sábado, 6 de julho de 2013

Dos poodles brancos

Em postagem anterior, relatei a "história de vida" de dois cachorrinhos que tive ( http://inadvertidamente.blogspot.com.br/2010/11/prosaica-elegia-de-jade-e-lucca-meus.html ), como viveram e, tristemente, morreram.

Mas a vida dá muitas voltas, e às vezes parece que torna a nos colocar diante das mesmas situações, como se o tempo fosse cíclico.

Desde o falecimento de Jade, em outubro de 2010, guardei-lhe um longo luto. E por um bom tempo ter outro cachorro pareceu-me fora de questão. Sentia como se ao pegar outro cachorro eu estivesse sendo infiel a Jade, como se ela fosse substituível. E não é, nunca foi.

O espaço que meus cachorros tiveram, têm, em meu coração, jamais poderá ser preenchido por outros, quais sejam. Cada um tem seu lugar em minhas memórias, em meu afeto, e sua falta jamais cessará de apertar meu coração.

Eu nunca comprei um cachorro a dinheiro e sou pessoalmente contra o se comprar filhotes. Lucca, ganhei de presente de meu ex-sogro. Jade foi encontrada perdida na rua. Nenhum deles foi comprado. E eu não compraria jamais um cão.

Quando minha avó Tula faleceu em fevereiro de 2013, me vi completamente sozinha numa casa enorme, que faz eco, cheia de 30 anos de lembranças e muita saudade não só dela, mas também de meu avô Vicente, falecido há 6 anos e meio.

Logo minha mãe Maria José Tomasella, que tem 5 cachorrinhas adotadas da rua, me disse que eu deveria ir atrás de um cachorro, para ajudar com a minha solidão, aplacar um pouco da minha tristeza. Fiquei meio na dúvida, temerosa. Mas aos poucos fui me acostumando à idéia e pensei comigo: "assim que minha situação se resolver e eu mudar de casa, então vou no Centro de Zoonoses e pego um cachorrinho abandonado".

Nós sempre achamos que podemos programar, planejar, "nossa vida". Mas a vida, ah, a vida, sempre nos surpreende, nos atropela, ignora completamente e passa por cima dos nossos projetos. O "nosso tempo" nem sempre é simultâneo, sincronizado, com "o tempo" e os fatos que a vida nos oferece, possibilita. 

Eu não planejava pegar um novo cachorro tão logo, mas a vida me atropelou, com a amorosa intervenção de minha mãe.

Me disse que já há algum tempo ela observava que um casal seu vizinho tinha uma cachorrinha que não era bem tratada. Certa feita, conforme me relatou, estava na porta, quando viu os vizinhos saindo de casa, e a cachorrinha deles fugiu. A esposa, displicentemente, disse ao marido apenas:

- Não corre atrás não, deixa fugir...

Maria José não teve dúvida, correu atrás da cachorra, foi até eles e disse:

- Se vocês não querem a cachorrinha, eu quero! Eu fico com ela.

A o que sua "dona" disse simplesmente:

- Então pode ficar!

Um dia depois o marido dela veio à porta dela e disse que "tinha pensado melhor" e que a queria de volta. Devolveu, mas continuou "de olho". Alguns dias depois, num feriado prolongado, foram viajar, e deixaram a cachorrinha, sozinha, trancada do lado de fora, no quintal. Enquanto estavam fora, a cachorrinha tanto que fez que conseguiu fugir mais uma vez, mas providencialmente Maria José viu, correu atrás e a resgatou, de novo.

Me ligou. Disse que tinha resgatado uma cachorrinha pequenininha, e me perguntou se a queria. Sem titubear, eu disse que sim. Passei no supermercado, comprei ração, latinhas de "patê" para cães, um ossinho de couro, e fui à sua casa pegar minha nova filha.

Maria José me esperava no portão, com um cãozinho branco no colo, em péssimo estado. Me aproximei, ela me passou o cãozinho ao colo e a primeira coisa que pensei foi: "que bom, ele não rosnou, é bem dócil". Ao senti-la nos meus braços, percebi "como está magra, devia estar passando fome". Seus ossinhos saltados cutucavam. Estava emaciada, esquálida.

Lhe dei uma boa olhada então e pensei: "ora bolas, parece ser poodle, será que é mesmo ou vira-lata mista com poodle?" Não tinha como saber, dado seu estado lastimável. Estava muito feia. Tinha o pelo bem longo, todo emaranhado, cheio de nós e bolotas. Em seus olhos, 2 enormes pedras pretas de ramelas de meses, que ninguém limpava. Fedia. 

