terça-feira, 27 de novembro de 2012

A cor do som

Este texto é sobre uma das mais deliciosas situações q já passei, um intervalo de 1 hora verdadeiramente maravilhoso.

Ano de 2006. Eu namorava o multi-instrumentista FAG. Já muito experiente em tocar diversos instrumentos, recentemente comprara uma cítara, ou sitar, como ele gostava de dizer, importada diretamente da Índia. Ao comprá-la F descobriu q não havia como nela tocar melodias inscritas na notação ocidental, do lá ao sol. As partituras e acordes q ele conhecia de cor não tinham como ser tocadas na cítara, com muito mais cordas e complicações do q os instrumentos q ele dominava.

Por algumas semanas ele se contentou em "brincar" com o instrumento, explorando sua musicalidade, enquanto eu assistia nas nuvens. Porém, músico sério q é, queria ir muito além. Queria dominar o instrumento. Queria reproduzir as músicas de Ravi Shankar, cujos LP's ouvíamos em êxtase.

Como é de se esperar, não é fácil encontrar um professor de cítara no Brasil. Ele havia encontrado na internet apenas um, justamente uma referência nacional no instrumento, o respeitado músico Alberto Marsicano. Entrou em contato com ele e marcou uma aula para um dia de sábado.

Como vcs podem imaginar, não é muito fácil transportar uma cítara, instrumento grande e delicado. O pai de F nos levou de carro até o metrô e de lá seguimos carregando-a com todo o cuidado possível até a linha verde, e na rua Augusta pegamos um ônibus até o Jardim Europa. A casa de Marsicano era linda, cheia de plantas. Nos levou à sua sala de música.

Sentei-me numa cadeira para observar e eles no chão, sobre tapetes bordados. Desculpem-me se minha descrição da aula for ineficiente, não sou profissional da música.

Marsicano é uma figura sui generis. Semblante plácido, longos cabelos naturalmente grisalhos, roupas claras e soltas, com fazenda tecida artesanalmente. Exala uma aura, uma luz, diferente dos "mortais comuns", uma certa segurança, um ar de experiência, uma calma bonachona. Uma paz interior aniquilante, um ímpeto genuíno de querer espalhar sua arte da melhor forma possível. Isso ficava claro pelo preço q cobrava, de 50 reais por aula, à época. F pagou sem reclamar. Me vendo diante de Marsicano, do seu domínio do instrumento, e depois ao me informar sobre sua trajetória e como ele é respeitado, este pareceu-me quase um preço simbólico. Ele não estava a dar aquela aula para ganhar seu pão, amplamente assegurado por suas apresentações e discos gravados. Ele estava a dar aquela aula por generosidade, por querer multiplicar e disseminar a arte de tocar cítara no Brasil.

Marsicano começou falando q a notação musical indiana não corresponde à Ocidental, e portanto para tocar uma música ou melodia ocidental numa cítara era necessário muito estudo e uma grande licença poética, adaptando ou melhor, reescrevendo, a música.

Explicou q as escalas musicais para se tocar cítara eram classificadas em cores. Tocando maravilhosamente um trecho falava: ele é amarelo, este é vermelho, este é azul. E conforme ele tocava e explicava eu sentia internamente as vibrações etéreas da cítara, q de forma quase palpável desenhavam uma aura colorida, conforme as cores q ele enunciava. A escala azul tinha baixa energia e um tom melancólico. A escala vermelha era contagiante, apaixonada, voraz. A escala amarela era fragrante, fresca e juvenil.

Por uma maravilhosa hora inteira fiquei assistindo a este grande mestre tocar e ensinar a F como manejar e compreender a escala musical indiana, em completo êxtase. Foi um daquele momentos em q é bom calar os pensamentos, e num estado meditativo, apenas fruir o momento, deleitar-se, aproveitar o presente, sem preço, de ver-se diante de uma aula particular de um grande mestre.

Nunca me arrisquei a tocar a cítara de F, mas depois dessa aula foi perceptível o enriquecimento das melodias q ele já era capaz de tirar do instrumento. Eu acompanhava, no céu, seus estudos. Ele tocava enquanto eu cozinhava, dormia, ou apenas assistia com um sorriso franco plasmado, deixando-me levar por sua música etérea, numa sintonia celestial.

