sexta-feira, 25 de janeiro de 2013
De Mainá
Ao longo da vida, temos nossa trajetória entremeada com a de muitas pessoas, de todos os tipos. Alguns serão apenas "colegas", amigos superficiais, com os quais partilhamos uma simpatia incidental, e com as voltas q o mundo dá, se afastam pelas circunstâncias, e muitas vezes vão embora sem deixar marcas.
Alguns, poucos, se tornam quase irmãos, amigos verdadeiros, pessoas estimadas, cuja afinidade é sincera e cuja ausência nos deixa saudades. E quando encontramos um desses, é bom saber reconhecê-lo e valorizá-lo, pois serão poucas as oportunidades de conhecer pessoas realmente especiais, q valem a pena.
Este texto é sobre uma dessas raras pessoas, q se contam nos dedos de uma só mão, a quem considero uma amiga-irmã.
Mainá era minha colega de faculdade. Entramos juntas no curso de História da FFLCH-USP em 2002. A cada vestibular, entravam 270 pessoas em nosso curso, e para mim ela era apenas "mais uma" colega q eu conhecia "de vista", mas com quem não conversava.
Durante meu primeiro ano de faculdade, tinha poucos amigos, mais estudava do q ia a festas, pois não era de nenhum "grupitcho", e namorava alguém de fora deste ambiente. Ao final do primeiro ano de faculdade, fazíamos o curso de "História do Brasil Colonial II" com o prof. Dr. István Jancsó. Ele nos deu um trabalho de pesquisa com tema livre e concluiu:
- Ano q vem formarei um novo grupo de iniciação científica. Quem estiver interessado em fazer parte, feche com 10 na minha disciplina e depois venha conversar comigo.
Era tudo o q eu queria: uma iniciação científica com um intelectual respeitado na Academia. Me esmerei, só para esse trabalho li uns 5 livros, dei o meu melhor, obedeci todas as normas ABNT, fiz dezenas de notas de rodapé, e minha pequena monografia "Medicina no Brasil Colonial" levou um belo e redondo 10.
Assim q soube da nota, procurei o prof. István. Ele me recebeu em sua sala, deu uma folheada no meu trabalho q já corrigira, e me aceitou. Fiquei simplesmente exultante. Ter um professor doutor q acreditava na minha capacidade era um sonho realizado. E, junto com a oportunidade de estudo, vinha uma bolsa do governo. Ao ser aceita na Iniciação Científica, eu passaria a receber dinheiro das agências de fomento, o q seria uma ajuda muito importante no meu limitadíssimo orçamento de estudante.
No encontro seguinte com István, ele me fez sentir ainda mais importante:
- Fernanda, vc já está dentro do grupo, foi a primeira selecionada. Eu já tenho um pouco de experiência em pesquisas coletivas, e sei como é importante ter um grupo harmonioso, em q todo mundo se dá bem e não fica de picuinha. Estou pensando em incluir mais uma colega da sua sala, então antes de falar com ela queria saber de vc se vcs têm alguma coisa uma contra a outra, alguma rivalidade, se vc acha melhor eu não incluir a Mainá no grupo.
Como dito acima, ela era apenas uma "conhecida de vista", e assim como eu não tinha nada particularmente a seu favor, tb não tinha nada "contra" ela. Então lhe disse q por mim tudo bem, q ele chamasse a Mainá. Satisfeito, István me pediu então para ir procurá-la, ver se ela estava no prédio da História e Geografia, alcunhado "rodoviária".
Fui, e a encontrei sentada numa mesa da biblioteca, ao lado de outras colegas q na época eram "meras conhecidas": Júlia, Marília, Alessandra, Luciana. Me aproximei da mesa delas, elas levantaram a cabeça estranhando o q eu estava fazendo ali, pedi licença, me abaixei ao lado de Mainá e disse:
- Oi, tudo bom? Então, eu estava agora com o István e ele pediu pra eu te procurar pois ele quer falar com vc sobre vc entrar no grupo de iniciação científica.
Todas abriram sorrisos, algumas balançaram os punhos fechados em torcida e falaram: "Vai, Mainá". Ela se levantou e foi comigo à sala do István. Nesse trajeto trocamos nossas primeiras palavras, ela muito feliz e não acreditando q iria ser incluída no grupo de iniciação.
Muito mais q colegas de pesquisa, a partir daí nos tornamos amigas pessoais. Uma importante marca de Mainá é sua simpatia. Não daquelas "estudadas", surgidas da "esperteza social", mas espontânea, q exala de uma pessoa feliz, animada, receptiva, cheia de vida. De bom grado, Mainá me apresentou a todo o seu grupitcho, e me vi incluída no "Barrados no Baile".
Pra quem não sabe do q falo, este foi o nome q o seriado "Beverly Hills 90210" recebeu no Brasil. A gíria se refere a um grupo de amigos no estilo da poesia "Ciranda" de Carlos Drummond de Andrade, um grupo unido no qual várias pessoas estão romanticamente interessadas umas pelas outras. Além disso a maior parte era de pessoas muito "bem nascidas", só um ou outro trabalhava, e muitos tinham carro. Vários membros namoravam e ficavam com outros, todos do mesmo grupinho de colegas de faculdade. De forma bem menos promíscua q eu, como paulistana, imaginava q seria. Muitos eram "do interior", e até virgens, então a "putaria" foi bem menor do q eu até certo ponto esperava, ou ansiava, ou desejava, q tivesse sido.
Um exemplo. Um dos nossos colegas, um "moreno alto" barbudo caiu no meu radar de interesses. Em certa festa da Geologia pedi justamente a Mainá q "nos agitasse", ou seja, lhe comunicasse meu interesse e prospectasse se ele tb tinha algum por mim. Infelizmente, a recíproca não era verdadeira. Alguns meses depois a própria Mainá começou a namorar com ele, sabendo q eu tinha uma "queda" pelo rapaz em questão. Em nenhum momento isso abalou ou foi empecilho pro prosseguimento de nossa amizade. Saíamos os 3, eu Mainá e R, seu namorado por quem eu era "gamadinha", tudo na santa harmonia, sem nenhum tipo de rivalidade ou veneno. Ninguém escondia nada nem ficava "armando coisas" pelas costas de ninguém. Uma verdadeira lição de civilidade. Se Mainá fosse uma pessoa maldosa, com pé atrás, teria "me cortado" do seu círculo de amizades. Se me visse como "uma rival" de olho no seu namorado, capaz de fazer "guerrilha psicológica" e criar disse-me-disse, eu não teria tido nem metade das experiências universitárias pelas quais passei.
Tudo o q meu primeiro ano de faculdade teve de parado e solitário, os anos seguintes tiveram de agitados e cheios de amigos. Com o endosso de Mainá, um membro muito querido por todos, fui aceita e comecei a sair com eles para cervejadas no DCE, quinta-e-brejas na ECA, festas no Centro Acadêmico da Veterinária, idas ao boteco San Raphael, à Casa do Norte e ao Jardim Elétrico. E assim, pelo menos 50 pessoas q eram até então "meros conhecidos" se tornaram meus amigos.
Passei a frequentar tb as festas na casa da galera do Barrados no Baile, muitas de arromba, com gente diferente e interessante, algumas festas estranhas com gente esquisita, e tb infinitas idas a barzinhos em Pinheiros e na Vila Madalena, em inferninhos no Centro Velho e inúmeros outros lugares.
Tb fizemos muitas viagens, pela faculdade, como a ida a Brasília, e aos BIFES (uma espécie de Olimpíada universitária), e tb à casa de amigos à Jaborandi-SP, Poços de Caldas-MG e Cristina-MG, além da viagem de formatura a Pouso do Cajaíba, vila de pescadores na cidade de Parati-RJ. Ao lado de Mainá estive em 4 estados brasileiros, sem contar SP. E em várias dessas viagens ela, generosamente, aceitava dividir quarto comigo, sabendo q dentre todos os membros do nosso grupitcho, era com ela q eu tinha mais proximidade.
Não fosse eu ter ficado amiga de Mainá e dessa forma entrado no seu "grupo de amigos" tenho certeza q eu não teria gozado a maravilhosa e festeira vida universitária da qual lembro com tanta saudade. Se eu não tivesse sido aceita no "Barrados no Baile" a USP teria sido muito sem graça, só estudo, leitura, pesquisa e aulas.
Sendo do grupo, podia frequentar inúmeras festas em Fraternidades e Repúblicas estudantis, como a Casa Rosa e a Casa do Coqueiro, e ampliar radicalmente meu círculo de amizades. Mainá me franqueou acesso a todo um Universo da experiência universitária q, sem sua amizade, eu não teria desfrutado. Lastimo apenas q eu não tenha tido acesso mais cedo a uma máquina fotográfica digital, pois foram muitas as saídas memoráveis de nosso grupo q quedaram sem registro.
Ainda assim, só tendo uma câmera à mão da metade do curso em diante, mesmo tendo selecionado apenas as melhores fotos, tenho no meu perfil do Facebook 8 álbuns, todos com mais de 50 fotos, de minhas lembranças da FFLCH-USP. Registros inestimáveis de uma vida universitária agitada, festiva, cheia de amigos, de sorrisos, de cervejadas, barzinhos, viagens, brincadeiras, sonhos.
A maior parte dos nossos 270 colegas de curso não teve nem um terço de minha experiência universitária. Os "colegas de sala" meramente "conhecidos de vista", como eu era antes de me aproximar de Mainá, não eram convidados para essas saídas a barzinhos, festas em Repúblicas, amigos secretos, comemorações de aniversário, às quais tive oportunidade de comparecer, e q me proporcionaram tantas experiências interessantes, enriquecedoras e saudosas.
Antes q o leitor pense q gosto de Mainá só pq ela me apresentou a seus amigos, isso não contempla nem 20% da verdade. O q mais me fez ter consideração por ela é sua Humanidade. Ela ser "gente de verdade", autêntica, q não faz pose nem "tipo". Mainá, sendo frágil, é muito "firmeza", alguém com quem se pode contar. Alguém a quem se pode sem reservas confiar segredos, q não fica "maldando" as coisas, não tem aquele olhar de esguelha de quem está sempre com pensamentos subjacentes e "segundas intenções", nos julgando.
