sábado, 28 de maio de 2011

Da Matemática não calculada

A “Matemática” é uma das disciplinas mais temidas da grade curricular escolar. Excessivamente teórica e abstrata, esta matéria sempre foi para mim um tormento com cálculos sem nenhum sentido, envolvendo encontrar infinitas vezes um X sem nenhum propósito real.

A Matemática, a Física e a Química nos atemorizam, assustam e intimidam com suas intrincadas fórmulas. As incógnitas quase nos dizem: “Decifra-me ou te devoro”. Nunca me dei bem nem em Matemática nem nas demais Ciências Exatas: Física e Química. Destas três disciplinas, sinceramente, pouco me lembro e muito as temi na hora do Vestibular. Lembro-me inclusive de na sétima série ser interpelada por uma professora de Matemática inconformada:

- Fernanda, vc é tão inteligente, como que vc não consegue ir bem em Matemática?

Nunca soube o pq. Mas apesar de não “ir bem” nunca foi problema conseguir o 5 mínimo para passar de ano, nem em Matemática, nem em Física, nem em Química. Se serve mais uma ilustração cristalina, fiz cursinho pré-vestibular por 2 anos consecutivos. No primeiro, sendo pagante, simplesmente prescindi de participar das aulas de Física e Matemática após o segundo mês de aula. Tendo já feito amizades com os colegas de sala, minhas aulas de Exatas se transformavam em sessões de boteco e videokê ao lado de Aline, Thiago, Thales e Henrique. No meu segundo ano de cursinho, no qual era bolsista integral, eu era obrigada a ter freqüência exemplar, de mais de 90%, e portanto assisti, integralmente, uma a uma, todas as aulas de Exatas. Pq isso é relevante? Pq ao final destes 2 anos prestei o vestibular da USP obtendo exatamente a mesma pontuação na primeira fase. Em poucas palavras: um ano inteiro de aulas de Física e Matemática no Cursinho não fizeram absolutamente nenhuma diferença em meu desempenho no vestibular. Essas matérias simplesmente não entram na minha cabeça, ao menos da forma excessivamente teórica e abstrata como são ensinadas atualmente.

Contudo sempre me fascinou como algumas pessoas têm um talento natural, instintivo até, para os cálculos. Os realizam quase sem pensar, automaticamente. Um filme que mostra isso de forma ilustrativa é “Little Man Tate” no qual Jodie Foster interpreta a mãe de um menino superdotado, com talentos matemáticos que é descoberto por uma professora universitária interpretada por Diane Keaton. Numa competição de Matemágicos ele dá imediatamente as respostas a cálculos complicadíssimos, sem nem pensar, num piscar de olhos. Há também o ótimo livro infanto-juvenil “O homem que calculava” de Malba Tahan que conta a história das mil e uma noites de um prodígio dos cálculos sem números nem fórmulas.

Longe de mim situar-me em nível de qquer tipo de prodígio matemático, uma vez que esta linguagem me é mais indecifrável que o próprio grego. Creio que seria-me mais fácil aprender Mandarim do que tornar-me fluente em Matemática. Contudo, apesar deste meu analfabetismo, ou anadigitismo, de alguma forma consegui passar em dois dos mais disputados vestibulares do país (USP e UNICAMP – nesta segunda caíram “Exatas” até na segunda fase) e me saí muito bem nas duas vezes que fiz o ENEM inclusive em habilidades matemáticas pois, apesar de ser incapaz de colocar os dados nas fórmulas, calculá-las e chegar numericamente a algum X, sempre fui capaz de “ponderar” os dados e, intuitivamente, de alguma forma, chegar em um resultado, às vezes correto.

O causo pessoal curioso que ilustra esta questão se passou recentemente, não em ambiente escolar. Eu estava participando de um almoço familiar ao qual estava presente um engenheiro civil, também graduado pela USP. Ele contava-nos feliz que ia instalar uma “Tirolesa” e seu sítio, para se divertir.

Quem não sabe ao que me refiro: “Tirolesa” é o nome de um “esporte radical”, ou técnica de arborismo. É quando um cabo de metal é suspenso e preso pelas pontas em dois apoios altos. O “esportista” se pendura de um lado do cabo apoiado em uma roldana. O “esporte” consiste na pessoa deslizar aceleradamente de um ponto a outro da corda, finalizando a “diversão” ao pular no riacho abaixo do ponto mais baixo do trajeto. Coloquei as aspas pois minha própria natureza algo preguiçosa é aversa a qquer tipo de esporte que envolva risco de se esfolar, se molhar, quebrar algum osso ou afins. Ainda mais num equipamento que não foi instalado por profissionais da área.

Por exemplo, eu até poderia ser convencida a “me jogar” numa Tirolesa instalada num parque de diversões com alvará do Corpo de Bombeiros. Jamais numa Tirolesa improvisada. Por conta disso perguntei ao autor do projeto que, afinal, era engenheiro:

- Na faculdade vc fez ao menos teoricamente alguma coisa parecida com isso?

Respondeu-me que não.

A conversa prosseguiu a respeito de como seria instalada a Tirolesa até que alguém levantou o ponto da aceleração que a pessoa poderia atingir, e se fosse muito alta, se a pessoa poderia machucar-se ao cair no riacho. O engenheiro disse que a velocidade não seria alta, chegaria a algo em torno de 15 kms/hora. Estranhei, meneei a cabeça e discordei:

- Imagina! 15 kms/hora é a velocidade na qual eu caminho. Uma pessoa alcançaria 50 kms/hora.

O engenheiro discordou, achou ser excessiva a minha cifra. Pediu papel e caneta e pôs-se a fazer cálculos com fórmulas desconhecidas e, para mim, herméticas. Orçou a resistência da roldana, o comprimento e a inclinação do cabo. Após vários minutos e cálculos depois chegou a um número em metros por segundo. O qual, sinceramente, eu era incapaz de orçar em kms/hora. Ele próprio fez a conversão e após escrever o número no papel olhou-me com expressão atônita e mostrou-me o resultado final: 50 kms/hora.

Sinceramente eu não tinha a menor idéia de que eu chegara intuitivamente, com minha Matemática não calculada, ao resultado correto, mesmo a desconhecer os dados e fórmulas de cálculo. Apenas ponderei algo no qual eu mesma não acredito existir (bom senso), lembrei-me das Tirolesas que já vira, lembrei-me que o mostrador dos elevadores orçam o peso médio das pessoas em 70 kgs. E uma outra informação da qual creio que o engenheiro não dispunha. Na virada do século XIX para o XX muitos engenheiros temiam sobremaneira colocar motores potentes nos carros pois havia certa crença “científica” de que se o corpo de um ser humano fosse acelerado acima de 60 kms/hora ele se desintegraria. Isso é muito ilógico hoje, mas em épocas pré-traquitanas mecânicas parecia perigoso e antinatural acelerar de forma tão exacerbada o frágil organismo humano.

Claro que não me conti em minha arrogância e não perdi a oportunidade de me auto-afirmar:

- Viu? Pra que tanto cálculo, tantas fórmulas, tantos X e tantos Y? Eu, sem saber de nada disso, ponderei o resultado correto.

P. S.: Hoje, assistindo aos Mithbusters, o episódio quebrou um mito envolvendo o escorregar sobre uma rampa molhada e jogar-se sobre um lago. E curiosamente a velocidade que calcularam cientificamente repetidas vezes para os corpos lançados nesta espécie de trampolim foi... Vcs conseguem adivinhar?... De 50 kms/hora. Curioso, não?

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