Dentre todas as boas oportunidades de experiências interessantes q tive até agora, assistir a esta aula de cítara q Marsicano deu a F, foi com certeza foi uma das melhores. Uma daquelas ocasiões surpreendentes e inestimáveis q nos deixam uma marca profunda. Esta foi sensível, artística, onírica. Me despertou para a pluralidade e diversidade musical do mundo. Me apresentou a uma pessoa nova e interessantíssima.

Me mostrou q cada som, cada nota, tem seu tom, sua energia, sua cor. Me ensinou a mais do q ouvir, ver a música, sentir sua vibração, usar mais de um sentido para compreender o inefável, o q não pode ser descrito, apenas sentido, apenas intuído com a sensibilidade de nossa alma.

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sábado, 24 de novembro de 2012

Dum outro tipo de sensibilidade

Há muitos episódios de minha vida sobre os quais nunca bloguei e num recente exercício de reflexão constatei q estava a ser injusta com pessoas muito importantes, q marcaram e transformaram minha vida, mas jamais foram citadas, e o merecem. Nesta ocasião vou contar sobre o episódio em q namorei um verdadeiro príncipe.

Com 17 anos fiz cursinho pré-vestibular e conheci H "Figura", pois além de estudarmos juntos morávamos próximos e fazíamos o caminho de volta pra casa à noite à pé, batendo papo. No ano seguinte ele foi trabalhar numa empresa q vendia videokês, de propriedade de Taiwaneses, e quando eles precisaram de alguém com bom domínio do português para revisar as músicas no seu software, Figura me indicou e logo consegui na King Star meu terceiro emprego, aos 18 anos.

Depois de alguns meses a firma fechou, com lances de trama policial envolvendo a máfia chinesa, eu passei no vestibular, me mudei para o Butantã e passamos uns tempos sem nos falar (na época não havia rede social na internet como hoje).

Quando eu estava no quarto ano da faculdade nos falamos novamente e ele me convidou prum churrasco na casa dum amigo em São Miguel Paulista. Eu nunca tinha estado lá, tive q fuçar na internet como faria pra chegar de busão, mas como queria reencontrar um velho amigo, fui.

Churras maravilhoso, muita gente legal. Revi inclusive a J, mulher do Figura, e q também considero uma amiga querida. O dono da casa, F, era mais do q músico, era um multi-instrumentista. Em sua casa tinha piano, violão, bateria, guitarra, cavaquinho, baixo, pandeiro, violino, atabaque, gaita, vários outros instrumentos q nem sei citar, e sua mais recente aquisição: uma cítara. Muito talentoso, F tocou para nós.

Eu não havia lhe prestado maior atenção além da admiração do tipo "q cara gente fina" até q, quando fui me despedir, ele me deu um olhar q parecia guardar todas as virtualidades do mundo. F é o tipo de pessoa cuja alma transborda num olhar direto, profundo, q nos cala e estremece. Ele nada disse, mas seu olhar tem mais eloquência q Fidel Castro.

Fiz minha viagem de 3 horas de volta pro Rio Pequeno com aquele olhar q não queria se calar plasmado em meus pensamentos. No dia seguinte falei com a J, acho q já pelo orkut recém-criado, perguntando se F era solteiro. Prontamente respondeu q sim, e q achava q daríamos um belo par. Não me lembro bem se ela me deu o e-mail dele, ou se ela disse pra ele q eu estava interessada e deu para ele meu e-mail, mas de toda forma entramos em contato e marcamos um encontro na Livraria da Vila, na Vila Madalena. Ele foi, conversamos, demos umas voltas e logo aquele olhar se transformou num beijo. Num beijo ao mesmo tempo contundente e delicado, descompromissado e verdadeiro, físico e espiritual.

Antes q ele entrasse no metrô para o longo trajeto de volta à Zona Leste, já tínhamos marcado de eu passar o final de semana na casa dele. Namoramos por apenas 4 meses, mas tal foi nossa simbiose, q olhando para trás, parece q foi muito mais, pelo tanto de experiências e crescimento q disso tirei.