A meti no carro e levei para casa. No trajeto, pensava em qual nome lhe daria. Após cogitar vários, veio-me um à mente: vendo como era pequenina, cabia-lhe também um nome pequenino, cheio de charme, delicado. Lhe disse em voz alta, como se a estivesse a chamar:

-Amy!

E imediatamente ela atendeu, virou a cabeça e me olhou. O vi como um sinal de que gostou e aceitou este nome, e depois disso nenhum outro poderia ser cogitado. O reputo como homenagem à falecida cantora Amy Winehouse e à personagem do seriado "The Big Bang Theory" Amy Farrah Fowler (Mayim Bialik).

Chegando em casa, como estava suja, não a pude acarinhar como queria. Era feriado, primeiro de maio, e só por isso não a mandei imediatamente ao banho e tosa. Lhe ofereci água e ração. Comeu e bebeu como se não comesse e bebesse há vários dias. Senti meu coração se apertar por isso.

Já estando farta e parecendo mais alegre, lhe disse, mesmo sabendo que ela nada entenderia:

- Olha, agora vc é minha filhinha. Eu te prometo que vc nunca mais vai passar fome nem nenhuma necessidade. Vou cuidar bem de vc, mas em troca vc tem que prometer que vai "durar" pelo menos 10 anos. Vc está PROIBIDA de morrer antes que eu complete 40 anos, viu?!

Como eu ainda não a conhecia bem, nem como seria sua rotina de xixis e cocôs, a mantive a princípio apenas no quintal. Em sua primeira noite, peguei um travesseiro velho para lhe servir de cutcho. "Cutcho" e "cutchar" é uma das poucas expressões italianas que persistiram em nossa família. Equivalem ao "dormir" ou "deitar". Nos primeiros dias, antes de ganhar minha confiança, dormiu no quintal, e não lhe permiti acesso à cozinha.

No dia seguinte de sua chegada, já dia útil, a levei ao pet shop, para banho e tosa. Ao ir buscá-la, era outra! Eu deixara lá uma cachorra bege que eu suspeitava ser mista de poodle. E de lá retirei uma poodle branco-gelo, perfeitinha.

A moça do pet shop, que se lembrou ao me ver da época em que lá mesmo eu deixava o casalzinho Jade e Whiskey, disse:

- Eu acho que essa cachorrinha nunca tinha sido tosada, teve medo da maquininha, do secador. E ela estava cheia de carrapatos. Tiramos, mas vc deve ver isso.

Fui direto ao melhor pet shop da cidade, com a pequena Amy no colo. Por primeiro, comprei-lhe um carrapaticida. Depois, como ela não aparentara simpatizar muito com o travesseiro velho, talvez por estar cheio do cheiro do suor de várias pessoas que ela jamais irá conhecer, me pus a selecionar-lhe caminhas.

Como minha idéia a princípio era de que ela dormisse do lado de fora, no quintal, mas não queria que passasse frio, fui ver as em formato de iglu. Não queria uma "caminha", mas uma "casinha". As de madeira não me pareceram suficientemente confortáveis e fui ver as de tecido, todas acima dos 100 reais. A vendedora disse que os cachorros costumam "não gostar muito de casinhas fechadas", preferindo caminhas, mas atalhei: "é que ela vai dormir no quintal, quero protegê-la do frio".

Com sua ajuda, escolhi uma grande, bonita, bem quentinha. Na seção de coleiras, experimentamos algumas até nos decidir por uma bem "gracinha", lilás. Eu já estava no caixa quando a vendedora que me ajudara a escolher o tamanho certo da casinha, me abordou:

- Ela assim tosadinha não vai passar frio dormindo no quintal? Pq vc não leva também uma roupinha?

Normalmente eu não aceito nenhuma dica de "vendedores", sempre na sanha por vender mais e mais. Mas na inflexão de sua voz percebi uma preocupação genuína de um "dog lover"; e aquiesci. Com sua ajuda, experimentamos na pequena Amy algumas roupinhas até chegar a uma rosa-choque, xadrez, que levei.

De volta em casa, ela agora limpinha e bem tosada, a pude abraçar, pegar no colo e acarinhar. Em alguns dias, auferi que ela tinha algum nível de "consciência" sobre higiene, fazendo suas necessidades no ponto extremo do quintal, onde deveria, mesmo que eu não a tivesse instruído a isso.

