sábado, 11 de setembro de 2010

Como ser uma pessoa radicalmente saudável

Desde criança, sempre fui uma pessoa muito saudável. E isso não é uma circunstância passageira, mas uma estrutura biológica radical: está encravada em minhas raízes e rebordada em meus hábitos. E claro, o desenvolvimento de tudo isso foi possibilitado pelas vacinas a que fui submetida. Furtar-se à vacinação é uma das coisas mais idiotas que se pode fazer.

Pouquíssimas vezes fiquei doente em minha vida. Nunca quebrei nenhum osso, precisei fazer nenhuma cirurgia, ficar internada ou tomar anestesia que não fosse odontológica.

Isso pode ser devido a diversos fatores, três deles pretendo analisar aqui.

1 - Boa herança genética. Não pretendo defender a eugenia, muito pelo contrário. Creio que a ser correta minha hipótese genética ela seria devida ao princípio biológico do “vigor do híbrido” que diz que quanto mais “misturada” é a carga genética de uma pessoa, mais forte e saudável ela será.

Como toda boa brasileira, para citar o presidente-sociólogo Fernando Henrique Cardoso, tenho “um pé na cozinha”, ou melhor, um na cozinha e outro na área de serviço. Apesar de meu fenótipo “branco”, “caucasiano” ou “latino” sei, por já haver conversado com meus antepassados a respeito, que tenho sangue tanto indígena quanto negro. Esta variabilidade genética que meus ancestrais me garantiram diluiu possíveis genes defeituosos, recessivos e patogênicos.

2 – Ser a filha caçula. De três irmãs. Poucos sabem a respeito da ocorrência não de uma doença, mas de um fenômeno cultural burguês que é a “síndrome do filho mais velho”. Pergunte a qualquer pessoa que é alérgica, asmática ou que tem problemas imunológicos se ela é a filha mais velha: tenho 80% de certeza que essa pessoa é a primogênita de seus pais. Por quê? Porque no nosso mundo asséptico pequeno-burguês as mães tendem a ser muito mais cuidadosas com seu precioso, e virtualmente único, filho mais velho: tudo é fervido, pasteurizado e higienizado ao extremo. O precioso filho mais velho é privado do contato com organismos patogênicos da “sujeira” normal do dia-a-dia e portanto seu sistema imunológico não se desenvolve normalmente e fica enfraquecido.

Não que a mãe ame menos aos seus filhos posteriores, mas ao nascimento do segundo filho a mãe, mais experiente e menos insegura, sabe que tanto cuidado e pasteurização são desnecessários, e tende a “relaxar” um pouco mais, permitindo que seus demais filhos entrem em contanto com a “sujeira” normal do dia-a-dia, o que desenvolverá melhor as defesas de seus caçulas.

3 – Ser bem nutrida. Desde muito jovem, não sei se por gosto pessoal ou incentivo familiar, sempre gostei muito de comer todos os tipos de vegetais.

Como toda criança, tinha das minhas frescuras. Por exemplo, um vegetal que eu me recusava a comer era o banal tomate. Eu dizia que não gostava. Como não há nada de errado no gosto do tomate, um dos vegetais mais populares do mundo, era uma clara barreira psicológica. Como a que por séculos, descobri depois, impediu a popularização desta fruta/legume, de origem americana, na Europa: a plebe achava que o tomate era venenoso. Talvez eu, atavicamente, preservasse esse preconceito alimentar: não só eu não comia o vegetal cru, como sob nenhum forma. Minha macarronada era ao alho e óleo, minha pizza precisava ser “untada” com margarina; ketchup, nem pensar. Não sei a que altura da minha infância, deixei essa frescura de lado e incluí o delicioso, licopenizado e portanto anti-cancerígeno tomate em minha dieta.

Apesar do porém passageiro do tomate, minha alimentação era muito variada: meu avô brincava comigo de que tanto comer alface eu ficaria verde como o incrível Hulk, o que eu achei muito legal. Ainda hoje, adoro um pratão de salada crua, pleno de folhas de todos os tipos e vegetais dos mais variados. Adoro fibras, produtos integrais, orgânicos, enriquecidos. Ao fazer uma receita, sempre que possível procuro incluir ingredientes nutritivos: farelo de trigo, aveia, linhaça, azeite de oliva, quinua, castanhas, amaranto, levedo de cerveja e todo tipo de item “nova era” que prometa, ou entregue, uma saúde fortalecida e uma nutrição privilegiada e completa.

Certa vez num acampamento, comendo apenas coisas “mortas”, industrializadas e plenas de conservantes, senti-me quase que murchar: no meio de tantos carboidratos e proteínas baratas e refinadas, faltava-me comida “de verdade”, colorida, viva, crua, cheia de nutrientes e de energia vital.

Claro que eu prossigo cheia de tabus alimentares e coisas que, estupidamente, me recuso a comer, como qualquer tipo de peixe ou fruto do mar. Devido a trauma de infância. A alimentação, para a criança, não deve ser forçada, nem uma obrigação, mas um prazer sensorial. Não como peixe pois me lembro que quando criança, ao me recusar a comer uma peixada, minha mãe trancou-se no quarto comigo com um prato cheio e me obrigou a comer, forçando as colheradas goela abaixo. Daquela vez ela venceu, eu comi. Mas depois dessa experiência deletéria e desagradável, nunca mais comi nenhum organismo aquático em minha vida. Hoje em dia, publicamente, ao invés de explicar isso, é mais fácil alegar que sou alérgica a peixes e frutos do mar. É uma saída fácil, que encerra a questão. Às vezes, em tom jocoso, digo: nós, humanos, somos animais terrestres, portanto, comer animais aquáticos é anti-natural. Confissão: num recente churrasco de amigos, vendo um belíssimo salmão, bem rosado e alvo na grelha, não resisti: quando ninguém estava olhando, peguei uma lasca e experimentei. Não tinha gosto de nada. Talvez a barreira psicológica tenha sido maior que meu experimentalismo, boa-vontade ou desapego.

