Do Café.
Em postagens anteriores forneci informações que podem levar o leitor, erroneamente, a concluir por provas circunstanciais que eu consuma café.
1 – Declarei ser fumante
2 – Dei instruções de como pedir um bom “cafezinho”
3 – Disse que ia ao sétimo andar da Unilever para ter acesso “à máquina de café italiano”
E considerando que com isso eu levaria a uma conclusão desprovida de verdade, achei por bem elucidar: eu não tomo café, e isso costuma surpreender meus interlocutores, especialmente aos que sabem que eu sou fumante, pois é comum que “todo” fumante também seja apreciador de café. Primeira associação errônea.
No Brasil, quase todo mundo toma café, e toda sala de espera, de reunião ou “de café” sempre tem uma, ou duas garrafas térmicas, uma com café, outra com chá.
Do café não consumo a bebida, qquer tipo de doce, bolo, pudim ou bala, apesar de seu odor ser bastante agradável e apetitoso. Minha experiência com café foi curta e determinante.
Eu tinha 8 anos, pois trajava nesta esta cena o uniforme da EE Prof. José Martins, na qual estudei apenas a segunda série. Estava em Rio Claro, sentada em torno da ampla mesa da cozinha. Meus familiares, todos muito mais velhos que eu, estavam sentado em torno da mesa, bebendo café. Como eu era criança, nunca haviam me dado café. Desta vez fiquei curiosa e pedi para experimentar. Me permitiram e, me sentindo muito adulta, peguei uma xícara, pus o café e uma colher de açúcar. Bebi.
Senti um gosto horrivelmente amargo e protestei. Me disseram que adicionasse mais açúcar. Pus mais uma colher. Mexi e experimentei. Continuava ruim. Coloquei mais uma, experimentei. Ainda ruim. Mais outra e outra. Horrivelmente amargo. Mais outras. Horrível. Por fim vi que no fundo de minha xícara se acumulava um dedo de açúcar não diluído e o café continuava horrivelmente amargo.
Concluí que eu não gostava de café e nunca mais tomei nenhuma xícara, até agora, em toda a minha vida.
Do chá.
Gosto de chá. Gosto de chá "de chá", id est, camelia sinensis, que pode ser chá preto, chá branco, chá verde ou simplesmete "chá". Ou de camomila, erva doce, hortelã. erva cidreira, tudo adequado para fazer chá. E era apenas "chá" (não sei do que) que eu bebia da máquina de café italiano da Unilever, para desgosto de minhas colegas de trabalho que refestelavam-se nos capuchinos deliciosamente gratuitos. Porém mesmo o seguro e doce chá pode trazer surpresas. Por duas vezes após sorver xícaras quase cuspi o conteúdo. Cuspir é uma reação fisiológica que pode ser conscientemente controlada, a depender da circunstância social. Se ninguém estivesse olhando, eu teria cuspido. Mas como as feitoras do chá estavam à minha frente com um sorriso carente esperando que eu dissesse que a bebida estava uma delícia, conti o frêmito fisiológico, e a duras penas, engoli o conteúdo, fingindo gostar. Após conseguir respirar, perguntei "do que era o chá". Uma vez era de maracujá, na outra de banana com canela. Apenas nessas duas vezes, a contragosto e inadvertidamente, consumi estas duas frutas cujo sabor me é adverso. Hoje, sempre pergunto "do que é o chá" antes de beber, pois agora sei que existem pessoas malucas que oferecem chá de banana aos outros!...
Do leite.
Mamei no seio materno apenas 3 meses. Depois disso, como é comum, fui nutrida com leite de vaca, na mamadeira, por longo período. Meu "desmame" foi um processo longo. Lembro-me de toda a família tentar me convencer a largar a chupeta e a mamadeira, as quais, como eu era emocionalmente carente, me apegava. Algumas vezes tentaram "sumir" com os objetos. E eu tenazmente demonstrei, com minha teimosia de muar empacado, que pela força ninguém me intima a nada. Até que Maria José aplicou sua psicologia amorosa comigo. Me explicou que mamdeira e chupeta eram coisas de bebês, que eu já era uma mocinha, já tinha 5 anos, e que não ficava bem eu mamar na mamadeira e continuar chupando chupeta. Talvez ela tenha me prometido algum presente de consolação, não me lembro especificamente deste detalhe, mas o considero possível. O que me lembro é que com sua expressão amorosa e seus argumentos, ela me convenceu a, por vontade própria, abandonar estes dois itens em data exata: meu aniversário de 6 anos. A partir deste combinado me programei para abrir mão destes "pequenos vícios", e em 29/12/1988 tomei minha última mamdeira.
No dia seguinte, lembro-me de pela manhã ter vontade de beber leite. Maria colocou o copo e o frasco em minha frente. Olhei bem o copo, olhei bem o leite, e soltei a seguinte frase:
- Mas eu não sei beber leite em copo!
