Para ilustrar isso recorrerei a uma pergunta que li em certa revista “Superinteressante”, que inquiria pq nós, humanos, nos “ouriçamos” quando ouvimos alguns sons, como os oriundos da microfonia ou do barulho agudo que um giz longo faz ao ser riscado contra a lousa. Ciente estou que “ouriço” é um animal marinho e creio que talvez seja curioso para alguns tentar imaginar de que forma uma entidade que não um espinhento e, para alguns comestível, ouriço-do-mar pode transmutar-se em verbo referente a uma ação humana.
Eu, como professora, sempre tomo o cuidado de partir o giz antes de escrever, por saber como é desagradável ouvir o ruído agudo dele inteiro atritando à lousa. É um som, literalmente, “de arrepiar”.
A resposta na revista era um chocante para alguns: “Nossos pêlos ficam ouriçados pois somos, antes de tudo, animais”. Quem já observou o comportamento de gatos e cachorros sabe que eles tb “ficam ouriçados” e seus pêlos, sobretudo os sobre sua Coluna Vertebral, ficam em pé diante de situações “de perigo” ou “medo”. Por exemplo: quando os pêlos das costas de um cão ou gato ficam “em pé” este é um sinal inequívoco de um ataque imediato.
Nossos pêlos podem, portanto, “ficar arrepiados” em virtude do ato-reflexo neurológico, reptiliano, a sons agudos de certa freqüência pois fomos evolutivamente selecionados por associar tais sons ao perigo e à ameaça. Como nos pretendemos racionais, ficamos “de cabelo em pé” até diante de sons que escapam a essa freqüência, como quando ouvimos ruídos noturnos que nossa mente racional não consegue explicar e nosso vício em procurar nexos chega à conclusão ilógica: “Deve ser um fantasma, ou até um ladrão”. À essa conclusão, qquer que seja a freqüência do som, nos sentimos ameaçados e nos arrepiamos, ou até nos mijamos de medo.
Outras situações em que os pêlos humanos retesam-se é quando sentimos frio, ou quando corre-nos pelo cangote um certo arrepio que, como se diz em minha terra, depois dos 12 anos não é mais “cosquinha”, e sim “tesão”: o prenúncio do ato sexual.
Humanos ficam de “pêlos arrepiados”, portanto, diante das seguintes situações: ao ouvir sons agudos em determinadas freqüências, ao testemunhar fatos que associam ao sobrenatural, ao testemunhar ou ouvir situações de perigo ou ameaça, ao sentirem frio, e ao sentirem cócegas ou libido.
Nunca tive problemas em assumir minha condição simiesca. Inclusive choca aos que me conhecem e aos meus alunos a naturalidade com que classifico-me, inapropriadamente, como “uma macaca que não tem vergonha de sua macaquice”. É claro que ao dizer isso lembro-me de Helena Bonham-Carter dizendo a Mark Wahlberg em “The Planet os Apes” que ela não era uma macaca, mas uma símia. Para o leigo, a diferença básica entre macacos e símios é que macacos têm rabos, e símios não. Além dos humanos, também são símios nossos primos: gorila, orangotango e chimpanzé. Taslvez também o pé grande, o abominável homem das neves, os coneheads, os psicopatas e os especuladores. Para quem não suspeita no que consiste a profissão de “especulador”, adianto que não é alguém que trabalha com espelhos nem com espéculos.
Aposto e ganho: dos leitores não que não suspeitam o que seja um espéculo, 85% são homens e 15% são meninas menores de idade. Mulheres maiores de idade sabem exatamente do que estou a falar.
Profunda crente no Deus de Abraão que sou, de forma nenhum sinto-me diminuída ou menos divina em reconhecer que, mesmo que eu seja ou pretenda-me depositária de uma alma imortal e de certa racionalidade sou, especialmente, naturalmente, intrinsecamente, fisicamente, antes de tudo, uma símia.
