sábado, 5 de março de 2011

De como minha avó foi declarada morta ainda bebê

Não, este não é o relato de um milagre; mas de como nós, humanos, somos pretensiosos ao tentar, como nossa vã ciência, prever o futuro. A Futurologia é uma “ciência” duvidosa e, sempre, invariavelmente, desacreditada pelos fatos.

Certa ocasião estava eu escutando o cordel das dores e reclamações, compreensivamente comuns entre todos os idosos, que minha avó estava a me fazer. Porém de súbito, um sorriso iluminou jocosamente o semblante de Tula e numa inspiração espirituosa arrematou:

- Mas eu não tenho motivo pra reclamar, estou na prorrogação já há 72 anos!...

Perguntei-lhe o pq e ela relatou-me o que se segue, a história de uma previsão que sua mãe recebeu e que, para o bem de minha simples existência, não se confirmou.

Ano de 1938. Pré-antibióticos. Pré-antialérgicos. Pré-antidepressivos. Quando ainda eram doenças fatais a Sífilis, a Tuberculose, a Varíola, o Sarampo. Quando ainda não afligiam à Humanidade a AIDS, a Síndrome do Pânico, a Anorexia, as LER’s.

Minha bisavó Giselda Pilon Alves residia com seu marido Agostinho José Alves na cidade portuária de Santos, sudeste do Brasil. Na condição de estivador Agostinho com certeza era diariamente exposto a variados agentes patogênicos portados pelos marujos estrangeiros. Nessa época, ainda não existiam exames laboratoriais do tipo que hoje dispomos, os quais com alguns mililitros de sangue conseguem precisar qual agente é o responsável pela doença.

Tinham meus bisavós então apenas uma filha pequena, ainda bebê, com menos de um ano de idade, Shirleÿ, carinhosamente alcunhada “Tula”. A jovem mãe Giselda percebeu que sua filhinha estava doente, com febre alta e, preocupada, levou-a ao médico.

O Doutor, após examinar a bebê disse, sem precisar sua enfermidade, que o caso era grave, e que não poderia receitar nenhum remédio. Que a saúde da bebê era frágil e que ela “não ia vingar”.

Apenas posso imaginar o punhal que foi então cravado no coração da jovem mãe Giselda, ao ouvir o “Doutor” dizer que sua filha saíra “solada” tal qual um bolo sem suficiente fermento, que sua constituição não era suficientemente saudável, que ela era “mirrada”, frágil, enfermiça e que “não ia vingar”.

Como era uma pessoa muito prática, o médico disse que o falecimento da bebê era questão de horas. Ou, no máximo, de dias. E, para agilizar, ele poderia já fornecer à mãe o atestado de óbito da então bebê Shirleÿ Pilon Alves, para adiantar os procedimentos quando brevemente, infalivelmente, ela morresse.

Contou-me minha avó que sua mãe, muito ofendida e magoada, recusou-se a receber o atestado de óbito adiantado de sua filhinha. E que o “Doutor” não era Deus para prever o futuro e decretar quem ia vingar ou não ia.

Imagino que o médico, tão presunçoso, tenha desdenhado da esperança daquela mãe na recuperação de sua bebê. Ciente talvez das então altíssimas taxas de mortalidade infantil. Cauterizado talvez por ter atestado a morte de centenas de bebês iguais a ela. De fato, ele não tinha remédios para curar ou sequer aliviar a doença indistinta. Mas igualmente de fato não estava em seu poder prever o futuro, pois a bebê Shirley, mesmo mirrada e enfermiça, não só vingou como frutificou em 2 filhos, 5 netos, e até agora 1 bisneta, todos bastante saudáveis.

Ao regressar de tão devastadora consulta médica a católica Giselda pediu que seu marido espírita kardecista permitisse que ela batizasse na Igreja Católica Apostólica Romana à bebê, pois não queria que ela morresse pagã e padecesse o Limbo eterno. Condoído e talvez atemorizado com a possibilidade da morte de sua filhinha, Agostinho permitiu que Tula fosse então batizada. Sem conseqüências, pois sua filha posteriormente tornou-se uma praticante ativa do Espiritismo de Allan Kardec, religião muito popular, curiosamente, no Brasil. A mim de certa forma gera certo orgulho ser parte de uma minoria religiosa, da qual sou herdeira familiar, embora não freqüentadora entusiasmada como Tula, que comparece 3 vezes por semana ao “serviço religioso” (algo na verdade ausente do Espiritismo).

Não tivesse ela seu longo Destino a cumprir, de fato, não teria vingado. Mas Deus tinha um plano para ela. Não só vingou como continua cada dia a exceder a expectativa de vida comum a todos os brasileiros nascidos em 1937.

Talvez, não tivesse a Medicina avançado exponencialmente ao longo do século XX minha avó não estaria hoje aqui. Por 3 cirurgias passou, e sem o avanços modernos da Medicina tais talvez teriam sido impossíveis e ela não estaria mais entre nós. Extirpou um rim e sofreu uma histerectomia, além de uma lipoaspiração nos culotes.

É curioso como a previsão do Doutor foi negada não só pela surpreendente capacidade do organismo da bebê Tula em debelar a enfermidade que fora-lhe decretada fatal, mas pelo próprio avanço da Medicina que permite, progressivamente, a todos nós, viver muitos anos mais e aos mais jovens conviver longamente com seus antepassados idosos numa experiência reflexivamente transformadora, especialmente para uma historiadora que gosta de, pela janela, observar as idiossincrasias da Condição Humana.

Um comentário:

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