As crianças não devem ser forçadas, mas estimuladas a comer. Creio que quando, diante de uma refeição familiar, a criança diz: “eu não gosto disso” a postura correta deveria ser: “bom, se vc não quer comer, não coma, porém, esta é a comida que temos e se vc não quiser comer, ficará com fome.” Por duas ou três refeições a criança pode até passar fome, na quarta, com o estômago roncando, com certeza, ela comerá. Essa persistência pode ser difícil para uma mãe insegura, mas será extremamente benéfica para a educação nutricional de seus filhos. Além de ensinar-lhes a humildade de que eles não são mais especiais ou importantes que os demais membros da família, e que se a comida é boa para todos os seus familiares, é boa para a criança também. Também pode-se argumentar: “vc acha que sua mãe, que cuida tão bem de vc, te daria para comer alguma coisa que te faça mal? Ou vc acha que eu pus veneno na sua comida?!”

Anuir aos preconceitos alimentares das crianças é validá-los. De forma nenhuma um adulto deve concordar ou usar subterfúgios para desconversar ou desviar a atenção a respeito das frescuras alimentares de sua prole. Sempre, expressamente, deve-se deixar claro que a recusa em comer qualquer ingrediente é preconceituosa, desrespeitosa e pouco saudável. Mas através da conscientização, do exemplo e da tenacidade, nunca da violência. A criança deve ser persuadida, convencida, estimulada, a experimentar um novo sabor; nunca forçada. Se a argumentação não convencê-la, não deve-se preparar uma comida “especial” para a criança nem oferecer-lhe snacks: bolacha, iogurte, salgadinho. A comida é aquela, para todos da família. Não quer comer? Vai ficar com fome. Simples assim.

Dos três ítens acima, creio que o maior responsável pela minha complexão saudável é o fator nutricional. De nada vale uma boa herança genética e um sistema imunológico bem preparado se vc não mantém tudo isso em dia com um bom fornecimento de vitaminas, proteínas, fibras, micro-nutrientes e sais minerais. Portanto nutram-se bem, e ensinem a seus filhos a importância da boa alimentação.

Dica fácil, rápida e prática: para turbinar seu sistema imunológico, coma duas castanhas do Pará por dia: isso fornece a porção diária de selênio fundamental para manter em dia as defesas de seu organismo.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Por que tantos presidiários se dizem "de Jesus"?

Antes de mais nada, gostaria de deixar claro que em nenhum momento pretendo insinuar que a crença cristã seja compatível ou conduza alguém à prática de crimes. Provavelmente Jesus é tão popular nos presídios brasileiros quanto Maomé é nos presídios da Indonésia e Buda nos presídios chineses. Ou seja, o fato de a opção dos brasileiros ser por Jesus é fruto de determinantes histórico-culturais.

Explicitado o alerta, vamos ao questionamento.

Não sei quantos de vcs já passaram pela experiência de estar encarcerado ou trabalhar num cárcere. Graças a Deus nunca estive presa, mas já tive oportunidade de trabalhar em duas instituições prisionais: a Fundação CASA, que interna menores infratores (antiga FEBEM), e o Centro de Ressocialização Masculino de minha cidade, com prisioneiros adultos aguardando julgamento, em regime fechado ou em semi-aberto.

Em ambas as instituições prisionais em que trabalhei era surpreendente a porcentagem de apenados que declaravam-se "de Jesus" ou genericamente "evangélicos". Aliás, o lema oficial do PCC, Primeiro Comando da Capital, organização criminosa que age dentro e fora dos presídios paulistas, é: "Fé em Deus, Paz, Justiça e Liberdade."

Tb deve ser apontado que toda instituição prisional brasileira é (ou deveria ser) aberta à atuação de conselheiros e líderes espirituais de qualquer religião, no serviço conhecido como "capelania". E que em minha experiência percebi a atuação de apenas um grupo católico e de diversos grupos evangélicos, de diversas igrejas, sendo os evangélicos mais militantes e engajados em sua "pastoral carcerária". Jamais tive notícia do interesse de qquer outra vertente religiosa em oferecer assistência espiritual ou moral aos encarcerados nos locais onde trabalhei.

Já pensei muito a respeito do porquê, enquanto 20% da população brasileira é "de Jesus", cerca de 60% de sua população carcerária declara-se da mesma forma, numa clara aberração estatística.

Algumas hipóteses que elaborei são:

a) Pura hipocrisia. Assim como fingem estar arrependidos, os criminosos fingem ter se tornado religiosos.

b) Real conversão devida ao arrependimento e à atuação dos conselheiros religiosos que trabalham nas instituições prisionais.

c) Estratégia de sobrevivência. Os demais presidiários tendem a respeitar e a não mexer com quem se diz "de Jesus".

d) Problema inerente à teologia cristã-paulina, que ao dizer que a Lei foi revogada e Jesus já pagou por todos os nossos pecados, deixa a janela aberta para a pessoa prosseguir cometendo crimes sem peso na consciência, pois somos todos pecadores.

e) Como a maior parte dos evangélicos pertence aos estratos mais pobres da população e os encarcerados pertencem, em sua maioria, a essa classe social, sendo que mais pobres ficam pesos e mais pobres são evangélicos, isso explica o fenômeno.

