria finalmente na "era de Aquário", ou no décimo quarto Baktum.

Desde pelo menos 1999 e o "Bug do Milênio" o Ocidente ficou meio "em suspenso" esperando se o "Juízo Final" chegaria nessa época, ou posteriormente, a curto prazo. Agora, no princípio inócuo de 2013 creio q já podemos estar relativamente seguros q não estamos diante das convulsões dos finais do tempo. Nada de tempestades solares, nada de agitação das placas tectônicas, nada de alinhamento galático, nenhum cavaleiro do Apocalipse ou anti-Cristo...

21/12/2012 foi um dia bonito e ensolarado, sem nada demais. Nenhum evento significante, nenhum eclipse, não faltou luz, as redes de comunicação funcionaram. Um dia como qualquer outro.

Por menos "esotérica" q eu tente ser, tb eu estava com certa "paúra", ou "temor" de q os maias estivessem certos. Tendo isso em vista, procurei não passar vontades em 2012. Fui profundamente auto-indulgente. Comi, bebi, falei e fui em todos os lugares q tive vontade. Aceitei convites q em outros tempos teria recusado. Gastei dinheiro em coisas q em outros tempos não teria comprado. Mas tudo meio como se fosse brincadeira.

Eu não acreditava verdadeiramente q 2012 seria o fim. Não cheguei a "curtir a vida adoidado", não saí muito de minha zona de conforto, não fiz nada do q me arrependa, não saí gastando prodigamente. Sequer enchi o tanque do carro, estoquei comida nem zerei meu saldo bancário. Eu poderia ter gasto até o último centavo do meu parco dinheirinho, mas como esperava q viesse um 2013, não o fiz. Sabiamente.

Aproveitei o fim de 2012 amplamente, como pode ser visto nesses álbuns do Facebook https://www.facebook.com/media/set/?set=a.384984961573088.86920.100001847635503&type=3 e https://www.facebook.com/media/set/?set=a.413768972028020.93023.100001847635503&type=3 Mas minha maior surpresa se deu na noite de Reveillon, na passagem de 31/12/2012 para 01/01/2013.

Eu estava em Sampa hospedada na casa de minha amiga Mainá Prada. Fomos numa festa ma-ra-vi-lho-sa e voltamos lá pelas 4 da matina. Fim de ano impecável. Até q ao meio dia do dia primeiro de janeiro meu telefone celular tocou. Era minha madrinha Maria José Tomasella reportando q a casa da minha avó, na qual eu moro em Rio Claro, tinha sido arrombada e roubada justo na noite de Reveillon, enquanto eu muito sorridente e despreocupada brindava a virada do ano a 180 kms de distância.

No começo, muito surpreendida, foi difícil imaginar o q teria acontecido. Pela descrição q me fizeram, a casa teria sido completamente destruída, e eu não esperava encontrar "pedra sobre pedra" ao chegar. Às 5 da tarde já estava em casa pra conferir os danos. E, para meu alívio, eram menores do q o tom alarmista de Maria me tinha dado a entender.

Todas as TV's, DVD's, videocassates e até meu PC de mesa estavam incólumes. Nada havia sido vandalizado. Absolutamente nada foi quebrado gratuitamente, sequer as porcelanas e vidros jogados pelo chão, tudo estava inteiro.

Ao ser informada q tinham entrado justo na noite da Virada, eu havia pensado q tinha sido um grupo de baderneiros pra fazer farra, quebrar tudo, espalhar cocô pelas paredes, rasgar e tacar fogo nos papéis. E comecei a calcular antecipadamente todo o trabalho q eu teria pra sustar todos os cheques, providenciar segunda via de todos meus documentos, o desgosto de encontrar meu diploma rasgado, minhas fotos de infância destruídas, meu PC quebrado com um taco de baseball e daí pra pior...

Nada disso se verificou. Nem chegaram a abrir todas as caixas guardadas. Não levaram nenhuma folha de cheque. Nem mexeram nos meus documentos. De mim, roubaram uma câmera Polaroid, alguns brincos, anéis, correntinhas e uma coisa q tinha muito valor, monetário e emocional.

O item mais precioso q me levaram foi uma barra de ouro. Não direi seu peso pra ninguém crescer o olho, mesmo q não a tenho mais. Mas perdê-la foi um golpe bastante duro, pois quem ma deu não está mais entre nós para dar-me outra.

