Certa feita meu sangue gelou diante de um amigo ao ouvir dele esta frase dita numa entonação de desapontamento completo. Meu sangue gelou não pq me vi “pega no pulo”, surpreendida num mal-feito. Mas pq eu não tinha a menor idéia do que ele estava falando.
* Digressão necessária *
Festa de aniversário de um colega de faculdade. Sempre tive alma de historiadora, e sempre carreguei a tiracolo em ocasiões especiais uma máquina fotográfica para “eternizar” lembranças significativas. A festa foi ótima, tiramos várias fotos hiperfestivas, hj presentes online.
A certa altura da madrugada “dei P.T.” (perda total). Para quem não conhece a expressão, “perda total” é o termo utilizado pelas Cias. de Seguro para se referir aos veículos acidentados que não valem a pena o conserto. Ao ser considerado “perda total”, um veículo acidentado não será consertado, mas inutilizado, reduzido a sucata. Popularmente, “dar P.T.” em alguma ocasião, especialmente nas que envolvem o entorpecimento alcoólico, significa algo entre “passar mal” e “ficar careta”. É quando alguém percebe que já passou do ponto, já bebeu demais. Às vezes a própria pessoa não percebe que “deu P.T.”, e os amigos ao auxiliá-lo dizem rindo-se ao seu redor “Ele/a deu P.T.”.
No aniversário acima referido, eu dei P.T. A certa altura da festa o sono me assomou incontrolavelmente, e apesar da techneira bombando na orelha, recostei-me ao lado no sofá e caí no sono. Num inferninho com “som ambiente” a mais de 100 decibéis. Sim, eu dormi.
Não era a primeira vez que eu “dava P.T.” numa festa. Já algo escolada nas frugais intermitências da vida, sabia que nessa situação havia 2 coisas essenciais a resguardar: minha “castidade” (afinal, tb diz a expressão que ** de bêbado não tem dono) e a minha bolsa. Quanto à “castidade”, por estar num ambiente público, entre amigos, fiquei tranqüila. Quanto aos itens da bolsa, sempre é mais complicado. Portanto, fiz minha bolsa de travesseiro.
No terceiro sono, lá para o fim da balada, fui acordada aos cutucões por minha amiga L.
- Fernanda, acorda! Vc tá perdendo!... Me empresta a máquina!
Como eu sabia que minha câmera fotográfica estaria segura com ela, quase sem acordar abri a bolsa sob minha cabeça, tateei até achar o case e lhe repassei a máquina com uma recomendação automática:
- Toma cuidado com ela.
Voltei a dormir. Acordei às 5 e meia da manhã com a balada encerrando-se e meus amigos equacionando as caronas. Consegui uma até o Shopping Eldorado com minha amiga M.
Nessa época, creio que em 2005 ou 2006 já tínhamos o Orkut, mas seu álbum era limitado a 12 fotos. Portanto, nossa prática comum era socializar as fotos dessas ocasiões através de nossos e-mails. No dia seguinte, como era praxe, selecionei as melhores fotos, e as não comprometedoras, e as enviei ao mailing list coletivo dos colegas de História USP 2002.
Até aí tudo blz. Sempre procurei não dar upload nem divulgar fotos de meus amigos que eu não gostaria de ver divulgadas caso eu mesma figurasse no instantâneo surpreendido. Mas houve uma reclamação. Meu amigo R respondeu ao e-mail:
- Pô, eu não apareço em nenhuma foto! Não tem nenhuma foto minha?
Eu não havia reparado, e repassando as fotos vi que de fato, apesar de presente, ele não aparecia em nenhuma das fotos que eu divulgara. Tornei às fotos não selecionadas e encontrei 2 nas quais ele aparecia. Abraçado a outra colega nossa. O detalhe é que meu amigo R tinha namorada. Que não era a moça que aparecia a seu lado nas fotos. Detalhe adicionar é que essas fotos não haviam sido tiradas por mim, mas por L, no intervalo no qual eu dormia.
Para justificar-lhe que eu não havia de propósito o excluído de nossos registros, respondi apenas e tão-somente a ele em seu e-mail pessoal:
- Até tem foto sua, mas são essas, e achei melhor não socializar.