Pergunta Cristã Ridícula: Por que tantos presidiários se dizem "de Jesus"?

[originalmente postado como tópico em minha comunidade do orkut *Perguntas Cristãs Ridículas* http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=14446807&tid=5513500224259778668

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Porque fui mandada embora da FEBEM – Fundação CASA


Apenas hoje, dois anos depois, sinto-me segura para expor o motivo pelo qual não cheguei a ser demitida, mas fui “desconvidada a prosseguir” a dar aulas na Fundação CASA de Rio Claro. Obviamente isso não foi explicitado por meus superiores, mas percebi como foram mal recebidos os relatórios infratranscritos. E também fiz o nexo entre eles e o aviso de que eu não deveria me apresentar para tornar a dar aulas no ano seguinte naquela unidade.

Para quem não tiver paciência de ler até o final: fui mandada embora por denunciar uma agressão sofrida por um adolescente por parte de um agente de segurança, numa clara violação dos Direitos Humanos.

Para quem não sabe, FEBEM significa “Fundação para o Bem Estar do Menor”, instituição tipo “reformatório” para menores infratores / em conflito com a lei / delinqüentes do estado de São Paulo, Brasil, cujo nome foi tucanado para “Fundação Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente”.

Os dois textos abaixo não foram escritos para este blog, são transcrições de relatórios verídicos que enviei aos meus superiores na Fundação CASA a respeito de ocorrências envolvendo coincidentemente, ou não, o mesmo adolescente.

Sinto ser necessário elucidar o motivo do apelido de FEAJ para que ninguém interprete nisso algum tipo de alusão racista.

Ao ser internado na FEBEM, FEAJ já carregava o epíteto "Azulão". Embora ele fosse afrodescendente, esse apelido não era uma referência a sua cor.

Em seu bairro FEAJ era conhecido por cometer pequenos furtos entre os vizinhos. Roubava tênis, roupas que estivessem no varal, pequenos objetos. Até torneiras ele desenroscava dos quintais e vendia no ferro-velho como sucata para conseguir dinheiro para suas pedras de crack. Com este comportamento, FEAJ tornou-se persona non grata em sua vizinhança. Relataram-me que em certa ocasião FEAJ foi surpreendido num furto e seus vizinhos acharam por bem, melhor do que remetê-lo à polícia, prendê-lo numa naquelas cestas grandes de lixo que ficam nas calçadas de condomínios. Cestos de lixo estes que têm grades, e podem ser trancados com cadeado.

Consta que FEAJ ficou mais de 2 dias trancado na lixeira, e sua mãe o alimentou por entre as grades neste período durante o qual ele ficou completamente exposto à execração pública. Acontece que mesmo nessa condição o topete de FEAJ não foi quebrado. Disseram-me que de dentro da lixeira ele ria-se da situação enquanto entoava certa música humorística afamada anos atrás no programa do Ratinho

"Solta o Azulão, solta o Azulão..."

E daí o apelido pegou.


22/10/2008

Relatório disciplinar a respeito do adolescente FEAJ, vulgo “Azulão”.

O adolescente FEAJ já apresentou em sala de aula os mais variados tipos de comportamentos inadequados. Não possui contudo qualquer tipo de deficiência intelectual, encontra-se alfabetizado, não tem problemas com cumprir o mínimo necessário em sala de aula e as lições obrigatórias. Recusou-se a fazer a prova bimestral entregando-a em branco, como sinal de que não irá colaborar sequer com sua própria promoção escolar, numa espécie de “manifesto de rebeldia” diante dos colegas.

FEAJ apresenta dificuldade em cumprir e obedecer qualquer tipo de ordem ou mesmo orientação feita no tom mais suave a respeito de seu comportamento e atitudes impróprias. Ao ser advertido oralmente, cala-se, concorda ou justifica-se. Em poucos minutos volta a fazer exatamente aquilo pelo qual acaba de ser chamado à atenção. Empreende bruscos movimentos “de brincadeira” de ameaça física, flertando com a possibilidade de “ser arrastado”. Aproveita-se da distração ou desvio da atenção dos funcionários em relação a ele para confrontar-se com os colegas, motivo pelo qual foi retirado da sala de aula neste 22/10/08.

Por diversas vezes o adolescente atrapalha a aula conversando (ou melhor, falando sozinho), cantando, provocando aos demais, levantando-se, exigindo atenção exclusiva, sendo mal-educado e inoportuno. Por diversas vezes empreendi tentativas de aconselhá-lo de forma a comportar-se pelo menos para ter uma boa “caminhada” dentro da unidade. Ele não parece pretender colaborar sequer com a restituição de sua própria liberdade.

Quando da vacinação contra rubéola e hepatite recusou-se a sair da sala de aula para ser vacinado, tendo que ser na mais absoluta literalidade arrastado para fora da sala pelo agente de segurança para tal.

Solicitado por esta professora de forma bastante calma e educada a não se referir a um colega por “aquele viado” de forma extremamente desrespeitosa, continuou reiterando seu desrespeito e desprezo, não apenas em relação a esse colega, mas aparentemente em relação a todos os demais.

Sendo também alvo de certa animosidade por parte dos outros internos, sua estratégia de sobrevivência é a auto-afirmação perante seus co-internos, procurando demonstrar que pode se comportar como quiser sem ser severamente punido, chegando a bater no peito de forma a claramente demonstrar que em sua cabeça, ele é quem manda em seu próprio comportamento e que nenhuma das medidas disciplinares tomadas até agora está surtindo qualquer efeito.

