Um aspecto pouco conhecido ou relevante de minha biografia é que eu sou uma operadora de telemarketing certificada.
Pois é, até eu.
Na flor de meus 16 anos passei seis meses de minha vida indo todo sábado de manhã à E.T.E Martin Luther King onde um tal de NEA (Núcleo de Estudos Administrativos) oferecia o curso. Blzinha. Perdi seis meses da minha vida descobrindo como, em uma ligação telefônica de 3 minutos, eu descobriria o que motiva psicologicamente a vítima de meu contato, objetivando vender-lhe alguma buginganga, serviço desnecessário ou vantagem aparente.
E cheguei inclusive a trabalhar no ramo. Sim, durante longas 3 semanas eu fui contratada (no período de experiência, obviamente sem salário, apenas ganhando comissão) por uma empresa terceirizada para vender assinaturas da Folha de São Paulo. Não tenho absolutamente nada contra o jornal, sempre gostei de lê-lo. Nem contra a propaganda em si.
Ora, se eu ligo a televisão, estarei abrindo uma janela autorizando-a a me oferecer todo tipo de bugiganga, serviço desnecessário ou vantagem aparente. Mas não no meu telefone residencial. Ele é para uso pessoal, e não para eu ser incomodada a todo instante (a Telefônica me liga oferecendo o Speed pelo menos uma vez por semana, é uma tortura...) por propagandas.
Lembro-me como se fosse hoje do texto-base que eu tinha que dizer: “Alô. Poderia falar com o responsável pela linha telefônica? Boa tarde, meu nome é Alice [já tinha uma Fernanda lá]. Estamos iniciando uma campanha cultural no seu bairro... blá, blá, blá.” Ate que enfim era revelado que eu tencionava vender-lhe uma assinatura de jornal. O Método de selecionamento dos alvos da “campanha cultural”? Aí é que entra o melhor da história. Me davam um prefixo. Por exemplo, 3091. Me mandavam ligar do 3091-0000 até o 3191-9999. Quando e se acabasse, me dariam outro prefixo.
Genial!
Ao final de 3 semanas pulei fora dessa furada. Qual foi o pagamento de minhas comissões por este período?
Quarenta e cinco reais.
Sim. Eu trabalhei 6 horas por dia, por 3 semanas por R$45,00.
Isso não costumava ser ilegal?
Mas tudo bem. Nesse mundo aprendemos a ser ludibriados e sofrermos pequenos golpes desde cedo.
Isso me veio à lembrança pq ontem, olhando os classificados, vi um anúncio que a princípio me interessou. Operador de Telemarketing. Acima de 25 anos. Conhecimentos de Informática. 6 horas/dia, R$700,00/mês. Legal. Estou precisando de dinheiro mesmo e tenho um baita tempo livre. Não deu outra, fui lá.
Estava escrito no letreiro da empresa “Eurodata”.
Suei frio.
Eu odeio a Eurodata. Quer dizer, eu não odeio, não tenho nada contra a empresa. O que não consigo me conformar é com, vamos usar um eufemismo, as táticas agressivas de marketing de empresas das quais a Eurodata é um exemplo-padrão.
Mocinhas de 16 anos, boné, camiseta da “firma”, prancheta na mão, se aproximam de vc e perguntam com um sorriso: “Vc gostaria de responder a uma pesquisa?” ou “Vc estaria interessando em ganhar um brinde?”
Quem ainda não foi abordado pela Eurodata ou outra empresa da mesma forma que pare de ler o texto, pois vc tem a sorte de ainda não ser sido infernizado com a publicidade 171 que é mainstream em nossos dias.
Não, minha querida, eu não quero responder a pesquisa nenhuma. Nem preciso de nenhum brinde, muito obrigada.
De volta à frente da Eurodata, dei uma volta, entrei numa papelaria, ponderando se entregava o currículo ou não. Pensei comigo: Ah, não custa nada entregar, né, quem sabe? Respirei fundo e fui lá. Preenchi ficha. Me pediram pra esperar pela entrevista. Aí é que entra outra coisinha curiosa que só pessoas com mente aquilina conseguem captar. Numa parede, um cartaz divulgando o curso de Telemarketing fornecido pela própria Eurodata.
Atinei cá eu: Pq uma empresa que oferece um curso de telemarketing colocaria um anúncio no jornal procurando por um operador de telemarketing?
De duas uma, ou ambas: ou eles não confiam nos próprios operadores de telemarketing que formam ou era golpe. Golpe? Me dariam um emprego, mas seriam 3 meses de experiência sem salário, e ainda tendo que comprar uns 15 cursos diferentes da empresa. Entre os quais um curso de conteúdo insuspeito de “marketing pessoal”. O nome me deixou curiosa. :D
Fosse como fosse, eu não tava a fim de me enfiar naquela furada. Dei uma desculpa pra recepcionista de que meu carro tava na zona azul e eu ia mudar ele de lugar e dei um jeito de pular fora.
Sabem, conforme a gente vai ficando meio velho a gente perde a tolerância de aceitar ser passado pra trás.
Pequeno manual de como se livrar das operadoras de telemarketing?
Diga simplesmente: eu já tenho. Eles não sabem se vc já tem ou não o que eles oferecem, eles são terceirizados e muito mal-pagos. Não perca o tempo deles nem o seu tentando argumentar ou ficando bravo: diga simplesmente que vc já tem Speed, já faz todos os cursos da Eurodata, já assina a Folha de São Paulo.
É a única coisa que quebra qualquer argumento do TLMKT.
E que tenhamos sorte de não usarem nosso prefixo!
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