sábado, 28 de maio de 2011

Da Matemática não calculada

A “Matemática” é uma das disciplinas mais temidas da grade curricular escolar. Excessivamente teórica e abstrata, esta matéria sempre foi para mim um tormento com cálculos sem nenhum sentido, envolvendo encontrar infinitas vezes um X sem nenhum propósito real.

A Matemática, a Física e a Química nos atemorizam, assustam e intimidam com suas intrincadas fórmulas. As incógnitas quase nos dizem: “Decifra-me ou te devoro”. Nunca me dei bem nem em Matemática nem nas demais Ciências Exatas: Física e Química. Destas três disciplinas, sinceramente, pouco me lembro e muito as temi na hora do Vestibular. Lembro-me inclusive de na sétima série ser interpelada por uma professora de Matemática inconformada:

- Fernanda, vc é tão inteligente, como que vc não consegue ir bem em Matemática?

Nunca soube o pq. Mas apesar de não “ir bem” nunca foi problema conseguir o 5 mínimo para passar de ano, nem em Matemática, nem em Física, nem em Química. Se serve mais uma ilustração cristalina, fiz cursinho pré-vestibular por 2 anos consecutivos. No primeiro, sendo pagante, simplesmente prescindi de participar das aulas de Física e Matemática após o segundo mês de aula. Tendo já feito amizades com os colegas de sala, minhas aulas de Exatas se transformavam em sessões de boteco e videokê ao lado de Aline, Thiago, Thales e Henrique. No meu segundo ano de cursinho, no qual era bolsista integral, eu era obrigada a ter freqüência exemplar, de mais de 90%, e portanto assisti, integralmente, uma a uma, todas as aulas de Exatas. Pq isso é relevante? Pq ao final destes 2 anos prestei o vestibular da USP obtendo exatamente a mesma pontuação na primeira fase. Em poucas palavras: um ano inteiro de aulas de Física e Matemática no Cursinho não fizeram absolutamente nenhuma diferença em meu desempenho no vestibular. Essas matérias simplesmente não entram na minha cabeça, ao menos da forma excessivamente teórica e abstrata como são ensinadas atualmente.

Contudo sempre me fascinou como algumas pessoas têm um talento natural, instintivo até, para os cálculos. Os realizam quase sem pensar, automaticamente. Um filme que mostra isso de forma ilustrativa é “Little Man Tate” no qual Jodie Foster interpreta a mãe de um menino superdotado, com talentos matemáticos que é descoberto por uma professora universitária interpretada por Diane Keaton. Numa competição de Matemágicos ele dá imediatamente as respostas a cálculos complicadíssimos, sem nem pensar, num piscar de olhos. Há também o ótimo livro infanto-juvenil “O homem que calculava” de Malba Tahan que conta a história das mil e uma noites de um prodígio dos cálculos sem números nem fórmulas.

Longe de mim situar-me em nível de qquer tipo de prodígio matemático, uma vez que esta linguagem me é mais indecifrável que o próprio grego. Creio que seria-me mais fácil aprender Mandarim do que tornar-me fluente em Matemática. Contudo, apesar deste meu analfabetismo, ou anadigitismo, de alguma forma consegui passar em dois dos mais disputados vestibulares do país (USP e UNICAMP – nesta segunda caíram “Exatas” até na segunda fase) e me saí muito bem nas duas vezes que fiz o ENEM inclusive em habilidades matemáticas pois, apesar de ser incapaz de colocar os dados nas fórmulas, calculá-las e chegar numericamente a algum X, sempre fui capaz de “ponderar” os dados e, intuitivamente, de alguma forma, chegar em um resultado, às vezes correto.

O causo pessoal curioso que ilustra esta questão se passou recentemente, não em ambiente escolar. Eu estava participando de um almoço familiar ao qual estava presente um engenheiro civil, também graduado pela USP. Ele contava-nos feliz que ia instalar uma “Tirolesa” e seu sítio, para se divertir.

Quem não sabe ao que me refiro: “Tirolesa” é o nome de um “esporte radical”, ou técnica de arborismo. É quando um cabo de metal é suspenso e preso pelas pontas em dois apoios altos. O “esportista” se pendura de um lado do cabo apoiado em uma roldana. O “esporte” consiste na pessoa deslizar aceleradamente de um ponto a outro da corda, finalizando a “diversão” ao pular no riacho abaixo do ponto mais baixo do trajeto. Coloquei as aspas pois minha própria natureza algo preguiçosa é aversa a qquer tipo de esporte que envolva risco de se esfolar, se molhar, quebrar algum osso ou afins. Ainda mais num equipamento que não foi instalado por profissionais da área.