F morava sozinho, em casa própria, e era um ano mais jovem q eu. Claro q estranhei, e então me contou sua história. Seu pai era empreendedor, dono de uma pequena empresa de ferramentaria de alta tecnologia, fazia um trabalho altamente especializado, com poucos concorrentes, e regiamente remunerado. Jovem, se casara com a mãe de F, num daqueles casamentos de sonho q tem tudo pra dar certo e q logo frutificou num pequeno príncipe: F. Depois se divorciaram e seu pai contraiu segundas núpcias. F meio q se tornou "the wild child", largou o ensino médio e queria sair de casa quando seu pai lhe ofereceu sua casa própria, pois F apesar de tudo trabalhava na empresa da família, e era o possível herdeiro q tocaria o negócio adiante no futuro.

Casa, emprego e futuro garantidos, coroados por melodias ao vivo a qualquer hora do dia, tocadas por um gatinho tatuado com barriga tanquinho? Eu tava no céu, me sentindo a princesa consorte de São Miguel Paulista. Todos os finais de semana passava na casa dele, conheci seus pais e avós, q pareceram me aprovar e estar muito felizes de F estar namorando "uma estudante da USP de aparência séria".

Porém, no meu olhar viciado q procura qualquer ínfimo motivo para me agarrar à desdicha, até em F eu via defeitos. Como estava "na Academia" queria com todos ter conversas altamente intelectualizadas sobre Freud, Piaget, Caio Prado Jr., Vygotsky, Hobsbawm. E quando tentava dessas coisa falar com F, grande era meu desapontamento ao me ver diante de um "high school drop out". Ele não acompanhava "o nível da conversa" e eu me sentia frustrada, sem poder conversar sobre os assuntos q me interessavam.

Até q finalmente, dando um passo atrás de mim, percebi q o mesmo se passava com F. Muitas vezes ele dizia coisas q eu não entendia direito, e achava q não entendia pq ele, sendo menos "erudito" q eu ou não se expressava direito ou falava coisas sem nexo mesmo. Em muitas conversas ele falava algo, eu não sabia o q responder e simplesmente mudava de assunto, para um q eu dominasse. E ele não.

Após várias dessas situações percebi q estava errada. F não era depositário de um conhecimento menor ou mais limitado q o meu. Ele tinha pleno traquejo num outro tipo de conhecimento, q eu não dominava: a sensibilidade, a intuição, a expressão artística, o lidar com a dimensão interna, emocional, espiritual.

Era como se eu falasse grego e ele, latim. Eu me preocupasse com as coisas de fora e ele com as coisas de dentro. Eu fosse de Exatas e ele de Humanas. Ele falava com paixão de toadas musicais, tentou ferrenhamente me fazer ao menos tentar tocar os atabaques, e recusei me constatando completamente desarticulada e uma analfabeta rítmica.

Eu não me sentia pronta para baixar minha guarda, abrir uma brecha na minha couraça, me deixar sensibilizar e ser tocada emocionalmente de forma profunda por ninguém. Eu não estava pronta para ter um namorado tão legal. Ele era mais avançado, mais evoluído, num tipo diferente de sensibilidade q eu, hesitante, me recusava a tatear. Eu não queria ir tão fundo. Percebi q embora F me oferecesse toda a profundidade do seu olhar límpido, eu não queria fazer o mesmo. Preferia manter meu olhar semicerrado, desconfiado, com vários pés atrás com todo o mundo.

Devido a esse descompasso, pois F era ritmado e eu apenas ruído, nosso enlace romântico encontrou seu fim naturalmente. Não brigamos, apenas em certo momento paramos de nos ver. Continuamos amigos, trocando e-mails de vez em quando. Ele compareceu à comemoração dos meus 27 anos num barzinho gay no largo do Arouche e depois novamente ao meu de 29 anos num barzinho do Tatuapé, agora ladeado por sua atual mulher, M. Fiquei amiga de M, uma pessoa q transparece boas vibrações e ter uma energia compatível com F. Era claramente visível q M é um par muito melhor para F do q eu jamais fui ou serei. Lhes disse sinceramente o quanto me deixava feliz ver F com uma moça q combinava tanto com ele. Hj já têm uma filhinha, q tenho certeza há de ser muito feliz com dois pais com tão boa energia, e tão sincrônicos.