Admito ademais que minha condição terráquea e simiesca é determinada biológica, geográfica, psicológica e historicamente e que todo e qualquer pensamento ou sentimento que possa nascer de meu aparelho biológico homo sapiens sapiens é titereado por eu ser, além disso, fêmea, brasileira, latino-americana à paulista, uspiana da FFLCH, e viver no Ocidente a virada do segundo Milênio.
Todos os meus pensamentos, e portanto, tudo o que sou capaz de escrever são regidos pela minha condição humana, que circunscreve-se dentro do campo proximal vygostkyano que me é possível divisar.
É curioso como os humanos que consideram-se “iluminados” ou agraciados por uma inteligência superior freqüentemente associam a religiosidade ao obscurantismo e o ceticismo ao esclarecimento. O próprio “ateísmo” é filho da Ilustração, e muitos são os “crentes” acometidos por certa perplexidade diante do apercebimento das reflexões filosóficas e certezas científicas contemporâneas.
E reconheço que não é fácil absorver e aplicar o escopo interpretativo que desenvolvi e que permite pôr em perspectiva e, mais do que entender ou explicar, compreender como é possível conciliar a certeza com a fé. Reconheço que a muitos isso não será possível pois a fé não é algo que eu ou qquer pessoa possa despertar no seu próximo, ou racionalmente explicando, convencê-lo.
A fé é, de certa forma, como a sede, a fome. Mas não é física. Talvez alguns o chamem de carência, ou fragilidade, ou mesmo síndrome de Estocolmo, mas a fé, ao menos para mim é quase como uma ato-reflexo análogo ao ouriçar dos pêlos.
Se é fé, deve sempre deixar espaço para dúvida, senão não seria fé, mas “certeza”. A “fé” é a crença inexplicável, enigmática, intangível, intransferível, a espera, a ânsia, de haver algum sentido, algum objetivo; mesmo, diria, alguma Justiça, Equilíbrio, Propósito, no Universo.
Se traduz-se melhor por “fé” ou “fidelidade” o termo “emunah”; “fides” ou “pistis”, é uma discussão para uma livre-docência que poderia demolir toda a teologia cristã derivada de Paulo de Tarso. Para não me alongar, e apenas ilustrar essa questão vai uma curiosidade. Se um homem diz, em português: “minha mulher é muito fiel”, não fica em nada claro se ele está se referindo ao fato de sua mulher não cometer adultério corneando-o ou se ele está a dizer que sua mulher é muito devota à sua fé religiosa.
Sei que, no fundo, falta-me “fé” pois em Deus não tenho “fé”, mas da existência de Deus tenho certeza. E de certa forma não compreendo como alguém pode não crer nisso e ainda, teimosamente, prosseguir em qquer humano intento.
Melodramaticamente como sóe às símias superiores latino-americanas alcoolizadas e carentes de auto-afirmação, declarei desafiadoramente a um interlocutor humano solteiro, em pleno décimo-quinto andar, durante uma festa:
- Tenho tanta certeza que Deus existe que, se vc me provar, agora, que Deus não existe, eu pulo pela varanda. Se Deus não existe não vale a pena viver, e não há sentido em todo o sofrimento que testemunhamos. Se eu sofro à toa, sem motivo ou explicação, não há pq prosseguir num “jogo da vida” vazio, sem propósito.
E, de fato, ao menos para mim, se Deus não existisse, não haveria sentido nem valeria a pena viver. Não que, necessariamente, tenha que ser verdadeira a minha fé. Mesmo que errada esteja toda a minha Teologia, há de haver algum tipo de propósito em tudo isso, mesmo que esteja além de minhas capacidades “racionais” viciadas perscrutá-Lo.
Creio, ou melhor, tenho certeza, da existência de Deus por dois fatos. Não pretendo com este relato convencer a ninguém de que Deus existe. A cada um cabe a fé, ou a certeza, que lhe é possível em seu presente estado evolutivo.
Antes dos fatos inconclusivos, outra observação. Somos a cada segundo acometidos pelas mais neuróticas dúvidas Não sei se todos, mas eu ao menos, quando deparo-me com um momento definitivo, determinante, quase que o percebo pelo arrepiar de meus pêlos sobre meu sistema nervoso periférico. No meu agora do digitar este texto, pressinto que além de hoje este texto reverberará pela Eternidade E que talvez os futuros escafandristas o adicionem como certa nota de rodapé à desimportante dissertação de mestrado “Apreensões do sagrado em princípios do século XXI – uma análise dialógica”.