Ao ser questionado sobre o motivo de haver sido sancionado no dia 20/10/08, disse ser completamente inocente, que apenas havia tropeçado, havendo sido mal-interpretado pelo agente de segurança.

O adolescente FEAJ claramente faz uso teatral de sua aparência franzina visando obter o compadecimento dos demais, apegando-se a formas de expressão infantis ao dirigir-se aos funcionários, visando fazer-se de vítima ora dos agentes de segurança, ora da direção da unidade, das técnicas, dos demais professores e mesmo dos agentes educacionais como se ele fosse a grande vítima e todos o estivessem passando para trás e perseguindo.

O adolescente apresenta empenho em reincidir em crimes. Já disse em alto e bom som que quando sair pretende “apavorar” e voltar a cometer delitos. Relatou no dia 21/10/08 diretamente a esta professora que quando sair pretende vingar-se da senhora R., trabalhadora terceirizada da portaria, que seria sua vizinha, e que em certa ocasião não teria deixado entrar a mãe deste adolescente por algum tipo de irregularidade que ele não soube precisar. Eu disse-lhe que não era ela que fazia as regras de quem entra ou como entra e o que entra, que ela apenas segue instruções superiores. Disse o menor que isso não lhe importava, que assim que saísse, pretendia acertar-se com o filho dela e roubar-lhe a moto.

O adolescente FEAJ demonstra estar seguro de que ninguém o impedirá de fazer aquilo que lhe vier à cabeça utilizando-se da certeza da impunidade, que se mantém mesmo em sua atual condição de sofredor de medida sócio-educativa de internação. FEAJ não se sente punido. FEAJ se sente constantemente injustiçado. Não percebe a relação causa-conseqüência de seus atos e que seria através de uma transformação no seu comportamento, e não na instituição e funcionários que detêm a sua guarda que ele teria uma melhora em seu dia-a-dia.

O adolescente FEAJ demonstra uma inquietude e ansiedade completamente acima do normal, a todo momento levanta-se, anda pela sala, possui baixo nível de concentração, o que possivelmente o faça candidato à síndrome de transtorno de atenção ou de hiperatividade, e considero que diante de tantos problemas apresentados pelo adolescente, seria aconselhável alguma atenção a nível psiquiátrico a este aluno.

Concluindo, o adolescente FEAJ reúne diversos dos piores comportamentos já apresentados nesta unidade reunidos em apenas um menor, aliados a uma grande obstinação em não mudar sua forma de comportar-se na unidade ou na sociedade. Para este menor será necessário uma atenção psicológica diferenciada, sendo o tratamento regular dispensado aos demais internos inadequado para obter qualquer melhora em FEAJ.


29/10/2008

Relatório de ocorrência envolvendo o adolescente FEAJ, vulgo “Azulão”.

Na quarta aula desta quarta-feira 26/10/2008, após o intervalo entre aulas dos adolescentes, imediatamente ao entrar na sala de aula F1 um adolescente dirigiu-se à mesa desta professora e relatou que eu deveria comunicar “lá na frente” (setor pedagógico) uma agressão recém-sofrida pelo adolescente FEAJ.

Após iniciar a aula, sentei-me ao lado do adolescente FEAJ e perguntei-lhe o que havia ocorrido. Inicialmente, em voz baixa, ele alegou que nada havia acontecido. Após minha insistência, ele disse que por motivo de estar rindo no refeitório um agente de segurança cujo nome ele não especificou havia mandado-o ficar em pé contra a parede, e quando a cabeça do adolescente FEAJ se afastou desta, ele teve sua cabeça batida contra a parede pelo agente de segurança por duas vezes, fazendo grande barulho e resultando numa marca visível em sua testa.

Inicialmente o adolescente solicitou que esse fato não fosse comunicado para o setor técnico e pedagógico, demonstrando estar com medo de sofrer maiores retaliações. Eu disse-lhe que isso seria sim comunicado, que este tipo de tratamento não deve ser dispensado aos internos.

Solicitei a presença do agente educacional R. para também estar a par do relato, pois eu precisaria de uma testemunha do que me estava sendo dito. Entrando na conversa por estar sentado próximo, o adolescente PC disse que eram 31 as testemunhas oculares do ocorrido (imagino que o todo dos adolescentes da Unidade de Internação). Após a entrada da agente educacional E. na sala de aula, ela também foi comunicada por mim do ocorrido, no sentido de ela também informar-se com o menor agredido sobre este fato.

Adicionalmente, o adolescente FEAJ relatou haver recentemente comparecido à delegacia por uma agressão anteriormente sofrida por parte de um agente de segurança, e tal não haveria resultado em nada. Seria de suma importância verificar se foi o mesmo agente o agressor em ambas as ocasiões.

Conversei com o adolescente no sentido de que a ação do agente de segurança era sim errada, mas que o adolescente com seu comportamento provoca reações nos demais, que se partirem de uma pessoa despreparada para o trato dos adolescentes podem resultar em agressões físicas. Eu sei de experiência própria como este adolescente pode ser enervante, mas absolutamente nada justifica uma agressão física contundente como esta, que resultou num trabalho educativo muito prejudicado nesta aula de hoje por conta da agitação e comentários entre os internos a respeito.

Parte da função da Fundação CASA é mostrar aos adolescentes que a violência e o desrespeito à lei não são o caminho correto a trilhar. Este trabalho está sob grave risco se eles aprenderem na própria pele por parte de funcionários encarregados de sua ressocialização que justamente a violência e o desrespeito à lei seriam aceitáveis. Faz parte de nosso papel interromper este círculo de violência que resulta em adolescentes infratores que despejam contra a sociedade as agressões sofridas em ambiente familiar e institucional.

