quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Do pesadelo da burocracia tucana paulista

Enviado à Ouvidoria da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

ouvidoria@edunet.sp.gov.br

Caro Ouvidor,

Permita-me relatar-vos o calvário que a burrocracia (sem erro de digitação) da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo me fez passar por conta de uma falta médica.

Primeiro de tudo: em quatro anos de magistério, esta foi minha primeira falta médica. Faço questão que o senhor verifique: [dados omitidos por motivos óbvios]

Ano passado eu tentei dar uma falta médica. Motivo: à noite, minha avó de 74 anos sofreu uma queda, bateu a cabeça, teve uma concussão cerebral e, temi à hora, um traumatismo craniano. Eu tinha aulas no dia seguinte. Do pronto-socorro, ainda com as mãos sujas de sangue por ter socorrido minha avó, liguei para a escola avisando que eu passaria a noite no hospital e portanto não poderia dar aulas no dia seguinte, pois não sabia quando, ou se, minha avó receberia alta. Pedi ao pronto-socorro um atestado de que eu era a acompanhando da doente, e o recebi.

Ao entregá-lo na escola, a burocrata encarregada dessa papelada disse que aquele papel não servia, pois não discriminava entre quais horários eu estivera no hospital. Que eu deveria procurar o médico para conseguir um novo atestado, com hora de entrada e saída. Fui ao hospital, procurei o médico, sem sucesso. Com minha avó gravemente acidentada em casa, sem poder ficar zanzando por aí, avisei na escola que eu abonaria aquele dia, sem gozar da falta médica que me era justamente devida. Deixei passar o ocorrido.

Isso não foi nada perto do pesadelo que vivi esta semana, quando estive (ou melhor, ainda estou) eu mesma doente. De domingo para segunda passei uma noite horripilante. Calafrios, dores abdominais, suor. Tinha aulas segunda de manhã. Ao acordar na hora certa, percebi um novo sintoma: disenteria. Liguei para a escola avisando que eu não iria, e disse: “não sei ainda se vou abonar ou dar falta médica pois não sei se é caso de ir ao hospital”.

Conforme os sintomas progrediam e se intensificavam nesta manhã (segunda 30 de agosto), fui ao pronto-socorro. Atendida por um infectologista, fui diagnosticada com gastroenterite viral. Com muita ênfase: TRANSMISSÍVEL. Ele disse: “é melhor vc ficar afastada pelo menos 2 dias”, e me deu um atestado médico.

Ele estava levando em conta três coisas: a severidade de meus sintomas, a transmissibilidade de minha enfermidade e o fato de que a docência exige disposição física para tentar controlar, a cada 50 minutos, 35 adolescentes à beira da histeria. Coisa que eu estava completamente impossibilitada de fazer.

Grande surpresa minha foi, ao ligar para minha escola sede, que o atestado de 2 dias não servia pois eu teria direito a apenas uma falta médica por mês. Inocentemente, disse eu: “tudo bem, eu uso o atestado para 1 dia de falta médica e o dia seguinte eu abono”.

Eu estava subestimando a burocracia da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. O atestado de 2 dias não serve para 1 dia. Eu teria que obter um novo atestado médico, indicando apenas 1 dia de afastamento.

No pronto-socorro disseram não poder me ajudar, que eu deveria procurar o médico em seu consultório. Lá sua secretária, informada que o hospital acabar de me remeter ao consultório, me disse: “se vc foi atendida no hospital, é apenas lá que vc pode pedir um novo atestado”. E ainda arrematou:

- É complicado esse jogo de empurra, né?

Eu, do fundo de minha náusea, piriri, cansaço e arrepios, sentindo-me pior que Mr. K, disse-lhe com os olhos marejados:

- É bem pior para mim, que estou doente e com dor, sendo empurrada de um lugar para outro, do que pra vc, que é só mais uma a me empurrar e lavar as mãos.

Voltei à minha escola sede, tentei argumentar, mas foram irredutíveis. O atestado de 2 dias não servia. Eu que me virasse para arranjar outro. Na escola até chorei ao tentar argumentar e cheguei a elevar minha voz com a burocrata, tudo inutilmente. Ao cabo da discussão ela “misericordiosamente” sugeriu que eu resolvesse a questão apelando ao famoso “jeitinho” brasileiro. Horas mais tarde, consegui localizar o médico que, condoído com minha triste situação, forneceu-me o atestado de 1 dia e pude remete-lo à agora satisfeita burocrata.

O pior de tudo nesse meu episódio de gastroenterite viral não foram os calafrios, a dor, o desarranjo, a náusea. O pior foi o pesadelo burocrático ao qual fui submetida pela burocracia da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Ter que fazer uma romaria para trocar um papel que me dava mais direitos, e que não servia, por um papel que me dava menos direitos e que, este sim, servia.

Caro Ouvidor, esta foi minha primeira falta médica, mas depois de todo esse pesadelo gratuito, não será a última, pois agora sei que minha dedicação pregressa à educação pública paulista foi irrelevante quando me encontrei fragilizada e necessitada de auxílio e orientação. Apreciaria caso o destinatário desse desabafo não fosse apenas mais um burocrata a lavar as mãos e ignorar o real problema.

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