Quando percebi que ela não faria suas necessidades no meu quarto, passei a permitir que dormisse comigo, no quentinho, na intimidade do "quarto da mamãe". Apesar da preocupação da vendedora, Amy a-do-rou sua casinha em formato de iglu, nela se sente muito confortável e segura. É com certa alegria que quando ralho com ela por algo que não gostei, a vejo correr e se refugiar na casinha, pois lá se sente segura de todos os "perigos".

Percebi nela alguns traumas, como o de vassouras. Logo da primeira vez que peguei vassoura e pá para recolher suas necessidades, ela fugiu, com medo. Meu coração apertou. Também, ao trocar de sapatos, quando ela me viu com o chinelo na mão, imediatamente fugiu, se refugiando na casinha, tremendo de medo. Hoje, que ela já está comigo há 2 meses, isso não mais acontece. Ela já sabe que eu não usarei nem a vassoura nem o chinelo para lhe bater, e não mais fica com medo quando me vê com eles na mão. 

Foi com muita dor no coração que então constatei o quanto ela era terrivelmente maltratada em seu antigo lar. Não só passava fome, mas também era agredida, e abandonada à ação livre de parasitas, sem os devidos cuidados de saúde e higiene. Como tinham coragem de tratar tão mal a uma cachorrinha tão boazinha e delicada, com menos de 3 quilos?

Maria José me disse que quando finalmente voltaram de viagem seus vizinhos, foi lhes perguntar da cachorrinha, a o que a antiga dona disse com displicência:

- Ah, fomos viajar e ela fugiu. Achei até bom, uma preocupação a menos, ela tava cheia de carrapatos, dava muito trabalho.

Trabalho?!... Depois disso, vi que seus antigos donos não sentiam nenhuma falta dela, e que a partir de então podia ficar descansada de que não a queriam de volta. Isso somado aos maus tratos de que era anteriormente vítima, por parte deles.

Desde a chegada da pequena Amy, percebi nela apenas 2 "defeitos":

1 - Ela é fujona MESMO. No começo, acostumada que sempre estive a cachorros "tranquilos", que jamais tentaram fugir, abria o portão e a deixava livremente "dar uma conferida" na rua. No primeiro mês, ainda insegura e temerosa, nem saía da frente de casa.

Mas logo aprendi que não devia "dormir no ponto" com ela. Ao receber amigos de visita, enquanto eles entravam com as malas, Amy se afastou na rua. A chamei "Amy!" E ela prosseguiu a se afastar. Chamei de novo e de novo. Minhas chamadas apenas pareciam fazer ela ir mais longe. Quando a vi 5 casas adiante, fui atrás. Ela correu mais longe, em direção à Avenida Perimetral. E quanto mais eu ia em sua direção e a chamava, mais longe ela corria.

Cruzou a avenida, para meu desespero. Corri atrás dela, deixando atrás meus visitantes desconcertados. Vendo-a ir em direção ao Rheder Netto, vendo que gritar "Amy!" em tom de desespero apenas a fazia correr mais longe, disse bem alto, em tom doce:

- Vem colinho!!!

Como mágica, ela deu meia volta e veio em direção aos meus braços. Ufa!

Semanas depois, recebi a visita de outra amiga. Resolvemos sair, à pé, até a rotisserie da esquina, pegar um marmitex. Enquanto saíamos, decidi deixar a pequena Amy na garagem, pois voltaríamos em coisa de 10 minutos. Saímos. Enquanto escolhíamos dentre as opções, Amy entrou no estabelecimento e meu sangue gelou:

- Como vc chegou aqui?!

Achei que tinha deixado o portão aberto. A peguei no colo. O segurança da rotisserie disse:

- Ela é sua? Foi por sorte que não foi atropelada. Cruzou a avenida 3 vezes antes de entrar no restaurante.

A trazendo de volta pra casa, encontrei uma vizinha, com quem pouco converso:

- Ela te achou? Graças a Deus! Vi ela passando pelo portão, e não consegui pegar, pois ela correu!

Chegando à porta, vi que o portão permanecia trancado. Perguntei à vizinha:

- Mas ela passou por entre as frestas do portão? Mas como?!

- Não sei como, mas vi ela se espremer, se retorcer, até passar!

Então vi que não poderei, jamais "dormir no ponto" com a pequena Amy. E minha amiga falou:

- Vc escolheu o nome certo! Ela é loki, maluquete tal qual a Amy Winehouse!