Deste episódio, com muitos outros capítulos q talvez depois relate, ficou um gosto bom. De ter desfrutado de grandes momentos de aprendizagem e enriquecimento com uma pessoa tão legal. De ter lembranças agradabilíssimas de F me tocando cítara e piano em plena madrugada. Das comidas vegetarianas q fizemos e nossos passeios matinais na feira do bairro. De ter descoberto, apesar da minha arrogância, q há outros tipos de erudição além da acadêmica. De ter sido desperta para a sensibilidade da delicadeza artística. De ter vislumbrado todo um novo mundo desconhecido e cheio de possibilidades.


sábado, 17 de novembro de 2012

Porque sou Sionista

Muitas vezes é difícil, sendo informado pela mídia ocidental, saber se nossos pontos de vista estão sendo manipulados a serviço de interesses políticos aos quais estamos alheios.

Muitas vezes nem os próprios jornalistas vão fundo nas questões sobre as quais fazem reportagens. E frequentemente suas posições apenas ecoam um paradigma político q parece "bonzinho" à primeira vista, mas não resiste a uma análise mais profunda.

No meu curso de História na USP sempre via os alunos "politizados" metendo o pau em Israel, levantando a bandeira da causa palestina e chamando os sionistas de "nazistas judeus".

Nada mais superficial...

O principal motivo desses grupos serem pró-palestina não é simpatizarem com os palestinos, mas serem anti-yankees. Identificam os EUA como "o inimigo capitalista" e todos os seus aliados como inimigos. E quem é contra os EUA como aliados.

Se não se conformassem com uma visão simplista e maniqueísta, iriam mais fundo na questão, se informando sobre quais bandeiras os palestinos levantam. E elas nada têm de "progressistas". A causa palestina propugna a pura e simples destruição do Estado de Israel e, se possível, a morte de todos os judeus. Pleiteiam em Canaã erigir um estado islâmico, daqueles onde a mulher é obrigada a usar o véu e liberdade de expressão merece pena de morte, por apedrejamento.

O Estado de Israel é laico. É a única democracia de todo o Oriente Médio. Em Israel, cristãos e muçulmanos podem professar livremente sua religião, sem perseguições. Em Israel, as mulheres podem andar com a roupa q quiserem, são convocadas para o serviço militar, são livres, até para ser a chefe do poder, como a primeira-ministra Golda Meir está para o provar.

O Estado de Israel não tenciona extirpar os palestinos da face da Terra. Não faz ataques terroristas nem bombardeios aleatórios. Apenas responde, com ataques cirúrgicos, quando atacado pelo grupo terrorista Hamas.

Qualquer pessoa q estude com sinceridade a causa judaico-palestina saberá q, por justiça, Israel pertence aos judeus. Eles são os ocupantes originários daquela terra. Da mesma forma q os indígenas brasileiros, como ocupantes originais desta terra, são os verdadeiros donos e merecem ter suas aldeias demarcadas e respeitadas.

Em 79 d.C. os judeus foram expulsos de Israel pelo Império Romano. Desde então foram estrangeiros na terra alheia, sem cidadania, discriminados, violentados. O ápice do antissemitismo ocidental foi o Holocausto nazista. Este fato, tão recente em termos históricos, demonstra q não há lugar no mundo onde os judeus podem se sentir 100% seguros de poder viver e professar sua cultura em paz, fora Israel, criado em 1948 justamente para abrigar os sobreviventes da "Solução Final".

Israel é o único país judeu do mundo. Quantos países islâmicos há, ou onde os muçulmanos são maioria? 30 ou 40, se não mais. Os palestinos poderiam tranquilamente viver no Egito, na Jordânia, no Líbano, sem serem incomodados. E os judeus, caso não houvesse Israel, poderiam viver tranquilamente nesses países? Seguramente q não, pois mesmo na Alemanha tão avançada, eis o fim q tiveram...