Por exemplo, eu até poderia ser convencida a “me jogar” numa Tirolesa instalada num parque de diversões com alvará do Corpo de Bombeiros. Jamais numa Tirolesa improvisada. Por conta disso perguntei ao autor do projeto que, afinal, era engenheiro:

- Na faculdade vc fez ao menos teoricamente alguma coisa parecida com isso?

Respondeu-me que não.

A conversa prosseguiu a respeito de como seria instalada a Tirolesa até que alguém levantou o ponto da aceleração que a pessoa poderia atingir, e se fosse muito alta, se a pessoa poderia machucar-se ao cair no riacho. O engenheiro disse que a velocidade não seria alta, chegaria a algo em torno de 15 kms/hora. Estranhei, meneei a cabeça e discordei:

- Imagina! 15 kms/hora é a velocidade na qual eu caminho. Uma pessoa alcançaria 50 kms/hora.

O engenheiro discordou, achou ser excessiva a minha cifra. Pediu papel e caneta e pôs-se a fazer cálculos com fórmulas desconhecidas e, para mim, herméticas. Orçou a resistência da roldana, o comprimento e a inclinação do cabo. Após vários minutos e cálculos depois chegou a um número em metros por segundo. O qual, sinceramente, eu era incapaz de orçar em kms/hora. Ele próprio fez a conversão e após escrever o número no papel olhou-me com expressão atônita e mostrou-me o resultado final: 50 kms/hora.

Sinceramente eu não tinha a menor idéia de que eu chegara intuitivamente, com minha Matemática não calculada, ao resultado correto, mesmo a desconhecer os dados e fórmulas de cálculo. Apenas ponderei algo no qual eu mesma não acredito existir (bom senso), lembrei-me das Tirolesas que já vira, lembrei-me que o mostrador dos elevadores orçam o peso médio das pessoas em 70 kgs. E uma outra informação da qual creio que o engenheiro não dispunha. Na virada do século XIX para o XX muitos engenheiros temiam sobremaneira colocar motores potentes nos carros pois havia certa crença “científica” de que se o corpo de um ser humano fosse acelerado acima de 60 kms/hora ele se desintegraria. Isso é muito ilógico hoje, mas em épocas pré-traquitanas mecânicas parecia perigoso e antinatural acelerar de forma tão exacerbada o frágil organismo humano.

Claro que não me conti em minha arrogância e não perdi a oportunidade de me auto-afirmar:

- Viu? Pra que tanto cálculo, tantas fórmulas, tantos X e tantos Y? Eu, sem saber de nada disso, ponderei o resultado correto.

P. S.: Hoje, assistindo aos Mithbusters, o episódio quebrou um mito envolvendo o escorregar sobre uma rampa molhada e jogar-se sobre um lago. E curiosamente a velocidade que calcularam cientificamente repetidas vezes para os corpos lançados nesta espécie de trampolim foi... Vcs conseguem adivinhar?... De 50 kms/hora. Curioso, não?

domingo, 22 de maio de 2011

Torta de Legumes

Receita essencial. Um verdadeiro curinga quando se precisa preparar algo rápido, delicioso e para agradar todo tipo de clientela. Já fiz várias receitas diferentes desta torta salgada de liqüidificador. Gosto desta pois ela não leva óleo, sendo um pouco mais light.

* Ingredientes da Massa:

5 ovos
2 xícaras de chá de leite
4 colheres de sopa de queijo parmesão ralado
12 colheres de sopa de farinha de trigo
1 colher de sopa de fermento em pó químico (bicarbonato de sódio)
3 colheres de sopa de amido de milho
1 colher de chá de sal
2 pitadas de orégano
1 envelope de tempero pronto (Opcional)

- Pode-se substituir parte da farinha de trigo por farelo de aveia, quinua, amaranto, levedo de cerveja etcs.

- Após aprontar o recheio, bata todos os ingrediente da massa no liqüidificador

* Ingredientes do Recheio:

Cenoura ralada
Cebola picada
Tomate picado
Abobrinha picada
Vagem picada
Pimentão picado
Azeitona picada
Salsinha picada
Cebolinha picada
Milho
Ervilha
1 envelope de tempero de legumes em pó
Queijo prato ou mussarela picado
Azeite de oliva e sal à gosto

- Quantidades e elementos variáveis ao gosto do freguês.

