sábado, 11 de maio de 2013

Da chupeta

Chupeta é um acessório de plástico que simula o bico do seio materno, e é usado como forma de "acalmar" aos bebês quando choram. A chupeta é o primeiro engodo que os pais fazem aos filhos. Ao enfiar esta peça plástica na boca da criança, ela instintivamente começa a sugar, na esperança, vã, que dela há de sair leite. E ainda que não saia leite algum, prossegue a sugar.

Alguns consideram que o uso de chupeta é o primeiro vício a que somos expostos. E alguns pais relutam, ou mesmo simplesmente se negam a fornecer este objeto ao bebê. Há inúmeras teorias a respeito.

Mas este não é um texto antropológico sobre este objeto, mas o relato de como eu, particularmente, a deixei para trás. Sim, mesmo já tendo 30 anos, ainda me lembro do exato dia em que deixei de usar chupeta.

Foi tardio. Eu contava 6 anos e já há muito tempo vinham me amolando para que eu não mais a usasse. Embora a chupeta seja um acessório para bebês, é comum que crianças passadas dos 3 anos tenham grande dificuldade em prescindir dela. Especialmente se foram precocemente desmamadas, e, como eu, tenham sofrido traumas de separação. 

Eu era bastante carente emocionalmente e a chupeta era uma muleta, que me trazia segurança e conforto. Não conseguia viver, nem dormir, sem ela. Conforme eu crescia a pressão familiar aumentava, e até eu percebia que chupeta era coisa de criança, e usá-la tornava-se mais e mais inadequado, conforme eu deixava de ser um bebê.

Mas já aos 5, 6 anos eu já era exatamente a mesma Fernanda que sou hoje, que não aceita ser comandada, não acata ordens, e não se conforma em ser manipulada para qquer direção que não a que eu queira seguir. Nenhuma chantagem, conversa ou ameaça infantilóide me faria abdicar da chupeta. Apenas uma pessoa seria capaz de me convencer disto: eu mesma.

E foi apenas quando eu mesma percebi o quanto seria cada vez mais ridículo prosseguir a usar chupeta que me decidi a abrir mão dela, e anunciei aos meus familiares: 

- Vou usar chupeta até meu aniversário de 7 anos, depois disso, vou parar.

Eu tinha 6 anos. Mas então, como hoje, meu dito já valia um escrito. Eu já era uma pessoa de palavra, e eu mesma tinha me convencido de que abdicar da chupeta era conveniente e necessário. Marquei uma data, estabeleci um compromisso.

E o cumpri. O dia 29 de dezembro de 1988 foi o último no qual me permiti aproveitar desse acalanto artificial, desse enganoso prazer do se sugar um bico de seio plástico, que nada nos traz além de ilusões vazias.

Demorou muito mais tempo para eu perceber outras ilusões vazias, feitas de sonhos e expectativas que jamais se realizariam. Demorou muito mais tempo para eu perceber que, assim como não importava o quanto eu sugasse, nenhum alimento sairia da chupeta, não importava o quanto eu exigisse, aos prantos ou aos gritos, amor de quem deveria, por "obrigação social" me dirigir este sentimento, eu nunca o receberia.

Demorou para eu perceber que se vc precisa EXIGIR amor de alguém que o deveria dar voluntariamente, vc está a esmurrar uma parede achando que ela é uma porta: não importa o quanto vc bata, ela jamais irá se abrir. O amor deve necessariamente ser voluntário. Se quem o deveria te dar não o dá, de nada adianta se revoltar, protestar, gritar aos quatro ventos. Ou a pessoa te ama pq ela quer ou ela nunca te amará.

Demorou, muito, para eu perceber que de nada servia eu reclamar do desamor, falta de cuidados e descaso de minha mãe biológica. Nenhum protesto meu faria Regina "cair em si" e virar uma "boa mãe", pois ela já era uma péssima mãe antes mesmo de eu nascer, já tendo abandonado 2 filhas. Aliás, ela não pode ser chamada de uma "mãe boa" ou "mãe ruim" pois ela sequer atinge ao patamar de "mãe" para então ser adjetivada como "boa ou ruim".

Neste dia das mães, data comercial mas significativa para muitos, é como um ato de superação pessoal que, assim como aos 6 anos de idade resolvi, para todo o sempre, deixar para trás o vício da chupeta, tb procurarei deixar para trás o vício de me lembrar de Regina. Colocarei uma pedra sobre ela, assim como coloquei sobre a chupeta. A deixarei para trás, no passado, na lixeira, no esquecimento. Ela foi demitida por justa causa.

Minha mãe, a partir de hoje e para todo o sempre é Maria José Tomasella. E será dela que eu falarei quando disser a palavra "mãe". Já explorei à exaustão diversos dos motivos que me levaram a desconsiderar Regina, a deletá-la de minha vida. De hoje em diante, procurarei NUNCA MAIS me lembrar dela. E sempre que, de hoje em diante, os leitores aqui lerem a palavra "mãe", é de Maria José Pereira da Silva Tomasella que estou a falar.

Se com 6 anos meu dito já valia um escrito, aos 30 anos, meu escrito vale um compromisso. Pétreo. De hoje em diante, "Regina" é um assunto superado para mim. Ficará num passado triste que procurarei nunca mais revisitar.

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