2 - Amy tem instinto caçador. Especialmente a respeito de passarinhos. Desde o primeiro dia deixou claro que acha apetitoso e tem muita vontade de comer o canário do meu vô, Frank Sinatra. Ela lambe os beiços quando o vê e fica pulando, tentando alcançar sua gaiola. Também aos pardais e pombas da rua quer comer.

Quando saímos para passear, fica en-lou-que-ci-da com todos os pássaros que vê. Quer correr em sua direção e devorá-los. Talvez pq em sua casa anterior passasse fome e "complementasse sua alimentação" caçando passarinhos. É com muito esforço e cuidado que tenho mantido o pequeno Frank longe do seu alcance, tentando em vão convencê-la de que ele é "irmãozinho" e não comida.

Fora ela ser fujona e querer comer meu canário, só tem qualidades. É dócil, amorosa, carente, obediente, higiênica, linda e carismática. Mas, sobretudo, me ama. Incondicionalmente.

Chegar em casa e ter "alguém" que se alegra, efusivamente, em me ver, trouxe um novo colorido à minha vida. Eu já tinha meio que esquecido o quanto isso é bom. E de como é doce o som de um cachorrinho se sacudindo, fazendo aquele barulho típico das orelhinhas batendo.

Eu havia me esquecido de como é boa a sensação de acarinhar um cachorrinho entre os braços. De como é gostoso ver um cachorrinho se espreguiçar, bocejar e se abandonar, bem leso e molinho, entre seus braços, seguro de que está "no colinho da mamãe". De como é bom virar e revirar um cachorrinho no colo enquanto ele te lambe a abana o rabinho.

Mas, além disso, de como é bom, ao fazer tudo isso com minha pequena Amy, lembrar-me que também o fazia, de igual forma, com Jade e Lucca. De certa forma, ao abraçar Amy, me sinto também abraçando aos dois poodles brancos que tive antes dela.

Ao ter essa sensação nostálgica, a cada vez, agradeço o belo gesto de minha mãe ao reservá-la para mim. Ela poderia ter pego a Amy para ela. Mas, ao vê-la poodle branquinha, sabendo que eu já tivera 2 poodles branquinhos, soube que ela seria perfeita para mim.

E é. Racionalmente, eu teria preferido pegar um vira-latas, sem raça definida. "Cai melhor" a uma pessoa com meu discurso e postura ter um vira-lata. Pois quem me ver ao lado de Amy jamais pensará que ela foi resgatada, mas sim comprada, e como disse acima, sou contra o se pagar dinheiro, comprando, um cão, como se fosse mercadoria.

Meus 2 poodles anteriores, não os peguei por serem "de raça". Lucca ganhei. Ser "de raça" (duvidosa) foi surpresa. Jade fôra resgatada, prenhe. Ser "de raça" também foi surpresa. Igualmente, Amy não "escolhi por ser de raça". Ganhei de presente da minha mãe. Ser "de raça", poodle toy, branquinha, foi uma feliz e bem-vinda, "coincidência".

Sei que tê-la me fará ser obrigada a alugar casas um pouco maiores e mais caras, e isso custará alguns milhares de reais a mais por ano. Mas já não consigo imaginar minha vida sem ela, que já considero minha filhinha. É com prazer que trabalharei dezenas de horas a mais, para sustentá-la.

Amy me traz alegria, sorrisos, paz, tranquilidade. Aplacou minha solidão. Desde sua chegada, comecei a ver a vida de outra forma, vislumbrando um futuro. Agora tenho um compromisso ao qual não pretendo faltar, jamais. Tenho uma obrigação com ela. Assumi um compromisso de lhe proporcionar um lar confortável, seguro, comidinha da melhor, e muito carinho.

Ao menos pelos próximos 10 anos, enquanto minha pequena Amy viver, tenho um bom, um ótimo, motivo para continuar na luta. Antes dela, voltar pra casa era melancólico. Tudo o que me esperava era o vazio, a saudade, a tristeza, o luto, os fantasmas do passado.

Hoje, quando volto pra casa cansada do trabalho, já chego com um sorriso. Antes de terminar de estacionar o carro ouço os latidos de Amy, alegre de que a "mamãe" voltou. E me sinto feliz em voltar e ter "alguém" que está a me esperar e me recebe com felicidade. E ela é contagiosa!

Obrigada, mãe, obrigada, Amy, por tornarem minha vida muito mais feliz!

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