sexta-feira, 18 de março de 2011

De meu desmaio lúcido

O que relatarei a seguir, sei que muitos considerarão irrelevante ou indigno de crédito. De toda forma, o eternizo, por considerá-lo relevante. Não apenas individualmente, mas coletivamente aos meus co-irmãos humanos.

“Desmaiar” significa “perder os sentidos”, cair numa espécie de sono, ou torpor, anti-natural. O que passei, creio que seja análogo às EQM’s (Experiências de Quase-Morte), a.k.a. NDE (Near Death Experience), porém num grau muito mais leve.

Contava eu entre 12 e 14 anos. Vi-me acometida por uma severa gripe, que me deixou demasiadamente prostrada, baqueada, dolorida. Conforme Regina atestou que não era um simples resfriado, mas algo um tanto mais severo, levou-me à farmácia para que o Farmacêutico me medicasse ou lhe dissesse que deveria levar-me ao Hospital.

Desconheço o endereço da farmácia, apenas lembro-me que situava-se nas proximidades da igreja (Católica Apostólica Romana) de Santa Isabel, na Vila Santa Isabel, entre a Vila Carrão e a Vila Formosa, na Zona Leste de São Paulo, capital do estado de São Paulo, Brasil.

Conforme estava eu dolorosamente enferma e prostrada, lembro-me que o Farmacêutico que atendeu-nos ao balcão tinha uma deformidade na mão direita. Faltavam-lhe dois dedos. Não sei precisar pois não tive coragem de perguntar se ele nascera com tal deformidade ou se sofrera amputações de seus dedos ao longo da vida. Apenas lembro-me que ele disse:

- Vamos aplicar uma injeção e amanhã ela estará boa.

Desconheço o conteúdo da injeção que aplicou-me; o que mais me deixou alarmada, para além do fato de que eu receberia por via intravenosa uma medicação, o que em si é atemorizante, foi o fato de que quem ia aplicar-me tal injeção não dispunha da plena função de sua mão direita. Ressabiei-me severamente e senti-me profundamente insegura a respeito da capacidade da mão disforme que aplicaria o remédio.

Escoltaram-me ambos, Regina e o Farmacêutico à sala de “enfermagem” da farmácia. Apesar de ser meio-maneta, ele destramente preparou a injeção. Sentamo-nos os 3 num banco de madeira, eu ensanduichada, ladeada por ambos. Não tive confiança para protestar a Regina meu temor, nem ao Farmacêutico. Não queria ofendê-lo, por ser meio-deficiente, mas senti-me temerosa em cólicas a respeito de sua capacidade de aplicar-me corretamente a injeção, dado que faltavam-lhe dois dedos da mão direita.

Como eu nada disse pela boca e ninguém questionou-me a respeito de meu olhar terrificado, olhei para o lado e fechei meus olhos enquanto sentia a agulha ferir minha derme. Não sei a que profundidade do aguilhão, desmaiei.

Não posso precisar a etiologia deste sintoma, uma vez que sou naturalmente hipotensa. Dizem os médicos que a pressão arterial “normal” para humanos é de 12 por 8. Jamais, em nenhuma ocasião em que foi auferida minha pressão arterial ela chegou a marcar 12 por 8. Já medi, no máximo, 7 por 11. No mínimo, 5 por 9, quando sentia-me quase morta. Posso, portanto, ter tido então um simples episódio de queda de pressão. Porém creio que a origem de meu desmaio não foi física, mas psicológica. Creio que desmaiei de medo, simplesmente. Meu sistema nervoso “resetou” ou deu “Ctrl+Alt+Del” e reiniciou. Depois que fui reanimada, não sei se espontaneamente ou via química, disseram-me que estive ausente por menos de 1 minuto. Descri. O pq se segue.

Surpreendi-me em algum tipo inclassificável de “realidade paralela” na qual tudo parecia tão palpável quanto o real e irreal ao mesmo tempo, como nos sonhos. Porém a experiência foi diferente dos sonhos pois neles tudo parece algo mais lento que o real. E neste meu desmaio o fator “velocidade” foi a nota determinante.

A única experiência Física humana na qual posso encontrar um parâmetro é o ver-se acelerado pelo ritmo de uma montanha russa, a.k.a. rollercoaster. Não senti-me presa a um carrinho de montanha russa, mas livre, como que não submetida às leis da Física, da Gravidade, do Tempo-Espaço, como estamos acostumados.

A impressão de velocidade era como o peso ao qual Atlas está submetido: achacapante, overwhelming. Comparável às cenas daqueles filmes intergaláticos nas quais uma espaçonave é subitamente acelerada. E as estrelas pontuais transformam-se em riscos de luz, devido à aceleração do observador.

De certa forma, durante a parcial lucidez deste meu desmaio, os elementos imprecisáveis ao meu redor pareciam algo fora da realidade, algo parados, algo fugidios, numa velocidade hipersônica, que eu era incapaz de compreender, medir ou tangenciar.

Não vi um túnel, e sequer uma luz ao fim do túnel. Não vi-me fora de meu corpo, não observei, como terceira, o que se passou à minha soma sem alma durante este pequeno lapso temporal que ora narro.

Pareceu-me transcorrer-se, do outro lado, uma Eternidade. Deste lado, passou-se, disseram-me, menos de 1 minuto.

Desta experiência apreendi 2 constatações fundamentais:

1 – Para além desta realidade, existe, ao menos uma, realidade paralela, diferente em conteúdo, essência e parâmetros.

2 – A apreensão humana, subjetiva, do transcorrer do compasso espaço-temporal é relativa.

Já o sabia, teoricamente, pela Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein. Curioso foi experimentá-lo, quase fisicamente, com minha alma exilada de meu corpo; e perceber como 1 minuto humano, terreno, Físico e quase material, pode corresponder a uma quase Eternidade; do “outro” lado.

Lembro-me que quando acordei deste lado, abri meus olhos sentada ainda no mesmo banco de madeira, com meu tronco parcialmente na vertical, amparada em ambos os lados, à esquerda por uma mão disforme, à direita por uma mão aversa, canhota. E ao retomar a consciência, reptilianamente retesei meus músculos de forma a antecipadamente compensar a projeção pela inércia cinética de meu tórax à frente. Meu corpo permanecera parado. Não porém minha consciência, que, atada às leis Físicas terrenas, antecipou em ato-reflexo que, ao fim súbito do movimento, seguiria-se a aceleração cinética de meu corpo àfrente, tal qual num acidente de automóvel.

Acordei, cambaleante, desnorteada, mas segura de que estivera ausente por algumas horas, dada a milenar distância que percorrera, em velocidade hipersônica. Surpreendeu-me a despreocupação de Regina e do Farmacêutico. Eu jamais desmaiara anteriormente e ainda estava algo perdida, desorientada. Em qual das várias variáveis realidades espaço-temporais estava eu agora?

Em qual Multiverso acordei?


Queen - 'Bohemian Rhapsody'

The Chemical Brothers & Richard Ashcroft - The Test

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