O Sionismo moderno nasceu com o sonho de Theodor Hertzel. Materializou-se com Oswaldo Aranha e ben Gurion. E este sonho, fragilmente concretizado, continua ameaçado. Israel sabe da fragilidade de sua condição, da inimizade de todos os seus vizinhos, do antissemitismo arraigado dos terroristas muçulmanos q manipulam a causa palestina.

É preciso coragem para declarar-se sionista, e pró-Israel. Mas por questão de honestidade intelectual, como historiadora q foi ao fundo da questão, não há como honestamente ter outra posição.

Israel tem o direito de existir!

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Maestro II

Por ti esperei horas vazias
Dias inteiros
E até mais eu esperaria.

Contigo faria
O que aos outros negaria
Me ensinaste a ver na vida
Outros ângulos e vieses
Me inspiraste
Me expiraste
Me exasperaste
Me desesperaste

Por ti me despiria de meu orgulho
Por ti faria juz ao meu nome
Ao teu nome.
Você é o dobro de mim
E eu tua metade
Ao menos de minha parte, em minhas delusões.

Me ensinaste
Que no amor há
Muito mais a se descobrir.
Não tenho receio de ti,
Mas te temo.

Por ti estremeço
E sei q isso não é recíproco
Mas não tenho medo de sofrer,
Pois mesmo com este pouco
Que me dás, ou emprestas,
Já saí ganhando
Já tive lições
Sobre o amor e sobre a vida
Já tenho o corpo
E o coração despertos.

És experiente e eu adolescente
És Homem e eu menina
És mestre e eu aprendiz,
Sedenta por lições
Sobre o amor, sobre a vida,
E sobre como ir além do amor e da vida,
Sobre como ser muito mais q mestre ou aprendiz.

A JPNSC, ano 2.000

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Legiao Urbana - Indios

Quem me dera ao menos uma vez
Ter de volta todo o ouro que entreguei a quem
Conseguiu me convencer que era prova de amizade
Se alguém levasse embora até o que eu não tinha.

Quem me dera ao menos uma vez
Esquecer que acreditei que era por brincadeira
Que se cortava sempre um pano-de-chão
De linho nobre e pura seda.

Quem me dera ao menos uma vez
Explicar o que ninguém consegue entender
Que o que aconteceu ainda está por vir
E o futuro não é mais como era antigamente.

Quem me dera ao menos uma vez
Provar que quem tem mais do que precisa ter
Quase sempre se convence que não tem o bastante
Fala demais por não ter nada a dizer.

Quem me dera ao menos uma vez
Que o mais simples fosse visto
Como o mais importante
Mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente.

Quem me dera ao menos uma vez
Entender como um só Deus ao mesmo tempo é três
E esse mesmo Deus foi morto por vocês
Sua maldade, então, deixaram Deus tão triste.

Eu quis o perigo e até sangrei sozinho
Entenda
Assim pude trazer você de volta pra mim
Quando descobri que é sempre só você
Que me entende do início ao fim.

E é só você que tem a cura pro meu vício
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi.

Quem me dera ao menos uma vez
Acreditar por um instante em tudo que existe
E acreditar que o mundo é perfeito
E que todas as pessoas são felizes.

Quem me dera ao menos uma vez
Fazer com que o mundo saiba que seu nome
Está em tudo e mesmo assim
Ninguém lhe diz ao menos, obrigado.

Quem me dera ao menos uma vez
Como a mais bela tribo
Dos mais belos índios
Não ser atacado por ser inocente.

Eu quis o perigo e até sangrei sozinho
Entenda
Assim pude trazer você de volta pra mim
Quando descobri que é sempre só você
Que me entende do início ao fim.

E é só você que tem a cura pro meu vício
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi.

Nos deram espelhos e vimos um mundo doente
Tentei chorar e não consegui.