Leite me parecia intrinsecamente ligado à mamadeira, e ao ato de sugar, mamar num bico. Não me parecia haver nenhum tipo de propósito em se tomar leite em outro recipiente. Eu já estava acostumada a beber água e suco no copo. Leite, nunca. Me pareceu demasiadamente estranha a ideia de sorver leite, de vaca, uma coisa produzida para bezerros, em um copo. Neste dia não tomei leite, nem no seguinte, nem em nenhum outro dia posterior de minha vida. Hoje, a simples ideia me provoca asco. Mantive meu compromisso de não voltar à mamadeira nem à chupeta. O efeito colateral foi nunca mais beber leite. E apesar disso, cresci forte, com ossos densos, além da estatura mediana.
Da limonada.
Gosto de limão. Salgado, temperando a salada, o kibe, a esfiha. Não gosto de limão doce. No suco, no pudim, no bolo, na caipirinha.
Uma única vez em minha vida fui obrigada a beber limonada. Eu tinha 9 ou 10 anos, e já morava em São Paulo capital. Regina me levou certa tarde à casa de uma amiga sua (embora Regina nunca tenha tido, propriamente, amigos, apenas colegas), onde me confraternizei com algumas meninas do condomínio. Brincamos de Barbie e no playground do prédio. Muito legal. Até que a amiga de Regina nos convocou para o lanche. Sanduíches de presunto e queijo com limonada. Argh...
Não como presunto, nem tomo limonada. Como eu era criança, as adultas se sentiam na obrigação de fiscalizar se eu comia mesmo e não pude "desconversar", "dar um perdido". Colocaram um sanduíche e um copo de limonada na minha frente. Argh... Reticentemente, disse:
- Eu não gosto de presunto, posso tirar a fatia?
As adultas não falaram nada, e enquanto eu retirava, enojada, a fatia de presunto de dentro do meu sanduíche, outra coleguinha abriu o seu e recebeu como alegria uma fatia extra em seu sanduíche. Já desembaraçada disso, pensei que poderia simplesmente comer meu sanduíche de queijo prato, deixando intocado o suco de limão, fingindo que nada estava acontecendo. Mas não. As adultas insistiram que eu tomasse o suco. Meio sem jeito, expliquei que não gostava de limonada. Enquanto uma colega se alegrou de poder beber além do seu o meu suco, Regina me fulminou com um olhar que eu era jovem demais para compreender.
Mais tarde, quando retornamos em seu Carman Ghia vermelho à pensão de dona Rosa, Regina me pegou fortemente pelo braço, me unhando, e disse com os olhos injetados:
- Vc sabe a vergonha que vc me fez passar hj? Agora vai todo mundo ficar pensando que vc é uma "nojentinha". Mas vc vai aprender a nunca mais fazer isso!
Minha sorte é que na casa de dona Rosa não tinha presunto. Mas tinha limão. Regina fez um copo de limonada de fruta, forte, concentrado, com gominhos e tudo. Sentou-me à mesa da cozinha de dona Rosa, colocou o copo na minha frente e me intimou a beber. Eu não queria. Afinal, não gostava e ainda não gosto de limão doce, de nenhum tipo. Mas eu não tive escolha. Ou eu bebia ou ela me bateria, como fazia toda semana então.
(Deve ficar claro que Regina nunca me feriu seriamente em minha instância física, apesar de ter me trucidado emocionalmente. Ela sempre que achou ter motivos para tal me bateu, mas apenas com as mãos, e jamais me tirou sangue. Físico, pois minha alma ela sangrou até a morte. Coloco estes parênteses apenas pq sei que devo ser justa e não levar ninguém a conclusões errôneas).
Daquela vez ela venceu, eu bebi. E este foi o único copo de limonada que tomei em toda a minha vida, até agora.
Conclusão.
Socialmente, é importante que bebamos chá, café, leite e limonada. É um ato de simpatia aceitar as bebidas e comidas que os outros nos oferecem. Mesmo que tenhamos um paladar refinado e restrito, devemos nos policiar em nossas restrições alimentares, abrindo mão delas, a depender da circunstância social.
Não devemos divulgar abertamente (como fiz neste texto) as coisas que não gostamos de beber e comer, pois os outros podem nos considerar "nojentinhos" ou "metidos". Devemos consumir tudo o que nossos colegas consomem, de forma a erigir uma identidade coletiva que se dá na comunhão da refeição compartilhada.
Os adultos devem saber o jeito certo, e amoroso, de convencer as crianças a consumir novos alimentos e bebidas. Pois se apresentarem um alimento com má disposição, com raiva e violência, a criança associará o alimeto a essas coisas negativas. Devemos ter muito cuidado em não gerar preconceitos e transtornos alimentares em nossas crianças.
Resumindo: comam e bebam de tudo que vos for oferecido. Ou aprendam a disfarçar bem. E JAMAIS forcem uma criança, pela violência, a nada. Ainda mais uma criança capricorniana, teimosa em sua própria essência.
João Gilberto - Retrato em branco e preto
Dave Matthews Band feat. Alanis Morissette - Spoon