- Embora a torta seja "de legumes", quem quiser fazê-la de sardinha, atum, carne moída, carne seca ou peito de frango desfiado pode adicioná-los ao recheio.

* Modo de preparo:

Pré-aqueça o forno em temperatura média (aprox. 10 minutos antes de colocar a torta)
Misture todos os ingredientes do recheio.
Unte (revista de margarina ou manteiga) e enfarinhe (jogue um punhado de farinha de trigo na fôrma de forma a cobrir a margarina que a untou com uma camada de farinha de trigo) uma fôrma quadrada - Isso é feito para a torta não grudar na fôrma. Não pule este passo.
Bata todos os ingredientes da massa no liqüidificador
Despeje na fôrma untada e enfarinhada a massa líqüida batida no liqüidificador.
Disponha sobre a massa os ingrediente do recheio. Espalhe-o nas bordas para não ficarem com pouco recheio.
Pode-se cobrir com queijo parmesão ralado ou gergelim antes de levar ao forno.
Asse por 40 minutos em forno médio.

Fica uma delícia mesmo servido frio. Não se assuste se ficar um pouco mole enquanto quente, é normal.

domingo, 15 de maio de 2011

Gelato Sappore di Vendetta

Há poucas forças humanas tão motivadoras quanto a calculada frieza racional forjada no esfacelamento de seu próprio ego e de todas as certezas pretéritas. É deveras perigoso encurralar, anular e aviltar a outrém sem provocação. Nunca devemo-nos esquecer das leis da própria natureza, principalmente daquela que professa que para cada ação há uma reação de igual intensidade em sentido contrário. Ou como diria poeticamente Antoine de Saint-Exupery: “És eternamente responsável por aquilo que cativas”.

Do ponto mais baixo de nossas vidas só há um caminho para ir: acima. Uma visão permanente, uma idéia fixa, e encontramos força para escalar. E a busca da reparação das injustiças sofridas é força motriz de guerreiros capazes de derrubar impérios. Foi no fundo do poço que Edmond Dantes encontrou sua postura de Conde de Monte Cristo no clássico de Alexandre Dumas. O exemplo é ruim, mas ainda assim vai: foi na prisão que Adolf Hitler escreveu Mein Kampf. Foi apenas por sua condição de sentenciado a prisão perpétua que Nelson Mandela conseguiu destruir o Apartheid. Foi em sua primeira prisão que Fidel Castro já começou a dizer: "A História me absolverá". Quantos mártires imolaram-se obtendo o sucesso de sua causa? Foi apenas após o ultraje derradeiro, acima do qual não haveria maior possível, o Shoah / Holocausto que o povo judeu finalmente pôde retornar à sua Terra Prometida, e nela gozar a benemese de ser um povo livre e com pátria.

Um dos principais motivos de infelicidade e desorientação na vida humana é o fato de enganarmo-nos profundamente sobre quais são nossos objetivos na vida. Seres humanos comumente consideram que seu objetio na vida é “Ser feliz”. Tolice infantil. Jamais algum ser humano um dia se sentará no seu sofá e pensará consigo "Eu sou completamente feliz". A infelicidade, ou a busca por uma felicidade imaginária move a própria vida e nos faz sair da cama pela manhã. A felicidade é um moinho de vento, uma construção puramente imaginária, mítica e irreal tal qual o unicórnio e as sereias.

Há certa frase famosa do poeta russo Vladimir Maiakóvski: “Dizem que em algum lugar / Parece que no Brasil / Existe um homem feliz. Vivo já há 28 anos no Brasil e posso afirmar: nunca o encontrei e desconheço onde tal cidadão resida.

“Ser feliz”. Parece simples e fácil como o enredo de uma música do Roberto Carlos, de uma telenovela, ou de um comercial de margarina: “Felicidade” seria encontrar, conquistar e casar-se com aquele que cremos ser “nossa alma-gêmea” ou cara-metade. E com esta pessoa constituir uma família pequeno-burguesa que inclui no pacote alguns filhos, casa própria, carro se possível novo, algumas viagens de férias, um poodle, tudo arrematado por uma longa e marásmica velhice animada de vez em quando pela visita dos filhos e netos. E por seu cuidado nos anos finais de velhice.

Esse é o enredo básico da “vida feliz” no Ocidente.

O que inquieta é que o seguimento pleno do roteiro não só não garante a Felicidade como é quase certeza de infelicidade, irrealização e um certo sentimento muito comum de ter-se desperdiçado a vida, jogando-se fora muitos anos com um casamento "que não valeu a pena". Mesmo os que seguem tin-tin por tin-tin tudo certinho, pouquíssimos, mesmo que apenas vistos de fora, expressam em sua personalidade algo que poderia ser chamado de “satisfação consigo próprio”, o que creio que seja bom índice para auferir o “índice de felicidade” de alguém.

