quarta-feira, 1 de junho de 2011

A prova anatômica da inexistência de Deus

Lembro-me de quando pré-adolescente ouvir a piadinha infame:

- Sabe pq Deus é um péssimo arquiteto? Pq colocou o playground perto dum esgoto a céu aberto.

Na época, de fato pareceu-me estranho e meio nojento que as zonas erógenas localizassem-se na vizinhança do sistema excretor e evacuador de detritos humanos. Como menina, sexo deveria ser associado ao romantismo sonhador, poético. E não há nada de romântico no sistema excretor humano.

Muito depois até cheguei a compreender que o motivo disso é, como quase tudo evolutivamente, a economia de energia e a racionalização do espaço. As zonas erógenas seriam, portanto, próximas ao sistema excretor para economizar cabos e terminações nervosas. Ou, se visto de outra forma, as zonas erógenas o são apenas e tão somente pelo fato de localizarem-se nas vizinhanças do sistema excretor. E, de fato, alguns homens usam suas mulheres como se fossem latrinas nas quais aliviam suas necessidades fisiológicas, como Alice Walker estabeleceu nesta eloqüente imagem do clássico “The Purple Color”.

Mas não se refere ao sistema excretor, composto de órgãos com função mista (excretora e reprodutiva) que me refiro ao afirmar possuir uma prova anatômica da inexistência de Deus. Refiro-me a outro órgão, também com função mista.

Nossa faringe. A faringe possui a função mista de conduzir ora o alimento ao estômago, ora o ar aos pulmões. A seleção do destino é feita inconscientemente por uma válvula denominada epiglote, cárdia ou esfríncter. E é a burrice da epiglote a prova que Deus não existe. A epiglote matou ao longo da História mais seres humanos que todos os acidentes automobilísticos já ocorridos, combinados a todos os naufrágios e acidentes aéreos. A mal-feita e ineficaz epiglote é a maior arma de destruição em massa que já nos afligiu. E tanto mais cruel ela é por vitimar principalmente aos de mais tenra idade.

E pq sua ineficácia prova que Deus não existe? Ora, qualquer designer digno do nome poderia ter resolvido o problema fazendo um encanamento duplo, de forma a que o ar aspirado não fizesse o mesmo trajeto que os sólidos e líquidos consumidos. Ou talvez teria turbinado a epiglote com um sensor de densidade mais eficaz, ou com uma antecâmara pré-brônquios de forma a impedir o efeito colateral da confusão dos destinos: o engasgo.

Se a epiglote se engana mandado ar para o estômago, o máximo efeito colateral será um sonoro e engraçado arroto. Já se manda uma quantidade mesmo que ínfima de sólido ou líquido para os pulmões o resultado é um excruciante, doloroso, aflitivo, convulsivo, desagradabilíssimo, engasgo. A tosse é incontrolável. Nos recurvamos à frente, retesamos nosso tronco, nossa cara fica vermelha, sentimos uma sensação torturante de afogamento, um frêmito violento no fundo da garganta dos brônquios irritados querendo se livrar do corpo estranho, que sentimos, e tentamos manobrar com a língua, lá no fundo, sem nenhum sucesso. A não ser por endoscopia, não há como alguém voluntariamente desobstruir suas vias aéreas. A não ser com vigorosos tapas e socos nas costas, para os casos mais leves. :)

Pq o engasgo é tão mortal? Quem já cuidou de um bebê sabe perfeitamente. Sempre depois de mamar, comer ou beber qquer coisa, a criança deve ser apoiada contra o ombro do adulto e levar alguns tapinhas nas costas, até arrotar. Sempre. A cada vez que é alimentada. Cuidadosa e diligentemente, deve-se dar tapinhas nas costas do bebê até que ele arrote, toda santa vez. Isso é feito para forçar pela ação da gravidade as últimas gotas de líquido ou restinhos de sólido epiglote abaixo até o estômago. Pois se a criança for deitada com a laringe plena de restos de leite e comida, é muito provável que estes deslizem até seus pulmões, possivelmente bloqueando suas vias aéreas e levando o neném à morte por sufocamento.

Conforme a criança vai crescendo e deixa de ser um neném esse cuidado torna-se desnecessário pois com a maturação de seus sistemas, ela passa a ser capaz de tossir vigorosamente para livrar-se do engasgo. Porém, ao contrário do que muitos pensam, a epiglote prossegue tão burra quanto era ao nascer e continua a errar o destino dos itens que transporta. Recentemente soube que isso causa um tipo grave e agudo de pneumonia.*

Infelizmente é comum entre as camadas mais pobres da população brasileira que médicos prescrevam a ingestão de óleo mineral para casos de constipação intestinal e “prisão de ventre” por ser, para isso, eficaz, e um item muito barato nas farmácias. Ora, como descobri ao engolir meu primeiro chiclete, humanos não devem ingerir derivados do petróleo, como deve ter dolorosamente descoberto Mark Wahlberg em “Three Kings”.