Considero que parte essencial da função desta unidade é ensinar aos internos que a ética com o próximo e o respeito à lei são o caminho correto, tanto para quem não está imbuído de poder (os adolescentes) como para quem está (os funcionários). Espero que todos possamos enviar uma mesma mensagem aos adolescentes, e não mensagens conflitantes.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Do pesadelo da burocracia tucana paulista

Enviado à Ouvidoria da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

ouvidoria@edunet.sp.gov.br

Caro Ouvidor,

Permita-me relatar-vos o calvário que a burrocracia (sem erro de digitação) da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo me fez passar por conta de uma falta médica.

Primeiro de tudo: em quatro anos de magistério, esta foi minha primeira falta médica. Faço questão que o senhor verifique: [dados omitidos por motivos óbvios]

Ano passado eu tentei dar uma falta médica. Motivo: à noite, minha avó de 74 anos sofreu uma queda, bateu a cabeça, teve uma concussão cerebral e, temi à hora, um traumatismo craniano. Eu tinha aulas no dia seguinte. Do pronto-socorro, ainda com as mãos sujas de sangue por ter socorrido minha avó, liguei para a escola avisando que eu passaria a noite no hospital e portanto não poderia dar aulas no dia seguinte, pois não sabia quando, ou se, minha avó receberia alta. Pedi ao pronto-socorro um atestado de que eu era a acompanhando da doente, e o recebi.

Ao entregá-lo na escola, a burocrata encarregada dessa papelada disse que aquele papel não servia, pois não discriminava entre quais horários eu estivera no hospital. Que eu deveria procurar o médico para conseguir um novo atestado, com hora de entrada e saída. Fui ao hospital, procurei o médico, sem sucesso. Com minha avó gravemente acidentada em casa, sem poder ficar zanzando por aí, avisei na escola que eu abonaria aquele dia, sem gozar da falta médica que me era justamente devida. Deixei passar o ocorrido.

Isso não foi nada perto do pesadelo que vivi esta semana, quando estive (ou melhor, ainda estou) eu mesma doente. De domingo para segunda passei uma noite horripilante. Calafrios, dores abdominais, suor. Tinha aulas segunda de manhã. Ao acordar na hora certa, percebi um novo sintoma: disenteria. Liguei para a escola avisando que eu não iria, e disse: “não sei ainda se vou abonar ou dar falta médica pois não sei se é caso de ir ao hospital”.

Conforme os sintomas progrediam e se intensificavam nesta manhã (segunda 30 de agosto), fui ao pronto-socorro. Atendida por um infectologista, fui diagnosticada com gastroenterite viral. Com muita ênfase: TRANSMISSÍVEL. Ele disse: “é melhor vc ficar afastada pelo menos 2 dias”, e me deu um atestado médico.

Ele estava levando em conta três coisas: a severidade de meus sintomas, a transmissibilidade de minha enfermidade e o fato de que a docência exige disposição física para tentar controlar, a cada 50 minutos, 35 adolescentes à beira da histeria. Coisa que eu estava completamente impossibilitada de fazer.

Grande surpresa minha foi, ao ligar para minha escola sede, que o atestado de 2 dias não servia pois eu teria direito a apenas uma falta médica por mês. Inocentemente, disse eu: “tudo bem, eu uso o atestado para 1 dia de falta médica e o dia seguinte eu abono”.

Eu estava subestimando a burocracia da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. O atestado de 2 dias não serve para 1 dia. Eu teria que obter um novo atestado médico, indicando apenas 1 dia de afastamento.

No pronto-socorro disseram não poder me ajudar, que eu deveria procurar o médico em seu consultório. Lá sua secretária, informada que o hospital acabar de me remeter ao consultório, me disse: “se vc foi atendida no hospital, é apenas lá que vc pode pedir um novo atestado”. E ainda arrematou:

- É complicado esse jogo de empurra, né?

Eu, do fundo de minha náusea, piriri, cansaço e arrepios, sentindo-me pior que Mr. K, disse-lhe com os olhos marejados:

- É bem pior para mim, que estou doente e com dor, sendo empurrada de um lugar para outro, do que pra vc, que é só mais uma a me empurrar e lavar as mãos.

Voltei à minha escola sede, tentei argumentar, mas foram irredutíveis. O atestado de 2 dias não servia. Eu que me virasse para arranjar outro. Na escola até chorei ao tentar argumentar e cheguei a elevar minha voz com a burocrata, tudo inutilmente. Ao cabo da discussão ela “misericordiosamente” sugeriu que eu resolvesse a questão apelando ao famoso “jeitinho” brasileiro. Horas mais tarde, consegui localizar o médico que, condoído com minha triste situação, forneceu-me o atestado de 1 dia e pude remete-lo à agora satisfeita burocrata.

O pior de tudo nesse meu episódio de gastroenterite viral não foram os calafrios, a dor, o desarranjo, a náusea. O pior foi o pesadelo burocrático ao qual fui submetida pela burocracia da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Ter que fazer uma romaria para trocar um papel que me dava mais direitos, e que não servia, por um papel que me dava menos direitos e que, este sim, servia.

Caro Ouvidor, esta foi minha primeira falta médica, mas depois de todo esse pesadelo gratuito, não será a última, pois agora sei que minha dedicação pregressa à educação pública paulista foi irrelevante quando me encontrei fragilizada e necessitada de auxílio e orientação. Apreciaria caso o destinatário desse desabafo não fosse apenas mais um burocrata a lavar as mãos e ignorar o real problema.

sábado, 28 de agosto de 2010

Reminiscências escolares

Depois que me tornei professora passei a me questionar sobre como meu trabalho, se bem ou mal feito, poderia interferir na pessoa que futuramente meus alunos serão, após “formados”.