Esse modelo de felicidade não só é ineficaz como deixa implícito que as demais pessoas existentes ou do porvir podem e devem ser instrumentalizadas como um objeto que proporciona felicidade tanto quanto uma banheira de hidromassagem ou um pedaço de torta holandesa. Que se deve procurar a Felicidade na posse exclusiva, ciumenta, passional de outrém e que a forma de “amarrar” ou cimentar tal relação e compromisso é o gerar filhos. Que desde seu nascimento são instrumentalizados como projetos da auto-realização parental. Filhos são objetos para se atingir orgulho narcísico tanto quanto parceiros sexuais são instrumentos para se obter prazer sensual e posição social.

Muito comum é o ouvir-se, especialmente a respeito de mulheres: “Coitada, nunca se casou.” Ou “pobrezinha, não conheceu a felicidde de ter filhos”. E mulheres que já são mães dizem que só após nascidos seus filhos conheceram a “verdadeira felicidade” e vida ganhou “real significado”. Casar-se e ter ao menos 1 filho é o "mínimo" que alguém tem que fazer para dizer que teve uma "vida normal" e "realizada". Tudo ilusão. Tudo vão. Tudo vento.

Esta idealização pequeno-burguesa da maternidade como o "ápice" da condição feminina é muito mais deletéria do que se pensa a princípio, se combinada à iniciação sexual precoce e irresponsável das adolescentes. 2 casos simbólicos:

1 – Quando eu estava no colegial uma colega de sala tinha uma filhinha com meses de idade. Numa conversa ela revelou que sua filha nascera quando ela tinha 14, mas ela engraidara ainda com treze. Perguntei se ela ficou com medo quando descobriu que estava grávida. Respondeu-me que não. Sua gravidez não fora acidental, mas planejada. Seus pais eram contrários a que ela tivesse um namorado sendo tão jovem e a melhor forma de fazê-los engolir seu namoro, obviamente, era engravidar. Desnecessário arrematar que quando a conheci, já com 15 anos, o pai de sua filha já era seu ex-namorado.

2 – Poucos anos atrás, ao encontrar um ex-namorado meu perguntei-lhe como andava sua vida e disse-me assustado que sua atual namorada, bastante jovem, era completamente louca. Queria desesperadamente sair da casa de seus pais e já o arrastara para ver “móveis e roupinhas de bebê”. Disse que nem conseguia mais transar com ela pq sabia que ela estava querendo engravidar para fazê-lo engatar com ela algo mais sério que um namorico. Claro que o sonho máximo da adolescente irresponsavél é o casar com o seu primeiro amor, seu "High School Sweetheart", ou seja, comprometer-se com o primeiro perdedor que cruzou seu caminho ao dele engravidar, sucessivas vezes, para “cimentar ainda melhor a seriedade do compromisso”...

Embora a maioria dos adultos considerem que adolescentes e jovens mulheres engravidam “por descuido”, não há nada mais irreal em tempos de plena informação sobre métodos contraceptivos e farta distribuição de camisinhas. Adolescentes engravidam pois são meninas mimadas que não têm pudores nem escrúpulos em instrumentalizar um ser que ainda nem existe, para atingir seus objetivos egoístas imediatos: conseguir mais liberdade, “prender” um homem, sair da tutela paterna, obter status social através do casamento e da maternidade.

Curioso que em nenhum momento essas adolescentes pensam que apelar a “meios tortos” para obter a Felicidade pode na verdade transformar a busca numa conjectura inverificável, e em cujo triste desenrolar desfaz-se não só a vida da gestante sonhante, mas também da criança inocente. E que ao abusarem de sua liberdade estão não apenas prejudicando à própria vida, mas a de seus pais que serão, seguramente, os responsáveis financeiros por seus netos, além da própria criança que já nasce em situação capenga, filha de alguém que nem pode se suster nem tem maturidade para fazer escolhas deste quilate. E infelizmente é comum a estes “pais” quando adultos de forma alguma considerarem que cometeram qquer tipo de erro no passado. Morrer sozinho, ou sem deixar filhos é socialmente considerado um retumbante fracasso. Mas creio que mais humilhante que isso seja admitir e desculpar-se por seus próprios erros.