Renato Russo

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Quadrilha - Carlos Drummond de Andrade



João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O Brasil é um país cheio de boas intenções

Nascer no Brasil é uma verdadeira bênção, constantemente pouco reconhecida. Não é à toa q inúmeros estrangeiros escolhem aqui morar. Clima tropical, solo fértil, povo acolhedor, oportunidades múltiplas. Seguramente nem tudo é bom, como exemplos: a corrupção, péssimos serviços públicos, pobreza, criminalidade.

Creio q grande parte dos problemas brasileiros são resultado de um descompasso, uma falta de sintonia, entre a "alta cultura" dos eruditos e a "cultura popular" da "plebe", algo profundamente marcado pelas questões étnico-raciais entre "brancos" e "negros".

Tanto "brancos" como "negros" entre aspas pois os "brancos" muitas vezes não são propriamente brancos, mas o querem ser, e os "negros" muitas vezes não se vêm como negros, devido à grande miscigenação e racismo não-declarado; preferindo ver-se como "semi-brancos". Inúmeras vezes me vi diante de pessoas claramente negras q se declaravam brancas, e se ofendiam se alguém lhes dissesse q não eram brancas.

Como dizia um professor meu, "nos EUA uma gota de sangue negro faz de alguém aparentemente branco um negro. No Brasil, uma gota de sangue branco faz de alguém aparentemente negro um branco."

A elite branca brasileira parece posicionar-se sócio-culturalmente como se estivesse numa "missão civilizatória" visando "melhorar, instruir, ou educar" a "plebe inculta e mestiça". E isso pode ser demonstrado por esta elite tentar "iluminar o povo com a alta cultura (européia, é claro)". Neste texto explorarei 2 exemplos disto: nosso hino nacional e nossos parâmetros curriculares federais.

Numa avaliação internacional feita por músicos e maestros, o Hino Nacional Brasileiro foi eleito como o segundo mais belo do mundo, atrás apenas de "La Marseillaise", o célebre hino francês. Seguramente é belíssimo nosso hino. Porém, tem um "pequeno" problema: poucos brasileiros o sabem cantar.

Este hino é cheio de palavras belíssimas, como plácido, fúlgido, impávido, clave, flâmula, brado etcs. Termos eruditos completamente estranhos ao "povão". Sua melodia é riquíssima, mas não reflete nenhum ritmo brasileiro, popular. Não há nada em nosso hino nacional q faça "o povo brasileiro" se identificar com ele. O hino não foi feito pelo povo, nem para o povo. Mas sim pela elite, para a elite.

Muitos acham q o povo brasileiro não conhece nem canta o hino por falta de patriotismo. Creio q o problema é outro. O povo não o canta pois não se reconhece nele, não sente q este hino seja verdadeiramente "nacional", mas apenas representa aquela parcela "branca, educada, elitista" da população. Há um claro descompasso entre as aspirações, o folclore, a lírica e a musicalidade populares, em relação às representações "oficiais" da cultura brasileira. O hino não atende ao povo, por isso ele o rejeita.

Outra demonstração clara do desencontro entre as intenções da elite e as aspirações do povo são os Parâmetros Curriculares Nacionais para a educação pública. Sou professora de História e usarei esta disciplina como exemplo.

O Currículo educacional brasileiro é tão maravilhoso quanto nosso hino. Muito bem-estudado, elaboradíssimo, abarca todo o conhecimento da História Universal, do ponto de vista europeu. Lendo-o me perguntei: "provavelmente quem escreveu isso é PhD em Coimbra, Oxford ou Harvard". E produziu parâmetros visando colocar os alunos brasileiros em condições de disputar vagas nestas instituições.

De acordo com estes parâmetros, eu deveria formar alunos na oitava série, com 14 anos, na posse de todo o conhecimento da História Universal, desde a pré-História até o fim da Guerra Fria. Q maravilha! Quem lê este documento ACHA q isto é posto em prática, transformado em realidade. Vã ilusão.

Os alunos estão "se lixando" para a Grécia, Roma, o Feudalismo, a Revolução Francesa. Nada disso faz parte do seu cotidiano e seu horizonte cultural. Querem aprender coisas palpáveis, práticas, úteis. E essas coisas não fazem parte do currículo.

