"De boas intenções o inferno está cheio". Esse é um dito popular muito conhecido e q guarda uma ampla sabedoria experimental. Normalmente isso é dito quando alguém faz uma coisa cujo resultado ruim não foi previsto. Quando alguém faz algo pensando q está a fazer algo bom, mas os desdobramentos da ação são negativos.
Pela vida, fui me deparando com inúmeras situações em q o ditado se verificou. E creio q em muitas delas isso foi resultado do descompasso entre duas coisas essencialmente diferentes: a teoria e a prática. Na teoria, tudo e fácil, pois o papel aceita tudo. No papel, todos os projetos parecem ótimos e factíveis. Todas as novas idéias parecem ser capazes de iniciar uma revolução.
Porém, quando saímos da bolha de papel acadêmica e nos deparamos com o dia a dia, rapidamente aprendemos q "na prática, a teoria é outra" e q todos aqueles lindos projetos elaborados em linguagem grandiloquente não servem para nada.
Quando alguém falha em perceber isso se verá lançado ao inferno das boas intenções. Como sou professora, da rede pública, usarei exemplos deste universo.
Cada vez mais o ambiente escolar tem sido contaminado pela cultura empresarial. Economistas, administradores e mesmo pedagogos q nunca pisaram numa sala de aula da rede básica, cheios de boas intenções e sem nenhuma noção do q é a "realidade" frequentemente acham q está ao seu alcance modificar radicalmente o ensino público.
Cada novo secretário de educação quer "mostrar serviço", deixar sua marca, declarando na imprensa q dará um "choque de gestão" q elevará o patamar de qualidade da rede de ensino... Um intenção ótima... E infernal. Infernal pq esses "choques de gestão", via de regra, servem apenas para desorganizar o q já existia e desorientar os verdadeiros gestores, q não estão sentados num escritório com ar condicionado, mas q ralam no dia-a-dia da escola.
A cada novo gestor, vêm novos decretos, novas regras, novas siglas, novo material didático. Muita novidade ao mesmo tempo. Tudo isso até poderia ser bom, não fosse o detalhe da inconstância política, pois quando dá-se o tempo de todas as "novidades bem-intencionadas" serem digeridas, o antigo secretário já "caiu" e outro assumiu seu posto.
E é claro q o novo secretário tb quer "mostrar serviço, deixar sua marca e fazer seu choque de gestão", o q envolve descartar todas as iniciativas do seu predecessor. Desfaz-se tudo, remudam-se os decretos, as siglas, o material didático, desnorteando mais uma vez todos os profissionais q efetivamente trabalham na sala de aula.
E a cada nova mudança, inventam mais relatórios e formulários, cuja intenção teórica é ótima, mas q na prática resultam em "roubar" tempo precioso, do qual professor faria muito melhor uso se nele trabalhasse em prol de seus alunos, e não preenchendo papéis inúteis, q nunca ninguém vai ler.
Não duvido q cada novo secretário ou ministro da Educação tenha a melhor das intenções ao iniciar seu "choque de gestão". O q duvido é q qualquer um destes "choques de gestão" resulte em qquer melhora na educação. A única pessoa capaz de fazer a Educação pública melhorar é o próprio professor. E enquanto houver a percepção pelo professor de q os políticos q nos gerenciam desconfiam de nossa capacidade, nos desrespeitam em nossos direitos trabalhistas, não nos valorizam, nenhuma iniciativa de mudança de gestão resultará na melhora do ensino.
Ademais, como a carreira do professor é longa, rapidamente descobrimos q, ano vai, ano vem, muda o secretário de educação, e com ele as políticas de educação; portanto, nenhuma delas é "realmente séria" e se simplesmente ignorarmos ou "fingirmos q estamos seguindo as novas diretrizes", o secretário mudará antes q alguém perceba q as "novas/antigas diretrizes" não foram efetivadas. E quando isso se dá, a gestão q era nova já é velha, e não precisa mais ser obedecida.
Além dessa balela de q seria possível de cima, com um decreto, melhorar a Educação, há o problema do próprio currículo. No Brasil, temos os PCN's, Parâmetros Curriculares Nacionais. Muito bem intencionados. No papel, a Educação brasileira é ótima. Na teoria, nossos alunos aprendem um currículo muito mais vasto e diversificado em relação mesmo ao q é ensinado nos países desenvolvidos. Partirei do exemplo q me é melhor conhecido: a disciplina de História.
De acordo com os PCN's, eu formo meus alunos de 14 anos no Ensino Fundamental com todo o conhecimento sobre a História Humana, desde a pré-História até o século XXI. Quer dizer, eu assino um papel q afirma isso. Um papel q não tem nenhuma correspondência prática. Por acaso acho q o currículo brasileiro do ensino de História seja ruim? Não, ele é ótimo. Na verdade, seria ótimo. Para a Suíça. Para a Suécia. Para a Finlândia. É um currículo vasto, profundo, completo... E infernal.
Infernal pois, para seguir este currículo, gasto centenas de horas digressando sobre a Revolução Francesa, o Feudalismo, a Cultura greco-romana. Conteúdos ótimos, mas com resultado pífio. Meus alunos decoram os fatos e datas para a prova, e após ela rapidamente esquecem tudo. O q ensino é abstrato, longínquo, impalpável e, portanto, desinteressante.
Os alunos deixam de aprender coisas realmente importantes para seu cotidiano, q não fazem parte do currículo, mas exige-se q aprendam conteúdos intrincados e vários patamares acima da sua real capacidade, ou interesse, de aprendizado. Para os burocratas, ministros e secretários, q nunca deram aula na rede básica, o currículo é ótimo. Para o professor, q lida com a realidade, o currículo é uma "jaula de ouro" q prende não uma Fênix, mas um pardal.
Já passou da hora dos políticos q têm a ilusão de serem capazes de dar um "choque de gestão" terem um "choque de realidade" e descobrirem q suas boas intenções podem até ser ótimas, porém q não será na canetada, com um decreto, q a realidade mudará. Não precisamos de novos paradigmas administrativos. Não precisamos de relatórios e de rankeamento. Precisamos de valorização. Q a voz dos q efetivamente conhecem como se dá o processo educativo seja ouvida, não q um economista venha dizer ao vigário como se reza a missa.
Nem sempre boas iniciativas são realmente boas. Raras teorias vencem o teste da prática, da realidade. E, se vc é político de carreira, economista, administrador ou mesmo pedagogo de escritório, pare de achar q os papéis q vc assina com novas diretrizes melhorarão a Educação, pois eles não irão: apenas desorganizarão o q já está aí, na verdade atrapalhando o real processo educativo.
Na prática aprendi q os secretários de Educação não têm em vista a melhora da Educação: objetivam usar essa pasta como um trampolim para suas ambições políticas pessoais. Intenção, convenhamos, nem tão boa assim. Achar q os professores irão simplesmente aquiescer como cordeiros a este propósito é ilusão. Secretários, ministros, vêm e vão. E com isso todas as suas "boas intenções" vão pro lixo. E a Educação enquanto isso segue girando em falso, sem saber aonde vai, qual é seu propósito, completamente sem norte nem melhora.
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