Sempre fui uma pessoa muito responsável, não só com a minha vida mas com as vidas que poderia vir a cativar. Muitas vezes tive relacionamentos sérios nos quais cheguei a sonhar em incluir filhos. Porém sei bem distinguir sonho de realidade e conheço as conseqüências de tal desdicha por haver sido pessoalmente vítima da desestruturação familiar que uma, ou duas, ou três, gravidezes irresponsáveis podem suscitar às maioes vítimas destas gestações: os próprios bebês. Por isso jamais brinquei com meu sistema reprodutivo. Jamais engravidei por não ter, até hoje, uma confortável situação financeira. E mesmo quando a tiver, pensarei realmente muito seriamente a respeito antes de sair engravidando por aí do primeiro que cruzar o meu caminho, como muitas vezes fazem as mães adolescentes. Nunca pretendi repetir os erros dos que me precederam. E até agora jamais os cometi, graças a Deus!

Escrevo isso pois esta noite tive um sonho que me fez sentir genuinamente autêntica felicidade, do tipo que é duradoura, eterna, pois é advinda da percepção de um certo “clique” de Justiça encaixando-se nos Multiversos. A Felicidade que alguém que sente-se reparado, elevado, restaurado. Felcidade é sentir-se reparado por uma injustiça sofrida. Infelicidade é sentir-se desprezado, abandonado, prescindido, tratado com descaso.

No sonho eu estava sentada em meu local de trabalho lendo ao jornal, despreocupadamente. Eu era mais velha do que sou hoje, algumas décadas. De repente, num virar de página a manchete: “Morador de rua encontrado morto. O corpo do catador de latinhas Ambrósio também conhecido como Lampião foi encontrado carbonizado na madrugada desta quinta-feira”. No sonho lembro que ainda dei uma revirada de sobramcelha como que duvidando, ou achando ser uma coincidência esdrúxula. Ao virar a página seguintedeparei-me com a foto de uma velhinha recurvada cobrindo o rosto com as mãos, com a aparência lastimável. Aquela mão, mesmo manchada, recurvada, coberta de pintas e rugas, eu reconheceria entre um milhão de outras mãos. A foto acompanhava a manchete: "Asilo fechado por maus tratos aos idosos".

No sonho eu me virava para meu colega de trabalho sentado na mesa ao lado e lhe dizia, enquanto fazia barulho ao puxar o ar:

- Sente?

Ele também deu algumas cafungadas, cheirou as próprias axilas e arrematou:

- Sinto o quê?

- O inebriante aroma da desforra! O verdadeiro cheiro da Felicidade! É como um Gelato Sappore di Vendetta.

Se a vingança é um prato servido frio, como um carpaccio, a desforra é servida gelada, como um sorvete. E é muito mais deliciosa.


Raul Seixas - Mosca na Sopa

Richard Ashcroft - Break The Night With Colour

Epístola aos Efésios 6:
4 Pais, não dêem aos filhos motivo de revolta contra vocês; criem os filhos, educando-os e corrigindo-os como quer o Senhor.

sábado, 14 de maio de 2011

Batata de buteco

Pelos botecos e pés-sujos da vida comum é encontrar sobre o balcão um grande pote de vidro repleto de batatas-bolinha curtindo em conserva, com aparência meio suspeita. Para os que nunca tiveram coragem de experimentar, uma versão caseira desta deliciosa e misteriosa receita, que preparei muitas vezes, segue abaixo.

Ingredientes:

500 grs. de batata-bolinha, também conhecida como “para conserva”

Meia cabeça de alho picado fino, aprox. 8 dentes, ou 80 grs.

1 cebola média picada em cubos (os amantes de alho como eu estão autorizados a prescindir da cebola)

Azeite de oliva à gosto. Mediterrâneos gostam de bastante J

Vinagre à gosto. Uso só o de maçã

Orégano, sal e cheiro-verde à gosto

Modo de preparo:

-Cozinhe as batatas. Alguns não as cortam, alguns as espetam inteiras com um garfo. Alguns (poucos e loucos) as descascam. Eu as corto só ao meio e sirvo com casca.

-Misture tudo. Deixe descansar por algumas horas para a batata absorver o sabor dos temperos.