Seja meu cadáver futuramente dissecado ou não, tudo o que posso fazer para vencer à inexorabilidade do percorrermos e sermos devorados pelo espaço-tempo é, de certa forma, “eternizar-me” ao “dar upload” para a “nuvem cibernética” do meu testemunho, pessoal e intransferível do que é, em minha perspectiva, ser humano.
Tenha eu alma ou não, exista ou não um Deus, é inquestionável e todos os futuros escafandristas deverão comigo testemunhar em verdade que jamais haverá outra acepção idêntica à minha da condição humana. Estamos nessa com Demócrito. Portanto não ambiciono que futuros escafandristas tenham neste texto qquer perspectiva além da pura e simples curiosidade de época, tal qual a que eu teria por um missário do séc. XVI.
Eu não vislumbro atingir à Iluminação ao ler um Livro das Horas medieval tal qual não vislumbro ou intento a qquer leitor convencer espiritualmente de nada pelo que se segue.
Vamos então ao não-relato das provas subjetivas e inconclusivas.
Desde criança eu sentia essa sede que me levava a recorrer a uma força sobrenatural. De certa forma, sempre soube que eu deveria “rezar” e recorrer ao um “Pai” imaterial transcendental. De certa forma as crianças sentem necessidade de um Deus, talvez tal qual de uma fada do dente, um Papai Noel e um Coelhinho da Páscoa. Fui criada num lar no qual a religião sempre esteve presente, em particular pelo fato de minha avó ser uma “militante” espírita kardecista. Mas mesmo que meu lar não fosse particularmente religioso, toda a cultura brasileira é permeada pelo franco “catolicismo não praticante”.
Desde sempre, portanto, cri em Deus, e a ele recorri através de preces. Quando estamos em princípios de nossa adolescência, o que hoje se chama por “tween” é quando transcorrem as experiências que mais profundamente marcam nossa conformação racional futura. E para mim este ponto de inflexão deu-se ao que seria a idade de meu bat mitzvah, fosse eu judia.
Contava eu 12 anos quando Deus agraciou-me com dois eventos e jamais futuramente permitiram-me ter a dúvida teológica fundamental. A essa altura minha vida não era propriamente “um mar de rosas” nem era eu uma figurante num comercial de margarina. Certa noite, aos prantos sentindo-me pior do que um animal de rabo por diversos motivos, deitei-me para dormir, fiz minha prece e o tom de minha oração nesta ocasião foi outro. Apresentei a Deus meu então cria insuportável sofrimento e passei a questionar meu Criador. Dado eu ser até então, julgava-me, uma pessoa correta, que tentava sempre que possível fazer o que era certo, o que não justificaria eu ser, bem mais que meus amigos de escola, vítima de uma “família”, no mínimo, “disfuncional”. Apresentadas minhas queixas, desafiei ao próprio Deus:
- Deus, juro, se Vc não me provar que Vc existe, NUNCA MAIS acreditarei em Deus.
Comumente meus interlocutores subestimam-me quando falo. Desconhecem eles que eu sou, fundamentalmente, uma pessoa séria, e que fala sério. Eu mantenho a minha palavra. Meu dito vale um escrito. E quando eu digo algo, realmente, literalmente, farei de minhas palavras a Lei pela qual pautarei meus atos. As pessoas até podem duvidar de que eu colocarei em prática o que eu proclamo. Não meu Pai, que me conhece de uma forma que até mesmo eu não me conheço. Deus sabia que ao ouvir desta ainda, impúbere, incapaz, tutelada, com aparelho ortodôntico, que eu nunca mais creria nele se ele não me provasse, objetivamente, tangivelmente, sua existência eu, de fato, futuramente até poderia ter dúvidas, mas, talvez apenas para ser fiel ao meu compromisso, NUNCA MAIS acreditaria em Deus.