A disciplina de "História" tenta fazer do aluno um mini-historiador, e não ensinar-lhe sobre cidadania, Direitos Humanos, relações inter-raciais. Não procura, em nenhum momento, ensinar a instrumentalizar o conhecimento histórico para a compreensão do hoje. Não há nenhum conteúdo q me instrua a ensinar-lhes sobre documentos, imposto de renda, política, atualidades, as coisas q os estudantes realmente precisam e querem aprender.

Ao invés de educá-los para a vida e a cidadania, os PCN's me dizem q eu devo prepará-los para o vestibular da USP. O "pequeno" problema é, como todos sabem, q raramente um aluno egresso de escola pública entrará na USP. Seguramente, menos de 1 por sala. E em prol deste 1, q entraria na USP de qquer forma, eu sacrifico os outros 40, q deixam de aprender coisas úteis para "perder tempo" não aprendendo coisas q, para eles, seriam muito úteis.

Outro exemplo é a disciplina de Química, q tenta fazer dum aluno um mini-químico, calculando elétrons, ligações covalentes e mols. Em nenhum momento pretende prepará-los para usar estes conhecimentos no cotidiano. Nada lhes ensina sobre higiene pessoal, limpeza doméstica, farmacologia e interação medicamentosa, agricultura e pesticidas. Os alunos perdem tempo não aprendendo a ser mini-químicos, enquanto poderiam estar aprendendo química instrumental, para usar no dia-a-dia, beneficiando sua saúde.

Os burocratas, q ganham como juízes, e trabalham em Brasília no ar condicionado, representantes da "elite branca" não vêm a realidade pois nunca deram sequer uma aula na rede pública. Quem realmente sabe do q está falando, pois lida cotidianamente com a realidade existente e não imaginada, freqüentemente manifesta os problemas curriculares.

Apenas para obter como resposta q o currículo é ótimo, foi elaborado por um PhD pela Sorbonne, e q se ele não funciona é por incapacidade dos professores. Meio q dizem "quem são vcs, meros professorinhos da rede pública, para achar q podem dizem para nós, professores doutores, o q deve ser ensinado?"

Respondo: "nós somos aqueles q têm CONHECIMENTO DE CAUSA para falar disso, somos nós que ensinamos, somos nós q sabemos o q funciona e o q é ruim. Vcs, burocratas de terno italiano e sapatos Louboutin, não têm a menor idéia da realidade. Vcs criam leis para um país q não existe." Estes burocratas podem estar cheios de boas intenções, mas elas mais atrapalham do q ajudam quem de fato trabalha no dia a dia escolar.

É necessário romper com essa noção de q a elite deve "civilizar" a plebe inculta. O povo não precisa "ser civilizado na cultura européia", mas instrumentalizado para serem agentes interventores e conscientes na realidade brasileira.

Não é o povo q tem q "melhorar" para poder cantar nosso elaboradíssimo hino. É o hino q tem q ser mudado para refletir a cultura, e o povo brasileiro. Não são os estudantes, nem os professores, q têm q "melhorar" para cumprir o currículo. São os PCN's q têm q melhorar para atender as demandas dos alunos, para ensinar-lhes coisas úteis, cotidianas, e não abstratas, distantes, estranhas à cultura brasileira.

As "boas intenções" são ótimas até falharem no teste da realidade. Até percebermos q elas apenas aparentam ser boas. Na verdade são perniciosas, pois nos fazem desperdiçar anos e anos digressando sobre Roma enquanto os alunos não sabem a diferença entre o CPF e o RG, não têm a menor idéia do q é carga tributária, quais são seus direitos trabalhistas e pq são obrigados a votar a cada 2 anos.

Como diz o famoso ditado "de boas intenções o inferno está cheio", pois não basta ter "boas intenções"; é necessário q, no teste prático, elas sejam validadas como boas. Se o teste prático não as valida, estas intenções mais são uma camisa de força q limita as ações dos professores, q se vêm como um Napoleão de hospício, digressando longamente sobre assuntos q, para os alunos, são tresloucados, irreais e inúteis.


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