PS.: Como sou da Esquerda Butequeira, é buteco, e não “boteco”. Ótimo aperitivo oleoso para proteger o estômago dos excessos pelos bares da vida. ;)

Salada de batata na maionese

Ingredientes:

12 batatas-bolinha ou 5 batatas “normais” – (o que seria uma batata “normal” e uma “anormal” ? rsrs) – aprox. 500 grs.
1 cebola média fatiada em rodelas
3 ovos cozidos fatiados em rodelas
1 lata de ervilha escorrida, ou 200 grs. de ervilha descongelada
1 xícara de azeitona picada (aprox. 150 grs.)
2 mãos cheias de cheiro-verde picado (cheiro-verde é a combinação de salsinha e cebolinha) – aprox. 50 grs.
3 colheres de sopa de azeite de oliva
4 colheres de sopa de maionese
3 pitadas de orégano
Tempero pronto em pó para salada à gosto (uso o Fondor da Maggi, mas tb serve o Sazón salada)
Sal e glutamato monossódico (realçador de sabor umami) à gosto
Folhas verdes variadas: alface, rúcula, agrião, chicória, escarola, acelga, catalhuna, mostarda.

Modo de preparo:

-Cozinhe as batatas. Corte-as em cubos. As batatas-bolinha eu corto ao meio, e cada metade em 4, e não retiro a casca, rica em fibras.
-Escalde as rodelas de cebola desfolhadas. Escaldar é banhar em água fervente por 1 minuto, e escorrer. É só para “dar um susto” na cebola e tirar-lhe um pouco da dureza e picância.
-Misture tudo, com exceção das folhas verdes.
-Sirva a salada de batatas sobre uma “cama” de folhas verdes

Creme de Milho

Receita essencial. Não cometam o sacrilégio de temperá-la com caldos e pós prontos, que mascararão o gosto puro e rico do milho.

Ingredientes:

3 latas ou 4 espigas de milho verde cozido (aprox. 600 grs.)

1 copo e meio de leite (aprox. 400 ml.)

1 cebola média picada em cubos

2 colheres de sopa de manteiga

1 colher de sopa de azeite de oliva

2 colheres de sopa de amido de milho

Cebolinha verde e sal à gosto

Modo de preparo:

- Bata no liqüidificador 2 latas de milho escorrido com 1 copo de leite.

- Refogue no azeite e na manteiga a cebola com o restante do milho em grão.

- Despeje no refogado o conteúdo batido no liqüidificador e refogue.

- Após apurar por alguns minutos, dissolva o amido de milho no meio copo de leite (frio) restante. Abaixe o fogo. Despeje o copo de leite com amido na panela, mexendo com atenção por alguns minutos até o creme engrossar.

- Quando atingir a textura desejada, adicione a cebolinha e o sal.

*Dica: quem gosta do creme mais mole e fino pode adicionar um pouco menos de amido de milho e um pouco mais de leite.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

O swing de Shakira pode ser a arma definitiva para a paz mundial?

Gostaria de deixar claro logo no início que não sou fã de Shakira nem acompanho sua carreira com atenção. Porém, como a qualquer terráqueo, é-me impossível ignorá-la, onipresente que é na cultura pop.

Shakira Mebarak é a mais lucrativa commodity colombiana. Talvez ela personifique a mais vistosa contribuição da Colômbia ao planeta, suplantando Fernando Botero, Gabriel García Márques, o café premium e até a cocaína.

Porém Shakira não é uma “cantora colombiana”, é uma artista pop internacional cujo local de nascimento é mero detalhe. Shakira personifica o melting pot étnico da América Latina. E a liberdade sexual da mulher ocidental.

Seu começo de carreira foi o de uma “cantora colombiana”. Cantava em espanhol temas românticos, juvenis, despretensiosos. Em 1996, ao conhecê-la através de seus “Pies Descalzos”, Shakira não soava muito diferente de Paula Toller, Adriana Calcanhotto, Ana Carolina, Zélia Duncan, Marina Lima, Cássia Eller, Jewel, Natalie Imbruglia, Dido, The Cranberries, Sinead O’Connor, No Doubt. Diria até com uma versão juvenil, menos séria e talentosa de Marisa Monte. Sem esquecer a matriz de todas as cantoras ocidentais pós 1985 e a própria inventora do girlpower antes que o próprio termo fosse cunhado: Madonna. Que, mesmo começando como um clone da então famosa Cindy Lauper, provou que tinha muitas cartas na manga, como Shakira.

Em anos de Alanis Morissette, Shakira soava como uma versão latina desta rebeldia adolescente, deste girlpower ascendente, pois também eram tempos de Spice Girls. Neste começo de carreira Shakira não tocava musical ou imageticamente em sua ascendência turca, ou melhor, sírio-libanesa. Isto era um detalhe. Shakira era uma cantora hispânica, e cantava baladas em temas sonoros latinos.

