quarta-feira, 11 de maio de 2011

O swing de Shakira pode ser a arma definitiva para a paz mundial?

Gostaria de deixar claro logo no início que não sou fã de Shakira nem acompanho sua carreira com atenção. Porém, como a qualquer terráqueo, é-me impossível ignorá-la, onipresente que é na cultura pop.

Shakira Mebarak é a mais lucrativa commodity colombiana. Talvez ela personifique a mais vistosa contribuição da Colômbia ao planeta, suplantando Fernando Botero, Gabriel García Márques, o café premium e até a cocaína.

Porém Shakira não é uma “cantora colombiana”, é uma artista pop internacional cujo local de nascimento é mero detalhe. Shakira personifica o melting pot étnico da América Latina. E a liberdade sexual da mulher ocidental.

Seu começo de carreira foi o de uma “cantora colombiana”. Cantava em espanhol temas românticos, juvenis, despretensiosos. Em 1996, ao conhecê-la através de seus “Pies Descalzos”, Shakira não soava muito diferente de Paula Toller, Adriana Calcanhotto, Ana Carolina, Zélia Duncan, Marina Lima, Cássia Eller, Jewel, Natalie Imbruglia, Dido, The Cranberries, Sinead O’Connor, No Doubt. Diria até com uma versão juvenil, menos séria e talentosa de Marisa Monte. Sem esquecer a matriz de todas as cantoras ocidentais pós 1985 e a própria inventora do girlpower antes que o próprio termo fosse cunhado: Madonna. Que, mesmo começando como um clone da então famosa Cindy Lauper, provou que tinha muitas cartas na manga, como Shakira.

Em anos de Alanis Morissette, Shakira soava como uma versão latina desta rebeldia adolescente, deste girlpower ascendente, pois também eram tempos de Spice Girls. Neste começo de carreira Shakira não tocava musical ou imageticamente em sua ascendência turca, ou melhor, sírio-libanesa. Isto era um detalhe. Shakira era uma cantora hispânica, e cantava baladas em temas sonoros latinos.

Porém com o lançamento em 2001 de “Laundry Service” o tom e os temas de Shakira mudaram. O ponto de inflexão se deu a partir do lançamento da ainda em espanhol “Ojos Así”. A partir de então Shakira “deixou de ser latina” para tornar-se internacional, sem fronteiras. Com esta música Shakira uniu as duas pontas até então soltas de sua identidade: sua herança oriental, árabe, com sua circunstância ocidental, latino-americana. E começou a cantar em inglês, tornando-se palatável e atraente a então inexpugnáveis audiências, pouco afeitas à variedade cultural e receptivas a uma cantora em língua espanhola.

A partir de seu encontro com a Sony internacional do pigmaleão pop Tommy Motolla, Shakira sacou a carta que guardava até então insuspeita na manga: o balanço de seus quadris. E a cantar claramente que seus “Hips don’t lie”. Mais do que swingar seus quadris, coisa que qualquer Spice Girl, Jennifer López ou Beyoncé pode fazer, Shakira ia muito além: exibia dotes de dançarina bem versada na secreta especialidade islâmica da dança do ventre. Mexendo e tremendo sensualmente músculos de que as ocidentais sequer conheciam a existência.

E é este detalhe que a faz uma interlocutora fluente e uma mediadora eficaz nas conversas entre Oriente e Ocidente que, esperamos, virão impedir o “Clash of Civilizations” preconizado por Francis Fukuyama e materializado nos atentados de 11 de setembro. A própria data com apenas dia e mês excede explicações adicionais sobre o fato aludido. Não, não me refiro à queda de Salvador Allende no Chile. :p

O “convencimento” se dá pela força ou pela persuasão. Desnecessário dizer que a persuasão é muito mais eficaz e perene que o cerceamento violento. E Shakira é um trunfo do Ocidente que poderia ser muito bem apresentado no truco vale-doze da Política da Boa Vizinhança.

A Política da Boa Vizinhança foi posta em prática pelos EUA nas décadas de 1930 e 1940 como ação afirmativa de sedução cultural da América Latina. Visava arregimentar os países latino-americanos para a esfera de influência cultural e política dos EUA, em oposição aos regimes totalitários europeus. Os EUA queriam vender uma imagem de modernidade, futuro, democracia, liberdade. Mas para convencer aos latino-americanos a aderir nesta joint venture eram necessários interlocutores/mediadores locais. Era necessário encontrar, lapidar, valorizar e divulgar artistas latinos plastificados e pasteurizados à moda dos EUA.

No Brasil os dois expoentes máximos desta política foram Zé Carioca e Carmen Miranda. Zé Carioca, papagaio criado sob medida por Walt Disney para incluir em seu panteão mítico um “amigo” brasileiro. Filme clássico e significativo desta época é o “Você já foi à Bahia?” no qual o rabugento Pato Donald desfila sobre paisagens brasileiras que são grandes clichês. Porém, que de certa forma davam aos brasileiros a impressão de serem aceitos, assimilados carinhosamente pelos EUA.

Exemplo maior e melhor é o da portuguesa de nascimento e brasileira por vocação Carmen Miranda em seu tutti-frutti hat. A pequena notável tornou-se uma interlocutora fluente e uma mediadora eficaz nas conversas entre Brasil e Estados Unidos. Diz-se, não sei se folcloricamente, que em sua época Carmen Miranda foi a mais bem-sucedida artista “americana”, id est, que seu sucesso seria auto-sustentável independentemente de jetons e jabás político-culturais. Que ela não faria sucesso como uma “curiosidade tropical passageira”, similar a uma cantora folclórica. Como o Abba seria uma “curiosidade folclórica nórdica passageira”. E Laura Pausini seria uma “curiosidade folclórica-pop italiana passageira”. Mas como uma artista sem fronteiras, internacional. Tal qual Shakira é hoje.

