Como toda mulher, fui criada numa sociedade q, a despeito de sua pós-modernidade, sempre me disse q a "verdadeira felicidade" é obtida num enlace romântico q frutifique em filhos. Mesmo q as mulheres sejam estimuladas a estudar e ter uma profissão, isso ainda é encarado como um "plus a mais" a complementar a realização familiar. Fica subjacente q ser uma profissional é um "acessório" do qual a mulher pode prescindir. Já o tornar-se mãe e esposa seria condição sine qua non para ela se sentir "realizada".
Por muitos anos ecoei internamente essa forma de pensar, e também eu achava q minha mais importante missão na vida seria encontrar "o pai dos meus filhos", com ele casar e constituir família. O mais rápido possível. Por algumas vezes achei, quando mais jovem, ter encontrado "meu par ideal", e fosse menos responsável, poderia ter engravidado para já me adiantar, "segurar o namorado" e forçar um compromisso q assegurasse meu futuro.
Porém, se há algo q aprendi com Regina, q meu deu à luz, foi a não sair engravidando sem ter condições de manter meus filhos. Muito eu sofri por ter sido abandonada, criada por meus avós, sem pai nem mãe. Eu jamais faria um filho meu passar por isso, portanto sempre tive muito claro comigo q um filho não deve ser gerado "com um objetivo", seja ele sair da casa dos pais, amarrar um namorado ou mesmo "recomeçar". Para Regina engravidar era um instrumento para atingir um objetivo imediato. Como seria o futuro da criança, não vinha ao caso. Nunca pretendi reproduzir sua irresponsabilidade, q devastou não só sua vida, como a minha, de minhas irmãs e meus avós.
Mesmo assim segui sonhando em "cumprir meu papel de mulher", cuja realização final é ter ao menos 1 filho. Porém algumas coisas me fizeram repensar completamente meus planos.
Quando me mudei para Rio Claro vi q minha vizinha de muro, S, tinha essa vida aparente de comercial de margarina. Casada, com uma filha saudável e loirinha, e outra nasceu no intervalo no qual aqui estou morando. Quem observa essa família do portão pra fora acha q eles têm "a família perfeita e feliz" e q S provavelmente "realizou todos os seus sonhos".
Porém, devido ao muro baixo q separa minha casa da dela, eu sei q isso nada mais é q ilusão. S odeia sua vida. Maltrata suas filhas. Grita com seu marido por qquer motivo, às vezes madrugada adentro. Já a ouvi diversas vezes gritar, exasperada, deseducando suas meninas, destratando-as, já a ouvi chamá-las de retardadas, bater nelas mesmo ainda bem pequenas, ameaçar separar- se do marido aos berros mais de meia noite, sem nenhuma consideração ou reflexão de que seus barracos, mais do q incomodar aos vizinhos, traumatizam às pequenas.
Com essa experiência comecei a questionar-me se realmente valia a pena casar-me e ter filhos. Pois, não fosse o muro baixo e os altos decibéis da histeria de S, provavelmente eu acharia q ela tem uma vida idílica e uma família feliz. E, assim sendo, talvez as outras famílias e pessoas q eu acho q são felizes, talvez eu só o ache por não ser exposta às suas brigas e desabafos.
Tenho já a esta altura da minha vida vários amigos da minha idade q são casados e têm filhos. Vistos do portão pra fora, ou em datas marcadas e festivas, parecem todos tão felizes quanto a família de S parece ser aos demais vizinhos. Por mais intimidade q eu tenha com meus amigos, ela quase nunca chega ao ponto de eu poder diretamente perguntar se eles realmente são felizes ou se tal é só fachada.
Às vezes acontece de um casal q eu tinha certeza de ser sólido e "para toda a a vida" de repente se separar. Este ano mesmo vi como uma aparente harmonia pode ser dissolvida inadvertidamente. Um casal de amigos queridos, casados há 10 anos, com 2 filhas, que pareciam muito felizes e se entender muito bem, se separou. Há menos de 1 ano estive na casa deles, e pareciam estar muito bem, muito felizes, estáveis e com projetos para o futuro. Sua união de longa data era um dos motivos para eu ainda crer em "casamentos felizes" até q, recentemente, descobri q se separaram. Perceber q há menos de 1 anos eles não davam nenhuma mostra de o casamento estar "balançado" ou "por um fio" e q num intervalo tão curto sua união degringolou meio q minou minha esperança de um dia ter uma união realmente estável, na qual valha a pena receber filhos.
Outra variável a se considerar antes de ter um filho é a questão financeira. Criar um filho até o fim da faculdade custa em torno de 200 mil reais. A cifra assim crua parece exagerada. Mas não. A conta a seguir talvez os convença: se uma mãe despender ou um pai pagar "pensão alimentícia" de 1 salário mínimo mensal, no valor aproximado de 600 reais (o q apenas assegura a sobrevivência, sem "luxos" como viagens e escolas particulares), os gastos totalizarão 7.200,00 reais anuais. Esse valor ao longo de 24 anos totaliza 172.800,00 . Simples e assustador assim.
