Há um velho conto folclórico que vai mais ou menos assim:
Dois anjos, um mais velho e experiente, o outro mais jovem e impetuoso, estavam passando por uma área rural, muito seca e pobre. Ao passarem por uma casa paupérrima, ouviram em seu interior o dono, um homem muito honesto e trabalhador, orando por auxílio divino. O anjo mais velho ia passando direto, quando o mais jovem o interpelou:
- Precisamos ajudar aquele homem, ele está precisando muito, e tem uma grande devoção a Deus. Não podemos ignorar seu pedido!
O anjo mais velho queria seguir em seu caminho, mas resolveu atender ao pedido para ensinar uma nova lição ao aprendiz. Perguntou-lhe:
- E qual é a sua sugestão de ajuda apropriada?
O mais jovem olhou bem a propriedade, ponderou se melhor seria reformar a casa ou fazer chover, mas por fim resolveu:
- Vejo que ele tem apenas uma vaca, e muitos filhos. Se lhe déssemos uma segunda vaca, ele poderia alimentar melhor às crianças.
O anjo mais velho foi então até a vaca e, com um gesto suave, a matou.
O mais jovem chorou, se revoltou, sabatinou seu chefe e só obteve como resposta:
- Você não me pediu que eu o ajudasse? Eu o ajudei, dê tempo ao tempo. Aguarde e verás.
Muitos anos depois o mesmo par de anjos voltou ao mesmo lugar e encontraram a vizinhança na mesma condição de miséria, mas o sítio do homem de fé estava verdejante, com equipamentos novos e modernos. A casa da família era outra, bem mais sólida e ampla. Havia felicidade e não sofrimento no ar. O anjo mais jovem exclamou:
- Como isso é possível? Você matou a vaca, e a família melhorou de vida!
A voz da experiência então explicou:
- A vaca era o pouco que eles tinham, a o quê eles se apegavam para um sustento que, se não era bom, dava para "o mínimo". Se eu lhes desse uma segunda vaca, não teria alterado em nada sua situação, apenas todos os membros da família seriam hoje 10 quilos mais gordos. Ao matar a primeira vaca, eu expus para eles como sua situação era realmente péssima, sem a vaca, agora assim eles estavam no fundo do poço. Porém, é do fundo do poço que encontramos forças para mudar nossa situação. Com a morte da vaca, eles foram obrigados a procurar trabalho longe do sítio, para manter esse trabalho eles precisaram voltar a estudar. Como os pais estavam estudando, mantiveram seus filhos na escola, alguns fizeram faculdade e modernizaram completamente o sítio, de onde hoje todos tiram um pródigo sustento. Se eu tivesse dado uma segunda vaca, nenhum desses progressos teria acontecido.
Essa história nos ensina vários princípios de ampla sabedoria
1 - Nem tudo é o que parece. Na maioria das vezes a aparência das coisas nos leva a conclusões erradas.
2 - Cuidado com o quê você pede, pois pode ser atendido. E se arrepender amargamente do que pediu.
3 - Não interfira sem necessidade na vida dos outros. Tentando ajudar, vc pode atrapalhar, ou até se comprometer. Numa frase curta: "de boas intenções o inferno está cheio".
4 - Tenha paciência. A vida leva décadas para transcorrer. O tempo é o senhor da razão.
5 - Não fique parado pensando na morte na bezerra, isso não a fará ressuscitar. Siga em frente. Deixe o peso do passado para trás. Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima.
6 - Suas maiores dificuldades são o que mais te fará evoluir. Não se furte às coisas desagradáveis da vida, enfrente os revezes, pois negar-se a encarar a realidade só terá um resultado: ver-se diante da mesma situação no futuro, ad infinitum, até que você enfim aprenda o que precisa extrair daquela situação.
