terça-feira, 8 de março de 2011

De como me perdi na praia quando criança

É triste como no Brasil é comum o desaparecimento de crianças. Lembro-me que fui conscientizada a respeito disso, quando criança, da forma comum aos brasileiros informarem-se sobre seus dramas sociais: através de uma novela. Ia ao ar Explode Coração, da ótima novelista Glória Peres, cujos temas principais eram a tradição cigana e os amores nascidos pela Internet (no triângulo amoroso Thereza Seiblitz, o “cigano Ígor” Ricardo Macchi e Edson Celulari), e tinha como alguns de seus temas secundários o cross dressing (na “drag queen” interpretada por Floriano Peixoto) e as crianças desaparecidas (na lindamente sofredora Isadora Ribeiro).

Em outros países, quando some uma criança, comum é pensar-se que foi seqüestrada, possivelmente por algum maníaco pedófilo. No Brasil, em que até há maníacos pedófilos, mas em menor quantidade, quando uma criança some-se, imediatamente pensa-se que ela está, simplesmente, perdida; talvez que foi roubada por uma louca querendo ser mãe, ou talvez tenha sido levada por uma quadrilha internacional que vende crianças para adoção ou tráfico de órgãos. Se rica, talvez pedirão resgate.

Casos notórios de crianças desaparecidas são o do menino Pedrinho, que inspirou outra novela, já citada, “Senhora do Destino”. Caso parecido foi retratado no filme “The Deep End of the Ocean”, cujo título em português expressa bem melhor o sentimento da meio rio-clarense Michelle Pfeiffer: “Nas Profundezas do Mar Sem Fim”. Temos também os tristes episódios das austríacas Natascha Kampusch e Elizabeth Fritzl. Coroados pelos casos ainda em aberto de Mddeleine McCann e da arquiduquesa Anastásia von Romanoff. Imagino que um dos maiores temores de qquer mãe é ter um filho, pior do que falecido, desaparecido. A incerteza é uma tortura incessante.

É reflexivo ver hoje em perspectiva que poderia eu tb ter engrossado estatísticas, sido vendida em adoção a algum casal europeu, dado ser eu branca, ou talvez sido mantida em cativeiro por algum pedófilo, pois lembro-me de quando vi-me indefesa, completamente sozinha, à mercê da sorte. E não azar, Deus seja louvado.

Contava eu 5 anos de idade. Toda a minha família estava em casa “de temporada” alugada em Santos, durante as férias de verão. Certo dia fomos à praia as mais jovens, e ficaram em casa meus avós. Estávamos, portanto, na praia: Regina, Patrícia, Cristhiane, Jaqueline e eu, com 5 anos de idade. Ora, a balzaquiana Regina provavelmente estava na praia para tomar cerveja e “chill out”. As 3 adolescentes provavelmente estavam na praia para “pegar um bronze” e “pagar de gatinhas”. Eu estava lá pelo único motivo que as pessoas deveriam ter para ir à praia: nadar no mar e fazer castelos de areia.

Já enfadada com meu castelo completo, disse que queria entrar na água. Nenhuma das demais estava interessada. Protestei, insisti. Regina então ordenou que Jaqueline fosse ao mar comigo. Levantou-se, algo reclamando, mas foi, e brincamos por algum tempo, que não sei precisar. Disse-me a certa altura que já era suficiente, que queria voltar à areia. Eu não estava satisfeita. Queria brincar mais no mar, com as ondas. Disse que continuaria ali. Atalhou-me Jaqueline:

- Vc é pequena e não pode ficar sozinha na água. Vc pode se afogar, ou se perder.

Regressamos ao grupo. Ela deitou-se e eu protestei para as demais que queria continuar a nadar, afinal, para que estávamos na praia?! Cristhiane e Patrícia disseram num muxoxo que não queriam se molhar. Regina olhou-me com a expressão de desdém que tantas vezes inferi em seu semblante e disse-me:

- Pode ir sozinha, mas fique no rasinho, e não se afaste de nós. Vou ficar de olho em vc.

