Muitas pessoas não têm "apetite" por cultura, frequentemente por considerá-la um acessório, um "frufru", uma "firula", dispensável. Muitos vêm na cultura algo vão, que rima com frescura, arrogância, desejo de se demonstrar mais "refinado" por vontade de idenficação com certo extrato ou camada social, superior, valorizada. Essa postura justica-se, sobretudo entre os que não compreendem que arte não é acessório, mas uma pulsão primordial da psique humana.
Humanos têm uma sede implacável por "arte". Mesmo que num primeiro momento não se deêm conta.
A explicação para isso está em que a arte toca em certo aspecto inefável da psicologia humana: nosso desejo de transcendência, de auto-compreensão, do ir além, do ser "especial". O ser humano é um enigma, jamais suficientemente desvendado. Na arte encontramos catarse: empaticamente nos identificamos com "o outro", e suas aventuras e desventuras são protagonizadas, ao nível do sonho, por nós mesmos. Assim, a arte é individual e transpessoal ao mesmo tempo.
Partamos de um exemplo tangível. Usarei a "obra de arte" mais valorizada em nosso tempo, inestimável: a "Mona Lisa" ou "Gioconda" de da Vinci, em exposioção no Louvre, em Paris. Seu valor não é intrínseco, mas extrínseco. Isso signfica que, em si, o quadro nada vale. É apenas uma tela de linho embebida em óleos tingidos. A Mona Lisa só ganha valor quando observada. É o ser humano, ao observar na Mona Lisa algo de si que lhe atribui valor, incalculável.
Na Mona Lisa Leonardo da Vinci não retratou a esposa de um burguês italiano; fez um ensaio analítico sobre todas as mulheres do mundo. Inclusive a meu respeito. É isso, o reconhecer-se, que justifica alguém ficar parado horas observando-a. Ele não a está observando. Está observando, realizando, dando-se conta, de aspectos antes não percebidos de sua própria condição humana.
Quem vê uma peça de arte, em qualquer de suas expressões, e não se reconhece nela, realmente, não terá nenhum gosto por esta experiência, não poderá verdadeiramente apreciá-la. Portanto, aprender a sensibilizar-se para as artes é uma forma de erigir-se melhor no viver, transformando o sonhar em realizar, transformar em realidade na vida.
Diz o famoso poema do pouco vivido poeta Fernando Pessoa que:
"Navegar é preciso, viver não é preciso."
Para melhor compreender a acepção que farei desse verso o transcreverei alterando-o:
"Navegar tem precisão, calculada, cartográfica. Viver não tem precisão, cálculo ou mapa algum."
E hoje, que "navegar" se aplica a uma realidade virtual, inexistente na época dos Argonautas citados no poema e na própria época do poeta, estes versos ganham um novo prisma analítico:
"Navegar virtualmente na net é facil, delimitado, explícito, preciso. Viver, a vida real, não é fácil, nem preciso. A vida real não tem limites demarcados. Seus significados não são expressos, estão implícitos em linguagem não-verbal."
Por isso muitas vezes sonhar, criar, compreender através da arte, é melhor e mais fácil do que viver. E muitas pessoas encastelam-se numa torre de marfim teórica que os proteja do viver cotidiano, diuturno, impreciso, assustador.
Passei individualmente por isso ao final da faculdade no dilema: teorizar ou praticar? Fazer mestrado ou trabalhar? Optei por viver, e não sonhar. Encarar a realidade, pois de certa forma me pareceu pouco honesto tornar-me como os que muito critico: pedagogos de escritório, que nunca deram efetivamente aula e criam mil teorias sobre o que não conhecem, erigindo infidáveis e inúteis castelos de areia.
Quantos milhares de assim chancelados mestres e doutores digressam longamente sobre o proletariado sem nunca terem efetivamente trabalhado, sem jamais haver ganho com o suor de seu rosto o próprio pão?
Esse aspecto é abordado na música de Belchior "Como nossos pais" popularizada na transbordante interpretação da muito vivida Elis Regina:
"Não quero lhe falar meu grande amor das coisas que aprendi nos discos
Quero lhe contar como eu vivi e tudo que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar, eu sei que o amor é uma coisa boa
Mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa"
Criar um canto, um discurso, como estou fazendo agora, é uma foma de sonhar que auxilia ao viver. Da mesma forma, apoderar-se, pela leitura ou fruição, da arte já existente é uma forma de sonhar sonhos alheios, aprimorando a experiência do próprio viver. Que agora fica mais atento, mais sensível, pela percepção de "novos" aspectos da existência, para os quais antes éramos cegos, ou insensíveis. Que já estavam lá, mas mudos, sem palavras ou imagens que os tornassem tangíveis, inteligíveis, analisáveis, por nós.
A arte nos torna conscientes, nos desperta, para aspectos de nós mesmos que antes desconhecíamos, não nos dávamos conta; que estavam ágrafos, puramente simbólicos, em nosso subconsciente. A arte coloca diante de nós estes aspectos de nós mesmos antes escondidos, não compreendidos, os quais não sabíamos ao certo como processar, expressar. A arte nos dá ferramentas para a compreensão, e desenvolvimento, de nossa personalidade em aspectos sucessivamente mais amplos.
A arte não inventa, não inova. Ela revela aspectos escondidos, universais, atemporais, de nós mesmos, da condição humana. Que muitas vezes não gostamos de encarar, de perceber. Por isso nem sempre a arte é "bela", como gostaríamos que ela, que nós; fôssemos.
Nao sei se viver é melhor que sonhar, ou se sonhar é melhor que viver; apenas sei que ambas as experiências são essenciais à construção da cada pessoa em um ser verdadeiramente humano.
Cabalá - Sonhos
A Visão Espírita dos sonhos, por Luiz Carlos D. Formiga
O sonho de Jacó
Texto incrível! Me reconheci nele, rs.
ResponderExcluirOlá Fernanda.
ResponderExcluirPrimeiramente: como hsitoriadores sabemos que todos nós temos cultura, e que a cultura da maioria é massificada de fato e realmente poucos se interesam em buscar o conhecimento. Tudo isso é de fato por conta da falta de investimentos na área educacional ewm nosso país, onde o lucro e o prático é muito melhro do que o pensar e complexidade.
Porque pensar gera questionamentos e questionamentos geram divergências, assim sendo quem nos domina econômico-socialmente-politicamente jamais irão querer que a grande maioria ou todos (quem sabe um dia,rs...) despertem desse sono-ilusão.
nós idealistas sonhamos sim, mas nossos sonhos são canalizados para uma busca maior, não em sonhos ' The Disney World", são sonhos muitas vezes tidos como utópicos por uns, mas reais para outros, como é o nosso caso.
A arte nada mais é do que a expressão da alma, sendo a alma complexa logo nossos pensamentos e atitudes são complexas, numa complexitude imaginável onde somente o Criador consegue explicar tudo o que questionamos e muitas vezes nos é impossível de ser compreendido ou resolvido.
Tudo de bom.