E anexei as duas fotos dele enamorado de nossa colega comum.
Para mim o assunto morrera por aí. Até que, uma semana depois, ao chegar num barzinho na Vila Madalena para assistir ao show da banda de outro amigo da faculdade, fui recepcionada por R com a fase citada no intróito do texto:
- Fernanda, eu nunca te fiz nada, pq vc mandou aquelas fotos para a minha namorada?...!
À meia voz esganiçada e quase escapando, respondi-lhe com os olhos arregalados:
- Mas que fotos?!
Sentamo-nos. Numa entonação semelhante a de um pai que descobre que seu filho é estelionatário ele explicou-me o que se passava.
- Lembra daquelas duas fotos de eu com a M? Pois é, minha namorada anteontem veio histérica me pedir explicações sobre elas. Me mostrou um e-mail anônimo que recebeu com aquelas 2 fotos anexadas. Exatamente as mesmas fotos que vc me mandou. Pq vc fez isso comigo?!
Acho que esse foi um dos maiores constrangimentos a que já fui submetida. Completamente sem jeito, gesticulando como um jogador de futebol que alega não ter cometido pênalti, disse-lhe com toda a sinceridade que a surpresa absoluta me franqueou:
- R... Olha, eu nem sei, nem nunca soube, o e-mail da sua namorada. Eu mal a conheço, não sou amiga dela. Eu mandei aquelas 2 fotos só pra vc... Putz, não sei se meu PC tá com algum vírus, ou o quê aconteceu, mas EU NÃO MANDEI AQUELAS FOTOS PARA A SUA NAMORADA, e nem teria pq fazer isso, vc é meu amigo!
Ele fez um muxoxo que só me preocupou ainda mais. Apenas 2 pessoas tiveram acesso àquelas 2 fotos, que eu nem batera: eu e ele. E como ele seguramente não as havia encaminhado à sua namorada, a única pessoa que o poderia ter feio seria eu.
Mas ele não sabia que também não fôra eu a mandá-las. Isso estragou minha noite tal qual o vinagre talha o leite. Tal qual a Lua rasga o breu. O fato virou a polêmica da ocasião, debatida em todas mesas, com os comentaristas dividindo-se entre os que acreditavam e os que duvidavam de minha inocência.
Sentei-me ao lado de L. Quase tão desolada quanto eu e crente em minha inocência ela disse:
- Fê, eu sei que nem foi vc que bateu essas fotos, fui eu!
Percebendo minha aflição, outro colega nosso, A, muito respeitado por sua sagacidade, me abordou:
- Fê, fica tranqüila, eu sei que não foi vc que mandou essas fotos. O R. não tem a menor idéia, mas a namorada dele deve ter guardada a senha do e-mail dele. Entrou e viu o e-mail que vc mandou para o R e encaminhou este e-mail para si mesma. Usou uma conta fantasma para simular ter recebido anonimamente estas fotos para poder confrontar ao R. Eu já disse isso pra ele, mas ele não acredita que a namorada dele seria capaz disso.
Engraçado. Era mais fácil para ele crer que eu, que não tinha nenhum interesse na dinâmica de seu relacionamento, estava interferindo nele maliciosamente do que crer que sua namorada, que já estivera seguramente presente enquanto ele digitava suas senhas, e que tinha pleno interesse no relacionamento, o estava a manipular.
A intervenção de A algo me aliviou e conforme a noite prosseguiu os colegas foram se convencendo da minha inocência, baseados sobretudo no fato de que eu jamais demonstrara interesse em ficar com R. Será que se eu acaso já tivesse demonstrado tal interesse eu seria automaticamente considerada culpada?
Não sei. Só sei que me surpreendi inadvertidamente elencada a contragosto como coadjuvante numa farsa arquitetada pela namorada de R. Que a teceu completamente indiferente aos efeitos colaterais da “ficção anônima” que inventou, e sobre quem a sujeira desta mentira poderia respingar.
Desta feita fui eu. Fiquem atentos. Pois todos nós eventualmente nos descobriremos coadjuvantes elencados a contragosto numa farsa. Personagens manipulados nas biografias e mentiras de outréns.
Nenhum comentário:
Postar um comentário