Mainá é desprovida de uma característica essencial à vida em sociedade, e cuja ausência é até certo ponto louvável: sangue-frio, o q tb poderia ser chamado de "cara de pau" ou auto-domínio. O constatei quando certa vez, no IEB, nosso grupo de Iniciação, completado por André Godinho, Bruno Garfield, Júlia Basso, Maria Inês de Carvalho, e Déia Placitte se reuniu para apresentar ao nosso orientador uma prévia dos resultados de nossa pesquisa, q divulgaríamos no SIICUSP.
Ao iniciar sua exposição, aos poucos sua voz foi ficando baixa e falhando. Nervosíssima, começou a gaguejar, a esmorecer, fraquejar. A certa altura, desesperada e timidamente inibida por estar falando em público, sendo avaliada por nosso respeitadíssimo orientador, se sentou e cabisbaixa disse q não conseguiria prosseguir. No silêncio constrangedor, enquanto os demais se entreolhavam, levantei, me posicionei onde Mainá estivera de pé e, estando familiarizada com sua pesquisa, dei prosseguimento à sua exposição, como se fosse ela, e concluí a apresentação q deixara pela metade. Ela era minha amiga muito estimada e, a vendo em apuros, me sabendo capaz de acudi-la, não tive dúvidas.
Como tive uma criação muito diferente e mais "hard core" q Mainá, sempre protegida pelos muros altos de escolas particulares e cercada de amigas patricinhas, eu sabia q tinha mais "jogo de cintura", era mais "safa" q ela. E da mesma forma q ela me ajudara num campo em q eu era falha, a socialização, de bom grado eu via a oportunidade de, reciprocamente, ajudá-la num campo em q ela era falha: não ter medo de se expor ao escrutínio público.
Sem dúvida, Mainá foi, é, uma das amizades fundamentais na minha vida. Alguém por quem tenho mais carinho do q pelas minhas próprias irmãs de sangue. Mainá é uma irmã q a vida me deu. Para mim sua amizade é fundamental, preciosa, sem prazo de validade, do tipo q nem o tempo nem a distância faz diminuir. Sou profundamente grata por tudo o q ela fez por mim, mesmo sem se dar conta.
Se eu não tivesse me tornado sua amiga, minha graduação em História na USP não teria tido metade da graça, eu teria ido a menos da metade das festas a q fui, e 70% das pessoas q se tornaram meus amigos de curso, eu não teria conhecido com mais profundidade. Mas, mais importante q isso, teria deixado passar "em branco" uma das melhores pessoas, daquelas profundamente humanas e raras q às vezes cruzam nosso caminho, cuja amizade é sincera, de cuja boca saem verdades, q não ficam fazendo pose nem fingindo ser o q não são.
Num texto anterior, disse q há 2 ou 3 pessoas no mundo q podem dizer na minha cara uma verdade crua sem q eu enfie meu indicador em seu nariz, numa violenta reação de auto-preservação. Mainá é uma delas. Um dos 2 ou 3 amigos a quem sei q posso me abrir sem reservas e contar meus mais iníquos segredos, pois por tudo o sobrescrito e muito mais, além de minha amiga, é uma pessoa em quem tenho plena confiança. Para o q der e vier.
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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013
Do primeiro passo na obervacao
Resumo: é essencial aprender a calar a boca e observar os q nos cercam.
Sempre me disseram q eu era uma "pessoa difícil", de "personalidade forte", "desbocada" e me aconselhavam a ser "mais cordata", "mais flexível" e discreta. Até pouco tempo eu achava q proceder assim seria como renegar-me, deixar de ser "eu mesma".
Eu achava q "sinceridade" era qualidade, e quanto mais dela, melhor. A muito custo, percebi q é defeito, e muitas vezes crime capital. Percebi q "ser sincera", falar as coisas q pensava, era uma atitude antissocial. Q, ao invés de me valorizarem por falar a verdade, as pessoas pensavam mal de mim por ser "dura", "chata" e "desagradável".
Mesmo os meus melhores amigos não estavam interessados em ir ao fundo ou debater eticamente as questões q apareciam em nossas conversas. Apenas e tão-somente queriam q eu "os aceitasse", balançasse a cabeça, fizesse inúmeros "ahã", lhes desse atenção e lhes servisse de palco, de coadjuvante, aprovando e elogiando tudo q fizessem. Percebi q nas "relações sociais", muito mais valiosa q a verdade é o teatro das aparências.
Aos poucos, percebendo q numa conversa meus amigos não procuravam um interlocutor, um debatedor, mas uma platéia, comecei a colocar em prática o apenas ouvir. E nisso, ao invés de ficar elaborando qual seria minha frase seguinte, já sabendo q seu destinatário não estava interessado nela, passei a perceber melhor o q as pessoas falavam, pq o falavam, e os motivos q as levavam a assim proceder.
Muitas vezes achamos q as coisas q os outros nos dizem ou fazem têm a ver conosco, pois seguramente nosso umbigo é o centro em torno do qual o Universo gira. Ao deixarmos para trás essa postura reativa e adquirirmos uma postura contemplativa, perceberemos q para os outros somos apenas fantoches, formigas, e nada representamos.
Vou exemplificar como isso ficou claro para mim. Ao comprar um iPad imediatamente percebi q isso fazia os outros "virarem o nariz" para mim. Isso ficou muito palpável quando um dos meus colegas, q eu tinha certeza q me odiava, pois nunca respondia aos meus "bom dia", de repente apareceu com seu próprio iPad. E, como mágica, toda aquela antipatia acabou. Com seu iPad na mão, agora respondia aos meus "bom dia".
Ficou transparente: esse colega não "me odiava". Pra ele eu era "uma formiguinha", e uma formiguinha q possuía algo q ele gostaria de ter, mas não tinha. Ele não odiava a mim, odiava ao meu iPad. Não odiava meu iPad, amava meu iPad, mas invejava e EU tinha um iPad, e ele não. Quando ele comprou um iPad, o motivo q tinha para ser antipático cessou de existir. Ele passou a não me ver mais como "superior", mas como "igual". E mudou de atitude comigo, sem q minha atitude mudasse para com ele.
Percebi q esse colega não tinha nada contra mim. O problema era dele. Uma vez q ele resolveu o problema dele, parou de projetar seu problema em mim e pudemos "nos harmonizar".
Pensando muito sobre isso, parei um pouco de ter tanto medo, um instinto tão exacerbado de auto-preservação. Por exemplo, antes ao entrar numa sala onde andava animada uma conversa coletiva, o pensamento imediato era esquadrar se havia alguma possibilidade de o assunto ser "eu".
Hj percebi q a única pessoa interessada comigo sou eu mesma, portanto jamais o assunto das pessoas será "eu", o assunto das pessoas sempre é "elas próprias". 90% do q as pessoas falam é a respeito de si, suas opiniões, impressões, emoções. Para elas, eu sou uma formiguinha. E, ao menos q as pique, nem perceberão minha existência.
Parando de "picar" ou "alfinetar" as pessoas, aprendendo a guardar "minhas opiniões" para mim mesma, comecei a conseguir vislumbrar nas outras pessoas traços psicológicos e posturas parecidas com as q criticavam em mim.
Percebi q os outros tinham os mesmos defeitos q eu, e se eu identificava quando eles eram "desbocados", "difíceis" e "sincericidas", e via o quanto essas atitudes eram contra-producentes, isso me servia de lição para "domar" minha própria língua, disciplinar meus comichões, e agir melhor q eles: controlando-me.
Há um sábio ditado q professa: "da palavra dita és escravo, da não-dita, és senhor". Ou seja, uma vez q vc falou algo, isso ganha vida própria, e vc terá talvez q se explicar mil vezes desculpando-se por uma única frase mal-colocada. Já seus pensamentos são livres. Portanto, pense mil vezes antes de falar algo q pensou.
E, se vc quer um conselho: numa conversa, mesmo com um amigo, não fale o q vc pensa. Na verdade, não fale nada. Seu amigo provavelmente não está interessado no q vc tem a dizer. De vc ele apenas espera um palco, ahãs, e q vc arremate com um "que legal".
O q chamamos de "conversas" atenderiam melhor pelo nome de "monólogos paralelos compartilhados", cada um preocupado só em falar, se mostrar, tentar "iluminar aos outros" com seus sábios pontos de vista, opiniões, melhores conselhos possíveis e exibir suas altas capacidades (afinal, todo mundo se acha o supra-sumo da inteligência, da moderação, da esperteza, da sinceridade, do bom senso...),
É claro q cada um tem certeza de q a própria forma de fazer as coisas é a melhor de todas, se achasse ruim, faria de outra forma. Então, como cada um quer "ajudar" aos outros, ficará muito satisfeito enquanto estiver falando e sendo ouvido com atenção, desfiando cada pormenor das coisas maravilhosas, opiniões elaboradíssimas e informações muito relevantes q, num gesto de generosidade, compartilham com sua platéia.
Faça o teste. Na próxima vez q for conversar com quem quer q seja, ao invés de enquanto ouve já ficar elaborando sua réplica, desista da réplica. Apenas ouça, observe e vocalize alguns ahãs. Claro q algumas perguntas, sempre sobre o assunto, ajudam a demonstrar q vc está mesmo interessado, então intercale ahãs com uns "sério?!" e outros "continua, e então, o q aconteceu?". Arremate com uma frase dizendo o quanto tudo foi maravilhoso. Ao se fazer de palco para a pessoa, ela sairá muito satisfeita, jurando q esse foi o melhor encontro q vcs já tiveram. E, se o assunto for o preferido de cada um, o seu próprio eu, aí é possível q seu amigo até te abrace emocionado no fim da conversa, e seus ahãs te conquistem um amigo muito mais "próximo".
Para ele, vc é apenas uma formiga. Lhe será útil enquanto vc se conformar com a posição de coadjuvante na história em q ele tem certeza de ser protagonista. Não experimente revirar os papéis, pois ao "ser sincero" vc se tornará o antagonista a ser combatido e execrado.
Numa "conversa social" não há nada q vc falando, possa "ajudar" aos outros. Já na mesma situação, há muito q vc calando e observando, pode aprender com os outros.