O convencimento pela força pode ser posto em prática com “leis afirmativas” ou negativas/deletérias, como é o caso recente na França. A França tentou proibir, via lei, que a muçulmanas residentes, ou de passagem por seu território, usem vestes muçulmanas que cubram-lhe o rosto, como o niqqab, o hijab e a burka. Como toda proibição e tentativa de legislar laicamente sobre a religião alheia, é óbvio que tal medida é abusiva e está sendo alvo de muitos protestos, principalmente da parte de mulheres muçulmanas que sentem-se aviltadas e cerceadas em sua liberdade religiosa. Com mais do que razão.

Acompanhando as vozes que defendem a liberdade da muçulmana cobrir-se tal qual a da cristã descobrir-se subjaz uma pergunta sem resposta: a mulher muçulmana se cobre e se esconde espontaneamente por fervor religioso ou a mulher muçulmana cobre-se por opressão, falta de escolha e de liberdade?

Tentar obrigar as mulheres muçulmanas a despirem-se de seus véus é contra-producete e abusivo. Não é pela força que se efetiva o convencimento, mas através da persuasão cultural insidiosa, quase muda, insuspeita, que transcende argumentos racionais, pois em termos religiosos não os há.

Não é através da asserção plúmbea, por decreto, que o Ocidente convencerá as muçulmanas a “rasgar” ou prescindir do véu. Mas através da sedução horizontal, sibilante, acetinada, atrativa. É aí que Shakira e o balanço de seus quadris podem ser muito mais efetivos que a derrubada de Saddam Hussein e a aniquilação da Al Quaeda. O swing de Shakira faz muito mais pela assimilação e integração entre Oriente e Ocidente que qualquer arma de destruição em massa ou ação de espionagem.

Shakira tem o poder de, sendo uma mulher de origem árabe, mostrar a suas primas que ainda residem no Oriente Médio o quanto o Ocidente pode dar poder e liberdade às mulheres. A mensagem é tão mais eficaz quanto não pré-fabricada em linha de montagem com ISO 9000. Insuspeitamente, ao incluir o swing árabe único dos quadris e a sonoridade libanesa ancestral em suas músicas Shakira tornou-se um modelo, um quase tipo-ideal hegeliano da mulher muçulmana que rasgou o véu e ressemantizou sua herança cultural de forma a valorizar a liberdade, a identidade, a sensualidade, a beleza poderosa da condição feminina.

Como diz um rapper em uma de suas músicas:

“I didn’t know someone could dance like this, she makes a man want to speak Spanish. Como se llama? Bonita. Mi casa, su casa.”

Para convencer o mundo muçulmano a aderir à cultura Ocidental, muito mais efetivo que panfletar a Constituição Americana ou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão seria divulgar massivamente entre os jovens muçulmanos as músicas e, especialmente, a imagem de Shakira. Ao vê-la poderosa, bem sucedida, bem resolvida, rebolar livremente seus quadris enquanto marmanjos babam por ela homens muçulmanos pensarão “Quero uma mulher como ela” (a la o single posterior das descartáveis Pussycat Dolls “Don’t you wish your girlfriend was hot like me?”)

Porém, mais importante que sua potencial e certeira sedução sobre os homens é seu exemplo sobre as mulheres. Vendo-a, as muçulmanas sedentas por liberdade terão um ícone imagético, uma silhueta paradigmática. Se verão, à manivela, diante de uma ampliação de seu campo proximal vygotskyano cultural. Após ver Shakira, linda, loira, sorridente, conquistar o mundo exibindo a secreta arte árabe da belly dancing jamais a esfera mental de uma muçulmana reprimida voltará a ser a mesma. Pois a partir de então ela verá, diante de si, e sem palavras, uma mulher árabe como ela, mas livre, exposta e feliz, colocando o mundo, e os homens, a seus pés.

Após esta exposição fica o seguinte como sugestão às agências internacionais que agem no mundo islâmico. Conjuntamente com a ajuda humanitária ofertada às muitas zonas de guerra e conflito social, junto às doações de comida, remédios e alimentos, forneçam também CD’s e DVD’s de Shakira. O swing de seus quadris contribuirá muito mais para a “paz entre as nações” e a conciliação entre cristãos e muçulmanos que toneladas de donativos, ou centenas de decretos, leis e ações afirmativas ou negativas/deletérias. As relações Oriente-Ocidente, mais do que guerras e bombas, precisam de uma bem arquitetada reedição da Política da Boa Vizinhança para que o modo de vida ocidental torne-se palatável e sedutor ao Mundo Muçulmano.

O balanço dos quadris de Shakira é capaz de muito mais do que fazer um homem querer aprender espanhol. É capaz de convencer muçulmanas de viver à Ocidental e a rasgar o véu. Com girlpower.

Para ouvir:

Estoy Aqui

Te espero sentada

Te necessito

Se quiere, se mata

Piez descalzos, sueños blancos

Ciega, Sordomuda

Hips Don't Lie

Ojos Así

Whenever, Wherever

Underneath Your Clothes

La Tortura

Beautiful Liar, parceria com Beyoncé

Waka Waka – 2010 Soccer World Cup Theme

Loca

Rabiosa

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