Para tanto passei a refletir a respeito do papel que meus próprios professores tiveram em minha formação. E descobri que da maioria deles sequer me lembro.

Em grande parte isso é devido a eu ter passado a maior parte de minha vida escolar numa gesselschaft e não numa gemeinschaft. Isso é grego? Não, alemão. Não que eu fale alemão, longe disso, mas lembro de minhas aulas de Teoria da História com o professor Augustin Wernet, ex-padre (se é que isso existe) e já falecido (uma grande perda, pois ele era um professor muito simpático e solícito, devia ser uma pessoa melhor ainda em suas relações pessoais). Gesselschaft é “sociedade”, como São Paulo. Gemeinschaft é “comunidade”, como Rio Claro, onde moro hoje, ainda é.

Sei disso pq observei que minha “madrinha”, Maria José Pereira da Silva Tomasella, professora do Fundamental I numa gemeinschaft, ao longo de uma festa de 15 anos, era incessantemente abordada por alunos que, mesmo depois de muitos anos, não haviam se esquecido dela.

Augustin Wernet foi meu segundo professor padre pois no Ensino Médio tive na matéria de Filosofia um professor que era padre mas não usava batina, não lembro seu nome, só que ele dava capítulos do livro “Mundo de Sofia” de Jostein Gaarder e por conta disso comprei este livro, que ainda tenho vontade de terminar de ler.

Do Ensino Médio, vulgo Segundo Grau ou Colegial, lembro de outro professor, de português, com cabelos bem brancos e que eu suspeitava ser tarado. Apenas suspeitava, pois por umas três vezes eu estava esperando na Radial Leste, altura do metrô Carrão, o ônibus para ir à aula pela manhã e ele passava por essa avenida com o mesmo destino e me ofereceu carona. Nas três vezes eu aceitei. Seu comportamento nessas ocasiões não chegou a ser impróprio, mas sabe quando uma pessoa é meio “simpática demais”? Pois é, parecia que ele só estava dando margem para eu acenar positivamente para interesses não-pedagógicos, o que eu não fiz, e ele sábia ou elegantemente soube entender minha negativa. Seria ele pedófilo? Não creio, pois eu contava então 16 ou 17 anos, sapato 37 e 1 metro e 70.

Meus três anos de Ensino Médio se deram na mesma escola em que minha mãe estudou, e engravidou, duas vezes, a Escola Estadual Professor José Marques da Cruz, na Vila Formosa, zona leste de São Paulo, perto de onde ainda moram minhas tias-avós Evanda e Maria do Carmo, irmãs de meu avô Major Vicente Novais da Silva, cearense da família Alencar, primo do primeiro presidente militar, general Humberto de Alencar Castelo Branco. Nesta escola eu não engravidei, apenas estudei, e fui a única que, ao final do terceiro colegial, entrou na USP.

No Ensino Fundamental II estudei em duas escolas: Escola Estadual Irene de Lima Paiva e Colégio Sagrado Coração (particular). Do Irene eu lembro que tinha muitas aulas vagas e era um caos. Que a professora de inglês pediu um trabalho em grupo para que traduzíssemos e cantássemos uma música e que eu fui até Itaquera, na casa de minha amiga Tuca (Aline) e o trabalho foi sobre “Ironic” de Alanis Morissette, então no auge. Deve ter sido em 1996.

Lembro também da professora de Ciências, que me apresentou ao corpo humano e pediu um trabalho, também em grupo, no qual deveríamos trazer o coração de um boi para dissecarmos no ”laboratório” – na verdade uma sala de aula que tinha pia e um microscópio. Na escola pública isso já configura um laboratório. De toda forma, meus amigos e eu (Maristela Matsuda, a Maty, Gisele Ferreira Bailer, a , Romeu Marinho Cardona Ubeda, o Morreu, Francisco Eduardo Moreira Sobral, o Chicote, e Thaís Nogueira Dias, a Bruxa) fomos até o Mercado Municipal de São Paulo, vulgo Mercadão, comprar o tal coração de boi. Eu nunca tinha ido “sozinha” (id est, sem “responsáveis”) ao centro, sequer sabia da sua importância, minha vidinha se dava no eixo Tatuapé - Vila Carrão - Vila Formosa - Aricanduva. A experiência de conhecer com meus colegas o Mercadão, o centro e a imensidão de São Paulo foi incrível. Passeamos e compramos o tal coração de boi. No dia da aula, fomos o único grupo a trazer um coração de verdade e todos os colegas se debruçaram para estudar o fruto de nossa aventura.

No Colégio Nossa Senhora do Sagrado Coração, na Vila Formosa, que era de freiras e, nem precisaria dizer, confessional Católico Apostólico Romano (eu de certa forma me sentia uma outsider, pois nem batizada sou), lembro-me da professora de religião, irmã Roseli Fernandes Galati. Ela tentava nos ensinar bons valores, era rígida e foi uma grande surpresa quando, na sexta série ela foi substituída por uma noviça bastante jovem, irmã Valéria, e descobrimos que foi pq irmã Roseli havia desistido de ser freira. Eu cheguei até a vê-la uma vez sem o hábito, o que, confesso, aos 12 anos foi meio chocante. Parecia que seu hábito era naturalmente costurado nela tal qual uma djellaba (mortalha). Certa vez ela coordenou uma apresentação de “dança” para uma festa da igreja Nossa Senhora do Sagrado Coração, na esquina da avenida Renata com a João XXIII. A “dança” era de anjas louvando a Virgem Maria. Eu fui a Virgem Maria. Não pq eu fosse mais virgem, mais santa ou melhor aluna do que as demais, mas simplesmente pq eu era a mais alta e imponente. O resumo disto numa locução seria altiva, o que ainda sou. Mas isso pode não ser considerado uma característica positiva, mas um defeito.