Eu estava no comecinho da faculdade quando ao visitar Rio Claro meu avô, a quem chamo carinhosamente por "Morzinho" desde meus 5 anos, me chamou para seu quarto. Fechou a porta atrás de si, o q era bastante incomum, me pediu para sentar e disse:

- Fernanda, o q vamos falar agora é segredo. Não conte pra ninguém, menos ainda pra sua avó. Há muitos anos comprei uma coisa pra vc e acho q chegou a hora de eu te entregar. Não é muito, mas é de coração. Guarde pra quando vc precisar e eu não estiver mais aqui.

E me entregou uma barra de ouro. Pequena, cabia na palma da mão. Mas era pesada como chumbo. Eu sempre soube que era a neta favorita do meu avô, e não precisava de nenhum presente para confirmar isso. Mas aquele gesto secreto, q não deve ter sido replicado com nenhum outro filho ou neto seu, independentemente de seu valor em dinheiro, me tocou profundamente.

Me senti mais do q especial, e q Morzinho se preocupava comigo, com meu futuro e bem estar. Q mesmo quando estivesse ausente, ainda prosseguiria a zelar por mim. Não chorei em sua frente, pois ambos éramos "duros na queda". Mas depois, sozinha no meu quarto, com aquele naco de chumbo brilhante como o Sol entre meus dedos, me emocionei. Não no estilo "encontrei o pote de ouro no fim do arco-íris" mas no "há alguém q me ama e quer zelar pelo meu futuro."

Se eu fosse uma "Zé Mané" a teria vendido imediatamente e torrado o dinheiro em restaurantes, baladas e viagens já durante a faculdade. Mas meu avô sabia q eu não sou este tipo de pessoa.

Sendo muito sincera, ao dar-me conta q aquela barrinha de ouro tão pequena valia alguns milhares de reais meu pensamento imediato foi de um alívio imenso na frase "ufa! Agora se eu engravidar num susto, pelo menos posso pagar o parto e sustentar o bebê por 1 ano!" Mas como sempre foi baixíssima a chance de "engravidar no susto" o plano B era: "vou guardar isso pra um dia dar entrada na minha casa própria".

Mas ainda assim essa idéia nunca me apeteceu. No fundo, agora sei, eu jamais teria coragem de me separar daquela barra de ouro, cuja preciosidade era potencializada por seu valor emocional, muito além do monetário. Eu não conseguiria despedir-me dela. Seria como dar embora uma foto antiga, uma farda de gala, as condecorações e medalhas do meu avô, q guardo com reverência.

Sempre soube q optaria pelo "plano C". Se o plano A era vendê-la quando engravidasse e o plano B era vendê-la quando comprasse uma casa, somente o plano C me deixaria contente: jamais separar-me daquele ouro. O plano C era justamente usar aquela matéria-prima para fazer minhas futuras alianças de casamento, ir a um ourives e pedir-lhe q com aquele ouro com valor sentimental forjasse minhas alianças, meu anel de formatura, e joias para presentear pessoas da minha mais alta estima.

A primeira vez em q seriamente pensei em fazer algo com a barra foi quando num coincidentemente feliz 9 de fevereiro nasceu minha sobrinha Ana Letícia Santos. Me ofereci para presenteá-la com seu primeiro par de brincos, q seriam usados para furar seus lóbulos. Sua mãe, minha irmã Patrícia, sempre foi alérgica a bijuterias, só podia usar jóias verdadeiras. Então realmente não seria boa idéia dar à sua neném algo q pudesse resultar num choque anafilático, como um folheado de baixo valor. Só não mandei derreter a barra pra fazer os brincos pois isso chamaria mais atenção e custaria mais do q comprar o parzinho pronto, em formato de coração e com 2 pontinhos de brilhantes, q lhe dei.

Se me arrependo de algo acerca dessa barra de ouro, é apenas disto: de não ter dela tirado o brinquinho de neném q dei a Ana Letícia. Se o tivesse feito, daqui a 15 anos poderia lhe contar a bela história de q aqueles brincos não fôra eu a lhe dar, mas seu bisavô, através de mim, naquela barra de ouro.

Claro q tb me arrependo de não tê-la escondido melhor, de forma a q os ladrões não a encontrassem. Pois se ainda a tivesse, quando no dia do meu casamento colocasse a aliança dela forjada no meu dedo, sentiria consigo a presença física e o gesto amoroso do meu avô. Ou, se jamais me casasse, dela mandaria extrair pingentes q carregaria no pescoço com amor, e ao segurá-los entre meus dedos, evocaria a lembrança da proteção do meu Morzinho.