Talvez meu Criador tenha pensado com seus quasares: “Hum..., eu tenho planos para os desdobramentos futuros da crença desta minha filha em Mim e sabendo como ela é teimosa, tenho que fazer alguma coisa, senão ela se tornará uma atéia de cerviz dura”. E Ele fez. Na manhã subseqüente acordei com os olhos inchados e, ao ir ao banheiro, percebi que passara-se naquela noite um evento objetivo, determinante, irreversível: a minha menarca. Naquela noite, em que duvidei de Deus pela primeira vez, tive minha primeira menstruação. Não é nada sobrenatural, mas o li como uma mensagem muito clara. Deus agira, dentro da natureza, de forma a sinalizar-me que, sim, Ele me ouvia. Que sim, existia. Que sim, tinha em vista para mim um futuro, que minha agora condição de não mais “menina” e sim “mulher” prenunciava. Uma mensagem de esperança que deixou impressa uma ânsia de futuro.
Nunca mais duvidei de Deus, mas continuei, de certa forma, a sentir-me inferiorizada, relegada, passada para trás, injustiçada, levando rasteiras da vida, como fazem todos os humanos desde Caim. Longe estou de afirmar que eu tenha superado este sentimento. Mas talvez apenas para me dar um duplo testemunho, ainda em meus 12 anos Deus concedeu-me outra benemese. Só, talvez, para que fosse duplo o testemunho e eu nunca mais me permitisse duvidar.
Neste mesmo ano fui com minha avó a um bingo beneficente da Sociedade Espírita de Rio Claro. Na época em que os espíritas rio-clarenses ainda organizavam bingos. Eram vários os prêmios. Televisores, videocassetes, aparelhos de som, videogames, bicicletas, patins, prendas variadas. Fiquei interessada em ganhar apenas um dentre todos os itens: o aparelho de som, pois tinha leitor de CD, e eu estava sedenta por ter um deles e poder comprar os recém-lançados CD’s que vinham substituir à fitas cassete e aos LP’s. Pedi, com profunda fé, a Deus, que era apenas e tão-somente ao aparelho de som que eu tanto ansiava.
Não sei se eu pedi de alguma forma especial, ou se talvez Deus pensou com suas hipernovas: “Hum... Talvez seja interessante que a Fernanda tenha um leitor de CD, pois assim ela poderá ouvir músicas que contribuirão para sua evolução intelectual, e eu tenho planos para isto...”. E, naquela noite, no bingo, ganhei com alegria efusiva ao único item que eu almejava: O aparelho de som. Creio que nunca meu sorriso foi tão largo como ao trazê-lo entre meus braços para o carro e, naquela mesma noite, colocar meu primeiro CD para tocar.
Descreiam os que estejam cogitando que Deus me conceda tudo o que peço, rsrsrs. Inúmeras foram as vezes subseqüentes em que pedi para ganhar em variados sorteios e, 2 vezes por semana, suplico tolamente a Mega-Sena. Talvez hj eu o faça com menor ou menos inocente fé; ou talvez eu ganhar a Mega-Sena simplesmente não esteja contido no meu Destino futuro.
Depois destes dois eventos, embora muitas vezes tenha fraquejado minha fé, nunca permiti-me duvidar da certeza objetivamente estabelecida, com duplo testemunho, aos meus 12 anos, de que meu Criador não só existe, como me ouve e está atento a mim.
Não pretendo estimular que ninguém, especialmente já adulto, duvide desafiadoramente de Deus de forma a encurralar ao próprio Criador obrigando-o a agir. Isso apenas resultaria numa cena patética. Com 12 anos eu o fiz com o coração puro e a vontade inquebrantável. Eu falava sério. Quem tentar replicar essa cena não o fará tão espontaneamente, com tanta convicção. E Deus conhece nossas terceiras e quartas intenções.
Não apresento com este texto nenhum “método científico” para a verificação objetiva de que Deus existe, apenas apresento meu relato pessoal e intransferível de como isso se passou individualmente para mim.
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A Prova da Existência de D’us, por Rabi Nissan David Dubov