Senti-me algo alegre de que ela tivesse confiança em mim de que não me suicidaria pelo simples fato de ser criança. Sempre soube nadar e considerei que a questão do possível afogamento não era um problema. Perder-se poderia ser um problema, por isso pus meus pensamentos a atinar e, enquanto ultrapassava a terceira onda, voltei meu olhar atrás para marcar bem nosso guarda-sol que era único: desenhos gráficos em laranja, típicos da modernidade da década de 1960. Numa palavra: psicodélico. Desconhecia eu então a palavra “psicodélico”. Conhecesse, talvez tivesse podido descrevê-lo melhor aos que me acharam, e tivesse sido mais rapidamente repatriada. Fixei o desenho amalucado do guarda-sol em minha mente e entrei, despreocupada no mar. Afinal: alguém responsável estava de olho, né?

Ledo engano. Passou-se algum tempo. Desconhecia eu então a existência das correntes marítimas e achei que seria fácil quando eu estivesse cansada, simplesmente andar reto de volta à praia e procurar pelo guarda-sol único. Cansei-me e retornei à areia. Procurei ao guarda-sol. Sem sucesso. Sem sucesso. Sem sucesso.

Desconhecia eu que havia sido deslocada lateralmente pelas correntes marítimas algumas centenas de metros. Não me lembro se simplesmente comecei a chorar e alguém me abordou ou se eu pedi ajuda a alguém. Recordo-me de explicar para um grupo que estava a procurar minha família. E que nosso guarda-sol era com desenhos da cor de laranja.

Procuraram por algum tempo. Disse-lhes então que poderiam-me levar, de carro, para nossa casa, pois lá estavam meus avós. Perguntaram-me se eu saberia levá-los até à casa. Claro que podia, e concluí:

- Nossa casa fica perto do mercadinho Tropical. Chegando no mercadinho, é bem pertinho.

De fato, a nossa casa ficava perto do mercado Tropical. Porém não a casa alugada em Santos, mas minha casa permanente em Rio Claro. Mas eu era criança e não tinha noção de que Rio Claro, na verdade, fica há mais de 200 quilômetros de Santos. Era logo ali, estava eu certa.

De alguma forma consideraram razoável levar-me, guiados por uma criança de 5 anos, de carro, para meus avós. Lembro-me que fui trazida pela mão por um homem algo idoso para seu carro. E lembro-me que entrei, voluntariamente, de bom grado, sem nenhuma preocupação de que eu estivesse a correr qquer risco, no carro de um estranho. Guiado por minhas indicações, aquele senhor rodou por algum tempo, obviamente sem encontrar ao mercadinho que eu estava segura de ser tão pertinho.

Para minha sorte, ou por Divina Proteção, ele não tinha nenhuma intenção escusa a meu respeito. Quando percebeu que eu era incapaz de indicar a localização da casa, perguntou-me se eu lembrava onde haviam estacionado o carro.

É claro que eu lembrava. Encontramos a Caravan dourada, estacionada ainda no mesmo lugar. Considerou o senhor meu protetor em deixar um bilhete escrito no pára-brisa do carro avisando que eu fora encontrada e que me deixaria no Corpo de Bombeiros. Levou-me ao grupamento, onde passei algum tempo que não posso precisar na companhia dos soldados de bermudinha quando de súbito apareceu Regina, com o bilhete deixado no carro entre as mãos. Não pareceu-me preocupada, mas simplesmente enervada e aborrecida pelo dissabor.

Curioso é que, mais do que ela ter me procurado e encontrado; eu, aos 5 anos, fui a secundária responsável por ter sido repatriada. E que a Divina Providência seja a principal responsável por eu não ter tido minha trajetória vulnerável interceptada por um maníaco pedófilo, ou ter-me perdido “para todo o sempre”...

O motivo da feitura deste texto não é apenas expurgar uma má e antiga memória, mas alertar ao pais para que não deixem seus filhos pequenos vulneráveis na praia, pois eles podem não ter a mesma sorte que eu tive de encontrar pessoas honestas em seu caminho.

Alertem a seus filhos para JAMAIS entrarem no carro de um estranho, por mais “amigável” que ele pareça. Ensinem-lhes a, sempre, procurar um “guarda”, policial, ou bombeiro. E que, na praia, deve-se tomar como ponto de referência algo maior que um guarda-sol, como um quiosque ou prédio particular da orla. Outras vezes em que, ainda criança, entrei no mar sozinha, fui mais esperta: guardei em minha memória à frente de qual prédio estava a entrar no mar. E não deu mais erro.


Red Hot Chili Peppers - The Zephyr Song

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