Aquela barra de ouro era meio q um seguro pra quando eu me visse sem teto, grávida, doente e desempregada, tudo junto. Sem querer ser esotérica, é possível q tenha ficado em minha posse apenas pelo tempo necessário, nenhum segundo a mais. Ao completar 30 anos, já sendo capaz de andar com minhas próprias pernas, pagar meu próprio aluguel, comprar as fraldas pro filho q eu quero ter, com convênio médico, efetiva e concursada, já não preciso mais daquele seguro "para o q der e vier". Hj, o q aparecer, sei q posso encarar. Hj, sei q me basto.

Se eu realmente achasse q o mundo acabaria em 2012, poderia ter vendido a barra de ouro, pedido demissão, viajado pelo exterior e levando uma vida de rainha. Mas em nenhum momento isso passou pela minha cabeça. Pois, se o fim do mundo como o conhecemos era duvidoso, a permanência da alma do meu avô não é. E a vaga idéia de um dia reencontrá-lo e ele me recriminar por ter traído sua confiança e o decepcionado doeria infinitamente mais q qualquer prazer q o dinheiro da venda daquela barra me proporcionaria. Sei q ele não estaria preocupado em me cobrar nada. Mas eu mesma tomaria a iniciativa de lhe dar satisfações, e por maior q fosse sua compreensão, eu jamais me perdoaria, se tivesse feito uso vil do seu presente.

Ao certificar-me q a barra fôra subtraída, além de mortificada, senti uma ponta de alívio. Jamais poderei girar uma aliança no meu anular esquerdo e nela sentir a presença do meu avô. Mas tb cessei de ser assombrada pelo medo de um dia vendê-la e me arrepender amargamente, mesmo q fosse para dar entrada numa casa. Por mais q ela tenha me sido dada como um gesto de amor, sempre me senti profundamente intimidada, e pouco merecedora dela. Mais ou menos como Moshe Rabenu diante da sarça ardente. (Êxodo 3:11). Mas saber q eu contava com ela me ajudou a ter coragem diante das adversidades. Me ajudou a ter verve, gana, confiança, até agora.

Hj sei q por pior q seja a catástrofe q se abata sobre mim, já sou MULHER SUFICIENTE para vencer. A pior parte da tempestade já passou. Já dobrei o Bojador e o Cabo das Tormentas. Calicute é questão de tempo. Sofri um trágico naufrágio, sei.

Mas já sei namorar, já sei beijar de língua, nadar, boiar, lutar, debater, refutar, enfrentar, xingar quando é a hora certa, esculachar, chamar bandido na chincha, reelaborar minha história, enfrentar meus medos, dizer não, superar, falar uma segunda língua, escolher meu destino, dirigir, pilotar, sinalizar em Libras, calcular juros, beber sem passar mal, esnobar os caras errados, ouvir mais do q falar.

Por tudo isso, o roubo q sofri no Reveillon não foi "o fim do mundo". Levaram uma coisa muito valiosa. Mas jamais poderão roubar de mim o q vale muito mais do q qquer carro, apartamento ou prêmio da Mega-Sena: a lembrança do amor inestimável do meu avô e a percepção de q já posso andar com minhas próprias pernas.

Aos 5 anos meu avô me ensinou pacientemente a andar de bicicleta numa Caloi rosa com rodinhas. Susteve meu guidão até q eu fosse capaz de me equilibrar sozinha. Então deslanchei, e dava várias voltas no quarteirão, sorridente e realizada. De forma similar, aquela barra de ouro foi minha "rede de segurança" para eu ter confiança para começar meus malabarismos no mundo adulto. Agora já profissional, já posso me jogar no vazio sem ela. Já tenho musculatura moral pra isso.

Obrigada, Morzinho, por ter continuado a segurar meu guidão mesmo já tendo feito a passagem. O senhor não precisa mais se preocupar. Já sei fazer minhas estripulias sozinhas. E se eu cair, consigo curar minhas feridas e já sei não mais chorar.

Meu pequeno desastre de fim do mundo se abateu sobre mim com um gostinho de recomeço. Minha couraça já tem espessura suficiente pra fazer qquer bala ricochetear.
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2 comentários:

  1. Muito bonito o texto!! Penso que tenha funcionado como uma catarse sobre o acontecido!

    Feliz em saber que superaste tão bem o acontecido.

    Bjo

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    Respostas
    1. E eu fico feliz de ter um amigo q se preocupa comigo e ainda gosta dos meus textos! Obrigada, Jarson! Bjs!

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