Longe de mim considerar-me invulnerável. Mas hoje, na altura de meus 28 anos, em toda minha trajetória proletária dei apenas uma falta médica, relatada no post “do pesadelo da Burocracia Tucana Paulista”.
Algumas pessoas têm saúde frágil e são naturalmente enfermiças. Certa feita fui levar um ex-namorado ao pronto socorro, e enquanto aguardava o atendimento, vi no guichê a atendente puxar o prontuário do paciente, no qual constava que, apenas naquele ano, meu ex-namorado já comparecera 5 vezes ao pronto-atendimento. Ele era o mais velho dentre seus irmãos, alérgico a tudo, e com o “nariz fresco”.
“Nariz fresco” é uma expressão aplicada às pessoas “feitas de açúcar”: que não podem tomar vento, aspirar poeira, sentir cheiros fortes, “pegar friagem”, tomar chuva, chupar sorvete, que logo ficam doentes.
Não sou confeccionada em açúcar, mas forjada em aço. Contudo, apesar de ser muito raro ver-me doente em certa ocasião me vi em tão grave situação que temi, sinceramente, estar à beira da morte. Numa única ocasião, em toda a minha vida.
Não sou alérgica a absolutamente nada, que eu saiba. Porém este relato se refere a uma gravíssima reação alérgica, de etiologia completamente desconhecida. E inexplicável.
Eu tinha 13 anos. Estudava no período matutino à E.E. Professora Irene de Lima Paiva. Naquele dia, como era comum, fui em jejum à escola e lá comi a merenda, macarrão com salsicha de papelão, quase sem molho de tomate, que tantas vezes antes e depois ingeri.
Voltei pra casa, e ainda com a merenda fermentando no estômago, não almocei. Deitada na cama, assistindo TV, logo no começo do período vespertino senti que havia alguma coisa errada. Pensei estar com febre, sentia calor. Achei estar tendo um princípio de gripe, mas aos poucos percebi que o desconforto era diferente, algo mais grave.
Prostrada, comecei a divisar que algumas manchas vermelhas estavam a se formar, em minhas coxas, em meus braços, em meu ventre. Passando a mão sobre as manchas, percebi que eram elas que exalavam calor. Muito estranho. Fiquei ali muitos e muitos minutos, assustada, sozinha, sem saber o que fazer.
Minha respiração alterou seu compasso, ficou difícil e estranha. Logo depois aconteceu algo que me deixou de cabelo em pé: as manchas vermelhas e quentes ganharam relevo, saltadas alguns milímetros além da pele. Aí me assustei de verdade. Eu parecia uma vaca malhada, rajada de nude e vermelho-pitanga.
Tive imenso medo de morrer ali, sozinha, sem nenhuma assistência, e fiz a única coisa que estava a meu alcance: liguei para minha mãe, que estava trabalhando. Quando a chamaram, relatei-lhe meus sintomas, disse que estava como uma vaca malhada e que temia estar à beira da morte.
Regina simplesmente respondeu:
- Você está exagerando. Chego em casa às 6 da tarde. Aguenta as pontas por aí.
Era tudo que eu precisava ouvir quando me sentia à beira da morte.
Sentindo-me como Nijinsky na “Primavera do Fauno”, sem saber que tipo de síndrome, distúrbio ou agente infeccioso poderia transformar um humano em um ser bicolor, e se eu ia viver ou morrer, esperei em minha cama muitas e muitas horas. Sozinha. Sem socorro de ninguém.
Depois da 6 da tarde, quando Regina chegou, esbugalhou seus olhos ao ver que a filha que no dia anterior era monocromática agora estava bicolor. Percebeu imediatamente que eu não “estava exagerando”, o caso era realmente grave e eu estava de fato muito doente. Meteu-me no carro e levou-me ao hospital.
O médico, depois de me examinar e medicar diagnosticou:
- Sua filha teve uma urticária, uma gravíssima reação alérgica. Sorte que não chegou a ser um choque anafilático.
Lembre-me da dificuldade que havia tido em respirar e só então percebi a cara branca repetida de Regina, talvez ao perceber a grande besteira que fizera em não abandonar imediatamente seu trabalho para me socorrer. Mas não me disse absolutamente nada.
O médico examinou todo o meu corpo, perguntando se eu “tinha certeza de não ter sido picada por uma abelha” e não achou nenhum sinal disso.
Questionaram-me o que havia comido naquele dia:
- Só o macarrão com salsicha da merenda, mais nada. Só água...
Disse o médico:
- Então não coma mais, vc deve ser alérgica a algum dos ingredientes.
Eu já comera muitíssimas vezes o macarrão com salsicha da merenda escolar. Inúmeras vezes depois disso o tornei a comer, sem nenhuma reação adversa. Regina comunicou à escola minha urticária, obteve como resposta que apenas eu havia tido esse problema, dentre as centenas de alunos que haviam consumido a merenda naquele dia.
Esta minha urticária de etiologia desconhecida foi única vez, em toda minha vida, em que me vi severamente doente a ponto de temer estar à beira da morte. Mas pior que ver-me à beira da morte foi ver-me à beira da morte completamente sozinha, sem assistência, sem socorro, e ainda ouvir um “você está exagerando” de quem mais, eu achava, estaria preocupada com meu bem-estar.
Nunca façam isso com seus filhos, tratar displicentemente da saúde deles. Pois eles nunca esquecerão deste descaso.
Não se brinca com saúde.
Criolo - Não existe amor em SP
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