Porém com o lançamento em 2001 de “Laundry Service” o tom e os temas de Shakira mudaram. O ponto de inflexão se deu a partir do lançamento da ainda em espanhol “Ojos Así”. A partir de então Shakira “deixou de ser latina” para tornar-se internacional, sem fronteiras. Com esta música Shakira uniu as duas pontas até então soltas de sua identidade: sua herança oriental, árabe, com sua circunstância ocidental, latino-americana. E começou a cantar em inglês, tornando-se palatável e atraente a então inexpugnáveis audiências, pouco afeitas à variedade cultural e receptivas a uma cantora em língua espanhola.

A partir de seu encontro com a Sony internacional do pigmaleão pop Tommy Motolla, Shakira sacou a carta que guardava até então insuspeita na manga: o balanço de seus quadris. E a cantar claramente que seus “Hips don’t lie”. Mais do que swingar seus quadris, coisa que qualquer Spice Girl, Jennifer López ou Beyoncé pode fazer, Shakira ia muito além: exibia dotes de dançarina bem versada na secreta especialidade islâmica da dança do ventre. Mexendo e tremendo sensualmente músculos de que as ocidentais sequer conheciam a existência.

E é este detalhe que a faz uma interlocutora fluente e uma mediadora eficaz nas conversas entre Oriente e Ocidente que, esperamos, virão impedir o “Clash of Civilizations” preconizado por Francis Fukuyama e materializado nos atentados de 11 de setembro. A própria data com apenas dia e mês excede explicações adicionais sobre o fato aludido. Não, não me refiro à queda de Salvador Allende no Chile. :p

O “convencimento” se dá pela força ou pela persuasão. Desnecessário dizer que a persuasão é muito mais eficaz e perene que o cerceamento violento. E Shakira é um trunfo do Ocidente que poderia ser muito bem apresentado no truco vale-doze da Política da Boa Vizinhança.

A Política da Boa Vizinhança foi posta em prática pelos EUA nas décadas de 1930 e 1940 como ação afirmativa de sedução cultural da América Latina. Visava arregimentar os países latino-americanos para a esfera de influência cultural e política dos EUA, em oposição aos regimes totalitários europeus. Os EUA queriam vender uma imagem de modernidade, futuro, democracia, liberdade. Mas para convencer aos latino-americanos a aderir nesta joint venture eram necessários interlocutores/mediadores locais. Era necessário encontrar, lapidar, valorizar e divulgar artistas latinos plastificados e pasteurizados à moda dos EUA.

No Brasil os dois expoentes máximos desta política foram Zé Carioca e Carmen Miranda. Zé Carioca, papagaio criado sob medida por Walt Disney para incluir em seu panteão mítico um “amigo” brasileiro. Filme clássico e significativo desta época é o “Você já foi à Bahia?” no qual o rabugento Pato Donald desfila sobre paisagens brasileiras que são grandes clichês. Porém, que de certa forma davam aos brasileiros a impressão de serem aceitos, assimilados carinhosamente pelos EUA.

Exemplo maior e melhor é o da portuguesa de nascimento e brasileira por vocação Carmen Miranda em seu tutti-frutti hat. A pequena notável tornou-se uma interlocutora fluente e uma mediadora eficaz nas conversas entre Brasil e Estados Unidos. Diz-se, não sei se folcloricamente, que em sua época Carmen Miranda foi a mais bem-sucedida artista “americana”, id est, que seu sucesso seria auto-sustentável independentemente de jetons e jabás político-culturais. Que ela não faria sucesso como uma “curiosidade tropical passageira”, similar a uma cantora folclórica. Como o Abba seria uma “curiosidade folclórica nórdica passageira”. E Laura Pausini seria uma “curiosidade folclórica-pop italiana passageira”. Mas como uma artista sem fronteiras, internacional. Tal qual Shakira é hoje.

O convencimento pela força pode ser posto em prática com “leis afirmativas” ou negativas/deletérias, como é o caso recente na França. A França tentou proibir, via lei, que a muçulmanas residentes, ou de passagem por seu território, usem vestes muçulmanas que cubram-lhe o rosto, como o niqqab, o hijab e a burka. Como toda proibição e tentativa de legislar laicamente sobre a religião alheia, é óbvio que tal medida é abusiva e está sendo alvo de muitos protestos, principalmente da parte de mulheres muçulmanas que sentem-se aviltadas e cerceadas em sua liberdade religiosa. Com mais do que razão.