O que se passa é que ao ser engolido, parte do óleo mineral escorre para os pulmões, onde entope aos alvéolos. Se isso acontece com uma gota de suco de laranja, um pedacinho de cebola ou até um grão de arroz, os macrófagos darão conta de digerir o corpo estranho, e em pouco tempo o item terá sido metabolizado sem deixar seqüelas. Não se for óleo mineral. O óleo mineral não pode ser processado pelo organismo humano. Ele entope permanentemente os alvéolos que atinge, pelo menos até ser aspirado por intervenção médica via endoscopia. Esta pneumonia chamada lipoídica, se não diagnosticada ou tratada pode inclusive levar à morte dolorosa por uma lenta asfixia.

Outra informação, curiosa e irrelevante mas que não deixará de ser lembrada por meus contemporâneos e redundantemente ignorada pelos vindouros vai aqui: recentemente foi amplamente divulgado nos noticiários o caso de um velhinho, paciente terminal, que teve um tumor identificado por uma tomografia, cintilografia ou qquer tipo de exame “suuuper moderno” em 3D que acusou uma massa que crescia em um de seus pulmões. Resolveram abrir e operar. Grande surpresa teve o cirurgião ao extirpar não a um tumor maligno, mas um broto de ervilha. A epiglote do velhinho enganara-se mandando não uma partícula, mas uma ervilha inteira para seus pulmões. Por estar fragilizado, ele não a pôde tossir. Adicionalmente, a ervilha, mero detalhe, estava crua. E muito mais curiosamente, na ausência completa de Sol, encasquetada dentro de um alvéolo pulmonar, a ervilha germinou de forma vigorosa, se alimentando da corrente sangüínea do velhinho, a ponto de parecer aos médicos nos exames tratar-se de um tumor agressivo e maligno. Que teria se passado se não o tivessem operado? Cresceria um pé de ervilha inteiro dentro do pulmão do velhinho, na total ausência de Sol?

Tudo isto posto, creio que apresentei relevantes argumentos estabelecendo que Deus não pode existir pois só um incompetente completo desenharia tão mal o organismo que pretensamente seria o ápice mais perfeito de toda a criação, feito à sua Imagem e Semelhança.

Comumente pensam os ateus que aqueles que crêem na transcendência ou Suma Inteligência apenas o fazem por desconhecer aos argumento racionais que, de fato, desnudam diante de nossos olhos a imperfeição da criação, os paradoxos, ou mesmo a pura e simples falta de provas que afirmem que haja algum tipo de Grande Arquiteto por trás de tudo isso.

E este é o ponto que pretendo explicar: creio que Deus existe justamente pela imperfeição deste mundo, por perceber este tratar-se de um plano de aparência, do engano, da irrealidade, em que somos cegos mas achamos que enxergamos. É justamente por me sentir mal, desconfortável e inadequada neste corpo símio, peludo, sebento, fétido, que faz barulho e solta gases, com o playground a poucos centímetros das zonas mais nojentas do corpo, carregando nos centímetros cúbicos que ocupo mais células de organismos unicelulares do que de homo sapiens sapiens que sei que este não é o meu mundo. Se me colocarem num liquidificador chegarão à conclusão que sou mais composta de células bacterianas do que de um símio superior. E que não sou sólida, mas composta de 99% de vazio. Portanto, Deus existe. Garante toda esta flora que me sustém e todas as interações eletromagnéticas que me dão a impressão de ser sólida, e não vazada.

O mundo do sensório, da fome, do engasgo, das necessidades fisiológicas, me é profundamente incômodo. Os sentidos nos distraem, nos transtornam, nos desviam daquilo que é realmente importante e devemos nos ocupar. Aos poucos, pela vida, vamos aprendendo a desconfiar do que nossos próprios olhos vêem, do que as pessoas nos dizem, do que os jornalistas nos informam e até do que os professores nos ensinam. E lançados à profunda solidão do estarmos completamente perdidos e sem saber noss papel neste mundo, inventamos um Deus que nos ama e acolhe como um Pai bondoso.

E é justamente por saber que fui eu a inventar meu Deus e não o meu Deus a me inventar, pois ele não existe, que creio em Deus.

O “meu” Deus que tem que seguir os “meus” parâmetros historicamente determinados, do que é lógico ou adequado; este Deus, seguramente, não existe. O Deus que existe é um Deus muito além, intagível, incompreensível, incutucável. E tão magnânimo que não teve nojo de mandar centelhas de seu espírito para habitar nestes corpos simiescos, peludos e fétidos, com uma epiglote tão burra, uma grande assassina de bebês.

Enquanto escrevo isso luto contra uma casca de ervilha que teima em não querer ser tossida de meus brônquios. Mas foi ontem à noite que tive a idéia para este texto.

Talvez eu tenha engasgado de propósito...


Leia também: De como Deus me provou sua existência

*Grave é sinônimo de severo, e agudo é oposto a crônico. Portanto, uma doença pode perfeitamente ser grave e aguda ao mesmo tempo.

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