Durante toda minha vida jamais recebi pensão alimentícia do lado paterno, então aprendi a não contar com isso e q os homens, de forma geral, não são de confiança. Portanto sempre tive firme na cabeça a noção de q por melhor, mais amoroso, ou por mais "bom partido" q parecesse meu amantíssimo namorado da ocasião, seria grande a possibilidade de eu no futuro me ver sozinha com meus filhos para criar, sem poder contar com nenhum amparo material do pai das crianças. Como simplesmente deixar meus filhos para trás para serem criados por outros parentes sempre esteve fora de questão para mim, sempre tive fixa a noção q antes de ter filhos era necessário q eu fosse mulher suficiente, adulta o suficiente, ter dinheiro suficiente, para eu mesma ser capaz de, sozinha, prover um lar estável pra minha prole.
O problema é q ainda hj, q já sou licenciada e bacharel, efetiva e concursada, não me sobram 600 reais livres, q eu despenderia se já tivesse um filho. Portanto ainda hj, às vésperas de completar 30 anos, ainda não tenho condições de sustentar um filho a contento, sem q ele e eu tenhamos q passar "vontades" ou mesmo privações. E sinceramente não sei se ainda em minha idade fértil me verei financeiramente estável o suficiente para me permitir engravidar sem, já ao receber o resultado positivo, começar a me sentir em dívida e aquém do q deveria diante da vida em projeto, cuja realização desde o princípio me parecerá além do q sou capaz.
Pensando assim, vejo q se tivesse filhos, teria q trabalhar muito mais horas do q realmente gostaria ou estou disposta. Se eu não chegar a ter filhos, talvez nunca seja obrigada a cumprir a carga horária completa. Economizando este salário mínimo mensal eu poderia me manter trabalhando apenas meio período. Pois eu, sozinha, posso aceitar me privar de uma série de "luxos". Porém se tivesse filhos, não ficaria tranquila em privá-los de viagens, aulas de ballet, judô, inglês, violino, auto-escola, e tudo o mais q é de se esperar q um filho da classe média tenha acesso.
A última questão problemática q citarei, a se ponderar antes de trazer uma nova vida ao mundo, é o quanto a chegada de uma criança transforma, inegociavelmente, a vida de uma pessoa. Para uma mulher a primeira preocupação é a transformação q seu corpo sofre durante a gestação. Por mais q romantizemos a maternidade, todas temos ojeriza às estrias, quilos extras, à idéia assustadora do parto, aos seios caídos, e à quase certeza de q nosso corpo jamais voltará a ser como era antes.
A isso é necessário somar q a chegada de um bebê revoluciona a relação do casal, acaba com sua privacidade, as noites tranqüilas de sono, as saídas com os amigos, as viagens despreocupadas. É muito frequente q o pai/marido, se vendo relegado ou substituído pela relação mãe/bebê, não "aguente o tranco" e pule fora; ou ao perceber q a sílfide com a qual casou agora é uma matrona queira outras aventuras, mais leves, sem cobranças e q não envolvem cocô, leite nem choro em plena madrugada a fio.
Tenho muita vontade e gostaria de ter filhos. Se eu tivesse uma pródiga situação financeira, e me sobrasse muito dinheiro todo mês, talvez a esta altura eu já os tivesse. Sinto falta de cuidar de alguém e ser recebida ao chegar em casa com um abraço e um sorriso de uma pessoinha para quem eu sou o mundo inteiro. Mas eu jamais colocaria uma criança no mundo de forma irresponsável e egoísta, sem ter de antemão assegurado q serei capaz, ao fim e ao cabo, de sustê-la, amá-la e prover-lhe todo o necessário, e muito mais q o estritamente necessário.
Ainda não tenho filhos por já amá-los e pensar responsavelmente sobre qual seria seu futuro antes mesmo de eles nascerem. Ainda não tenho filhos pois eu jamais me perdoaria se os fizesse passar por todo o sofrimento e desarranjo q sofri.
Conforme o tempo vai passando e me vejo amadurecer, cada vez mais percebo a seriedade da responsabilidade de ter um filho, todas as variáveis complexas nisso envolvidas, toda a dedicação q para isso exigirei de mim mesma. E assim vou deixando a questão em suspenso. Como ainda sou jovem e a Medicina cada vez mais avança, acho q ainda tenho mais 20 anos para decidir. E, sinceramente, acho q para mim seria muito melhor engravidar à beira dos 50 do q hj, à beira dos 30.
Veremos!
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o feminismo e suas lógicas para explicar a maternidade, que só vivenciada pode ser compreendida, ou seja é querer falar sobre algo que nunca conheceu!!!
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