Acompanhando as vozes que defendem a liberdade da muçulmana cobrir-se tal qual a da cristã descobrir-se subjaz uma pergunta sem resposta: a mulher muçulmana se cobre e se esconde espontaneamente por fervor religioso ou a mulher muçulmana cobre-se por opressão, falta de escolha e de liberdade?

Tentar obrigar as mulheres muçulmanas a despirem-se de seus véus é contra-producete e abusivo. Não é pela força que se efetiva o convencimento, mas através da persuasão cultural insidiosa, quase muda, insuspeita, que transcende argumentos racionais, pois em termos religiosos não os há.

Não é através da asserção plúmbea, por decreto, que o Ocidente convencerá as muçulmanas a “rasgar” ou prescindir do véu. Mas através da sedução horizontal, sibilante, acetinada, atrativa. É aí que Shakira e o balanço de seus quadris podem ser muito mais efetivos que a derrubada de Saddam Hussein e a aniquilação da Al Quaeda. O swing de Shakira faz muito mais pela assimilação e integração entre Oriente e Ocidente que qualquer arma de destruição em massa ou ação de espionagem.

Shakira tem o poder de, sendo uma mulher de origem árabe, mostrar a suas primas que ainda residem no Oriente Médio o quanto o Ocidente pode dar poder e liberdade às mulheres. A mensagem é tão mais eficaz quanto não pré-fabricada em linha de montagem com ISO 9000. Insuspeitamente, ao incluir o swing árabe único dos quadris e a sonoridade libanesa ancestral em suas músicas Shakira tornou-se um modelo, um quase tipo-ideal hegeliano da mulher muçulmana que rasgou o véu e ressemantizou sua herança cultural de forma a valorizar a liberdade, a identidade, a sensualidade, a beleza poderosa da condição feminina.

Como diz um rapper em uma de suas músicas:

“I didn’t know someone could dance like this, she makes a man want to speak Spanish. Como se llama? Bonita. Mi casa, su casa.”

Para convencer o mundo muçulmano a aderir à cultura Ocidental, muito mais efetivo que panfletar a Constituição Americana ou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão seria divulgar massivamente entre os jovens muçulmanos as músicas e, especialmente, a imagem de Shakira. Ao vê-la poderosa, bem sucedida, bem resolvida, rebolar livremente seus quadris enquanto marmanjos babam por ela homens muçulmanos pensarão “Quero uma mulher como ela” (a la o single posterior das descartáveis Pussycat Dolls “Don’t you wish your girlfriend was hot like me?”)

Porém, mais importante que sua potencial e certeira sedução sobre os homens é seu exemplo sobre as mulheres. Vendo-a, as muçulmanas sedentas por liberdade terão um ícone imagético, uma silhueta paradigmática. Se verão, à manivela, diante de uma ampliação de seu campo proximal vygotskyano cultural. Após ver Shakira, linda, loira, sorridente, conquistar o mundo exibindo a secreta arte árabe da belly dancing jamais a esfera mental de uma muçulmana reprimida voltará a ser a mesma. Pois a partir de então ela verá, diante de si, e sem palavras, uma mulher árabe como ela, mas livre, exposta e feliz, colocando o mundo, e os homens, a seus pés.

Após esta exposição fica o seguinte como sugestão às agências internacionais que agem no mundo islâmico. Conjuntamente com a ajuda humanitária ofertada às muitas zonas de guerra e conflito social, junto às doações de comida, remédios e alimentos, forneçam também CD’s e DVD’s de Shakira. O swing de seus quadris contribuirá muito mais para a “paz entre as nações” e a conciliação entre cristãos e muçulmanos que toneladas de donativos, ou centenas de decretos, leis e ações afirmativas ou negativas/deletérias. As relações Oriente-Ocidente, mais do que guerras e bombas, precisam de uma bem arquitetada reedição da Política da Boa Vizinhança para que o modo de vida ocidental torne-se palatável e sedutor ao Mundo Muçulmano.

O balanço dos quadris de Shakira é capaz de muito mais do que fazer um homem querer aprender espanhol. É capaz de convencer muçulmanas de viver à Ocidental e a rasgar o véu. Com girlpower.

Para ouvir:

Estoy Aqui

Te espero sentada

Te necessito

Se quiere, se mata

Piez descalzos, sueños blancos

Ciega, Sordomuda

Hips Don't Lie

Ojos Así

Whenever, Wherever

Underneath Your Clothes

La Tortura

Beautiful Liar, parceria com Beyoncé

Waka Waka – 2010 Soccer World Cup Theme

Loca

Rabiosa

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