quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Da bastardia e dos testes de paternidade


DNA. Ácido desoxirribonucléico com quatro simples nucleotídeos básicos: adenina, guanina, citosina, timina. Maravilhosa descoberta de Watson & Crick em 1953 que, insuspeitamente, desembocou em novas tecnologias como os transgênicos, a clonagem de touros premiados e os exames de paternidade. É sobre este último que pretendo digressar.


Graças a Deus ou à reincidência errática de minha ex-genitora nunca precisei de um teste de DNA para colocar um nome num campo em branco no meu RG, e imagino o quanto seja humilhante precisar recorrer a um teste de DNA, tanto para a mãe como para o filho, a fim de precisar quem é o seu genitor. Talvez seja por isso que o rabinato há mais de mil anos determinou: judeu é todo aquele filho de mãe judia, não importa quem seja o pai. Na verdade, porque nunca se tinha certeza de quem realmente era o pai. Além da também recente e inconclusiva tipagem sangüínea, não havia como saber com certeza se o filho “legítimo” era bastardo ou se o filho duvidoso o era de fato.


Os exames de paternidade de certa forma resolveram um antigo problema filial e patrimonial: a bastardia. Hoje, quando a noção de família, honra e “normalidade” se tornaram bem mais elásticas, ser filho “bastardo”, especialmente no Brasil, não é mais tão traumático. Houve tempo em que qualquer filho concebido fora de um casamento sacramentado pela ICAR (Igreja Católica Apostólica Romana) era um bastardo, mesmo que fruto do relacionamento de duas pessoas solteiras, com nome do pai e da mãe na certidão. Vivemos na época de Papa don´t preach. E isso é bom.


Ter um filho bastardo antes da década de 1960 era uma anátema que não raramente resultava no aborto, infanticídio ou na exposição de bebê (abandono na “roda dos expostos” dos orfanatos). Isso resultou, entre outras coisas, no sobrenome italiano Spositto e na mais torrencialmente pesarosa cena da novela Terra Nostra, quando a pérfida neo-sogra (Ângela Vieira) põe na roda o fruto bastardo do amor puro entre Giuliana (Ana Paula Arósio) e Matteo (Thiago Lacerda).


Ser um filho bastardo, sem nome do pai, ou até sem saber quem era o seu pai, costumava ser um estigma. Uma marca indelével que apenas a dedicação à Igreja podia alvejar. Analisemos o caso do padre Diogo Antônio Feijó, filho bastardo de uma tradicionalíssima família paulista, exposto literalmente na pocilga do bispo de São Paulo. Adotado, educado e ordenado, Feijó pôde, em princípios do séc. XIX, transcender à mácula de seu sangue possivelmente “infecto”, tornar-se uma importante liderança política brasileira e alçar-se ao grau até então inimaginável a alguém sem estirpe determinada: governante do Brasil. Ele foi Regente do Império do Brasil durante alguns anos da minoridade de Dom Pedro II. Trajetória comparável à conquista também inédita do corso Napoleão Bonaparte ao tornar-se Imperador da França. Dá-lhe “O Vermelho e o Negro” de Stendhal...


Fui testemunha do trauma e do pesar que a ausência do nome do pai de um “grande amigo” então JPN, filho de mãe negra, solteira e pobre com pai branco, solteiro, rico e escusem-me violar a memória de um falecido, pouco responsável. Do pai JPN carregava o prenome, não, porém, o sobrenome e o reconhecimento. Não que seu pai não soubesse ou duvidasse que ele fosse seu filho, Mas à década de 1960 ainda vicejava até no ambiente urbano paulistano uma certa mentalidade desvendada por Gilberto Freyre em “Casa-Grande & Senzala” ao diagnosticar a função do “negro na vida sexual e de família do brasileiro”. Já adulto e ele mesmo pai, JPN foi reconhecido por seu pai, já idoso, sem necessidade de teste de DNA, e tornou-se orgulhosamente JPNSC. Fez questão de ostentar a longa seqüência de todos os sobrenomes a que tinha direito, tal qual quatrocentão, embora fosse um mulato carcamano. Embora pouco prático ou estético, isso deve ter cumprido a função catártica de “lavar a alma” e a honra da família.