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sexta-feira, 18 de janeiro de 2013
Legiao Urbana - Tempo Perdido
Todos os dias quando acordo
Não tenho mais
O tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo...
Todos os dias
Antes de dormir
Lembro e esqueço
Como foi o dia
Sempre em frente
Não temos tempo a perder...
Nosso suor sagrado
É bem mais belo
Que esse sangue amargo
E tão sério
E Selvagem! Selvagem!
Selvagem!...
Veja o sol
Dessa manhã tão cinza
A tempestade que chega
É da cor dos teus olhos
Castanhos...
Então me abraça forte
E diz mais uma vez
Que já estamos
Distantes de tudo
Temos nosso próprio tempo
Temos nosso próprio tempo
Temos nosso próprio tempo...
Não tenho medo do escuro
Mas deixe as luzes
Acesas agora
O que foi escondido
É o que se escondeu
E o que foi prometido
Ninguém prometeu
Nem foi tempo perdido
Somos tão jovens...
Tão Jovens! Tão Jovens!...
.
Não tenho mais
O tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo...
Todos os dias
Antes de dormir
Lembro e esqueço
Como foi o dia
Sempre em frente
Não temos tempo a perder...
Nosso suor sagrado
É bem mais belo
Que esse sangue amargo
E tão sério
E Selvagem! Selvagem!
Selvagem!...
Veja o sol
Dessa manhã tão cinza
A tempestade que chega
É da cor dos teus olhos
Castanhos...
Então me abraça forte
E diz mais uma vez
Que já estamos
Distantes de tudo
Temos nosso próprio tempo
Temos nosso próprio tempo
Temos nosso próprio tempo...
Não tenho medo do escuro
Mas deixe as luzes
Acesas agora
O que foi escondido
É o que se escondeu
E o que foi prometido
Ninguém prometeu
Nem foi tempo perdido
Somos tão jovens...
Tão Jovens! Tão Jovens!...
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quinta-feira, 17 de janeiro de 2013
Legiao Urbana - Metal contra as nuvens
Letra: Renato Russo
Não sou escravo de ninguém
Ninguém é senhor do meu domínio
Sei o que devo defender
E por valor eu tenho
E temo o que agora se desfaz
Viajamos sete léguas
Por entre abismos e florestas
Por Deus nunca me vi tão só
É a própria fé o que destrói
Estes são dias desleais
Eu sou metal
Raio, relâmpago e trovão
Eu sou metal
Eu sou o ouro em seu brasão
Eu sou metal
Quem sabe o sopro do dragão
Reconheço meu pesar
Quando tudo é traição
O que venho encontrar
É a virtude em outras mãos
Minha terra é a terra que é minha
E sempre será
Minha terra
Tem a Lua, tem estrelas
E sempre terá
Quase acreditei na sua promessa
E o que vejo é fome e destruição
Perdi a minha sela e a minha espada
Perdi o meu castelo e minha princesa
Quase acreditei, quase acreditei
E, por honra, se existir verdade
Existem os tolos e existe o ladrão
E há quem se alimente do que é roubo
Mas vou guardar o meu tesouro
Caso você esteja mentindo
Olha o sopro do dragão (4x)
É a verdade o que assombra
O descaso que condena
A estupidez o que destrói
Eu vejo tudo que se foi
E o que não existe mais
Tenho os sentidos já dormentes
O corpo quer, a alma entende
Esta é a terra-de-ninguém
Sei que devo resistir
Eu quero a espada em minhas mãos
Eu sou metal - raio, relâmpago e trovão
Eu sou metal: eu sou o ouro em seu brasão
Eu sou metal: me sabe o sopro do dragão
Não me entrego sem lutar
Tenho ainda coração
Não aprendi a me render
Que caia o inimigo então
Tudo passa
Tudo passará (3x)
E nossa história
Não estará
Pelo avesso assim
Sem final feliz
Teremos coisas bonitas pra contar
E até lá
Vamos viver
Temos muito ainda por fazer
Não olhe pra trás
Apenas começamos
O mundo começa agora, ahh!
Apenas começamos
.
Não sou escravo de ninguém
Ninguém é senhor do meu domínio
Sei o que devo defender
E por valor eu tenho
E temo o que agora se desfaz
Viajamos sete léguas
Por entre abismos e florestas
Por Deus nunca me vi tão só
É a própria fé o que destrói
Estes são dias desleais
Eu sou metal
Raio, relâmpago e trovão
Eu sou metal
Eu sou o ouro em seu brasão
Eu sou metal
Quem sabe o sopro do dragão
Reconheço meu pesar
Quando tudo é traição
O que venho encontrar
É a virtude em outras mãos
Minha terra é a terra que é minha
E sempre será
Minha terra
Tem a Lua, tem estrelas
E sempre terá
Quase acreditei na sua promessa
E o que vejo é fome e destruição
Perdi a minha sela e a minha espada
Perdi o meu castelo e minha princesa
Quase acreditei, quase acreditei
E, por honra, se existir verdade
Existem os tolos e existe o ladrão
E há quem se alimente do que é roubo
Mas vou guardar o meu tesouro
Caso você esteja mentindo
Olha o sopro do dragão (4x)
É a verdade o que assombra
O descaso que condena
A estupidez o que destrói
Eu vejo tudo que se foi
E o que não existe mais
Tenho os sentidos já dormentes
O corpo quer, a alma entende
Esta é a terra-de-ninguém
Sei que devo resistir
Eu quero a espada em minhas mãos
Eu sou metal - raio, relâmpago e trovão
Eu sou metal: eu sou o ouro em seu brasão
Eu sou metal: me sabe o sopro do dragão
Não me entrego sem lutar
Tenho ainda coração
Não aprendi a me render
Que caia o inimigo então
Tudo passa
Tudo passará (3x)
E nossa história
Não estará
Pelo avesso assim
Sem final feliz
Teremos coisas bonitas pra contar
E até lá
Vamos viver
Temos muito ainda por fazer
Não olhe pra trás
Apenas começamos
O mundo começa agora, ahh!
Apenas começamos
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terça-feira, 15 de janeiro de 2013
Do afogamento
Morrer afogado é um medo ancestral, bem cimentado em nossos arquétipos mentais. Uma daquelas fobias comuns, ao lado da aracnofobia (medo de aranhas), agorafobia (medo da multidão), acrofobia (medo de altura), aicmofobia (medo de injeção), nictofobia (medo do escuro), catsadidafobia (medo de baratas), musofobia (medo de ratos).
O medo de morrer afogado, ou de submergir-se em água, chama-se hidrofobia. Além de designar um transtorno psiquiátrico (medo de água) este nome tb se aplica a uma doença transmitida por vírus, popularmente denominada "raiva", cf: http://pt.wikipedia.org/wiki/Raiva_(doença) . Por sua incidência entre mamíferos silvestres e de estimação, todos os anos o governo brasileiro disponibiliza a vacina anti-rábica aos nossos pets.
A primeira vez q experimentei a sensação de afogamento, contava uns 6 ou 7 anos, numa piscina de hotel, creio q no Guarujá. Lembro q, muito confiante, já sabia mergulhar, e a piscina tinha um fundo em declive. Já tendo explorado toda a parte q me dava pé sem nenhum revés, comecei a fazer minhas gracinhas, me aventurando no fundo até q numa dessas o fôlego faltou, o pé não encontrou o chão, a boca não encontrou ar, comecei a engolir água, me debater como uma lagartixa. Batendo as mãozinhas na superfície, pra meu grande alívio, alguém, creio q Regina, percebeu minha aflição e me puxou pra cima. Cuspindo água, me agarrei no deck e me dei conta q ainda era criança, indefesa, apesar de me sentir muito adulta. O tomei como lição e não restou disso nenhum temor de fazer futuros mergulhos.
Aprendi a boiar com uns 10 ou 11 anos, na praia da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Meu único tio, Renê, acabara de se casar com uma bela paranaense, minha tia Marilurdes, e para q todos se familiarizassem, fomos visitar os recém-casados em seu apartamento em Jacarepaguá: eu, Cristhiane, Patrícia, e meus avós Tula e Morzinho. Lembro q quando chegamos de carro ao Rio era aniversário de Cristhiane, 28 de dezembro, e justo nesta data o covarde Guilherme de Pádua assassinara Daniella Peres, filha da novelista Glória Peres.
Numa ida à praia da Barra, vi minha irmã do meio, Patrícia, magicamente suspensa na superfície da água. Perguntei-lhe como era capaz de fazer isso. Cheia de marra, me deu uma de suas comuns desancadas e me disse q estava boiando, e q para fazer isso não precisava saber nenhuma técnica ninja, bastava "relaxar o corpo e não ter medo, q o corpo bóia sozinho, pois 'bosta não afunda'." (palavras dela).
Tentei imitá-la 1, 2, 3 vezes, sem sucesso. Eu afundava. Tentava deitar na água, mas ao estirar os braços, sempre ia pra baixo, e lutava para voltar à tona. Virei pra Patrícia e disse: "eu não devo ser feita de bosta, pq eu afundo!". Ela riu e disse q todos somos feitos da mesma coisa, q o "macete" era "não ter medo de se afogar, não lutar contra a água".
Com dezenas de tentativas, aos poucos fui compreendendo o q ela queria dizer. Q eu não devia encarar a água como uma inimiga contra a qual lutar, mas como uma parceira da qual me aproveitar, ou uma companheira a saber controlar. Sim, a água era potencialmente fatal, se eu não soubesse corretamente me comportar nela. Mas podia ser fonte de diversão, relaxamento, se eu soubesse compreendê-la e decodificasse a "etiqueta" do bom nadador. Se antes eu a achava ameaçadora, quando a conheci e comecei a desvendar seus segredos, passei a amá-la. Me tornei ótima nadadora, e capaz de boiar tanto no mar como na piscina.