Também lembro que nessa escola tive aulas de flauta doce na quinta série, para apresentarmos uma versão simplificada do “Ode à Alegria” da “Nona Sinfonia” de Ludwig van Beethoven na fanfarra anual da escola. Não me tornei nenhuma musicista mas ainda hoje sei ler partitura e posso tocar melodias simples ao piano. Ter aulas de educação musical, mesmo que apenas por um ano, foi extremamente positivo para meu desenvolvimento pessoal.

Mas a professora de quem lembro com mais carinho foi de português, da sexta série, neste mesmo colégio particular. Seu nome é (ou era, caso ela tenha se casado novamente) Adriana Aparecida dos Santos de Conti, ela era uma jovem de 26 anos, tinha longos cabelos negros ondulados, sempre soltos. Parecia com a atriz Madeleine Stowe. Era casada com um viúvo e tinha uma enteada pequena, que estudava na mesma escola. Creio que ela seja a responsável por grande parte de minha destreza lingüística e riqueza vocabular. Lembro-me até das páginas do livro laranja de gramática em que estudávamos.

Lembro que certa vez numa aula ela estava fazendo uma espécie de chamada oral sobre locuções relativas. A minha pergunta foi sobre “onírico”, e a resposta seria “relativo aos sonhos”. Eu não soube responder e ela se surpreendeu. Então percebi que não era apenas eu que me considerava “acima da média”. Minha admirada professora também pensava isso, tanto que estranhou eu não saber a resposta. Eu não sabia não pq eu tivesse esquecido, mas pq eu simplesmente não havia feito a lição de casa. Sequer abrira o livro. A sua reação me fez perceber que eu poderia fazer muito mais com o meu potencial, se eu preenchesse meu processador privilegiado com informações e ferramentas adequadas.

Obrigada, professora Adriana, você me despertou, com apenas uma frase, para minha capacidade intelectual. Lembro com muito carinho de suas aulas, que ainda hoje me são úteis, cada vez que eu não falo “menas” nem “trusse” (trouxe), cada vez que eu sei usar corretamente a crase e insisto em pôr os tremas, acentos diferenciais e acento agudo no ditongo aberto. Foi assim que a professora Adriana me ensinou, não só o conteúdo, mas também a importância de aprender. De certa forma ainda hoje, vinte e um anos depois, a senhora ainda me ensina.

Quisera eu um dia que apenas um aluno escrevesse algo como isso a meu respeito.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A função e o currículo da História no Ensino Fundamental

Meus interlocutores nessa questão não são apenas os demais professores e teóricos da educação, mas todos os que se interessam pelo cultivo da cidadania no Brasil. Não são somente os especialistas e profissionais os que devem se preocupar com a educação, mas todos, pois todos passaram, passam, ou passarão pela escola, cada vez mais amplamente universalizada e pq não pasteurizada. Toda a sociedade brasileira é permeada pela questão da educação pública.

Ensinar História de certa forma é mais fácil do que outras matérias pois temos a inexorável ordem cronológica. E é com base nesse compasso que o currículo é dividido em séries, da seguinte forma (tomando como base o currículo do Governo do Estado de SP):

5ª série: da Pré-História à alta Idade Média
6ª série: da alta Idade Média ao séc. XVIII
7ª série: do século XVIII ao XIX
8ª série: o século XX

Parece ótimo, não é? Só parece. Porque o currículo é reprisado no Ensino Médio, da seguinte forma:

1º colegial: da Pré-História à baixa Idade Média
2º colegial: da baixa Idade Média ao séc. XIX
3º colegial: séculos XIX e XX

Ou seja, o conteúdo do Ensino Fundamental se repete no Ensino Médio. Teoricamente “de maneira mais aprofundada”. Além de maçante, essa estratégica curricular é contraproducente. No Fundamental, os alunos não estão preparados para lidar com diversos conceitos político-sociológicos. No colegial, como eles se lembram vagamente do conteúdo anteriormente ministrado, acham que já sabem o que o professor está ensinando.

Tive um insight a respeito disso ano passado, quando de repente me vi tentando explicar a Revolução Francesa para alunos da sétima série, com 13 anos. Pura perda de tempo. Eles não sabiam o que era Monarquia nem Antigo Regime, onde fica Versalhes ou mesmo a França, ou pq Napoleão Bonaparte era diferente de Alexandre, o Grande ou Carlos Magno. Ou sequer quem eles eram, e os séculos que os separavam. Também não conheciam o significado das palavras “clero”, “plebe” e “nobreza”.

Longe de mim considerar a Revolução Francesa desimportante. Eu sei de sua importância justamente pq gosto tanto de História que fiz faculdade disso. Porém, digamos que apenas 2% dos meus alunos gostem de História a esse ponto. Pq os outros 98% deveriam ser obrigados aos 13 anos a decorar as diferentes fases da Revolução Francesa, coisa que mesmo durante a faculdade foi-me dificílimo conseguir?

