quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Educação emotiva pelo cinema: Jerry Maguire

Há muitos filmes fundamentais que merecem ser assistidos não por serem grandes realizações estéticas, mas por transmitirem uma certa “moral da história” relevante à educação emotiva humana. Que fique claro logo no início que há um abismo entre ser “moralista” e observar a “moral da história”.

Muitas lições essenciais que precisamos aprender em nosso amadurecimento são muito difíceis de didatizar, descrever em tópicos e explicar numa simples lição. Por isso as parábolas, historietas que exemplificam certo princípio abstrato, são um recurso muito popular na literatura, e nas variadas artes.

Dentre os filmes com enredo delicado, cuja história busca ser algo mais que um “romance água com açúcar” merece destaque “Jerry Maguire”, em português adicionado de “A grande virada”.

O filme começa com um suicídio.

Não literal. Jerry Maguire (Tom Cruise) é um agente esportivo de sucesso que, incomodado com as práticas amorais da corporação capitalista em que trabalhava, escreve um “Memorando” no qual expõe sua intenção de “humanizar” seu trabalho. Esse é seu suicídio. Percebe logo que não há como “humanizar” uma corporação. E que seu memorando fôra sua nota suicida no mundo corporativo.

Começa então a “grande virada” de Jerry. E a crônica da humanização de um homem. O filme narra no entrelaçamento entre Jerry e sua secretária (Renée Zellweger) como se dá o amadurecimento emotivo de um homem que já se achava pretensamente adulto e se descobre, psicologicamente, infantilizado e temeroso de subir de patamar.

Não creio que outro ator conseguiria tão eloquentemente nos entregar Jerry Maguire em sua plenitude. O olhar de Tom Cruise tem 11 mil facetas, 20 mil dúvidas, 30 mil hesitações e 400 mil boas intenções. Tem as sobrancelhas retas duma alma pura. Um leve vinco de preocupação, tal qual de um jovem pai de família, sobre o nariz. Sua alma transparece no olhar, de um homem que tenta ser honesto e leal.

Tom Cruise enuncia um monólogo inteiro num movimento de sobrancelha. Seu sorriso é sem reservas, entregue, como o de um menino. E ao mesmo tempo sua postura exsuda insegurança, em seus ombros despontando à frente, como quem teme eternamente a derrota ou acaba de ser “chamado à atenção”.

Além de mostrar o amadurecimento emotivo de Jerry, o filme tb mostra a família que ele tenta construir. A descoberta do amor puro numa criança. A alegria do amor que surge da admiração, nascida no respeito. Como se ainda existissem “caras legais” que se prontificarão a ser um bom pai para o filho órfão de uma mãe solteira. E que dirá a ela “Você me completa”, para êxtase de todo um grupo de mulheres descasadas.

O filme também mostra, na cena do acidente em campo do único atleta agenciado por Jerry, como a vida pode dar 3 giros completos num segundo. E num simples átimo todos os seus sonhos podem ser destruídos. Ou colocados vários patamares acima. E como nada disso depende de nós ou de nossas “boas intenções”.

Mas como é um filme de Hollywood, tudo dá certo, Jerry fica rico e seu casamento segue adiante. Mas não julguemos o filme pelo fim. Sua riqueza é a trajetória que narra e desvenda. A crônica de Jerry Maguire é a do difícil caminho que pode fazer de um capitalista sedento de “Show me the money” em um ser humano, capaz de ter sentimentos profundos, verdadeiros, e que duram pela vida inteira. Mostra que o caminho do “verdadeiro sucesso” não é fácil, nem largo, nem próspero, nem bem-iluminado. Que é preciso perseverar, incansavelmente, de forma leal e constante, no caminho do bem. O que é bastante difícil, e para poucos.

Pegar a saída fácil é o caminho mais curto para harmonizar-se com o mundo. E desviar-se de nosso real propósito na vida. Que não tem nada a ver com dinheiro. O dinheiro, na verdade, nos desvia e esconde de nós a Verdade, com V maiúsculo.

Vivemos num mundo cínico”.


"Jerry Maguire", 1996


"The Corporation"


Tim Maia - O caminho do bem

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