Muitos anos depois, assistindo a um programa da TV de "sobrevivência na selva" acompanhei o tutorial de Bear Grylls sobre o q fazer em situações de afogamento. Minhas sobrancelhas pularam quando ele, taciturno, decretou: (algo assim, estou transliterando de memória)
- O q mata as pessoas afogadas não é a água, mas o desespero. Quando se sente afogar, instintivamente a pessoa começa a se debater descontroladamente, o q só a faz afundar mais. Se vc se sentir afogando-se, o melhor é ficar calmo, não fazer nenhum movimento. O ar q ainda estiver nos seus pulmões te levará à superfície, e te fará boiar. Se vc vir outra pessoa se afogando, nunca vá pessoalmente salvá-la. A pessoa desesperada vai se agarrar em vc e continuar se debatendo até q os dois morram afogados. O melhor é jogar pra pessoa algum objeto q bóie na qual ela possa se agarrar: uma bóia, um pedaço de isopor, um galho de árvore.
Foi muito interessante meditar sobre este enunciado e verificar sua veracidade. Comuns são as tragédias em q um membro da família começa a se afogar, pula um parente e o resultado é um velório duplo.
É necessário compreender os perigos q nos cercam e não temê-los, mas respeitando-os, saber manipulá-los para q se tornem nossos aliados. Da mesma forma q a diferença entre o remédio e o veneno é a dose, a diferença entre a piscina q nos dá prazer e a água q nos traz o luto é apenas o auto-controle.
De forma análoga, a diferença entre a sociedade q nos aliena, atordoa, escraviza, deprime, limita, e o horizonte de possibilidades q nos estimula, desafia, realiza e enriquece é a forma como o encaramos. E nossa postura perante suas marés.
Há uma breve, mas significativa, cena no filme Amistad (1997, dirigido por Steven Spielberg) no qual o deus de ébano Djimon Hounsou, ao ser capturado pelos yankees, se lança ao mar, e tal qual Ícaro, começa a nadar em direção ao sol nascente, onde ele sabia estar a África, seu lar. É impossível atravessar o Oceano Atlântico a nado, e depois de poucas braçadas o ânimo lhe falta, ele afunda e num átimo deve tomar a decisão de sua vida: desistir perante a derrota momentânea de ter sido recapturado, prosseguir no intento q ele sabia inconquistável, além da força de seus braços, não baixar a crista, não aceitar ser reduzido à catividade mais uma vez; ou engolir o orgulho, parar de lutar, compreender q era necessário POSTERGAR a realização do sonho q, imediatamente, era impossível, e voltar ao barco onde grilhões o aguardavam.
Se vendo diante da escolha de perseverar, e morrer, ou capitular, e viver, Cinque escolheu a vida. Entre morrer "como um homem" ou sobreviver "como um rato", fez a única escolha possível: viver. Vendo-se derrotado por forças além das suas, escolheu racionalmente engolir sua vontade de partir como homem livre e submeter-se, ao menos imediatamente, às forças inimigas maiores q as suas. E posteriormente soube, ao conhecê-las, manipulá-las a seu favor. A mesma marinha americana q o capturou após a rebelião escrava no navio negreiro Amistad, foi a levá-lo de volta à África, depois dele inocentado na Suprema Corte americana.
Há 2 famosos ditos populares brasileiros q rezam: "não adianta dar murro em ponta de faca" e "não adianta chorar sobre o leite derramado". Essa sabedoria ancestral nos ensina justamente: se a situação está contra nós, se debater não ajudará em nada; e se a coisa está horrível, não tem volta e tudo deu errado, ficar se lamentando só vai fazer tudo piorar. Num nível superior, nos instruem: não importa o q acontece com vc, o q importa é como vc reage, qual é a sua atitude perante as situações ruins. E muitas vezes o melhor é não ter "atitude".
Acredito q até muito recentemente eu me debatia desesperadamente, e me afogava, no fluxo dos acontecimentos. Não compreendia a mecânica dos fatos, via as novidades, transformações e o passar dos anos me atingindo com medo, até das ondas calmas, da maré baixa. Encarava qquer maré alta como uma atemorizante ressaca, e os revezes como pequenos tsunamis pessoais, q me deixavam com fobia de voltar à praia da vida, mesmo na beira da arrebentação. Não queria mais fazer castelos de areia nem molhar os pés nas ondinhas.
Acho q estou começando a perceber q, da mesma forma q diante de uma onda alta, se soubermos ter sangue frio pra esperar o momento correto, nem vamos sentir sua marola e, mergulhando por baixo dela, podemos sobreviver incólumes, devemos ter postura parecida diante do fluxo dos acontecimentos.
Se no horizonte se forma um espectro q parece q vai nos derrubar, é melhor não se precipitar, não enfrentar a força descomunal de frente. Devemos nos posicionar de viés, manter o olhar fixo na ameaça, aguardar q a onda comece a vir em nossa direção e, só então, /tchibum/, mergulhar nos desviando do perigo. A onda continua seu caminho e nós, usando nossa inteligência, fomos obrigados a fazer uma capitulação temporária, mas vencemos no final.
Quando entramos num mar q não nos dá pé, não servirá de nada nos debater, pensando "eu não acredito q isso tá acontecendo, eu não mereço isso, sou inocente, sou uma boa pessoa, isso é injusto, q q eu fiz pra merecer isso? etcs, etcs, etcs..." Em suma, ter uma "atitude", mesmo de defesa duma honra merecida, diante dum revés, nada mais é q BURRICE. É preciso ter "jogo de cintura" e ser capaz de ter estômago para "dançar conforme a música" e sobreviver, ao menos imediatamente, quando a situação está manifestamente contra nós.
Não podemos ser simplistas, inocentes, de peito aberto, sem reservas, duelando quixotescamente contra o mundo inteiro. Devemos ser capazes de apreender nossa própria pequenez, como muitas vezes somos coadjuvantes elencados nas farsas alheias, e q muitas vezes é preciso fingir q nos conformamos com nosso papel secundário.
É preciso ao menos 3 décadas de experiência em natação no fluxo da realidade para começar a saber boiar no marasmo confortável do cotidiano pequeno-burguês, e então ganhar confiança para se lançar na arrebentação da infindas possibilidades q podemos lutar para conquistar, sabendo do risco de morrer na praia.
Até pouco tempo atrás, eu me debatia desesperadamente contra tudo q me acontecia e contra todos q conhecia. Tinha muito medo de soltar do deck seguro das minhas lembranças e projetos passados. Acho q já compreendi q devo perder o medo, relaxar meus músculos, reaprender a boiar na maré calma e reaprender a nadar no mar agitado. Acho q decidi "mudar de estratégia". Acho q percebi o valor, ou a necessidade social, de "fazer cara de paisagem", "se fazer de sonsa" e do "me engana q eu gosto".
A partir de hj vou passar a observar melhor o fluxo das marés. Um pouco mais cinicamente, vou aprender a calar meu orgulho e capitular, não pq eu queira, não pq vacile minha convicção, não pq não tenha gana para lutar até o fim de minhas forças, mas pq compreendi q é MAIS INTELIGENTE saber manejar as ondas a meu favor, e q enfrentar as adversidades muitas vezes é suicídio puro e simples.
Muitas vezes, melhor q enfrentar diretamente alguém, é "dar corda" para q a própria pessoa se enforque. Antes eu achava q, ao ver algo errado, eu devia ser "intransigente", era minha obrigação "exortar" cada um. Achava q ao alertar alguém sobre um erro a pessoa o veria e quiçá me agradeceria pela ajuda, pelo alerta. Ledo, crasso, engano. Percebi q, tentando ajudar, em troca ganhava um adversário ofendido, um ex-amigo ultrajado. Já calejada, hj percebo q da mesma forma q eu sou "cheia de boas intenções", todas as outras pessoas tb o são, cheias de SUAS PRÓPRIAS boas intenções, do seu próprio metro do q é "bom senso". E q ao tentar "ajudar" as pessoas eu apenas estava-lhes impingindo o meu conceito de retidão, q elas não queriam aceitar. Portanto, a partir de hj, quando ver alguém cavando a própria sepultura, tentarei a muito custo permanecer calada, por saber a priori q, se eu falar algo isso não ajudará a outra pessoa em nada, apenas me fará ganhar uma antipatia.
É sem orgulho q percebo q não será "o mundo" a se curvar para aprazer a forma q eu acho q as coisas deveriam acontecer. Sou eu q devo ter sangue-frio para saber capitular quando tudo está contra mim, e saber vir a tona, apresentando a atitude correta de lutar ou relaxar quando a calmaria vier.
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O medo de morrer afogado, ou de submergir-se em água, chama-se hidrofobia. Além de designar um transtorno psiquiátrico (medo de água) este nome tb se aplica a uma doença transmitida por vírus, popularmente denominada "raiva", cf: http://pt.wikipedia.org/wiki/Raiva_(doença) . Por sua incidência entre mamíferos silvestres e de estimação, todos os anos o governo brasileiro disponibiliza a vacina anti-rábica aos nossos pets.
A primeira vez q experimentei a sensação de afogamento, contava uns 6 ou 7 anos, numa piscina de hotel, creio q no Guarujá. Lembro q, muito confiante, já sabia mergulhar, e a piscina tinha um fundo em declive. Já tendo explorado toda a parte q me dava pé sem nenhum revés, comecei a fazer minhas gracinhas, me aventurando no fundo até q numa dessas o fôlego faltou, o pé não encontrou o chão, a boca não encontrou ar, comecei a engolir água, me debater como uma lagartixa. Batendo as mãozinhas na superfície, pra meu grande alívio, alguém, creio q Regina, percebeu minha aflição e me puxou pra cima. Cuspindo água, me agarrei no deck e me dei conta q ainda era criança, indefesa, apesar de me sentir muito adulta. O tomei como lição e não restou disso nenhum temor de fazer futuros mergulhos.
Aprendi a boiar com uns 10 ou 11 anos, na praia da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Meu único tio, Renê, acabara de se casar com uma bela paranaense, minha tia Marilurdes, e para q todos se familiarizassem, fomos visitar os recém-casados em seu apartamento em Jacarepaguá: eu, Cristhiane, Patrícia, e meus avós Tula e Morzinho. Lembro q quando chegamos de carro ao Rio era aniversário de Cristhiane, 28 de dezembro, e justo nesta data o covarde Guilherme de Pádua assassinara Daniella Peres, filha da novelista Glória Peres.