Casos famosos envolvendo questões de reconhecimento de paternidade, e que exemplificam comportamentos opostos, são os de Pelé e Mick Jagger. O triste caso de Pelé, Edson Arantes do Nascimento, o atleta do Século (XX), o liga a Sandra Regina Arantes do Nascimento, “A filha que o rei não quis”. Embora comprovado por testes laboratoriais que Sandra era de fato integrante de sua prole, Pelé recorreu até ao Supremo Tribunal Federal para não reconhecer a paternidade de sua filha, já adulta, fruto dos longínquos tempos do anonimato. É claro que Pelé perdeu a causa, Sandra pôde ostentar seu “Arantes do Nascimento” e passá-lo à sua própria descendência.


A lei brasileira é generosa neste sentido: todo filho, natural ou adotivo, tem direito à herança de seus pais, mesmo que à revelia. Ou seja, nenhum filho pode ser deserdado. Legítimo ou bastardo, concebido dentro ou fora de um casamento; cada filho, amado ou rejeitado, tem direito a igual quinhão do espólio. O único caso de exceção é no de o herdeiro causar a morte de seus genitores, tal qual no caso de Suzane Louise von Richtoffen, que assassinou aos próprios pais, Manfred e Marísia. E ainda num caso assim, é necessário que o(s) co-herdeiro(s), entre(m) com um processo para a exclusão da(o) parricida de seus direitos naturais no inventário.


Pelé rejeitou Sandra, e esta talvez seja a maior mácula em sua biografia. Postura diferente teve Mick Jagger, vocalista dos Rolling Stones, então casado com Gerry Hall, quando se viu pego no “golpe da barriga”. Bem ciente dos avanços do DNA, a então desconhecida modelo brasileira Luciana Morad Gimenez teria tido um encontro casual com a lenda do rock, supostamente num canil, que resultou numa muito alardeada gravidez e no divórcio Jagger-Hall. Mesmo numa situação extremamente constrangedora, talvez aconselhado por um media trainer, tal qual Ronaldo Nazário, o Fenômeno, diante da gravidez de Milene Domingues, Jagger comportou-se com um legítimo cavalheiro: em nenhum momento criticou Gimenez, ou negou a paternidade. Obviamente exigiu o teste de DNA e à revelação, na corte americana, do resultado positivo, Jagger, pelo telefone, disse estar muito satisfeito com o resultado, e prontificou-se a comparecer com todas as suas obrigações de pai conforme acordado fosse pela corte na presença de seu advogado. Cifras em dólares àparte, Mick Jagger fez, e faz, muito mais por Lucas Morad Jagger, que destruiu seu único longo casamento, que pagar-lhe uma morbidamente obesa pensão alimentícia: faz-se presente. São lindas as fotos dos dois juntos. Jagger fez de um tropeço uma superação exemplar, dá uma lição de como um homem honrado deve comportar-se diante de um filho inesperado: como um pai.


Por mais indesejadas que tenham sido as circunstâncias que resultaram numa descendência inesperada, nenhuma pessoa com honra pode permitir-se furtar-se às responsabilidades, financeiras e emocionais, provenientes de um filho. Por mais que a mãe tenha sido uma oportunista, ela não importa. A pensão é para a criança. O registro é da criança, que não é uma oportunista e que é filha tanto quanto qualquer outro filho que alguém venha a ter. Ninguém tem o direito de negar a outra pessoa a certeza e o orgulho sobre sua origem. Toda criança tem o direito à presença e à referência de ambos os seus genitores.


Pena que cerca de 30% das crianças brasileiras sequer tenham o nome do pai em sua certidão de nascimento. E muitas das que têm um nome ali, seu “pai” é apenas um nome, de papel, completamente imaginário.

Vivemos tempos familiarmente tristes...

sábado, 2 de outubro de 2010

Apologia do PSOL

Alguns podem considerar o Socialismo uma bandeira “superada”. Estas vozes direitistas viram no fim do Stalinismo a derrota dos princípios socialistas, mas se enganam profundamente. A desagregação da União Soviética não significou a derrota do ideal marxista tanto quanto o ocaso da Comuna de Paris não o foi.