O currículo do Ensino Fundamental deveria ser despido de sua pretensão vestibulárica e científica. Pessoas que se formem apenas no Ensino Fundamental não precisarão lidar com conceitos que envolvam coisas como a Revolução Francesa. E se aprenderem na preciosa carga horária destinada à História apenas coisas abstratas, distantes no tempo e no espaço, sem nenhuma conexão com sua realidade, este tempo será, na prática, desperdiçado.

A matéria de História no Ensino Fundamental deveria ser uma introdução à reflexão e às Ciências Humanas. Não deveria contentar-se em passar a velha decoreba dos fatos que se sucederam ao longo do tempo. Deveria ser um guia de compreensão da realidade.

Defendo que a matéria História do Ensino Fundamental não ensine História. Que não ensine o ontem, mas o hoje. Que use o ontem na medida em que ele elucida o hoje. Que o ensino de História do Brasil parta da realidade atual brasileira. Que o ensino da escravidão parta da atual desigualdade racial brasileira. Que o estudo de Grécia e Roma tenha como escopo explicar a cidadania e a política atuais do Brasil. Os exemplos são infinitos, não pretendo aqui sistematizar uma proposta completa, apenas dar a deixa para uma reflexão; apresentar uma alternativa que creio seja não só necessária como emergencial.

Ao invés de desperdiçar anos ensinando coisas que os alunos esquecerão pois nunca mais usarão, o Ensino Fundamental de História deveria preparar seus alunos para entender e agir no mundo da política e da cidadania. Deveria dar-lhes ferramentas práticas, e não teóricas, de intervenção na realidade. Para isso serão necessárias muitas vozes, e uma ampla reflexão da sociedade sobre o que ela espera da educação pública brasileira.

domingo, 23 de maio de 2010

Porque comprar roupas pode ser uma tortura

É curioso como quando vamos ficando mais velhos passamos a nos observar e compreender melhor. E como essa compreensão às vezes é acionada por coisas muito banais.

Estava eu esta semana assistindo a um programa de TV e a certa altura a moça ia a uma loja de roupas e experimentava diversos modelos, auxiliada pela prestimosa vendedora. A certa altura, enquanto a consumidora desfilava com um vestido pela loja, a vendedora se esmerava em elogios:

- Uau, esse tom de amarelo ressalta o bronzeado da sua pele, vc fica com um brilho especial!

A consumidora estava toda faceira com os elogios da vendedora.

Para muitas pessoas essa cena não tem nada demais, mas para mim ela se assemelha aos piores tipos de tortura. Então percebi o porquê de um aspecto exterior de minha personalidade.

Ando de fato meio maltrapilha em meu cotidiano. Uma vez certo aluno disse que eu me vestia como uma "mendiga" (não, ele não estava me ofendendo, apenas comentando "de boa"), e que meu estilo contrastava com o de outras professoras, sempre em cima do salto e com a escova em dia.

Depois deste comentário passei a reparar mais ao meu redor (coisa alheia à minha natureza) e vi que ele tinha razão: estou entre as professoras menos vaidosas de todas as escolas que frequento.

Mas eu não sabia ao certo o porquê.

Desde muito jovem nunca gostei muito de vendedoras em geral, pagas para elogiar e sempre empurrar mais mercadoria. Quando entro em uma loja com vendedora, ela vem solícita dizer:

- Já foi atendida?

E digo: - Sim, já.

Ou então:

- Quem está lhe atendendo?

Respondo: - Eu mesma.

Mas elas não desistem, ao perceberem que eu simplesmente não quero ser atendida, passam a me seguir pela loja, como um abutre à carniça. Dá vontade de virar pra elas e dizer:

- Querida, eu não vou roubar nada, vc não precisa ficar "de olho" em mim.

Eu entendo que elas são treinadas para isso e que o gerente fica lá do fundo supervisionando pra ver se elas azucrinam bastantes às clientes para sempre comprarem mais e mais; mas eu sou do tipo de gente que não precisa da opinião dos outros para decidir entre o amarelo indiano e o marroquino. Sou do tipo de pessoa que precisa de tempo para ler os rótulos, paciência para refletir se o preço vale a pena, e não alguém me pentelhando pra me fazer gastar dinheiro que eu não tenho, muito menos inquirindo do lado de fora do provador: "ficou bom?", como quem diz: “Vai logo que eu vivo de comissão”.

Quando eu tinha namorado e precisava comprar roupas, eu levava ele à loja e lhe dizia:

- Distrai a vendedora enquanto eu tento comprar alguma coisa.

Por isso na maioria das vezes, quando vou passear no shopping entrar na maioria das lojas está completamente fora de cogitação pois sempre há um vendedor solícito à porta, que para mim, bloqueia a entrada. Assim sendo me contento a entrar apenas nos grandes magazines, onde posso anonimamente revirar varais de roupas e prateleiras de mercadorias e não preciso perguntar, um a um, qual é o valor de cada item.

Por isso vivo sempre cheia de roupas meio sem graça e sem estilo. Gostaria de poder comprar roupas melhores, mas está além de minhas capacidades psicológicas conseguir fazer compras e ao mesmo tempo aturar uma adolescente mal-paga desesperada por sua comissão tentando me empurrar mercadorias pois a nova coleção logo vem aí e o mercado precisa girar.

Mesmo entrar na livraria, só é possível aos domingos, quando a loja está tão apinhada que todos os vendedores estão ocupados demais para ficar perseguindo uma cliente que parece não se decidir por nada.

Para mim é inimaginável eu um dia protagonizar a cena do programa de TV sobrecitado, desfilar por uma loja com uma roupa sob a apreciação da vendedora sobre o tom do vestido contraposto à minha tez.
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