Numa ida à praia da Barra, vi minha irmã do meio, Patrícia, magicamente suspensa na superfície da água. Perguntei-lhe como era capaz de fazer isso. Cheia de marra, me deu uma de suas comuns desancadas e me disse q estava boiando, e q para fazer isso não precisava saber nenhuma técnica ninja, bastava "relaxar o corpo e não ter medo, q o corpo bóia sozinho, pois 'bosta não afunda'." (palavras dela).
Tentei imitá-la 1, 2, 3 vezes, sem sucesso. Eu afundava. Tentava deitar na água, mas ao estirar os braços, sempre ia pra baixo, e lutava para voltar à tona. Virei pra Patrícia e disse: "eu não devo ser feita de bosta, pq eu afundo!". Ela riu e disse q todos somos feitos da mesma coisa, q o "macete" era "não ter medo de se afogar, não lutar contra a água".
Com dezenas de tentativas, aos poucos fui compreendendo o q ela queria dizer. Q eu não devia encarar a água como uma inimiga contra a qual lutar, mas como uma parceira da qual me aproveitar, ou uma companheira a saber controlar. Sim, a água era potencialmente fatal, se eu não soubesse corretamente me comportar nela. Mas podia ser fonte de diversão, relaxamento, se eu soubesse compreendê-la e decodificasse a "etiqueta" do bom nadador. Se antes eu a achava ameaçadora, quando a conheci e comecei a desvendar seus segredos, passei a amá-la. Me tornei ótima nadadora, e capaz de boiar tanto no mar como na piscina.
Muitos anos depois, assistindo a um programa da TV de "sobrevivência na selva" acompanhei o tutorial de Bear Grylls sobre o q fazer em situações de afogamento. Minhas sobrancelhas pularam quando ele, taciturno, decretou: (algo assim, estou transliterando de memória)
- O q mata as pessoas afogadas não é a água, mas o desespero. Quando se sente afogar, instintivamente a pessoa começa a se debater descontroladamente, o q só a faz afundar mais. Se vc se sentir afogando-se, o melhor é ficar calmo, não fazer nenhum movimento. O ar q ainda estiver nos seus pulmões te levará à superfície, e te fará boiar. Se vc vir outra pessoa se afogando, nunca vá pessoalmente salvá-la. A pessoa desesperada vai se agarrar em vc e continuar se debatendo até q os dois morram afogados. O melhor é jogar pra pessoa algum objeto q bóie na qual ela possa se agarrar: uma bóia, um pedaço de isopor, um galho de árvore.
Foi muito interessante meditar sobre este enunciado e verificar sua veracidade. Comuns são as tragédias em q um membro da família começa a se afogar, pula um parente e o resultado é um velório duplo.
É necessário compreender os perigos q nos cercam e não temê-los, mas respeitando-os, saber manipulá-los para q se tornem nossos aliados. Da mesma forma q a diferença entre o remédio e o veneno é a dose, a diferença entre a piscina q nos dá prazer e a água q nos traz o luto é apenas o auto-controle.
De forma análoga, a diferença entre a sociedade q nos aliena, atordoa, escraviza, deprime, limita, e o horizonte de possibilidades q nos estimula, desafia, realiza e enriquece é a forma como o encaramos. E nossa postura perante suas marés.
Há uma breve, mas significativa, cena no filme Amistad (1997, dirigido por Steven Spielberg) no qual o deus de ébano Djimon Hounsou, ao ser capturado pelos yankees, se lança ao mar, e tal qual Ícaro, começa a nadar em direção ao sol nascente, onde ele sabia estar a África, seu lar. É impossível atravessar o Oceano Atlântico a nado, e depois de poucas braçadas o ânimo lhe falta, ele afunda e num átimo deve tomar a decisão de sua vida: desistir perante a derrota momentânea de ter sido recapturado, prosseguir no intento q ele sabia inconquistável, além da força de seus braços, não baixar a crista, não aceitar ser reduzido à catividade mais uma vez; ou engolir o orgulho, parar de lutar, compreender q era necessário POSTERGAR a realização do sonho q, imediatamente, era impossível, e voltar ao barco onde grilhões o aguardavam.
Se vendo diante da escolha de perseverar, e morrer, ou capitular, e viver, Cinque escolheu a vida. Entre morrer "como um homem" ou sobreviver "como um rato", fez a única escolha possível: viver. Vendo-se derrotado por forças além das suas, escolheu racionalmente engolir sua vontade de partir como homem livre e submeter-se, ao menos imediatamente, às forças inimigas maiores q as suas. E posteriormente soube, ao conhecê-las, manipulá-las a seu favor. A mesma marinha americana q o capturou após a rebelião escrava no navio negreiro Amistad, foi a levá-lo de volta à África, depois dele inocentado na Suprema Corte americana.
Há 2 famosos ditos populares brasileiros q rezam: "não adianta dar murro em ponta de faca" e "não adianta chorar sobre o leite derramado". Essa sabedoria ancestral nos ensina justamente: se a situação está contra nós, se debater não ajudará em nada; e se a coisa está horrível, não tem volta e tudo deu errado, ficar se lamentando só vai fazer tudo piorar. Num nível superior, nos instruem: não importa o q acontece com vc, o q importa é como vc reage, qual é a sua atitude perante as situações ruins. E muitas vezes o melhor é não ter "atitude".
Acredito q até muito recentemente eu me debatia desesperadamente, e me afogava, no fluxo dos acontecimentos. Não compreendia a mecânica dos fatos, via as novidades, transformações e o passar dos anos me atingindo com medo, até das ondas calmas, da maré baixa. Encarava qquer maré alta como uma atemorizante ressaca, e os revezes como pequenos tsunamis pessoais, q me deixavam com fobia de voltar à praia da vida, mesmo na beira da arrebentação. Não queria mais fazer castelos de areia nem molhar os pés nas ondinhas.
Acho q estou começando a perceber q, da mesma forma q diante de uma onda alta, se soubermos ter sangue frio pra esperar o momento correto, nem vamos sentir sua marola e, mergulhando por baixo dela, podemos sobreviver incólumes, devemos ter postura parecida diante do fluxo dos acontecimentos.
Se no horizonte se forma um espectro q parece q vai nos derrubar, é melhor não se precipitar, não enfrentar a força descomunal de frente. Devemos nos posicionar de viés, manter o olhar fixo na ameaça, aguardar q a onda comece a vir em nossa direção e, só então, /tchibum/, mergulhar nos desviando do perigo. A onda continua seu caminho e nós, usando nossa inteligência, fomos obrigados a fazer uma capitulação temporária, mas vencemos no final.
Quando entramos num mar q não nos dá pé, não servirá de nada nos debater, pensando "eu não acredito q isso tá acontecendo, eu não mereço isso, sou inocente, sou uma boa pessoa, isso é injusto, q q eu fiz pra merecer isso? etcs, etcs, etcs..." Em suma, ter uma "atitude", mesmo de defesa duma honra merecida, diante dum revés, nada mais é q BURRICE. É preciso ter "jogo de cintura" e ser capaz de ter estômago para "dançar conforme a música" e sobreviver, ao menos imediatamente, quando a situação está manifestamente contra nós.
Não podemos ser simplistas, inocentes, de peito aberto, sem reservas, duelando quixotescamente contra o mundo inteiro. Devemos ser capazes de apreender nossa própria pequenez, como muitas vezes somos coadjuvantes elencados nas farsas alheias, e q muitas vezes é preciso fingir q nos conformamos com nosso papel secundário.
É preciso ao menos 3 décadas de experiência em natação no fluxo da realidade para começar a saber boiar no marasmo confortável do cotidiano pequeno-burguês, e então ganhar confiança para se lançar na arrebentação da infindas possibilidades q podemos lutar para conquistar, sabendo do risco de morrer na praia.
Até pouco tempo atrás, eu me debatia desesperadamente contra tudo q me acontecia e contra todos q conhecia. Tinha muito medo de soltar do deck seguro das minhas lembranças e projetos passados. Acho q já compreendi q devo perder o medo, relaxar meus músculos, reaprender a boiar na maré calma e reaprender a nadar no mar agitado. Acho q decidi "mudar de estratégia". Acho q percebi o valor, ou a necessidade social, de "fazer cara de paisagem", "se fazer de sonsa" e do "me engana q eu gosto".
A partir de hj vou passar a observar melhor o fluxo das marés. Um pouco mais cinicamente, vou aprender a calar meu orgulho e capitular, não pq eu queira, não pq vacile minha convicção, não pq não tenha gana para lutar até o fim de minhas forças, mas pq compreendi q é MAIS INTELIGENTE saber manejar as ondas a meu favor, e q enfrentar as adversidades muitas vezes é suicídio puro e simples.
Muitas vezes, melhor q enfrentar diretamente alguém, é "dar corda" para q a própria pessoa se enforque. Antes eu achava q, ao ver algo errado, eu devia ser "intransigente", era minha obrigação "exortar" cada um. Achava q ao alertar alguém sobre um erro a pessoa o veria e quiçá me agradeceria pela ajuda, pelo alerta. Ledo, crasso, engano. Percebi q, tentando ajudar, em troca ganhava um adversário ofendido, um ex-amigo ultrajado. Já calejada, hj percebo q da mesma forma q eu sou "cheia de boas intenções", todas as outras pessoas tb o são, cheias de SUAS PRÓPRIAS boas intenções, do seu próprio metro do q é "bom senso". E q ao tentar "ajudar" as pessoas eu apenas estava-lhes impingindo o meu conceito de retidão, q elas não queriam aceitar. Portanto, a partir de hj, quando ver alguém cavando a própria sepultura, tentarei a muito custo permanecer calada, por saber a priori q, se eu falar algo isso não ajudará a outra pessoa em nada, apenas me fará ganhar uma antipatia.
É sem orgulho q percebo q não será "o mundo" a se curvar para aprazer a forma q eu acho q as coisas deveriam acontecer. Sou eu q devo ter sangue-frio para saber capitular quando tudo está contra mim, e saber vir a tona, apresentando a atitude correta de lutar ou relaxar quando a calmaria vier.