Isso tudo posto, gostaria de agradecer a todos os "amigos" que me esqueceram, ao ex-melhor amigo que me esnobou, às irmãs que nunca tive, ao pai que nunca conheci, à minha ex-mãe, aos péssimos chefes que já tive, aos colegas de trabalho traiçoeiros, aos namorados mentirosos, aos vizinhos fofoqueiros, aos colegas invejosos, aos parentes que sempre se mantiveram distantes por mais que eu os procurasse, e até ao ex-namorado que me deu um pé na bunda em pleno sábado de Carnaval.
Apenas agora, depois de muito me contorcer, me desesperar e claudicar pela vida percebo que foram estes percalços, e todas as dificuldades enfrentadas que forjaram em aço meu caráter me permitindo hoje fazer duas coisas que a maioria das pessoas parece ser incapaz: ter autonomia e saber dizer "não".
Pois apenas agora depois de um périplo de quase 30 anos começo a vislumbrar o que se esconde por trás das aparências e como na maioria das vezes estamos tão iludidos com nossas próprias fantasias que não enxergamos um palmo na frente do nosso nariz, nos lançando de bom grado nas redes de oportunistas muito mais despertos para a vida do que nós.
Algumas pessoas passam a vida inteira "a passeio" e dela nada extraem, seja material, seja espiritual. Faça logo sua escolha, pois as duas, simultamentente, é impossível.
Tenha a percepção, antes de mais nada de que você não é importante para os outros. Portanto, pare de esperar que os outros tenham qualquer atitude em sua direção, pois eles só farão isso se tal for trazer algum lucro ou vantagem para eles. Isso pode parecer rude e grosseiro, mas é a mais cristalina verdade. Faça a experiência: na próxima vez que você encontrar alguém, converse com ela apenas sobre ela, pergunte tudo sobre a vida dela, os sentimentos dela, o cansaço dela, e em nenhum momento mencione a "sua" existência. Verás: não só seu interlocutor não perceberá que a conversa está sendo direcionada, como ficará muito satisfeito com o ótimo papo que tiveram. Claro, o assunto era seu favorito: ele próprio. E isso não acontece só com "amigos", é universal. Faça o teste. Ninguém percebe a diferença entre uma "conversa" e um "monólogo sobre mim". De uma "conversa" a maioria das pessoas apenas espera um pouco de atenção e um palco para digressar longamente sobre suas reclamações, opiniões políticas e lustrosos saberes científicos, mesmo que não os tenham. Aprenda e conforme-se: a única pessoa interessada em você e nos seus assuntos é você mesmo. No máximo você e sua mãe, se você teve a sorte de ter uma boa.
E é só percebendo isso, a risível condição humana, que é possível sair dela e pular fora da corrente de egolatria que permeia nossa psique. Como dizia o lema dos anos 1960: "Turn on, tune in, drop out"; "se liga, sintoniza, cai fora". Se você quer crescer, o parto será doloroso, e o processo te fará duvidar de tudo, e você até sentirá vontade de desistir, no fundo do poço da solidão se arrependerá de ter começado.
Mas nesse momento, em que até seu melhor amigo te virar as costas, sabe o que você vai descobrir? Quando aquela última vaca magrinha morre, ou aquele último amigo, ou namorado, ou parente "mais ou menos" te esquece, é que você terá forças, extraídas do desespero, para procurar ajuda de outras pessoas com as quais não contava, mas que irão te surpreender. É no fundo do poço que você vê o tamanho do problema e sabe que daí não desce mais, e se até o pior você jå enfrentou, subir vai ser mais fácl que continuar aí, remoendo-se. Deixe para trás quem te deixou para trás e procure novas oportunidades.
A maioria delas te decepcionará e te fará ter vontade de desistir, mas uma ou duas serão boas surpresas. Contudo, ainda assim, só confie em uma pessoa: você mesmo. E até desta suspeite, pis vc é seu maior sabotador. Trilhe seu caminho com perseverança e calma. A vida é um projeto de longo prazo. E saiba desde agora que você está sozinho nessa.
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