As manifestações temporais econômico-ideológicas do princípio comunista podem até falhar, mas o ideal permanece intocado. Tropeços na trajetória são mais do que esperados, até mesmo previstos em “O Capital”, ao apregoar que o comunismo só se realizaria após a derrocada final do Liberalismo, jocosamente chamado de Capitalismo, o que ainda não aconteceu.

A URSS caiu e a Guerra Fria acabou. Isso levou a que teóricos até decretassem o “Fim da História” (não leia-se o livro do harvardiano Francis Fukuyama), que seria configurado pela hegemonia perene do capitalismo americano, impondo-se através da “guerra preventiva” como modelo único para o mundo. Graças a Deus a era Bush acabou!

O ideal socialista continua vivo e palpitante na alma de todos aqueles que mantêm a sensibilidade de se indignar ao observar as injustiças do mundo capitalista. Muitos de nós, confortavelmente sentados em seus lares quentinhos, com luz elétrica, água e esgoto encanados, internet banda larga e geladeira cheia, preferimos esquecer ou tachar de “malemolentes” e “incapazes” aos desfavorecidos, vampirizados ou mesmo escravizados pelo sistema neoliberal. Os explorados pelo Sistema são mais de 10 para cada um de nós, playboyzinhos e patricinhas da classe-mérdia ocidental e americanizada.

A respeito da Reforma Agrária, esta bandeira pode ser considerada por alguns ultrapassada e por outros, clássica. Alguns séculos antes de Cristo os irmãos Tibério e Caio Graco, tribunos da plebe na República Romana, propuseram leis para limitar a extensão dos latifúndios dos patrícios romanos. Ambos foram assassinados. Visionário, Júlio César distribuiu gratuitamente terras nas províncias recém-conquistadas à soldadesca. Coincidentemente ou não, o Sistema, com sua mão invisível, tb o esfaqueou. Pelas costas. Muitos outros revolucionários imolaram suas vidas defendendo um ideal de fraternidade, vermelho como o sangue vertido na Revolução.

Lula ascendeu ao poder ao lado do MST (Movimento dos Sem Terra) e prometendo realizar a Reforma Agrária. Nem bateu na trave. O governo Lula foi o maior imbróglio, uma grande promessa da esquerda latino-americana aterciopelada pela realidade inclementemente prolífica na desilusão ciclicamente reiterada na política democrática. Para quem não acompanhou ao escândalo do Mensalão do PT, que resultou na queda dos Josés Genoíno e Dirceu e na ascensão da petebista Dilma Rousseff, vou sucintamente relatar como isso tem a ver com o nascimento do PSOL.

Os fundadores do PSOL eram petistas ferrenhos até o escândalo do Mensalão. À revelação da corrupção no seio do Partido dos Trabalhadores, que se apresentava até então como 100% honesto em oposição a todos os partidos de centro-direita e sociais-democratas, alguns membros do PT, indignados, passaram a enfrentar o Partido. Tachados de “radicais do PT” perceberam que o partido incorporara as práxis corruptas dos governos anteriores. Liderados pela senadora alagoana Heloísa Helena resolveram cair fora e fundar seu próprio partido, sem mordaça, sem intimidação, sem promiscuidade ou fisiologismo. Assim nasceu o PSOL, Partido Socialismo e Liberdade: antigos petistas que não concordam com as práticas corruptas que o PT passou a engendrar quando se tornou governo, como a absurda aliança com o PMDB.

Alguns ítens do discurso de Plínio e dos demais candidatos do PSOL podem soar radicais ou impraticáveis. Mas que ninguém pense que, num cenário surreal, se eleito presidente Plínio de Arruda Sampaio por decreto ou Atos Institucionais faria pela força a Revolução. De forma nenhuma, o PSOL valoriza a democracia. Sabemos que muitas das propostas de Plínio não são realizáveis no curto ou até no médio prazo. Mas estas bandeiras precisam ser alardeadas para sensibilizar a opinião pública e alargar o campo proximal da discussão política no Brasil.

Você tem opção. Você tem o PSOL. Vote 50! Vote PSOL!

[Postado originalmente no tópico “Em quem vc vai votar? - Eleições 2010“ da comunidade “Perguntas Cristãs Ridículas” na rede social do Google “Orkut” - http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=14446807&tid=5522014404218611820&na=4 ]
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