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sábado, 12 de janeiro de 2013
De como comecei a fumar
O tabagismo futuramente será considerado uma das mais sui generis excentricidades da espécie humana. Me aventurando na insidiosa senda da futurologia, creio q o futuro será dominado pela ditadura de tudo q é saudável e politicamente correto, e não haverá mais fumantes.
Fumar era um vício meso-americano, rapidamente trasladado ao Velho Mundo, como coisa "sofisticada", de gentis-homens. Já no século XIX, tb as mulheres "da alta sociedade" começaram a fumar, munidas de longas piteiras cheias de charme. Ao fumar publicamente, uma mulher apresentava uma declaração de liberdade, auto-determinação, expunha sua verve avant-garde.
Já no século XX, aparentemente "todos" os homens eram fumantes. Poetas, escritores, nobres, jornalistas, artistas, políticos. Fumar era "chic", marca dos boêmios e bon-vivants. Não havia "área de fumantes" pois podia-se fumar em todos os lugares: corredores, elevadores, salas de reunião, aviões, restaurantes, hospitais (célebre é a imagem do pai, ao nascimento do filho, distribuir charutos a todos os amigos; e da mesma forma q é "falta de educação" ser servido numa taça e não beber, era receber um charuto e não fumá-lo).
Nas fotos de grandes eventos históricos, era freqüente vermos todos os "figurões" da política munidos de seus cigarros e charutos, posando alegremente. Àquela época, ostentar um charuto era símbolo de status e elegância, como tb eram a bengala, o monóculo e a cartola.
Foi no ocaso deste cenário histórico, ao fim da Guerra Fria, q principiei a fumar. O ano era 1997. Eu tinha 14 anos e começava a "sair de balada" com minhas amigas de escola. Queríamos ser "prafrentex", modernas, antenadas, transgressoras, rebeldes. E era necessário demonstrar isso exteriormente, através de nossas roupas, atitude, linguajar, penteado, postura.
Éramos adolescentes, e para provar a nós mesmas q não mais éramos crianças, queríamos degustar pequenos aperitivos da "vida adulta": salto alto, saia curta, decote, bebida alcoólica, beijar os rapazes, sair à noite e fumar. Queríamos deixar bem vincada a linha q nos separava de nossos pais "chatos e antiquados". E ter pequenos segredos entre nós era parte importante disso.
Diz-se q os adolescentes são altamente influenciáveis pelos "amigos", e é verdade. Quando a primeira de nós começou a fumar, o hábito se disseminou rapidamente em todo o grupo, como um vírus. Entramos "na onda" da galera. Do grupo de 5, 3 tornaram-se fumantes convictas, uma fuma bem de vez em quando, e a outra jamais pegou gosto pelo cigarro.
Dei meu primeiro trago num cigarro na boate Stravaganza, situada à rua Henrique Schaumann, em Pinheiros. Fui lá algumas vezes, na companhia de Thaís, Maristela, Gisele e Aline. Tínhamos todas a mesma idade, na plena efervescência hormonal de nossos 14 anos. Queríamos "pagar de gatinhas descoladas" e, como todos os "transgressores e rebeldes" fumavam, nós tb queríamos.
Naquela época fumávamos Gudang Garang, cigarro de cravo interminável com filtro adocicado. O maço era caro e o comprávamos coletivamente, fumando só para "fazer charme" para os garotos. Logo a diversão ocasional transformou-se em hábito quando entramos no Ensino Médio.
Àquela época só havia 2 tipos de Marlboro: o vermelho "estoura peito" e o "light", dourado. O maço custava algo como 1 real e sessenta centavos, o q naquela época era dinheiro, com o Real valorizado. E assim já aos 15 anos comecei a comprar meus próprios maços de cigarro.
Todo o meu quarteto do colegial, completado por Chico, Romeu e Maristela, era fumante. Apenas eu tinha dinheiro, ou coragem, pra comprar maços de cigarro. Em nossas muitas aulas vagas, ficávamos sentados num canto do pátio fumando, e eu vendia-lhes cada cigarro a dez centavos. Sob protestos de q eu seria algum tipo de mercenária por lucrar 2 ou 3 centavos em cada um, me repassavam a moedinha, e ríamos, fumando despreocupadamente, sem sermos incomodados pelos inspetores de alunos. Curioso perceber q no dia de hj, no mesmo "José Marques da Cruz", se um aluno acender um cigarro leva uma suspensão, e nós há 13 anos podíamos fumar livremente no mesmo ambiente... Outros tempos, nem tão longínqüos...
Ao entrar na faculdade de História na USP, foi reconfortante sentir-me acolhida numa sociedade de fumantes; na qual tal hábito, além de sinal de boemia e vanguardismo, era a marca da intelectualidade. Não só a maior parte de meus colegas eram fumantes, como até os professores fumavam, sem reservas, enquanto davam suas aulas. A certa altura do curso, afixaram nas salas de aula avisos de "por favor, não fume". Na primeira aula posterior à adição do aviso, o professor entrou, sentou, aproximou o lixo no qual costumava jogar as cinzas, mirou a placa, deu de ombros, nos fitou e falou em voz alta:
- Que me multem!
Outro professor, mais sensível, na mesma situação, começou a aula da seguinte forma:
- Há entre vcs pessoas q se incomodam com a fumaça do cigarro?
Uma meia dúzia levantou a mão, e ele concluiu:
- Então, por favor, sentem no fundo da sala, pois eu vou fumar.
Simples assim. Até 2005, 2006, "chato" era o não-fumante q reclamava do fumacê alheio. Todos fumavam em ambientes fechados, restaurantes, aviões, e até então todos encaravam a fumaça com naturalidade, como uma das "coisas da vida", q podemos não gostar, mas toleramos, como hj se faz com pessoas q falam em voz alta no celular, ouvem funk sem fone de ouvido e comentam sobre a tabela do campeonato brasileiro.
Hj, poucos anos depois, é um absurdo, e completo anátema, algum fumante exercer seu hábito em qualquer "ambiente público fechado" ou mesmo aberto. Não se fuma mais nos escritórios, boates, restaurantes, barzinhos. Se antes fumar era "chique" hoje virou algo q nos aliena, afasta, "quebra o clima", segrega.
Fumar antes era fator de integração social. Hj, os fumantes precisam se retirar da baladinha, ir pra fora, fumar na calçada, no frio e na chuva, enquanto o "agito rola solto" lá dentro. Se antes fumar era coisa de gente moderna, transgressora, sofisticada, hoje fumar virou coisa de gente antiquada, excêntrica, antissocial, segregada.
Hj em dia, em quase nenhum lugar mais se pode fumar, e nos q se pode, é comum q quando acendemos um cigarro os estranhos ao lado nos fulminem com um olhar de reprovação, torçam o nariz e se afastem como se fôssemos leprosos, deixando subjacente a frase: "vc é muito folgado e está contaminando o meu ar!"
A ditadura do politicamente correto está fazendo um ótimo trabalho em transformar todos nós em mauricinhos e patricinhas bunda-mole, garotos-propaganda da "geração saúde". Se hoje, quando assisto a filmes e seriados dos anos 1990 nos quais todo mundo fuma em todos os lugares, até eu estranho e acho graça, apenas posso imaginar a surpresa dos q viverem daqui a 50 anos diante da mesma situação. E a hilaridade q será no futuro assistir a "The X-Files" (Arquivo X, série protagonizada pelos agentes do FBI Fox Mulder e Dana Scully) com meus netos e responder à cândida dúvida:
- O q é esse bastão q solta fumaça q o Canceroso segura em todo lugar?
Estou certa q o tabagismo entrará para a História como uma "excentricidade" prescrita, e no futuro ninguém mais poderá fumar, em nenhum lugar... Este é o chato mundo q estamos a construir...
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quinta-feira, 10 de janeiro de 2013
A mais louca festa de 15 anos
Antigamente, era costume resguardar as filhas na privacidade do lar, preservando-as e à sua honra até o momento de elas finalmente serem apresentadas à sociedade, quando já fossem "moças na idade de casar". Na tradição hispano-americana essa apresentação se dava na "Festa de Debutante", ou "Quinceañera", quando a moça completava 15 anos e ganhava uma grande festa de gala, q marcava sua entrada na sociedade e de certa forma no "mercado do casamento".
Eu mesma não cheguei a ter uma festa de Debutante pois preferi substituí-la por uma viagem. Mas tive oportunidade de comparecer a alguns desses bailes de amigas. Mas a mais marcante comemoração de 15 anos a q compareci não foi um baile de Gala.
No primeiro colegial estudei com uma semi-xará, MFC. Tínhamos a mesma idade. Ela era uma moça magrinha, mignon, bonita, cheia de vida, alegre. Grande foi a surpresa minha e de meus colegas quando ela nos disse q já era mãe, de um bebê recém-nascido. Nada em seu jeito ou compleição denunciava q ela já tinha um filho.
Muito animada, eu diria baladeira, em pouco tempo me chamou pra comemorar seus 15 anos. Como seus pais estavam a gastar muito dinheiro com a neném q tivera aos 14 anos, e tb não fazia muito sentido promover um "baile de apresentação social" para uma moça q já era mãe, tinham lhe avisado q não lhe fariam um baile de Debutantes. Ela não se fez de rogada e resolveu comemorar numa danceteria, apenas com amigos.
Não me lembro pq Chico, Romeu e Maristela, q estudavam conosco, não foram. No dia da festa peguei minhas roupas de clubber, meti na mochila e fui de ônibus pra casa de MF. Lá conheci, enternecida, sua linda neném, P., com uns 3 meses, ainda em amamentação. Nos vestimos, maquiamos, perfumamos, ela deu um beijinho de despedida na filha e disse:
- Tchau, meu amor, mamãe vai pra balada!
De lá fomos a pé à casa de outras 2 amigas, A. e D., de cabelos coloridos e meio cybers. Pegamos o ônibus para a Moóca, já em clima de festa. Descemos na porta da Over Night, casa noturna célebre na época, cada uma em posse dos seus documentos "de maior" ;)
Como dentro da balada a bebida sempre é mais cara, começamos a fazer nosso "esquenta" num boteco lá perto, bebendo batidas de vodka e pinga com mel. Ao ver MF beber tive a preocupação de perguntar-lhe se ela ainda não estava "de resguardo", parida, pois seu bebê ainda era muito pequeno, ao q ela simplesmente respondeu: "Não! Relaxa, Fê!"
Ok. Entramos na Over Night. Dançamos na techneira ensurdecedora, mesmerizadas pelo jogo de luzes. A certa altura, MF chegou até mim bastante pálida, suada e desgrenhada, dizendo q estava passando mal. A. e D., entretidas com a música e os rapazes, meio q deram de ombros e falaram para eu levá-la ao banheiro. Escorei MF o melhor q pude e a carreguei até lá.
Abafado, sujo e lotado, ficamos uns 5 minutos na fila até q ela sussurrou q não aguentava mais tanto calor e me pediu para tirá-la de lá. Com muita dificuldade devido à lotação da casa noturna, meio q escoltei, meio q arrastei MF pra fora, já sabendo q não poderíamos retornar e q nossa balada acabaria por aí.
Sentamos na calçada, na frente dum bar. Ela meio q mais pra lá do q pra cá enquanto eu, ansiosa e preocupada, perguntava a cada minuto se ela estava melhor, sem q ela respondesse nada. Naquele momento, vendo uma adolescente magrinha recém-parida passando mal sob minha responsabilidade, o sangue gelou nas minhas veias no pensamento: "Putz, e se ela morrer agora? Com q cara vou falar pros pais dela como isso aconteceu? E a bebezinha dela, vai crescer sem mãe? Meu Deus, q q eu faço?!"
Vomitou a cântaros. Percebi q ela estava a um passo de desmaiar. Sem dinheiro para pegar um taxi, entrei no bar e perguntei se podiam nos ajudar, se alguém nos levaria ao hospital. A resposta veio na displicente frase: "O q não falta aqui é bêbado passando mal todo dia." Deixando claro q ninguém ali faria nada por nós.
Já desesperada, vi uma viatura da Polícia Militar passando em nossa frente, pois nessas baladas, além de bêbados passando mal, eram comuns as brigas. Não tive dúvidas. Me pus na rua e sinalizei pra viatura parar. Pensei q talvez não socorreriam minha amiga por estar simplesmente bêbada, então lhes disse:
- Por favor, me ajudem! Minha amiga teve um neném há 3 meses. Ela tomou só um copo de batida e está passando muito mal. Ela precisa ir pro hospital! Por favor, nos ajudem!
Os 2 policiais desceram, deram uma conferida em MF desfalecida na calçada, toda suja de vômito, e falaram q tudo bem, iam nos ajudar. Pegaram cada um num ombro de MF e a colocaram no banco de trás. Sentei ao seu lado, e esta foi a primeira vez em q entrei numa viatura da Polícia.
Não lembro a qual hospital nos levaram. Chegando, enquanto colocavam MF na maca, ela só teve forças para dizer:
- Não fala nada pros meus pais...
A puseram na enfermaria. Apesar de ser um hospital público, fomos atendidas rapidamente. Enquanto a examinavam me disseram para ir fazer a ficha dela. Pedi q ela me desse sua carteira, e ela não reagiu. Retirei a carteira do bolso de sua calça e fui à recepção. Encontrei seu RG falso "de maior" e o verdadeiro, "de menor". Com medo de q descobrissem a falsificação e isso trouxesse ainda maiores transtornos, entreguei o verdadeiro e quando a atendente pediu o telefone de seus responsáveis, pois ela era menor de idade, apesar de ter o número, disse q não o sabia, pois se o informasse talvez ligassem imediatamente.
Ficha preenchida, retornei à enfermaria e sentei-me no cantinho da maca de MF, pois não havia cadeira. Deitada de lado com o soro na veia, o q saía de sua boca não era mais vômito, mas um líquido viscoso esverdeado. Eu jamais vira alguém vomitar algo verde e fiquei muito alarmada, achando q ela estava à beira da morte. E se ela morresse ali, como eu explicaria aos seus pais, q eu cumprimentara algumas horas antes, pq não dera seu telefone na recepção? Se ela morresse, com q cara no futuro eu explicaria a P, q eu acalentara algumas horas antes, em q circunstâncias ficara órfã?
Chamei a enfermeira:
- Acuda! Minha amiga tá vomitando verde!
Calmamente, a enfermeira veio, verificou o soro e o vômito esverdeado. Meio em tom jocoso me disse:
- Não precisa se preocupar, já administramos glicose pra sua amiga. Isso q ela está vomitando é bile. Não precisa se preocupar. Em algumas horas ela estará pronta pra outra! Só fica de olho pra ela ficar deitada de lado. Se ela virar de barriga pra cima pode se sufocar no próprio vômito...
Eu sabia da existência da bile, mas achava q ela apenas "descia" da vesícula biliar e do duodeno para os intestinos. Não tinha a menor idéia q o fluxo do trato intestinal poderia ser revertido e a bile "sair por cima". Eu mesma nunca bebi de passar mal ao ponto de ser hospitalizada e precisar tomar glicose na veia, e nunca cheguei ao ponto de vomitar bile. Aquela foi uma experiência inédita e, até hj, única.
As horas da madrugada passaram sem q nenhuma sombra de sono me acometesse. Como eu poderia dormir me vendo responsável por uma querida amiga, mãe recente, desmaiada num ambulatório de hospital público, tendo q me certificar q ela não morreria sufocada no vômito quase fluorescente q expelia?
Creio q já eram umas 10 da manhã quando ela acordou e ainda zonza me perguntou como tínhamos chegado ali. Lhe relatei o q ocorrera durante seu desmaio. Ao ir recobrando lentamente os sentidos, me agradeceu por não ter avisado seus pais pois eles "a matariam se soubessem".
Já era mais de meio dia quando ela se viu em condições de ficar em pé. Minha casa não era perto da dela, mas lhe perguntei se ela queria q eu fosse com ela de volta. Já quase "pronta pra outra" disse q era melhor não, pois isso só faria seus pais acharem q algo tinha dado errado. Combinamos q ela diria aos pais q depois da balada ela tinha ido dormir na minha casa, por isso estava voltando tão tarde. E q eu deveria dizer o mesmo na minha casa: q depois da balada eu teria dormido na casa de MF.
No fim das contas, deu tudo certo, ninguém desconfiou de nada, pois mesmo quando ainda tínhamos 15 anos, já era comum q voltássemos pra casa só na tarde do dia seguinte. MF hj é muito bem casada, com 4 filhos. P hj já é uma moça, linda e muito bem criada.
Infelizmente, devido à formação de turmas em nossa escola, em anos posteriores não estudei mais com MF e acabamos por nos afastar. Uma pena, pois teria sido muito legal ter ido a mais baladas com essa minha amiga "louquinha" e cheia de energia. Mas ficou essa lembrança, da mais curta e tresloucada festa de 15 anos a q já fui. Do medo e da surpresa. Da primeira vez q "peguei carona" numa "veraneio vascaína". Da primeira vez em q fui responsável por outra pessoa além de mim. Do alívio de ter conseguido socorrer minha amiga, levá-la ao hospital, ser "firmeza" com ela, e ter conseguido devolvê-la inteira à longa vida q a espera.
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terça-feira, 8 de janeiro de 2013
Meu fim do mundo
O fim do ano de 2012 foi bastante especial. Foi a última vez, creio, em q nos permitimos entrar numa onda milenarista apocalíptica. Nos documentários e noticiários não se falava em outra coisa além de q em 21 de dezembro de 2012 acabava-se o calendário maia. E assim, ou o mundo seria destruído ou entraria finalmente na "era de Aquário", ou no décimo quarto Baktum.
Desde pelo menos 1999 e o "Bug do Milênio" o Ocidente ficou meio "em suspenso" esperando se o "Juízo Final" chegaria nessa época, ou posteriormente, a curto prazo. Agora, no princípio inócuo de 2013 creio q já podemos estar relativamente seguros q não estamos diante das convulsões dos finais do tempo. Nada de tempestades solares, nada de agitação das placas tectônicas, nada de alinhamento galático, nenhum cavaleiro do Apocalipse ou anti-Cristo...
21/12/2012 foi um dia bonito e ensolarado, sem nada demais. Nenhum evento significante, nenhum eclipse, não faltou luz, as redes de comunicação funcionaram. Um dia como qualquer outro.
Por menos "esotérica" q eu tente ser, tb eu estava com certa "paúra", ou "temor" de q os maias estivessem certos. Tendo isso em vista, procurei não passar vontades em 2012. Fui profundamente auto-indulgente. Comi, bebi, falei e fui em todos os lugares q tive vontade. Aceitei convites q em outros tempos teria recusado. Gastei dinheiro em coisas q em outros tempos não teria comprado. Mas tudo meio como se fosse brincadeira.
Eu não acreditava verdadeiramente q 2012 seria o fim. Não cheguei a "curtir a vida adoidado", não saí muito de minha zona de conforto, não fiz nada do q me arrependa, não saí gastando prodigamente. Sequer enchi o tanque do carro, estoquei comida nem zerei meu saldo bancário. Eu poderia ter gasto até o último centavo do meu parco dinheirinho, mas como esperava q viesse um 2013, não o fiz. Sabiamente.
Aproveitei o fim de 2012 amplamente, como pode ser visto nesses álbuns do Facebook https://www.facebook.com/media/set/?set=a.384984961573088.86920.100001847635503&type=3 e https://www.facebook.com/media/set/?set=a.413768972028020.93023.100001847635503&type=3 Mas minha maior surpresa se deu na noite de Reveillon, na passagem de 31/12/2012 para 01/01/2013.
Eu estava em Sampa hospedada na casa de minha amiga Mainá Prada. Fomos numa festa ma-ra-vi-lho-sa e voltamos lá pelas 4 da matina. Fim de ano impecável. Até q ao meio dia do dia primeiro de janeiro meu telefone celular tocou. Era minha madrinha Maria José Tomasella reportando q a casa da minha avó, na qual eu moro em Rio Claro, tinha sido arrombada e roubada justo na noite de Reveillon, enquanto eu muito sorridente e despreocupada brindava a virada do ano a 180 kms de distância.
No começo, muito surpreendida, foi difícil imaginar o q teria acontecido. Pela descrição q me fizeram, a casa teria sido completamente destruída, e eu não esperava encontrar "pedra sobre pedra" ao chegar. Às 5 da tarde já estava em casa pra conferir os danos. E, para meu alívio, eram menores do q o tom alarmista de Maria me tinha dado a entender.
Todas as TV's, DVD's, videocassates e até meu PC de mesa estavam incólumes. Nada havia sido vandalizado. Absolutamente nada foi quebrado gratuitamente, sequer as porcelanas e vidros jogados pelo chão, tudo estava inteiro.
Ao ser informada q tinham entrado justo na noite da Virada, eu havia pensado q tinha sido um grupo de baderneiros pra fazer farra, quebrar tudo, espalhar cocô pelas paredes, rasgar e tacar fogo nos papéis. E comecei a calcular antecipadamente todo o trabalho q eu teria pra sustar todos os cheques, providenciar segunda via de todos meus documentos, o desgosto de encontrar meu diploma rasgado, minhas fotos de infância destruídas, meu PC quebrado com um taco de baseball e daí pra pior...
Nada disso se verificou. Nem chegaram a abrir todas as caixas guardadas. Não levaram nenhuma folha de cheque. Nem mexeram nos meus documentos. De mim, roubaram uma câmera Polaroid, alguns brincos, anéis, correntinhas e uma coisa q tinha muito valor, monetário e emocional.
O item mais precioso q me levaram foi uma barra de ouro. Não direi seu peso pra ninguém crescer o olho, mesmo q não a tenho mais. Mas perdê-la foi um golpe bastante duro, pois quem ma deu não está mais entre nós para dar-me outra.
Eu estava no comecinho da faculdade quando ao visitar Rio Claro meu avô, a quem chamo carinhosamente por "Morzinho" desde meus 5 anos, me chamou para seu quarto. Fechou a porta atrás de si, o q era bastante incomum, me pediu para sentar e disse:
- Fernanda, o q vamos falar agora é segredo. Não conte pra ninguém, menos ainda pra sua avó. Há muitos anos comprei uma coisa pra vc e acho q chegou a hora de eu te entregar. Não é muito, mas é de coração. Guarde pra quando vc precisar e eu não estiver mais aqui.
E me entregou uma barra de ouro. Pequena, cabia na palma da mão. Mas era pesada como chumbo. Eu sempre soube que era a neta favorita do meu avô, e não precisava de nenhum presente para confirmar isso. Mas aquele gesto secreto, q não deve ter sido replicado com nenhum outro filho ou neto seu, independentemente de seu valor em dinheiro, me tocou profundamente.
Me senti mais do q especial, e q Morzinho se preocupava comigo, com meu futuro e bem estar. Q mesmo quando estivesse ausente, ainda prosseguiria a zelar por mim. Não chorei em sua frente, pois ambos éramos "duros na queda". Mas depois, sozinha no meu quarto, com aquele naco de chumbo brilhante como o Sol entre meus dedos, me emocionei. Não no estilo "encontrei o pote de ouro no fim do arco-íris" mas no "há alguém q me ama e quer zelar pelo meu futuro."
Se eu fosse uma "Zé Mané" a teria vendido imediatamente e torrado o dinheiro em restaurantes, baladas e viagens já durante a faculdade. Mas meu avô sabia q eu não sou este tipo de pessoa.
Sendo muito sincera, ao dar-me conta q aquela barrinha de ouro tão pequena valia alguns milhares de reais meu pensamento imediato foi de um alívio imenso na frase "ufa! Agora se eu engravidar num susto, pelo menos posso pagar o parto e sustentar o bebê por 1 ano!" Mas como sempre foi baixíssima a chance de "engravidar no susto" o plano B era: "vou guardar isso pra um dia dar entrada na minha casa própria".
Mas ainda assim essa idéia nunca me apeteceu. No fundo, agora sei, eu jamais teria coragem de me separar daquela barra de ouro, cuja preciosidade era potencializada por seu valor emocional, muito além do monetário. Eu não conseguiria despedir-me dela. Seria como dar embora uma foto antiga, uma farda de gala, as condecorações e medalhas do meu avô, q guardo com reverência.
Sempre soube q optaria pelo "plano C". Se o plano A era vendê-la quando engravidasse e o plano B era vendê-la quando comprasse uma casa, somente o plano C me deixaria contente: jamais separar-me daquele ouro. O plano C era justamente usar aquela matéria-prima para fazer minhas futuras alianças de casamento, ir a um ourives e pedir-lhe q com aquele ouro com valor sentimental forjasse minhas alianças, meu anel de formatura, e joias para presentear pessoas da minha mais alta estima.
A primeira vez em q seriamente pensei em fazer algo com a barra foi quando num coincidentemente feliz 9 de fevereiro nasceu minha sobrinha Ana Letícia Santos. Me ofereci para presenteá-la com seu primeiro par de brincos, q seriam usados para furar seus lóbulos. Sua mãe, minha irmã Patrícia, sempre foi alérgica a bijuterias, só podia usar jóias verdadeiras. Então realmente não seria boa idéia dar à sua neném algo q pudesse resultar num choque anafilático, como um folheado de baixo valor. Só não mandei derreter a barra pra fazer os brincos pois isso chamaria mais atenção e custaria mais do q comprar o parzinho pronto, em formato de coração e com 2 pontinhos de brilhantes, q lhe dei.
Se me arrependo de algo acerca dessa barra de ouro, é apenas disto: de não ter dela tirado o brinquinho de neném q dei a Ana Letícia. Se o tivesse feito, daqui a 15 anos poderia lhe contar a bela história de q aqueles brincos não fôra eu a lhe dar, mas seu bisavô, através de mim, naquela barra de ouro.
Claro q tb me arrependo de não tê-la escondido melhor, de forma a q os ladrões não a encontrassem. Pois se ainda a tivesse, quando no dia do meu casamento colocasse a aliança dela forjada no meu dedo, sentiria consigo a presença física e o gesto amoroso do meu avô. Ou, se jamais me casasse, dela mandaria extrair pingentes q carregaria no pescoço com amor, e ao segurá-los entre meus dedos, evocaria a lembrança da proteção do meu Morzinho.
Aquela barra de ouro era meio q um seguro pra quando eu me visse sem teto, grávida, doente e desempregada, tudo junto. Sem querer ser esotérica, é possível q tenha ficado em minha posse apenas pelo tempo necessário, nenhum segundo a mais. Ao completar 30 anos, já sendo capaz de andar com minhas próprias pernas, pagar meu próprio aluguel, comprar as fraldas pro filho q eu quero ter, com convênio médico, efetiva e concursada, já não preciso mais daquele seguro "para o q der e vier". Hj, o q aparecer, sei q posso encarar. Hj, sei q me basto.
Se eu realmente achasse q o mundo acabaria em 2012, poderia ter vendido a barra de ouro, pedido demissão, viajado pelo exterior e levando uma vida de rainha. Mas em nenhum momento isso passou pela minha cabeça. Pois, se o fim do mundo como o conhecemos era duvidoso, a permanência da alma do meu avô não é. E a vaga idéia de um dia reencontrá-lo e ele me recriminar por ter traído sua confiança e o decepcionado doeria infinitamente mais q qualquer prazer q o dinheiro da venda daquela barra me proporcionaria. Sei q ele não estaria preocupado em me cobrar nada. Mas eu mesma tomaria a iniciativa de lhe dar satisfações, e por maior q fosse sua compreensão, eu jamais me perdoaria, se tivesse feito uso vil do seu presente.
Ao certificar-me q a barra fôra subtraída, além de mortificada, senti uma ponta de alívio. Jamais poderei girar uma aliança no meu anular esquerdo e nela sentir a presença do meu avô. Mas tb cessei de ser assombrada pelo medo de um dia vendê-la e me arrepender amargamente, mesmo q fosse para dar entrada numa casa. Por mais q ela tenha me sido dada como um gesto de amor, sempre me senti profundamente intimidada, e pouco merecedora dela. Mais ou menos como Moshe Rabenu diante da sarça ardente. (Êxodo 3:11). Mas saber q eu contava com ela me ajudou a ter coragem diante das adversidades. Me ajudou a ter verve, gana, confiança, até agora.
Hj sei q por pior q seja a catástrofe q se abata sobre mim, já sou MULHER SUFICIENTE para vencer. A pior parte da tempestade já passou. Já dobrei o Bojador e o Cabo das Tormentas. Calicute é questão de tempo. Sofri um trágico naufrágio, sei.
Mas já sei namorar, já sei beijar de língua, nadar, boiar, lutar, debater, refutar, enfrentar, xingar quando é a hora certa, esculachar, chamar bandido na chincha, reelaborar minha história, enfrentar meus medos, dizer não, superar, falar uma segunda língua, escolher meu destino, dirigir, pilotar, sinalizar em Libras, calcular juros, beber sem passar mal, esnobar os caras errados, ouvir mais do q falar.
Por tudo isso, o roubo q sofri no Reveillon não foi "o fim do mundo". Levaram uma coisa muito valiosa. Mas jamais poderão roubar de mim o q vale muito mais do q qquer carro, apartamento ou prêmio da Mega-Sena: a lembrança do amor inestimável do meu avô e a percepção de q já posso andar com minhas próprias pernas.
Aos 5 anos meu avô me ensinou pacientemente a andar de bicicleta numa Caloi rosa com rodinhas. Susteve meu guidão até q eu fosse capaz de me equilibrar sozinha. Então deslanchei, e dava várias voltas no quarteirão, sorridente e realizada. De forma similar, aquela barra de ouro foi minha "rede de segurança" para eu ter confiança para começar meus malabarismos no mundo adulto. Agora já profissional, já posso me jogar no vazio sem ela. Já tenho musculatura moral pra isso.
Obrigada, Morzinho, por ter continuado a segurar meu guidão mesmo já tendo feito a passagem. O senhor não precisa mais se preocupar. Já sei fazer minhas estripulias sozinhas. E se eu cair, consigo curar minhas feridas e já sei não mais chorar.
Meu pequeno desastre de fim do mundo se abateu sobre mim com um gostinho de recomeço. Minha couraça já tem espessura suficiente pra fazer qquer bala ricochetear.
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